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Efeitos do propofol administrado por via intracelomática em cágados-de-barbicha (Phrynops geoffroanus) Schweigger, 1812

[Effects of propofol administered by intracelomatic route in Geoffroy’s toadhead turtle (Phrynops geoffroanus) Schweigger, 1812]

RESUMO

O presente estudo avaliou a influência do regime hídrico sobre efeitos do propofol em Phrynops geoffroanus, bem como a qualidade da contenção farmacológica produzida. Foram utilizados 10 animais, anestesiados em dois momentos com propofol, na dose de 35mg/kg, por via intracelomática, com intervalo de 15 dias. O grupo 1 fora retirado da água 12 horas antes do procedimento e o grupo 2 permaneceu dentro da água até o momento da indução anestésica. Foram mensuradas frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, temperatura, frequência respiratória e saturação de oxi-hemoglobina, e avaliados duração do período de latência, período hábil, período de recuperação e qualidade da contenção farmacológica. Houve diferença significativa entre grupos apenas quanto à frequência cardíaca. No grupo 1, as médias dos períodos de latência, hábil anestésico e de recuperação foram de 16,8±8,4, 86,5±79,4 e 1,5±3,8 minutos, respectivamente. Já no grupo 2, as médias foram de 19,9±9,8, 110,9±104,7 e 28,8±58,2 minutos, respectivamente. Concluiu-se que o regime hídrico de 12 horas não influenciou os parâmetros anestésicos e fisiológicos dos animais e que a qualidade da contenção farmacológica foi considerada boa em ambos os grupos.

Palavras-chave:
quelônios; répteis; contenção química

ABSTRACT

The present study evaluated the influence of the water regime on the effects of propofol on Phrynops geoffroanus, as well as the quality of the pharmacological containment produced. Ten animals, anesthetized at two times with propofol at a dose of 35mg / kg, were used intracelomatically with a 15 day interval. Group 1 was withdrawn from the water 12 hours prior to the procedure and Group 2 remained in the water until the time of anesthetic induction. Heart rate, systolic blood pressure, temperature, respiratory rate and oxyhemoglobin saturation were measured and the duration of the latency period, skill period, recovery period and quality of pharmacological containment were measured. There was a significant difference between groups only regarding heart rate. In Group 1, the means of the latency, skillful anesthesia and recovery periods were 16.8±8.4, 86.5±79.4 and 1.5±3.8 minutes, respectively. In Group 2, the mean values were 19.9±9.8, 110.9±104.7 and 28.8±58.2 minutes, respectively. It was concluded that the 12-hour water regime did not influence the anesthetic and physiological parameters of the animals, and the quality of the pharmacological restraint was considered good in both groups.

Keywords:
chelonians; reptiles; chemical containment

INTRODUÇÃO

A contenção química ou farmacológica é o método utilizado para restringir ou abolir, por meio de fármacos, algumas reações que possam comprometer o procedimento que se pretende realizar. Em alguns casos, principalmente em animais selvagens, é indispensável a utilização de técnicas anestésicas para realização do exame clínico, bem como para coleta de material biológico (Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.). Para uma boa anestesia, deve-se utilizar um protocolo que promova imobilização, analgesia e relaxamento muscular, bem como que seja seguro e facilmente revertido (Cubas e Baptistotte, 2007CUBAS, P.H.; BAPTISTOTTE, C. (Eds.). Chelonia (tartaruga, cágado, jabuti). In: CUBAS, Z.S.; SILVA, J.C.R.; CATÃO-DIAS, J.L. Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. p.86-119.). O propofol é um fármaco que pode ser utilizado em quelônios, sendo recomendado para indução anestésica e aplicado por via intravenosa. A indução rápida, o mínimo acúmulo em repetidos bolus, os mínimos efeitos colaterais e a recuperação rápida são propriedades desejáveis encontradas nesse fármaco. Contudo, a necessidade de sua aplicação intravenosa pode ser um fator limitante, pois, a depender da espécie, do tamanho e do temperamento, sua aplicação pode tornar-se complicada ou arriscada para os manipuladores (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.; Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).).

