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Descrição anatômica da artéria carótida externa e seus ramos na preguiça-comum

[Anatomical description of external carotid artery and its branches in sloth]

RESUMO

Bradypus variegatus, espécie pertencente à família Bradypodidae e à superordem Xenarthra, pode ser considerada modelo biológico de caráter multidisciplinar. Assim, realizou-se um trabalho de descrição anatômica da artéria carótida externa (ACE) e dos seus ramos no bicho-preguiça B. variegatus. Utilizaram-se 10 animais adultos, sendo todos fêmeas, que foram submetidos à dissecação, constatando-se que a artéria (a.) carótida comum se bifurca, em externa e interna, no nível do primeiro anel traqueal. A ACE, então, segue estendendo-se até a maxila, onde emite ramos para a região temporal e para o polo posterior do olho. Em todos os animais estudados, foram observados sete ramos principais da ACE, que, segundo a sua origem e localização, foram denominados como a. auricular, a. lingual, a. facial, a. alveolar, a. inferior, a. temporal, a. maxilar e a. oftálmica. Os ramos maxilar e oftálmico correspondem aos terminais e os demais são ramos colaterais. Em 50% dos animais analisados, foi verificada a presença de anastomoses arteriais e 40% deles apresentaram o acréscimo de um ramo aos principais. Desses, 30% demonstraram a presença de um ramo traqueal e 10% de um ramo sublingual, sendo esses ramos colaterais.

Palavras-chave:
Xenarthra; pilosa; Bradypodidae; ramificação arterial; vascularização da cabeça

ABSTRACT

Bradypus variegatus is a species belonging to the family Bradypodidae and superorder Xenarthra, which should be considered as a multidisciplinary biological model. Thus, an anatomical description of the external carotid artery (ACE) and its branches in sloth B. variegatus was studied. Ten adult animals, all of them female, were submitted to dissection, and it was observed that the common carotid artery (a.) bifurcates in external and internal at the level of the first tracheal ring. Then, ACE extends through the maxilla where it launches branches to the temporal region and posterior eye side. For all sampled animals, seven principal branches of ACE were observed, and according to their origin and location were denominated as auricular, lingual, facial, bottom alveolar, temporal, maxillary and ophthalmic arteries. The maxillary and ophthalmic branches correspond to the terminals and the other branches are collateral. Presence of arterial anastomoses was observed in 50% of the sampled animals and 40% of them had increase of a branch on the principal. In these, 30% had presence of one tracheal branch and 10% of a sublingual branch, considering these branches as collateral.

Keywords:
xenarthra; pilosa; bradypodidae; arterial branching; head vascularization

INTRODUÇÃO

Bradypus variegatus Schinz, 1825 (Bradypodidae, Xenarthra) é conhecida vulgarmente como preguiça-comum ou preguiça-da-garganta-marrom (Queiroz et al., 2015QUEIROZ, C.S.; RODRIGUES, J.L.; BOMFETI, C.A.; GONÇALVES, A.M.P.M. Hematologia de preguiças de três dedos Bradypus variegatus (Bradypodidae, Xenarthra) da praça Tiradentes em Teófilo Otoni-MG. Rev. Cient. Vozes Vale, v.8, p.1-11, 2015.). Possui hábito de vida peculiar e não existe em tão grande quantidade no mundo como no Brasil (Martins et al., 2007MARTINS, D.S.; FERREIRA, J.R.; AMBRÓSIO, C.E. et al. Análise estrutural das glândulas genitais acessórias da preguiça de coleira (Bradypus torquatus, Illiger, 1811). Biotemas, v.20, p.89-97, 2007.). Pode ser considerada modelo biológico de caráter multidisciplinar, possibilitando a continuidade de diversos estudos biológicos. Destaca-se particularmente a importância de pesquisas de caráter anatômico, pois esses animais apresentam grande variação anatômica, sobretudo na vascularização arterial (Campos, 2014CAMPOS, G.M. Análise morfológica do tronco celíaco e seus ramos no bicho-preguiça, Bradypus variegatus (Schinz, 1825). 2014. 42 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal Tropical) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE.). Apesar disso, a literatura acerca do bicho-preguiça é escassa e as informações são generalizadas, principalmente pelo fato de serem de difícil localização e observação em seus habitats naturais (Pereira, 2015PEREIRA, K.F. Antrozoologia e hematologia de preguiças comuns (Bradypus variegatus) de áreas urbanas. 2015. 46f. Dissertação (Mestrado em Biologia Animal) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.). Segundo Campos (2014), existe uma necessidade de se conhecer mais profundamente esse animal, de modo a corroborar o conhecimento da fauna silvestre, além do maior entendimento do sistema cardiovascular do bicho-preguiça, que é de fundamental importância biológica e clínica para o animal.

