INTRODUÇÃO
As afecções umbilicais podem ser divididas em não infecciosas e infecciosas, bem como em extra e intra-abdominais. A extra-abdominal recebe o nome de onfalite, enquanto as intra-abdominais são denominadas com base na estrutura acometida: onfaloflebite; onfaloarterite; uraquite; onfaloarterioflebite; onfalouracoflebite; uracoarterite e panvasculite umbilical (Figueirêdo, 1999; Rodrigues et al., 2010; Sturion et al., 2013).
O diagnóstico baseia-se em palpação da região afetada. Ultimamente tem sido utilizada a ultrassonografia como ferramenta auxiliar para colaborar na distinção das estruturas acometidas (Lischer e Steiner, 1994; Seino et al., 2016).
Geralmente as onfalopatias de caráter não infeccioso não apresentam alterações hematológicas e dolorosas. O tratamento preconizado é laparotomia exploratória, que permite acessar todas as estruturas acometidas. O tratamento conservativo é preconizado para os casos cuja causa é infecciosa (Figueirêdo, 1999; Rodrigues et al., 2010).
As causas principais de dor e sofrimento em animais de produção são: em ruminantes, marcação a quente ou a frio, castração, descorna, cirurgias em geral, mastite e laminite, nos quais, mesmo após a resolução clínica da laminite, o limiar de dor está reduzido, dada a sensibilização central do sistema nervoso. Além de atividades relacionadas ao manejo para produção, muitos animais estão sujeitos a práticas de esporte, tais como rodeio, predispondo-os à lesão no aparelho locomotor (Prada et al., 2002; Heinrich et al., 2010; Oliveira et al., 2014; McDougall et al., 2016.
O comportamento é o componente principal na avaliação, já que normalmente está alterado. Há diversos estudos referentes a métodos de interpretação de dor em animais, nos quais se descrevem escalas de avaliação, que, apesar de aparentemente subjetivas, são extremante úteis na prática (Holton et al., 2001; Price et al., 2003; Oliveira et al., 2014).
O pedômetro é um dispositivo eletrônico capaz de transmitir e armazenar informações, como o número de passos, o número de vezes em que o animal deita e o tempo em minutos em que o animal fica deitado, possibilitando a correlação do aumento da atividade pedométrica (AP) com a ocorrência de cio em vacas. A AP também sofre alterações significativas quando comparados animais saudáveis e acometidos de enfermidades podais, sendo observada sua redução cinco a seis dias antes do aparecimento dos sinais clínicos de claudicação (Mazrier et al., 2006).
A dor pode causar estresse e conduzir à inquietação. Estresse é o desequilíbrio entre os sistemas nervoso, endócrino, hematológico e imunológico, assim ocorrendo mudanças metabólicas, para a homeostase. O estresse causado pela dor aguda é proveniente da estimulação do sistema nervoso simpático, que aumenta a secreção de glicocorticoides, principalmente o cortisol, resultando em retenção de água e alteração no metabolismo de carboidratos e proteínas (Clark et al., 1997).
Os objetivos deste trabalho foram avaliar a pedometria e o acompanhamento bioquímico no pós-operatório de bovinos Nelore acometidos de onfalopatias e comparar a eficiência anti-inflamatória e analgésica entre diferentes doses de flunixin meglumine e meloxicam nesses animais.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados 24 animais da espécie bovina, machos e fêmeas, sendo nove animais com idade entre três e cinco meses, nove animais entre seis e oito meses e seis animais com 10 meses, concebidos por meio de FIV ou de inseminação artificial, os quais apresentavam histórico de aumento de volume na região umbilical. Todos esses casos clínicos foram atendidos no Hospital Veterinário “Luis Quintiliano de Oliveira”, da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba - Unesp.
Todos os animais foram alojados em curral coletivo, juntamente com suas mães, quando lactentes; quando desmamados, foram alojados em grupos com os animais do experimento. Forneceu-se concentrado, misturado à silagem de milho à vontade, sal mineral, água ad libitum.
Os animais utilizados neste estudo apresentavam histórico de onfalopatia, sendo indicado o tratamento cirúrgico por meio da laparotomia exploratória.