Estudos comprovam que a utilização do propofol pela via intramuscular não provoca dor, porém as qualidades de rápida indução e recuperação anestésica são perdidas. Já na aplicação intracelomática, as qualidades desejáveis da anestesia com propofol são mantidas (Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).). Para a contenção química de quelônios, diversos protocolos anestésicos podem ser utilizados, como cetamina, na dose de 55 a 88mg/kg, pela via intramuscular (IM), e a associação tiletamina-zolazepam, na dose de 10 a 30mg/kg, por via IM; quando administrados pela via intravenosa (IV), emprega-se a metade da dose usada na via IM (Cubas e Baptistotte, 2007CUBAS, P.H.; BAPTISTOTTE, C. (Eds.). Chelonia (tartaruga, cágado, jabuti). In: CUBAS, Z.S.; SILVA, J.C.R.; CATÃO-DIAS, J.L. Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. p.86-119.; Carpenter, 2010CARPENTER, J.W. Formulário de animais exóticos. 3.ed. São Paulo: MedVet, 2010. 576p.). Entretanto, a utilização de propofol intracelomático em Phrynops geoffroanus submetidos à restrição de acesso à água ainda não foi avaliada, sendo este o objetivo do presente estudo.

MATERIAL E MÉTODOS

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Saúde e Tecnologia Rural da Universidade Federal de Campina Grande (CSTR/UFCG), sob o número de protocolo CEP 024-2017 e pelo Sisbio/ICMBio, sob o número 57941-1. Foram utilizados 10 cágados da espécie Phrynops geoffroanus, de ambos os sexos e idades variadas. Os animais foram oriundos do plantel do Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), situado em João Pessoa-PB, e do Museu Vivo Répteis da Caatinga, situado em Puxinanã-PB. Os animais foram transportados para o Hospital Veterinário da Universidade Federal de Campina Grande (HV/UFCG), em Patos-PB, no dia anterior ao experimento, onde foram identificados e mantidos separados individualmente em aquaterrários. No dia seguinte ao do experimento, os animais foram devolvidos aos seus locais de origem.

Cada animal foi anestesiado em duas ocasiões, uma em cada grupo experimental, respeitando-se um intervalo mínimo de 15 dias entre anestesias. A ordem de participação em cada grupo experimental foi escolhida por sorteio. No grupo 1 (G1), os animais ficaram 12 horas imediatamente prévias ao experimento em regime hídrico, sem contato com a água. No grupo 2 (G2), os animais permaneceram em contato com a água até o início do experimento.

Em ambos os grupos, a anestesia foi induzida com propofol 1%, na dose de 35mg/kg, administrado pela via intracelomática. Para a administração, a agulha hipodérmica de 22G ou 24G (variando de acordo com o porte do animal) foi introduzida de forma paralela à fusão do plastrão com a carapaça, medialmente aos membros torácicos e lateralmente ao pescoço. Previamente à injeção do fármaco, realizou-se a aspiração, evitando-se, assim, a aplicação endovenosa, e a administração do propofol foi realizada de forma rápida (três segundos) (Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).).

Após a administração do propofol, cronometrou-se o tempo, em minutos, até que o animal pudesse ser manipulado sem apresentar reação, sendo esse tempo considerado como o período de latência. O tempo em minutos decorrido do final do período de latência até que o animal elevasse a cabeça foi considerado como o período hábil anestésico (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.). A frequência cardíaca (FC) foi determinada em batimentos por minuto (bpm), a partir da mensuração do intervalo entre duas ondas R do traçado eletrocardiográfico, gerado por um eletrocardiógrafo computadorizado 2 em derivação II (DII). Os eletrodos foram fixados próximo às articulações femorotibiopatelar e umeroradioulnar.

A pressão arterial sistólica (PAS) foi aferida, em milímetros de mercúrio (mmHg), pelo método não invasivo, com o auxílio de Doppler ultrassônico, empregando-se um manguito de largura correspondente a 40% da circunferência do local onde ele foi aplicado, a região umeral distal. A temperatura ambiente da sala onde se realizou o experimento foi controlada por ar-condicionado elétrico e foi aferida com termômetro de mercúrio, mantida em 28 graus Celsius (ºC) do início ao fim do estudo. Já a temperatura corpórea do animal foi aferida, também em ºC, com o auxílio de um termômetro clínico digital, em °C, introduzido na cloaca do animal.