Diante disso, o estudo da artéria carótida externa (ACE) se faz necessário devido às estruturas anatômicas que são por ela vascularizadas (Isolan et al., 2012ISOLAN, G.R.; PEREIRA, A.H.; AGUIAR, P.H.P.D. et al. Anatomia microcirúrgica da artéria carótida externa: um estudo estereoscópico. J. Vascul. Bras., v.11, p.3-11, 2012.), destacando-se, ainda, a sua participação, na circulação extracraniana, onde seus ramos suprem deficiências decorrentes de possíveis oclusões (Longo e Zaclis, 1958LONGO, P.H.; ZACLIS, J. Anastomose entre artéria carótida externa e artéria vertebral em dois casos de trombose de artéria carótida interna. Arq. Neuro-Psiquiatr., v.16, p.353-360, 1958.). O desconhecimento da anatomia cirúrgica pode acarretar lesões, tendo a ACE uma anatomia complexa, que deve ser conhecida em profundidade por cirurgiões (Isolan et al., 2012), o que torna, portanto, o conhecimento da vascularização dessa artéria (a.) e de seus ramos de grande relevância para a preservação do bicho-preguiça. Assim, objetivou-se descrever anatomicamente o sistema de vascularização da ACE e dos seus ramos em bicho-preguiça B. variegatus, com o intuito de contribuir para o conhecimento do sistema cardiovascular e fornecer dados clínicos para a preservação da espécie.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo teve sua realização na Área de Anatomia do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da Universidade Federal Rural de Pernambuco (DMFA/UFRPE), onde houve a utilização de 10 preguiças adultas, sendo todas fêmeas, da espécie B. variegatus, animais pertencentes ao acervo da Área de Anatomia do DMFA/UFRPE, sendo esses espécimes obtidos após a morte natural. Os cadáveres foram adquiridos através do Centro de Triagem de Animais Silvestre CETAS/IBAMA. Os procedimentos foram realizados sob autorização do Comitê de Ética no Uso de Animais CEUA/UFRPE nº 034/2015.

Os animais foram fixados em solução aquosa de formaldeído a 20%, e, após o processo de fixação, dois cadáveres, ainda, receberam uma injeção de látex Neoprene 650 (DuPont®), com pigmento vermelho a partir da canulação da a. carótida comum (ACC) esquerda, para melhor visualização arterial. Salienta-se que todos os animais foram mantidos em tanque de solução salina a 30%, para conservação. Posteriormente foi realizada a dissecação deles, com o uso de bisturi, pinça e tesoura cirúrgica.

Realizou-se uma incisão sagital mediana no pescoço dos espécimes, seguida do rebatimento da pele e da musculatura, a fim de se ter acesso à ACC, através da qual, após a sua bifurcação, obteve-se acesso à ACE. Ao visualizar a ACE, prosseguiu-se com o rebatimento da pele e foi realizada uma minuciosa dissecação e identificação do trajeto da artéria e de seus ramos principais, tendo sido necessária a retirada de parte do osso jugal, dos processos ascendente e descendente, do processo escamoso do osso temporal (Pet), da mandíbula, bem como de parte da musculatura da face. Esse procedimento foi realizado nas duas ACE, esquerda e direita.

Todas as etapas foram devidamente fotodocumentadas com a câmera digital Canon EOS M, e, para fins de denominação, foram utilizadas as determinações do “International Committee on Veterinary Gross Anatomical Nomenclature”, Nomina Anatômica Veterinária (2017). A identificação da anatomia da ACE se baseou na morfologia cranial descrita por Naples (1982NAPLES, V.L. Cranial osteology and function in the tree sloths, bradypus and choloepus. Am. Museum Nat. Hist., n.2739, 1982.) e Anderson e Jones (1984ANDERSON, S.; JONES, Jr. J.K. Orders and families of recent mammals of the world. New York: John Wiley and Sons, 1984. 686.p.). Também se considerou o trabalho realizado por Naples (1985).