Os bovinos foram divididos em quatro grupos de seis animais, conforme a seguir: controle (GC); grupo 1 (G1), tratado com flunixin meglumine 1,1mg/kg IM (Desflan, Flunixin meglumine, Ouro Fino Saúde Animal, Brasil); grupo 2 (G2), tratado com flunixin meglumine 2,2mg/kg; e grupo 3 (G3), tratado com meloxicam 0,5mg/kg IM (Maxican 2%, Meloxicam, Ouro Fino Saúde Animal, Brasil), sendo essas doses e fármacos aplicados uma vez ao dia, durante seis dias consecutivos. A distribuição entre os grupos se fez de forma aleatória, considerando-se a ordem de chegada, sendo o primeiro animal do G1, o segundo do G2 e assim sucessivamente, até completarem os grupos. Os animais do GC não apresentavam qualquer histórico de onfalopatia e foram avaliados quanto a sua higidez pelo hemograma e exame clínico e, consequentemente, não participaram da seleção por ordem de chegada.
Todos os animais foram pesados, identificados e examinados no momento antes do alojamento. Posteriormente, foi colocado o pedômetro no membro torácico direito, imediatamente proximal à articulação metacarpofalângica do animal. A alimentação constou de silo e ração concentrada e água ad libitum.
Após a identificação, os animais foram separados em grupos, para que fossem submetidos a um período de adaptação pedométrica. Durante esse período, todos os bovinos foram avaliados por três dias, previamente ao procedimento cirúrgico.
Os valores do número de passos (S), número de vezes em que o animal deita (NL) e tempo em que ele permanece deitado (TL) foram contabilizados pelo pedômetro (Pedometer Plus tags, pedômetro, AfiMilk, Israel), obtidos por seu correspondente leitor manual e tabulados pelo respectivo software (Version 0.6 of the Tag Reader Unit, and software version 0.2 of the Tag RPU, SAE AfiMilk, Israel) (Fig. 1). Procederam-se a duas leituras diárias do pedômetro por três dias antes da cirurgia e por 10 dias após o início do tratamento com anti-inflamatório.
Os procedimentos cirúrgicos foram realizados sempre no período vespertino, objetivando a padronização da dosagem de cortisol entre amostras coletadas, sendo essas coletas realizadas rigorosamente no mesmo período. As laparotomias nos bovinos foram precedidas da medicação pré-anestésica, com xilazina, 0,07mg/kg (Dopaser 2%, cloridrato de xilazina, Hertape Saúde Animal, Brasil), com posterior indução anestésica com midazolan, 0,06mg/kg (Dormire 5mg/mL, midazolan, Laboratório Cristália, Brasil) e cetamina, 1,5mg/kg (Vetaset 10%, cetamina, Fort Dodge, SP, Brasil), seguida da intubação orotraqueal, anestesia geral inalatória com isoflurano (Isoforine, Laboratório Cristália, Brasil) e manutenção do plano anestésico.
A cirurgia foi precedida de tricotomia da região umbilical, assepsia com PVPI degermante 10% (Riodeine PVPI Degermante, Iodopovidona, Rioquímica, Brasil), com posterior limpeza com álcool 70%. Após a assepsia, iniciou-se a cirurgia, com dissecção do cordão umbilical, do úraco ou do saco herniário para determinação correta da estrutura acometida e posterior abertura da cavidade abdominal. Nos casos em que se observava acometimento do úraco, das veias e/ou das artérias umbilicais, realizavam-se a individualização, a ligadura e a excisão das estruturas acometidas (Fig. 2 e 3). Posteriormente, procedeu-se à sutura da linha alba com pontos em “X”, com fio prolipropileno n° 2 (Prolene 2, polipropileno, Johnson & Johnson, Brasil.), redução do espaço morto com fio de poliglactina 910 n° 2-0 (Vicryl 2-0, poliglactina 910, Johnson & Johnson, Brasil) e sutura de pele com pontos simples, separado com fio de náilon 0,50mm (Mononylon 1, náilon, Johnson & Johnson, Brasil).

Figura 2 Momento pré-operatório do animal G21, evidenciando aumento de volume na região umbilical, posteriormente diagnosticado como divertículo uracal.

Figura 3 Detalhe do procedimento cirúrgico, em que: a- divertículo uracal, repleto de conteúdo urinário; b- úraco patente.
Os bovinos receberam, previamente à cirurgia, 7mg/kg de norfloxacino injetável IM (Norflormax 10%, norfloxacino, Laboratório Ouro Fino, Brasil). O antimicrobiano foi administrado durante 10 dias consecutivos, com intervalo de aplicação de 24 horas. O curativo da ferida cirúrgica foi realizado uma vez ao dia, com PVPI tópico 10% (Riodeine PVPI 10% Tópico, iodopovidona, Rioquímica, Brasil).