A frequência respiratória (FR) foi mensurada, em movimentos por minuto (mpm), por inspeção direta dos movimentos respiratórios, observando-se a movimentação das estruturas não recobertas por carapaça e plastrão. A saturação de oxi-hemoglobina (SpO2) foi obtida, em percentual (%), empregando-se um monitor multiparamétrico, cujo sensor foi fixado na pele da região mais proximal do membro caudal do animal. Avaliou-se a analgesia com o auxílio de uma pinça hemostática de 14cm, sem dente, fechada até a primeira trava da cremalheira, a qual foi aplicada nas membranas interdigitais dos membros torácicos. A analgesia foi assim classificada: excelente (escore 2), quando não houve retração do membro ou qualquer manifestação motora; boa (escore 1), quando ocorreu discreta retração do membro pinçado; ou ruim (escore 0), caso o animal manifestasse evidente desconforto, flexão total do membro ou movimentação da cabeça (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.).

O miorrelaxamento foi avaliado pelo grau de rigidez extensora e da resistência dos membros à manipulação, assim como pelo tono muscular. Classificou-se esse parâmetro em: excelente (escore 2), quando se evidenciou total flacidez muscular; bom (escore 1), quando houve moderada manutenção do tono muscular com tremores; e ruim (escore 0), caso o animal apresentasse tremores, rigidez, estado de catalepsia ou movimentação intensa (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.). Todos os parâmetros foram avaliados imediatamente antes da administração do propofol (T0) e a cada 10 minutos após esta, durante 60 minutos (T10, T20, T30, T40, T50 e T60).

A duração da recuperação anestésica foi considerada como o tempo, em minutos, decorrido entre o final do período hábil anestésico e o retorno da deambulação em posição quadrupedal, de acordo com Belettini et al. (2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.). A qualidade da recuperação foi classificada como: excelente (escore 2), quando o animal repousou tranquilamente, apesar de responsivo; boa (escore 1), quando apresentou moderada excitação; ou ruim (escore 0), quando apresentou agitação, tremores, mioclonias e/ou convulsões (Belettini et al., 2004). Com base nos resultados obtidos da classificação da analgesia, do miorrelaxamento e da qualidade da recuperação anestésica, avaliou-se a qualidade da contenção farmacológica, como: excelente, quando os três parâmetros foram classificados como excelentes; ruim, quando dois ou três parâmetros foram classificados como ruins; ou boa, nos demais casos (Belettini et al., 2004).

As análises estatísticas foram realizadas empregando-se o programa SPSS v25, e, para as estatísticas descritivas, foram consideradas a média, o desvio-padrão e a variância de cada variável. Para os dados paramétricos, foram utilizados o teste t de Student, o teste t pareado e a análise de variância (ANOVA). Para os dados não paramétricos, foram utilizados o teste de Wilcoxon, Kruskal-Wallis e o teste de Mann-Whitney. Todos os testes foram realizados considerando-se um nível de significância de 5%. Os dados são apresentados como média±desvio-padrão (Field, 2009FIELD, A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 688p.; Motta e Oliveira Filho, 2009MOTTA, V.T.; OLIVEIRA FILHO, P.F. Analise de dados biomédicos. Rio de Janeiro: Medbook, 2009, 352p.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A duração do período de latência foi de 16,8±8,4 minutos no G1 e de 19,9±9,8 minutos no G2. O período hábil anestésico durou 86,5±79,4 minutos e 110,9±104,7 minutos, nos grupos 1 e 2, respectivamente. Estatisticamente, não houve diferença entre os grupos, possivelmente devido ao grande desvio-padrão observado, decorrente da elevada variação individual ocorrida (Tab. 1).

Tabela 1
Valores mínimos, máximos, médias e desvio-padrão dos períodos de latência e hábil anestésico, em minutos, em cágados-de-barbicha anestesiados com propofol (35mg/kg) após a realização (G1) ou não (G2) de regime hídrico de 12 horas

Apesar de o período de latência apresentar-se elevado para uma indução com propofol, que geralmente acontece de forma rápida, em menos de dois minutos em mamíferos, bem como de o período hábil anestésico também apresentar valores elevados, deve-se lembrar que os répteis têm o metabolismo mais lento que os mamíferos, o que faz com que tanto a absorção quanto a excreção do fármaco sejam mais lentas (Field, 2009FIELD, A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 688p.; Motta e Oliveira Filho, 2009MOTTA, V.T.; OLIVEIRA FILHO, P.F. Analise de dados biomédicos. Rio de Janeiro: Medbook, 2009, 352p.). Além disso, a via intracelomática naturalmente apresenta maior tempo de latência quando comparada com a via intravenosa, empregada em mamíferos, pois, na primeira, o anestésico precisa ser absorvido, antes de distribuir-se e atingir o sistema nervoso central.