RESULTADOS

Observou-se, em todos os animais, que a ACC se bifurca, em carótida externa e interna, na altura do primeiro anel traqueal. A esse nível, a ACE segue formando um semiarco ventralmente convexo, coberto pelos músculos masseter, temporal e pterigoideo, estendendo-se até a maxila, onde emite ramos para a região temporal e para o polo posterior do olho, no processo pós-orbital do osso frontal. As Fig. 1 e 2 ilustram a anatomia da ACE e de seus ramos; os animais apresentaram tipo de ramificação pivotante, com ramos terminais.

Em todos os espécimes estudados, foram observados sete ramos principais na ACE, que, segundo a sua origem e localização, foram identificados como a. auricular (Aau), a. lingual (Ali), a. facial (Afa), a. alveolar inferior (Aai), a. temporal (At), a. maxilar (Amx) e a. oftálmica (Aof), não sendo encontrados ramos da ACE que vascularizem a porção caudal do crânio.

A a. auricular origina-se caudalmente à ACE, em média 1cm após a bifurcação da ACC, e segue no sentido caudal, atingindo externamente o meato acústico externo (Mae), ventral ao Pet. Em 70% dos animais, o Aau se bifurcou em um ramo caudal e um ramo rostral, separados pela abertura do Mae. Em 10% dos casos, um tronco, que emerge da ACE, deu origem aos ramos Aau e Afa. A a. lingual partiu da face rostral da ACE, em cerca de 2cm após a bifurcação da ACC. Seguindo obliquamente em sentido rostral, passando sob a laringe e pelo osso hioide, penetra o músculo extrínseco, atingindo a parte ventral da língua. Em 40% dos animais avaliados, o Ali se originou no mesmo nível do Aau, mas rostralmente, e, em 60% dos casos, foi o segundo ramo emitido pela ACE. Verificou-se que, em 30% dos casos, a Ali emitiu um ramo ascendente dorsal que atingiu a laringe.

A a. facial nasce caudalmente à ACE, situada dorsalmente ao Aau, e segue de forma ascendente e oblíqua dorsalmente, inicialmente paralela ao Mae e caudal ao Pet, seguido superficialmente pelo osso temporal, penetrando o músculo masseter e bifurcando-se dorsalmente ao Pet. A a. alveolar inferior origina-se rostralmente à ACE, dorsalmente ao Ali, seguindo em direção à mandíbula, onde penetra, emitindo ramos para a região alveolar e para os dentes. Entretanto, em 20% dos casos, o Aai se originou da face caudal, contornando a ACE e seguindo até penetrar na mandíbula.

A a. temporal surge caudalmente à ACE. Segue ascendente e caudalmente através do músculo masseter lateralmente ao Pet e rostralmente ao Mae, chegando ao músculo temporal, onde emite diversos ramos em direção ao osso temporal. A a. maxilar emerge rostralmente à ACE; sendo um dos ramos terminais, segue lateralmente à órbita ocular, penetrando na maxila e emitindo um ramo para a região nasal. A a. oftálmica também é um ramo terminal; origina-se, assim como a Amx, na face rostral da ACE, segue para o polo posterior do olho, no processo pós-orbital do osso frontal, onde vasculariza a órbita ocular e emite, em média, três ramos pós-orbitais.

Em 40% dos animais, constatou-se o acréscimo de um ramo aos ramos principais, onde, em 30% dos animais, verificou-se a presença de um ramo traqueal (Atr) e, em 10% deles, observou-se um ramo sublingual (Asl), sendo esses ramos rostrais (Fig. 1 e 2). O ramo traqueal nasce rostralmente à ACE, ventralmente ao Ali, em 10% dos casos, e dorsalmente em 20% dos casos, seguindo de modo descendente, até chegar ao primeiro anel traqueal. O ramo sublingual também tem sua origem rostralmente à ACE, entretanto segue ascendente, passando pela laringe, vascularizando superficialmente a musculatura extrínseca da língua. Também foi verificada a presença de anastomoses em 50% dos animais analisados, sendo verificadas anastomoses em arcada, do tipo direta com disposição transversa, anastomose por confluência e dupla em arcada (Fig. 3).