Procedeu-se às coletas de sangue para mensurações do cortisol plasmático com agulha para coleta de sangue a vácuo (Agulha BD Vacutainer 25x8 (21G 1), BD Diagnostics - Preanalytical Systems, Brasil), em tubo com EDTA Na (Tubo BD Vacutainer com EDTA 4ml, BD Diagnostics - Preanalytical Systems, Brasil), antes da cirurgia (M0), imediatamente após a cirurgia (M1), três horas (M2), seis horas (M3), nove horas (M4), 12 horas (M5), 24 horas (M6), 48 horas (M7), 72 horas (M8), 96 horas (M9) e 120 horas (M10) após a cirurgia, com posterior centrifugação e separação do plasma. Posteriormente este foi armazenado em freezer com temperatura de -70ºC, sendo as amostras analisadas por radioimunoensaio (Coat-A-Count Cortisol In-vitro Diagnostic Test Kit - DPC®), segundo Foster L. e Dunn R. (1974), no laboratório de endocrinologia da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista, Unesp. As alterações comportamentais dos bovinos e anti-inflamatórias dos fármacos foram avaliadas a cada 12 horas, por meio da leitura do pedômetro e do exame clínico, com avaliação da frequência cardíaca (FC) e respiratória (f), respectivamente.
Os bovinos também foram avaliados por hemogramas previamente ao procedimento cirúrgico e 10 dias após este procedimento.
O projeto foi integralmente submetido e aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Estadual Paulista, Unesp, protocolo da Ceua 85/2009.
RESULTADOS
O diagnóstico clínico-cirúrgico dos animais revelou 10 casos de hérnia umbilical, dois de hérnia umbilical com persistência de úraco, um de hérnia umbilical com onfaloflebite, um de divertículo uracal e quatro casos de persistência de úraco (Tab. 1).
Tabela 1 Distribuição do número e porcentagem (%) de animais de acordo com onfalopatia estudada em uma amostra de 18 bovinos da raça Nelore concebidos por fertilização in vitro
Onfalopatia | Nº de animais | % dos animais |
Persistência de úraco | 4 | 22,3 |
Hérnia umbilical | 10 | 55,7 |
Divertículo | 1 | 5,5 |
Persistência + onfaloflebite | 1 | 5,5 |
Persistência + hérnia | 2 | 11 |
Total | 18 | 100 |
As hérnias umbilicais envolvendo o úraco, associadas ou não a outras afecções umbilicais, apresentaram maior incidência nos animais estudados. Dentre essas afecções, destacaram-se a persistência de úraco e o divertículo vesicouracal.
O procedimento cirúrgico se mostrou eficiente em todos os animais tratados, e nenhum apresentou complicação pós-operatória significativa, como demonstrado pelas Figuras.
A atividade pedométrica (AP) não apresentou diferença estatisticamente significativa (P>0,05), quando comparados os períodos pré e pós-operatório de cada grupo (Tab. 2). Entretanto, observou-se diferença significativa quando comparados entre si com o grupo controle a cada dia subsequente ao pós-operatório, totalizando cinco dias de observação, como demonstrado na Tab. 3 e na Fig. 4. Nesta análise, o G2 apresentou um valor inferior ao G3 e ao G1, no D1, enquanto no D3, o G2 apresentou um valor inferior ao G1. Considerando-se a comparação a cada dia, durante o pós-operatório não foram observadas diferenças estatísticas nas variáveis NL (Fig. 8) e TL (Fig. 9).
Tabela 2 Valores médios e desvio-padrão da atividade pedométrica (AP), incluindo número de passos (S), tempo do animal deitado em minutos (TL) e número de vezes em que o animal deita (NL); nos momentos pré e pós-tratamento
Grupos | AP | Pré-cirúrgico | Pós-cirúrgico | Valor P |
1 (n=6) | S | 3324,3±1667,5 | 3153±741,2 | 0,7984 |
TL | 682±153 | 702,1±87,6 | 0,7581 | |
NL | 18,8±6,9 | 16,7±3,7 | 0,5305 | |
2 (n=6) | S | 3055,6±1154,9 | 2604,1±750,4 | 0,1492 |
TL | 700,5±168,7 | 689,9±123,1 | 0,8634 | |
NL | 17,3±2,2 | 18,5±3,4 | 0,3568 | |
3 (n=6) | S | 2831,1±428,4 | 3225,7±745,5 | 0,2398 |
TL | 696,4±62,9 | 731,5±122,4 | 0,5403 | |
NL | 19,4±4,2 | 17,1±2,6 | 0,2112 | |
C (n=6) | S | 3178,7±489,3 | 2903,7±240,7 | 0,7880 |
TL | 700,5±61,4 | 708,8±40,5 | 0,8209 | |
NL | 17,6±2,6 | 17,3±1,0 | 0,8156 | |
S | Valor P=0,8754 | Valor P=0,3725 | ||
(Entre grupos) | TL | Valor P=0,9924 | Valor P=0,9052 | |
NL | Valor P=0,8086 | Valor P=0,661 |
Teste T pareado, nível de significância de 5%.