Sabe-se que, para os tigres-d’água (Trachemys scripta), após regime hídrico de 12 horas, há diferença de tempo em animais mantidos ou não em contato com a água, porém, para o presente estudo com cágados-de-barbicha, essa afirmação não se confirmou, sendo necessárias novas pesquisas de dosagens e diferentes períodos de regime hídrico (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.; Cubas e Baptistotte, 2007CUBAS, P.H.; BAPTISTOTTE, C. (Eds.). Chelonia (tartaruga, cágado, jabuti). In: CUBAS, Z.S.; SILVA, J.C.R.; CATÃO-DIAS, J.L. Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. p.86-119.; Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).). Ocorreu redução significativa da FC, em relação ao momento basal, a partir do T20 no G1 e a partir do T10 no G2, a qual perdurou até o final do período experimental. As médias de FC foram significativamente maiores no G1 comparado com o G2, nos momentos T40, T50 e T60 (Branson e Gross, 1994BRANSON, K.R.; GROSS, M.E. Propofol in veterinary medicine. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.204, p.1888-1890, 1994.; Field, 2009FIELD, A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 688p.). A redução na FC já era esperada, pois o sistema cardiovascular dos animais ectotérmicos tem maior sensibilidade aos agentes anestésicos, logo deve-se ter cuidado para não aplicar uma dose elevada desses fármacos nesses animais, pois podem representar grande risco (Belettini et al., 2004). A diferença entre os grupos devido à desidratação pode ser sugerida pelo estresse decorrente do regime hídrico a que os animais do G1 foram submetidos (Vilani, 2007; Motta e Oliveira Filho, 2009MOTTA, V.T.; OLIVEIRA FILHO, P.F. Analise de dados biomédicos. Rio de Janeiro: Medbook, 2009, 352p.; Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.).

Com relação à PAS, não houve diferença dentro de cada grupo, nem entre os grupos, em todos os momentos. Apesar de o propofol reduzir a PAS, por reduzir a resistência vascular periférica, ele enfraquece também as contrações miocárdicas, promovendo vasodilatação tanto venosa quanto arterial, além de diminuir o débito cardíaco e o fluxo de sangue (Field, 2009FIELD, A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 688p.; Motta e Oliveira Filho, 2009MOTTA, V.T.; OLIVEIRA FILHO, P.F. Analise de dados biomédicos. Rio de Janeiro: Medbook, 2009, 352p.; Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.). Em comparação com mamíferos e aves, os valores de PAS nos répteis se mostram inferiores devido à sua baixa taxa metabólica. Aparentemente, a dose de propofol empregada no presente estudo foi pequena o bastante para não interferir na pressão arterial, da mesma forma que o regime hídrico de 12 horas (Branson e Gross, 1994BRANSON, K.R.; GROSS, M.E. Propofol in veterinary medicine. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.204, p.1888-1890, 1994.; Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.; Cubas e Baptistotte, 2007CUBAS, P.H.; BAPTISTOTTE, C. (Eds.). Chelonia (tartaruga, cágado, jabuti). In: CUBAS, Z.S.; SILVA, J.C.R.; CATÃO-DIAS, J.L. Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. p.86-119.; Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).).

Não houve variação de temperatura corpórea, devido ao fato de serem animais ectotérmicos e de a temperatura da sala ter sido mantida em 28°C, durante todo o experimento. Assim, a temperatura de todos os animais, em ambos os grupos, durante todos os momentos, foi de 28°C, não sofrendo, portanto, influência do anestésico bem como do regime hídrico (Cubas e Baptistotte, 2007CUBAS, P.H.; BAPTISTOTTE, C. (Eds.). Chelonia (tartaruga, cágado, jabuti). In: CUBAS, Z.S.; SILVA, J.C.R.; CATÃO-DIAS, J.L. Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. p.86-119.; Rueda-Almonacid et al., 2007).

Era esperada a ocorrência de uma diminuição na FR, como também algum grau de apneia, visto que o propofol tem essa desvantagem característica, principalmente quando aplicado de forma rápida. A FR apresentou redução significativa a partir do T10 em ambos os grupos, o que perdurou por todo o período experimental, porém não ocorreu diferença significativa entre os grupos em nenhum momento. Ressalta-se que, no momento T0, os animais ainda estavam com o seu metabolismo basal, além de estarem estressados pela manipulação, o que provoca elevação da FR. Apesar dessa redução notável, fisiologicamente esse achado não é clinicamente importante, devido a esse ser um comportamento comum nesses animais, que passam longos períodos em apneia quando submersos (Cubas e Baptistotte, 2007CUBAS, P.H.; BAPTISTOTTE, C. (Eds.). Chelonia (tartaruga, cágado, jabuti). In: CUBAS, Z.S.; SILVA, J.C.R.; CATÃO-DIAS, J.L. Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. p.86-119.; Vilani et al., 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).; Field, 2009FIELD, A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 688p.; Motta e Oliveira Filho, 2009MOTTA, V.T.; OLIVEIRA FILHO, P.F. Analise de dados biomédicos. Rio de Janeiro: Medbook, 2009, 352p.; Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.).