Figura 1
Representação esquemática (A) e imagem real (B) da artéria carótida externa esquerda de B. variegatus. Artéria carótida comum esquerda (ACCE), artéria carótida externa esquerda (ACEE), artéria carótida interna esquerda (ACIE), artéria auricular (Aau), artéria lingual (Ali), artéria facial (Afa), artéria alveolar inferior (Aai), artéria temporal (At), artéria maxilar (Amx), artéria oftálmica (Aof), traqueia (TR), língua (LI), artéria sublingual (Asl) e artéria traqueal (Atr); Asl e Atr representadas em tracejado azul.

Figura 2
Representação esquemática (A) e imagem real com vasos corados em vermelho (B) da artéria carótida externa direita de B. variegatus. Artéria carótida comum direita (ACCD), artéria carótida externa direita (ACED), artéria carótida interna direita (ACID), artéria auricular (Aau), artéria lingual (Ali), artéria facial (Afa), artéria alveolar inferior (Aai), artéria temporal (At), artéria maxilar (Amx), artéria oftálmica (Aof), mandíbula (Md), osso temporal (T), traqueia (TR), bula auditiva (Ba) e artéria sublingual (Asl), artéria traqueal (Atr); Asl e Atr representadas em tracejado azul.

As anastomoses do tipo direta com disposição transversa e por confluência foram observadas em 10% dos animais, sendo encontradas na ACE esquerda e direita. A anastomose direta aconteceu entre os ramos Ali e Aai; já por confluência, foi observada entre o Afa e o Aau, bem como na origem do Ali na ACE. A anastomose em arcada dupla ocorreu em 10% dos animais, entretanto só foi observada na ACE direita, na formação do Afa. A anastomose do tipo arcada foi visualizada em 30% dos animais, sendo a mais observada. Contudo, quando presente, foi verificada em ambos os antímeros do mesmo animal em 1/3 dos casos; nos 2/3 restantes, ela foi evidenciada na ACE esquerda; ocorreu entre os ramos Afa e Aai em 2/3 dos casos, entre At e Aai em 1/3 e entre Aau, Aai, Atr e Ali também em 1/3.

Figura 3
Esquema demonstrando anastomoses observadas nos ramos da a. carótida externa em B. variegatus. (A) anastomose em arcada, (B) anastomose direta com disposição transversa, (C) anastomose por confluência e (D) anastomose dupla em arcada.

DISCUSSÃO

Apesar da indubitável importância da ACE, pesquisas sobre sua anatomia e fisiologia são extremamente escassas. Do mesmo modo, são poucos os trabalhos sobre a vascularização de B. variegatus. Como não foram encontrados relatos científicos sobre a ACE desse animal, bem como informações anatômicas dessa artéria em outros mamíferos silvestres, a fim de discutir os resultados deste estudo, foram utilizadas pesquisas desenvolvidas em humanos e animais domésticos. A a. carótida comum se encontra, em ambos os antímeros, dorsal a traqueia e sua bifurcação, em interna e externa, ocorreu no nível do primeiro anel traqueal, o que coaduna a pesquisa de Albuquerque (2017ALBUQUERQUE, P.V. Ramos do arco aórtico e da aorta descendente em bicho-preguiça (Bradypus variegatus, Schinz, 1825). 2017. 97f. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal Tropical) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE.), que verificou a mesma localização e origem da bifurcação em B. variegatus.

A a. carótida externa, em 60% dos animais vistos, forneceu cinco ramos colaterais antes de se bifurcar nos dois ramos terminais, Aof e Amx. Tal característica difere da ACE nos seres humanos, que possuem seis ramos laterais e dois terminais (Fernández, 2009FERNÁNDEZ, J.P. Anatomía básica cerebral para el cardiólogo intervencionista. Rev. Costarricense Cardiol., v.11, p.33-40, 2009.; Isolan et al., 2012ISOLAN, G.R.; PEREIRA, A.H.; AGUIAR, P.H.P.D. et al. Anatomia microcirúrgica da artéria carótida externa: um estudo estereoscópico. J. Vascul. Bras., v.11, p.3-11, 2012.), assim como difere em ruminantes, equinos, cães e gatos (Dyce et al., 2010DYCE, K.M.; SACK, W.O.; WENSING, C.J.G. Tratado de anatomia veterinária. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 633p.). A supressão de um ramo colateral na ACE desses animais pode estar relacionada com sua reduzida massa muscular, que foi verificada por Britton (1941BRITTON, S.W. Form and function in the sloth. Q. Rev. Biol., v.16, p.13-34, 1941.). Isso porque a perda ou a atrofia muscular está relacionada com a menor irrigação tecidual, segundo Thompson (1994THOMPSON, L.V. Effects of age and training on skeletal muscle physiology and performance. Phys. Ther., v.74, p.71-81, 1994.).