*Apresentou diferença estatística significativa (P<0,05).
Figura 4 Comparação entre a média do número de passos (S) nos diferentes grupos durante os dias no pós-operatório.
As variáveis FC e f não apresentaram alterações fora dos padrões fisiológicos em nenhum dos momentos avaliados.
Comparando-se os dados estatísticos para os hemogramas nos momentos pré e pós-tratamento cirúrgico dos animais, pode-se observar que somente as variáveis hemoglobina, fibrinogênio e leucócitos apresentaram diferença estatisticamente significativa (P>0,05) entre os momentos e grupos (Tab. 4 e 5).
Tabela 4 Valores médios e desvio-padrão das variáveis dos hemogramas dos bovinos tratados nos seus respectivos grupos, comparando-se os momentos pré e pós-tratamento
Variáveis | Grupo 1 | Valor P | Grupo 2 | Valor P | Grupo 3 | Valor P | Grupo Controle | Valor P | ||||
pré | pós | pré | pós | pré | pós | pré | pós | |||||
VG (l/l) | 0,34± 0,06 | 0,34± 0,03 | 0,7545 | 0,34± 0,07 | 0,3± 0,08 | 0,3481 | 0,34± 0,08 | 0,35± 0,05 | 0,7956 | 0,41± 0,03 | 0,35± 0,06 | 0,7956 |
PPT (g/l) | 68± 7,27 | 64,33± 8,43 | 0,194 | 68,33± 4,08 | 65,33± 2,42 | 0,2956 | 69,33± 4,13 | 65,33± 2,73 | 0,058 | 70,67± 3,01 | 65,0± 3,03 | 0,058 |
Fibrinogênio (g/l) | 6± 1,26 | 3± 1,26 | 0,0202* | 6,00± 5,06 | 5,00± 2,10 | 0,7184 | 3,67± 1,51 | 4,53± 1,51 | 0,3632 | 3,33± 2,07 | 2,50± 1,22 | 0,3632 |
Eritrócitos (x109/l) | 9,60± 1,05 | 9,09± 0,95 | 0,4551 | 9,49± 1,83 | 8,79± 1,77 | 0,1954 | 10,01± 1,05 | 9,42± 1,31 | 0,2795 | 11,02± 0,47 | 8,741± 2,22 | 0,2795 |
Hemoglobina (g/l) | 11,3± 1,53 | 10,75± 0,52 | 0,633 | 11,56± 1,85 | 10,68± 1,97 | 0,1219 | 12,63± 0,83 | 11,7± 1,14 | 0,0100* | 13,0± 0,65 | 11,03± 1,47 | 0,0100* |
Leucócitos (x106/l) | 13,3± 2,19 | 14,7± 2,19 | 0,0497* | 14,95± 4,51 | 14,52± 2,79 | 0,6577 | 13,77±2 ,76 | 13,40± 2,45 | 0,7079 | 12,00± 3,80 | 11,23± 3,38 | 0,7079 |
Neutrófilos (x106/l) | 3,66± 1,02 | 4,58± 1,71 | 0,4148 | 5,21± 2,12 | 5,12± 3,09 | 0,9328 | 3,50± 1,34 | 4,48± 0,53 | 0,1864 | 3,82± 2,52 | 4,18± 3,41 | 0,1864 |
Linfócitos (x106/l) | 9,08± 2,16 | 9,08± 2,25 | 0,9981 | 9,59± 3,95 | 8,62± 4,74 | 0,3745 | 9,50± 2,40 | 8,36± 2,31 | 0,2172 | 6,94± 1,34 | 6,28± 1,72 | 0,2172 |
Monócitos (x106/l) | 20,76± 50,09 | 66,58± 126,97 | 0,4416 | 0,58± 0,40 | 0,60± 0,54 | 0,9525 | 0,47± 0,22 | 0,38± 0,16 | 0,4448 | 0,65± 0,42 | 0,32± 0,16 | 0,4448 |
Eosinófilos (x106/l) | 0,28± 0,26 | 0,19± 0,23 | 0,3495 | 0,12± 0,11 | 0,18± 0,22 | 0,6167 | 0,27± 0,25 | 0,18± 0,16 | 0,6216 | 0,61± 0,24 | 0,46± 0,25 | 0,6216 |
Teste de T pareado, nível de significância de 5%.