Houve redução significativa na SpO2 apenas no T60 no G2, não ocorrendo diferença significativa entre grupos em nenhum momento experimental. Observa-se a relação entre a FR e a SpO2, e nota-se que, mesmo a FR caindo drasticamente a partir do instante T10 em ambos os grupos, a SpO2 não apresentou uma alteração marcante. Isso fortalece as afirmações citadas anteriormente de que, mesmo o animal entrando em apneia, o nível de oxigênio no seu organismo permanece praticamente inalterado, confirmando ser essa uma manobra fisiológica natural dos cágados (Cubas e Baptistotte, 2007CUBAS, P.H.; BAPTISTOTTE, C. (Eds.). Chelonia (tartaruga, cágado, jabuti). In: CUBAS, Z.S.; SILVA, J.C.R.; CATÃO-DIAS, J.L. Tratado de animais selvagens. São Paulo: Roca, 2007. p.86-119.; Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).; Field, 2009FIELD, A. Descobrindo a estatística usando o SPSS. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 688p.; Motta e Oliveira Filho, 2009MOTTA, V.T.; OLIVEIRA FILHO, P.F. Analise de dados biomédicos. Rio de Janeiro: Medbook, 2009, 352p.; Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.).

Ocorreu grande variação nos escores individuais de analgesia, em ambos os grupos, sendo observado que alguns animais apresentaram analgesia excelente em mais de um momento experimental, enquanto outros não demonstraram analgesia (escore 0) durante todo o período experimental, porém não houve diferença estatística entre os grupos. No G1, os escores não variaram significativamente ao longo dos momentos experimentais e as médias foram clinicamente classificadas como boas, do T10 até o T50, e como ruins, no T60. No G2, a analgesia foi significativamente maior nos momentos T20, T30 e T40, sendo classificada como boa nos momentos T20, T30, T40 e T50 e como ruim no T10 e no T60. A discreta analgesia ocorrida deve-se ao fato de o propofol ser um fármaco que conhecidamente apresenta fraco efeito analgésico, porém, a depender do plano anestésico, o animal pode vir a não sentir ou a não demonstrar dor (Branson e Gross, 1994BRANSON, K.R.; GROSS, M.E. Propofol in veterinary medicine. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.204, p.1888-1890, 1994.; Botelho et al., 1996BOTELHO, R.P.; NASCIMENTO, M.D.; MARSICO, F. Propofol: avaliação clínica e laboratorial em cães. Rev. Bras. Ciênc. Vet., v.3, p.81-87, 1996.). Assim, para realização de procedimentos que venham a causar dor no animal, há a necessidade de se utilizar um fármaco analgésico em associação ao propofol (Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.), pois estudos apontam que, mesmo com aumento da dose do propofol, a analgesia não chega a níveis satisfatórios. Os resultados do presente estudo demonstram que o regime hídrico de 12 horas também não interfere no poder analgésico do propofol (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.; Schumacher e Yelen, 2006SCHUMACHER, J.; YELEN, T. Anesthesia and analgesia. In: MADER, D.R. Reptile medicine and surgery. 2.ed. Missouri: Saunders Elsevier, 2006. p.442-452.).

O miorrelaxamento é conhecidamente uma das características mais vantajosas promovidas pelo propofol (Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.), e, nesse parâmetro, houve variação entre bom e excelente para a maioria dos animais do estudo, com poucos animais apresentando um miorrelaxamento ruim, não havendo, porém, diferenças significativas entre os grupos. Em ambos os grupos, em todos os momentos a partir do T10, o escore de miorrelaxamento foi estatisticamente maior no T0, sendo classificado como excelente entre T30 e T40 no G1 e de T20 a T50 no G2. Nos demais momentos, em cada grupo, esse parâmetro foi classificado como bom.