Entretanto, 40% dos animais apresentaram seis ramos colaterais e dois terminais, conforme o padrão visto na maioria das espécies. Porém, o sexto ramo colateral variou, sendo emitido em 30% dos casos como Atr e em 10% como Asl, resultando como uma variação anatômica.

As variações observadas podem estar correlacionadas com as implicações morfológicas craniais da espécie, que, segundo Anderson e Jones (1984ANDERSON, S.; JONES, Jr. J.K. Orders and families of recent mammals of the world. New York: John Wiley and Sons, 1984. 686.p.), possuem um crânio dorsoventralmente achatado, além de ter a maxila rostrocaudalmente alongada e a pré-maxila reduzida. Portanto, a disposição da ACE da preguiça-comum relaciona-se com as características morfológicas desses bradipodídeos, irrigando as estruturas faciais da cabeça.

A localização do Aau na face caudal da ACE permite sua correlação com a a. auricular caudal em equinos, cães e ruminantes (Dyce et al., 2010DYCE, K.M.; SACK, W.O.; WENSING, C.J.G. Tratado de anatomia veterinária. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 633p.) e com a a. auricular posterior em humanos (Isolan et al., 2012ISOLAN, G.R.; PEREIRA, A.H.; AGUIAR, P.H.P.D. et al. Anatomia microcirúrgica da artéria carótida externa: um estudo estereoscópico. J. Vascul. Bras., v.11, p.3-11, 2012.), contudo, em B. variegatus, o Aau é o primeiro a surgir na ACE. A bifurcação evidenciada em 70% dos animais pode ser correlacionada com a emergência de dois ramos da a. auricular caudal em ruminantes, descrita por Getty et al. (1981GETTY, R.; SISSON, S.; GROSMMAN, J.D. Anatomia dos animais domésticos. 5.ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1981. v.1, p.905-906.), e em cães, como proposto por Dyce et al. (2010).

A a. lingual em vertebrados fornece suprimento sanguíneo para a língua (Silva et al., 2003SILVA, F.O.C.; SEVERINO, R.S.; DRUMMOND, S.S. et al. Artérias dos lobos cervicais do timo em fetos de suínos da raça Piau. Ars Vet., v.19, p.8-12, 2003.; Dyce et al., 2010DYCE, K.M.; SACK, W.O.; WENSING, C.J.G. Tratado de anatomia veterinária. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 633p.), assim como visto na preguiça-comum. Semelhantemente aos resultados obtidos, Ferreira et al. (2011FERREIRA, J.R.; CARVALHO, E.A.; SOUZA, W. et al. Anatomia da artéria lingual profunda em Sus scrofa domestica, Linnaeus, 1758. Ciênc. Anim. Bras., v.12, p.298-305, 2011.) observaram que a a. lingual de Sus scrofa domestica passa pelo osso hioide e penetra a musculatura extrínseca, atingindo a língua, onde penetra emitindo ramos. Eles também observaram que a a. lingual não fornece ramos apenas para a irrigação da língua, sendo verificados ramos que irrigam regiões subjacentes, sendo esse último caso visto em B. variegatus, onde o Ali emitiu um ramo lateral ascendente que atingiu rostralmente a laringe.