*Valor significativo.
Tabela 5 Valores médios e desvio-padrão das variáveis dos hemogramas no pós-tratamento com comparação entre os grupos
Variáveis | Grupo 1 | Grupo 2 | Grupo 3 | Grupo C | Valor P |
VG (l/l) | 0,34±0,03 | 0,3±0,08 | 0,35±0,05 | 0,35±0,06 | 0,6805 |
PPT (g/l) | 64,33±8,43 | 65,33±2,42 | 65,33±2,73 | 65,0±3,03 | 0,9816 |
Fibrinogênio (g/l) | 3±1,26 | 5,00±2,10 | 4,53±1,51 | 2,50±1,22 | 0,0417* |
Eritrócitos (x109/l) | 9,09±0,95 | 8,79±1,77 | 9,42±1,31 | 8,741±2,22 | 0,8508 |
Hemoglobina (g/l) | 10,75±0,52 | 10,68±1,97 | 11,7±1,14 | 11,03±1,47 | 0,9178 |
Leucócitos (x106/l) | 14,7±2,19 | 14,52±2,79 | 13,40±2,45 | 11,23±3,38 | 0,1424 |
Neutrófilos (x106/l) | 4,58±1,71 | 5,12±3,09 | 4,48±0,53 | 4,18±3,41 | 0,9269 |
Linfócitos (x106/l) | 9,08±2,25 | 8,62±4,74 | 8,36±2,31 | 6,28±1,72 | 0,3981 |
Monócitos (x106/l) | 66,58±126,97 | 0,60±0,54 | 0,38±0,16 | 0,32±0,16 | 0,2144 |
Eosinófilos (x106/l) | 0,19±0,23 | 0,18±0,22 | 0,18±0,16 | 0,46±0,25 | 0,1692 |
Teste ANOVA, nível de significância de 5%. * Valor significativo.
As médias dos níveis de cortisol plasmático não apresentaram diferenças significativas (P>0,05) quando comparadas entre os grupos, nos diferentes momentos (Tab. 6). Porém, ao se avaliar a Fig. 5, observa-se que, apesar de não ocorrer diferença estatisticamente significativa entre os grupos, há um aumento considerável nos níveis de cortisol entre os grupos tratados e o grupo controle, entre os momentos M0 e M2.
Tabela 6 Média e desvio-padrão do nível plasmático de cortisol nos diferentes momentos, nos grupos G1, G2, G3 e GC
Grupos/momentos | Grupo 1 | Grupo 2 | Grupo 3 | Grupo controle | Valor P |
M0 | 1,116±0,947 | 2,256±2,828 | 1,590±1,540 | 2,546±1,103 | 0,5305 |
M1 | 4,205±2,217 | 4,561±2,262 | 3,652±1,687 | 1,582±1,186 | 0,1829 |
M2 | 1,326±1,424 | 1,844±2,570 | 2,070±1,338 | 1,582±1,186 | 0,8794 |
M3 | 1,091±1,072 | 1,933±2,431 | 1,521±0,694 | 1,837±0,789 | 0,6919 |
M4 | 1,091±1,072 | 1,632±1,576 | 1,640±0,982 | 1,478±0,961 | 0,8303 |
M5 | 0,689±0,561 | 1,778±1,843 | 0,863±1,092 | 2,267±0,823 | 0,0839 |
M6 | 1,321±1,014 | 1,286±1,300 | 0,841±0,622 | 2,197±1,254 | 0,2034 |
M7 | 0,924±0,651 | 1,335±1,424 | 1,076±1,110 | 0,849±0,681 | 0,8592 |
M8 | 1,671±1,488 | 1,354±1,845 | 0,821±1,018 | 1,093±0,441 | 0,6973 |
M9 | 0,813±0,659 | 1,319±2,114 | 0,869±0,981 | 0,556±0,659 | 0,769 |
M10 | 0,876±0,679 | 1,006±0,752 | 0,980±0,813 | 0,664±1,048 | 0,9077 |
Teste ANOVA, nível de significância de 5%.