Estudos afirmam que, mesmo com o aumento da dose de propofol, não há alterações no miorrelaxamento, sendo esse parâmetro sempre bom ou excelente após o período de latência (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.). Da mesma forma, o efeito miorrelaxante do propofol mostrou-se indiferente no regime hídrico com relação aos grupos, visto que ele tende a ser bom ou excelente independentemente da via de administração, da dose e do regime hídrico, o que foi confirmado por este e outros estudos (Belettini et al., 2004; Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).). A duração média do período de recuperação dos animais do G1 foi de 1,5±3,8 minutos, com valores individuais variando entre zero e 12 minutos. No G2, os valores individuais variaram de zero a 174 minutos, gerando média de 28,8±58,2 minutos. Apesar de não haver diferença estatística entre os grupos quanto a esse parâmetro, devido à grande variação individual verificada, claramente se nota uma tendência à recuperação mais precoce no G1.

Sabe-se que, em tigres-d’água (Trachemys scripta), o tempo de recuperação dos animais mantidos em regime hídrico é menor que o tempo de recuperação daqueles mantidos em contato com a água e que o aumento da dose de propofol neles, diminui o tempo de recuperação anestésica (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.). Novos estudos com cágados-de-barbicha em relação à dosagem e ao período de regime hídrico são necessários, para verificar-se mais precisamente a relação dessas características com a velocidade de recuperação (Belettini et al., 2004; Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).).

A qualidade da recuperação dos animais foi classificada como excelente em todos os animais, em ambos os grupos. Embora os animais tenham demorado mais a se recuperar, em comparação com mamíferos anestesiados com propofol por via intravenosa, eles não apresentaram alterações e não demonstraram qualquer desconforto no momento da recuperação, tornando, neste estudo, a recuperação a melhor e mais segura característica apresentada pelo propofol. Por essa ser uma característica marcante do fármaco, pode-se afirmar que, na dose empregada no presente estudo, a recuperação do efeito do propofol é excelente, independentemente do regime hídrico (Botelho et al., 1996BOTELHO, R.P.; NASCIMENTO, M.D.; MARSICO, F. Propofol: avaliação clínica e laboratorial em cães. Rev. Bras. Ciênc. Vet., v.3, p.81-87, 1996.; Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.).

Estudos realizados com tigres-d’água afirmam que a qualidade da contenção farmacológica tende a melhorar com o aumento da dose do propofol, bem como a ser melhor em animais mantidos em regime hídrico (Belettini et al., 2004BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.). No presente estudo, não foi observada essa característica, sendo a qualidade da contenção farmacológica considerada boa em ambos os grupos, em todos os momentos experimentais, a partir do T10 (Belettini et al., 2004; Vilani, 2007VILANI, R.G.D. (Ed.). Avanço na medicina de animais selvagens - medicina de répteis. Curitiba: Fotolaser, 2007. p.309-329. (Grupo Fowler).). Deve-se também ressaltar que a contenção farmacológica difere de anestesia, sendo para essa última necessária uma boa analgesia, característica essa não apresentada pelo propofol (Branson e Gross, 1994BRANSON, K.R.; GROSS, M.E. Propofol in veterinary medicine. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.204, p.1888-1890, 1994.; Duke, 1995DUKE, T. A new intravenous anesthetic agent: propofol. Can. Vet. J., v.36, p.181-183, 1995.; Schumacher e Yelen, 2006SCHUMACHER, J.; YELEN, T. Anesthesia and analgesia. In: MADER, D.R. Reptile medicine and surgery. 2.ed. Missouri: Saunders Elsevier, 2006. p.442-452.; Massone, 2011MASSONE, F. Anestesiologia veterinária. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 448p.).

CONCLUSÕES

A administração intracelomática de propofol em cágados-de-barbicha (Phrynops geoffroanus) na dose de 35mg/kg promove boa contenção farmacológica e causa mínimas alterações nos parâmetros fisiológicos, não apresentando diferença entre manter - ou não - o animal em regime hídrico de 12 horas.

REFERÊNCIAS

  • BELETTINI, S.T.; VILANI, R.G.D.O.C.; LUGARINI, C.; LEMOS, J.I. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.41, p.20-21, 2004.
  • BOTELHO, R.P.; NASCIMENTO, M.D.; MARSICO, F. Propofol: avaliação clínica e laboratorial em cães. Rev. Bras. Ciênc. Vet., v.3, p.81-87, 1996.
  • BRANSON, K.R.; GROSS, M.E. Propofol in veterinary medicine. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.204, p.1888-1890, 1994.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2018
  • Aceito
    25 Jan 2019
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