A a. facial da ACE do bicho-preguiça destinguiu-se na sua anatomia com relação a outros vertebrados. (Silva Júnior, 2007) verificou que as artérias faciais direita e esquerda de bovinos da raça Holandesa Preta e Branca têm sua origem, na maioria dos casos, de um tronco linguofacial e não diretamente da ACE, como ocorre em B. variegatus. Além dessa divergência, o Afa surge na face caudal da ACE paralelamente ao Aau e sem correlação com a a. lingual, apresentando uma origem oposta à verificada por Silva Júnior (2007), contudo, em ambos os animais, a a. facial penetra o músculo masseter. Apesar de, na maior parte dos casos, a Afa sair diretamente da ACE, verificou-se que, em 10% dos animais, ela partiu de um tronco auriculofacial devido a sua posição de origem. Essa divergência na origem da a. facial pode ser relacionada com a morfologia cranial do animal, pois Naples (1982NAPLES, V.L. Cranial osteology and function in the tree sloths, bradypus and choloepus. Am. Museum Nat. Hist., n.2739, 1982.) afirma que o crânio de B. variegatus, assim como o dos outros Xenarthras, difere de outros mamíferos. Kawai et al. (2006KAWAI, T.; SATO, I.; YOSUE, T. et al. Anastomosis between the inferior alveolar artery branches and submental artery in human mandible. Surg. Radiol. Anat., v.28, p.308-310, 2006.) observaram que a a. alveolar inferior penetra a mandíbula em humanos, e Dyce et al. (2010DYCE, K.M.; SACK, W.O.; WENSING, C.J.G. Tratado de anatomia veterinária. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 633p.) verificaram que o Aai, em cães, surge caudalmente à a. maxilar, penetrando a mandíbula para suprir os alvéolos e os dentes, o que corrobora o presente estudo, pois, segundo Castelli et al. (1975CASTELLI, W.A.; NASJLETI, C.E.; DIAZ-PEREZ, R. Interruption of the arterial inferior alveolar flow and its effects on mandibular collateral circulation and dental tissues. J. Dental Res., v.54, p.708-715, 1975.), essa artéria é uma das principais responsáveis pelo suprimento sanguíneo mandibular.

A anatomia da a. temporal da ACE de B. variegatus difere em relação aos seres humanos (Isolan et al., 2012ISOLAN, G.R.; PEREIRA, A.H.; AGUIAR, P.H.P.D. et al. Anatomia microcirúrgica da artéria carótida externa: um estudo estereoscópico. J. Vascul. Bras., v.11, p.3-11, 2012.) e também aos equinos (Barros e Cortés, 2012BARROS, E.A.D.; CORTÉS, C.A.V. Variación anatómica de la arteria maxilar interna del equino: estudio de caso. Rev. Med. Vet., v.24, p.103-111, 2012.), não sendo um ramo terminal na espécie estudada. Entretanto, segundo Isolan et al. (2012), a a. temporal superficial em humanos, assim como a At da preguiça-comum, encontra-se ascendente, atingindo o músculo temporal. O relato de Leal et al. (2005LEAL, F.S.C.B.; MIRANDA, C.C.V.; GUIMARÃES, A.C.A. Traumatic pseudoaneurysm of the superficial temporal artery: case report. Arq. Neuro-psiquiatr., v.63, p.859-861, 2005.) também coaduna a presente pesquisa, uma vez que a a. temporal superficial de humanos se encontra anteriormente ao Mae. A a. maxilar em B. variegatus é um ramo terminal, assim como visto por Isolan et al. (2012), em humanos, e por Barros e Cortés (2012), em cavalos. Andrade (2004ANDRADE, A.L. Semiologia do sistema visual dos animais domésticos. São Paulo: Roca, 2004. 31p.) afirma que, em animais domésticos, a a. maxilar segue ventralmente à órbita, irrigando estruturas mais rostrais da face, o que corrobora os achados desta pesquisa.

A a. oftálmica em B. variegatus difere em seu surgimento em relação aos animais domésticos, sendo um ramo terminal no bicho-preguiça. Contudo, Andrade (2004ANDRADE, A.L. Semiologia do sistema visual dos animais domésticos. São Paulo: Roca, 2004. 31p.) propõe que a a. oftálmica externa nesses animais irriga as estruturas do globo ocular, característica também observada neste estudo.

CONCLUSÃO

A artéria carótida externa em B. variegatus emite sete ramos principais, sendo dois terminais, diferindo da maioria dos mamíferos. Os ramos foram identificados como auricular, lingual, facial, alveolar inferior, temporal, maxilar e oftálmico. Em 30% dos animais, verificou-se o acréscimo de um ramo traqueal, e 10% deles apresentaram um ramo sublingual. Além disso, 50% dos animais analisados apresentaram anastomoses.

AGRADECIMENTOS

Ao Grupo de Pesquisa Morfofisiologia do Bicho-Preguiça, pelo suporte no desenvolvimento deste trabalho; à área de Anatomia do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife-PE, pela disponibilidade laboratorial; ao Centro de Triagem de Animais Silvestres, CETAS/IBAMA, Camaragibe-PE, pela doação dos espécimes para o estudo; à Juliana Soares, pela contribuição na edição e digitalização das imagens.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2018
  • Aceito
    27 Mar 2019
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