DISCUSSÃO
Rodrigues et al. (2010) relatam, em um estudo retrospectivo sobre onfalopatias em bovinos jovens, que a principal afecção observada foi o divertículo de úraco e a hérnia umbilical. Essa observação corrobora, em parte, os achados deste trabalho, em que a principal enfermidade encontrada foi a hérnia umbilical, com 59% dos animais acometidos (Tab. 1).
Conforme relatado, a excisão cirúrgica por meio da laparotomia mostrou-se eficiente para determinar exatamente quais eram as estruturas acometidas, bem como estabelecer um prognóstico para o caso. Estes mesmos autores ainda descrevem que o diagnóstico pela palpação local possibilita o diagnóstico preliminar da onfalopatia, seja o aumento de volume irredutível ou não. Em concordância com Figueirêdo (1999) e Rodrigues et al. (2010), nem sempre o exame clínico isoladamente é suficiente para determinar, de forma precisa, as estruturas umbilicais envolvidas na enfermidade.
Lischer e Steiner (1994) e Seino et al. (2016) afirmam que o exame ultrassonográfico auxilia na determinação das estruturas acometidas e na escolha da terapia mais adequada. A ocorrência de onfalopatias associadas, caracterizada pelo envolvimento de mais de uma estrutura umbilical, apresentou maior grau de dificuldade, especialmente nos primeiros animais examinados. A identificação ultrassonográfica das estruturas envolvidas na afecção umbilical foi facilitada com a posterior realização da laparotomia. Essa conduta fez com que o diagnóstico pelo ultrassom se tornasse mais preciso ao longo do tempo, devido ao treinamento e à experiência técnica acumulada.
A atividade pedométrica (AP) se mostrou eficiente quando utilizada isolada ou associada a métodos qualitativos de avaliação analgésica. Foi observado que os animais tratados não apresentaram diferença estatisticamente significativa quando comparados nos períodos pré e pós-operatório de cada grupo nas variáveis NL e TL. Entretanto foi observada diferença significativa na variável S no D1 e no D3, em que o grupo que recebeu a dose 2,2mg/kg de flunixin meglumine apresentou valores inferiores aos dos grupos que receberam 1,1mg/kg do mesmo fármaco e 0,5mg/kg de meloxicam. Esse mesmo grupo recebeu 2,2mg/kg de flunixin meglumine foi inferior no D3 somente aos valores do grupo 1,1mg/kg de flunixin meglumine. Contudo não foi observada diferença significativa entre o grupo controle e os demais grupos, o que sugere efeito analgésico semelhante entre os fármacos nas diferentes doses, nas circunstâncias em que foi realizado o estudo, como mostra a Tab. 2. O flunixin meglumine, quando utilizado na dose de 2,2mg/kg, não foi associado a maior efeito analgésico, tendo em vista o número de passos inferior aos dos demais grupos tratados observados em dois dias no período pós-operatório. Esse resultado está de acordo com Mazrier et al. (2006), que relataram que AP também sofre alterações significativas quando comparados animais saudáveis e acometidos de enfermidades podais. Neste estudo, os autores observaram uma redução cinco a seis dias antes do aparecimento dos sinais clínicos de claudicação. Torna-se importante ressaltar que o número de animais avaliados neste estudo foi inferior àqueles mensurados por Mazrier et al. (2006), o que pode ter influenciado diretamente nos resultados obtidos. Outra hipótese seria a de que a AP seria pouco influenciada pelo tipo de afecção e de procedimentos realizados.
O pedômetro foi utilizado também no diagnóstico precoce de mastite, em que cerca de 50% dos casos dessa inflamação foram indicados pela diminuição da AP (Maatje et al., 1997). Todavia, esses achados não foram confirmados neste estudo, uma vez que os animais tratados com onfalopatias no período pré-cirúrgico não apresentaram diferença quando comparados com os animais do grupo controle.
Nessa situação, recomendar-se-ia que fossem estabelecidos valores de referência, tornando a mensuração da AP mais precisa. Assim, a realização de um estudo específico para estabelecer valores referenciais associados a métodos diretos e confiáveis poderia ser adjuvante valioso nessa avaliação.
Underwood (2002) relata que a dor se caracteriza por estímulo do sistema nervoso simpático, aumento da FC, da f e da secreção dos hormônios do catabolismo da mesma forma que no estresse. Holton et al. (2001) afirmaram que os parâmetros FC e f devem ser levados em consideração quando esses animais estão sendo avaliados clinicamente. Contudo, neste trabalho, não foi observada nenhuma alteração dos valores fisiológicos para essas variáveis (FC, f).
A eficiência do tratamento cirúrgico, associado à terapia analgésica e antibiótica, provavelmente contribui para a semelhança entre os dados da AP e o exame clínico dos grupos apresentados. Fatores como uma boa alimentação, ambiente hígido, local seco e manejo dos animais também favorecem a recuperação sem complicações. Outro fator importante a ser considerado é a higidez do animal submetido ao tratamento, provavelmente implicando menor estímulo do sistema nervoso simpático (Underwood, 2002).
De acordo com as análises de hemograma nos momentos pré e pós-tratamento cirúrgico, observou-se melhora em relação aos parâmetros avaliados, o que evidencia a eficácia no tratamento cirúrgico das onfalopatias. A análise dos hemogramas no momento pré-tratamento demonstra que, apesar de os animais clinicamente parecerem sadios, estes apresentavam alterações no leucograma, como demonstrado nos resultados obtidos.
Rodrigues et al. (2010) relataram neutrofilia na maioria dos animais no momento pré-operatório, fato esse também observado neste trabalho.
A análise do leucograma pré-tratamento demonstra que a maioria dos animais apresentava leucocitose com neutrofilia e linfocitose e que, no momento pós-tratamento, o número de leucócitos permaneceu aumentado, apesar de, em alguns animais, o número de neutrófilos e linfócitos diminuir (Kaneko e Cornelius, 1989). Os valores do perfil hematológico dos bovinos após o tratamento nos diferentes grupos não apresentaram diferença estatística significante quando comparados entre si, conforme pode ser confirmado ao se analisarem as Tab. 4 e 5, evidenciando a eficácia equitativa dos procedimentos nos três grupos tratados.
Entretanto, deve-se salientar que o hemograma pós-operatório foi realizado 10 dias após o procedimento cirúrgico e que esse período pode ser insuficiente para redução da resposta orgânica à infecção, fato esse também relatado por Rodrigues et al. (2010). Todos os valores das variáveis do hemograma reduziram quando comparados nos momentos pré e pós-tratamento.
Os valores do perfil hematológico dos bovinos após o tratamento nos diferentes grupos não apresentaram diferença estatística significante quando comparados entre si (Tab. 5). Somente a variável fibrinogênio apresentou diferença significativa, possivelmente pelo fato de os animais pertencentes ao grupo controle estarem clinicamente sadios e não terem sido submetidos ao procedimento cirúrgico (Tab. 5).
Apesar de não ocorrer diferença significativa entre os grupos, houve aumento nas concentrações de cortisol na maioria dos momentos. Porém, somente esse achado seria insuficiente para afirmar que os animais estão sofrendo algum processo doloroso pós-operatório, pois eles foram manejados objetivando a coleta de dados e de amostras, a realização do procedimento cirúrgico e a terapia pós-operatória, sendo esses suficientes para resultar em estresse e prováveis alterações no nível de cortisol. Essa hipótese encontra respaldo nas observações de Clark et al. (1997), que relata o estresse causado pela dor aguda como sendo proveniente da estimulação do sistema nervoso simpático. Voex (2002) também afirma que qualquer tipo de estresse, seja ele físico ou neurogênico, pode provocar elevação imediata e pronunciada da secreção adeno-hipofisária do hormônio adenocorticotrópico (ACTH), seguida, dentro de poucos minutos, de aumento considerável da secreção de cortisol pelo córtex suprarrenal, quando os tecidos sofrem lesão por traumatismo, infecção bacteriana ou por qualquer outra causa. Este autor relata também que a inflamação é mais prejudicial do que o próprio traumatismo ou a própria doença. Nessas condições, a administração de grandes quantidades de cortisol pode, em geral, bloquear essa inflamação ou até mesmo reverter muitos de seus efeitos.
No presente trabalho, não se pode afirmar que o aumento dos níveis de cortisol está relacionado ao estresse causado por dor, uma vez que os níveis de cortisol também sofrem alteração pelo manejo e por fatores ambientais, conforme mencionado por Campos et al. (2008). Stafford e Mellor (2005) afirmam que, embora as mensurações de cortisol plasmático sejam um instrumento de avaliação mais amplamente utilizado da dor induzida por estresse em modelos de dor aguda de bovinos, como a descorna e a castração, a relação entre estresse e concentração de cortisol plasmático não é sempre linear. Além de outros fatores, o manejo do estresse induzido deve ser diferenciado da dor induzida por estresse.
Neste trabalho, também não ocorreu diferença significativa dos níveis de cortisol quando os grupos foram comparados entre si, concordando com Paes et al. (2008). Para esses autores, os animais mais dóceis tendem a se tornar mais calmos nas repetições de contenção em tronco, ao passo que os animais mais agitados tendem a se tornar mais violentos. Isso poderia levar a uma compensação durante as repetições, que determinariam resultados médios equivalentes no comportamento e nas concentrações de cortisol ao longo dos momentos, também observado neste trabalho, em que os animais a princípio mostravam-se mais arredios nos primeiros momentos. Essas observações podem explicar a redução dos níveis de cortisol ao longo do tempo, conforme explicitado na Fig. 6.
Na comparação entre os grupos tratados com o grupo controle, os níveis de cortisol não apresentaram diferença estatisticamente significativa (Tab. 6). Entretanto, observa-se que, entre os momentos M0 e M1, todos os grupos tratados apresentaram aumento considerável dos níveis plasmáticos de cortisol, possivelmente explicado pelo procedimento anestésico no qual o animal é contido, é realizada a MPA, a indução anestésica e dolorosa (procedimento cirúrgico) e a recuperação anestésica (Fig. 5). Na média dos valores, nota-se uma tendência na diminuição dos níveis de cortisol à medida que o tempo de recuperação evolui (Paes et al., 2008).
Esse comportamento dos níveis de cortisol também foi seguido pelo GC, excetuando-se os momentos compreendidos entre o M0 e o M2, mais precisamente no momento M1. Cabe ressaltar que este grupo não foi submetido ao procedimento cirúrgico e, dessa forma, existe menor influência do estresse pré e transcirúrgico, nos níveis de cortisol. Todavia, quando esses mesmos animais do GC foram submetidos às mesmas condições de manejo, apresentaram níveis de cortisol semelhantes aos demais grupos.
Em alguns momentos, o nível de cortisol nos diferentes grupos foi zero, caracterizando que, nesses momentos, não houve influência da coleta e tão menos o animal apresentava algum estresse causado por dor, visto que eles não apresentaram diferença ou alteração significativa entre os parâmetros fisiológicos (FC, f, e TºC). Coincidentemente, os níveis de cortisol zero foram observados predominantemente nos animais mais dóceis e após condicionamento, sendo o inverso também verdadeiro (Paes et al., 2008). Deve-se destacar ainda que os níveis zero atestam a eficiência do tratamento cirúrgico e da terapia analgésica e anti-inflamatória realizada no pós-operatório dos animais.
Observa-se que os animais do grupo controle, mesmo sem serem submetidos a qualquer procedimento invasivo ou clínico durante os momentos de sua avaliação, apresentaram alterações nos níveis de cortisol plasmático, provavelmente relacionadas com estresse causado pela coleta e pelo manejo dos animais, levando a pressupor que o aumento dos níveis de cortisol estaria intimamente ligado ao manejo dos animais antes da coleta, não podendo ser descartada a hipótese de a dor causar aumento dos níveis de cortisol (Paes et al., 2008; Clark et al., 1997). Porém, mais pesquisas serão necessárias para determinar a importância das medidas de cortisol e como diferenciar a influência da coleta em algumas espécies animais.
Para maior detalhamento e compreensão da dose/resposta referindo-se ao efeito analgésico das drogas utilizadas no presente estudo, é necessária a realização de ensaios de farmacocinética e farmacodinâmica de tais fármacos, particularmente tendo em vista as peculiaridades anatomofisiológicas dos bovinos.
CONCLUSÕES
A utilização do pedômetro como método de avaliação comportamental da dor, em animais submetidos à laparotomia pré-retroumbilical, mostrou-se eficaz nas condições em que este estudo foi realizado e sugere novos estudos para utilizá-lo na avaliação comportamental. A mensuração do cortisol isoladamente, como método para avaliação indireta da dor, mostrou-se pouco eficiente. O estresse do manejo, da coleta e a docilidade dos bovinos influenciaram decisivamente nas variações dos níveis de cortisol. O tratamento cirúrgico, associado à terapia antimicrobiana e anti-inflamatória, demonstrou elevada eficiência no tratamento dos animais estudados, visto que nenhum apresentou complicações pós-cirúrgica. O flunixin meglumine, nas doses de 1,1, 2,2mg/kg, bem como o meloxicam, na dose de 0,5mg/kg, foram igualmente eficientes nos tratamentos pós-operatórios desses bovinos submetidos à laparotomia para correção de onfalopatias.