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Placa bloqueada em fratura tibiotársica de coruja suindara (Tyto furcata): relato de caso

[Locking plate in tibiotarsal fracture in a suindara owl: case report]

RESUMO

Foi atendida, no Hospital Veterinário da Universidade de Cuiabá, uma coruja suindara (Tyto furcata), resgatada pela Polícia Militar Ambiental, sem histórico, adulta e 400 gramas de peso corporal. A ave apresentava impotência funcional do membro pélvico direito, além de desvio, crepitação e dor na região proximal tibiotársica direita, sem lesão cutânea. Estudo radiográfico revelou fratura diafisária oblíqua curta em tibiotarso direito. A estabilização da fratura foi realizada com placa bloqueada do sistema de 1,5mm, na função de apoio, seis orifícios, com três parafusos monocorticais distais, dois parafusos monocorticais proximais e um parafuso bicortical proximal. Ao 30º dia do pós-operatório, os achados radiográficos de consolidação óssea e o retorno da função do membro permitiram a alta médica. Concluiu-se que o uso de placa bloqueada em função apoio para estabilização de fraturas tibiotársicas simples de coruja suindara oferece resultados satisfatórios.

Palavras-chave:
ave; osteossíntese; osso; cirurgia

ABSTRACT

An adult suindara owl (Tyto furcata), with no specific history and 400 grams of body weight was treated at the Veterinary Hospital of the University of Cuiabá. The patient presented functional impotence in the right pelvic limb, deviation, crepitation and pain in the proximal region in right tibiotarsal, without cutaneous lesions. Radiographs revealed a short oblique diaphyseal fracture at the right tibiotarsus. Fracture stabilization was performed with a 1.5mm locking plate, buttress, six holes; three distal monocortical screws, two proximal monocortical screws and a proximal bicortical screw. On the 30th postoperative day, radiographic revealed bone healing, and the return of limb function allowed medical discharge. It was concluded that the use of locking plates in buttress function to stabilize simple tibiotarsus fractures in suindara owl offers satisfactory results.

Keywords:
osteosynthesis; bird; bone; surgery

INTRODUÇÃO

As aves possuem ossos com características próprias, destacando-se o fato de apresentarem corticais finas e quebradiças, decorrentes da elevada concentração de cálcio, importante para o processo de formação de ovos. Além disso, observam-se finas trabéculas ósseas, baixa qualidade de osso denso na região metafisária e pouca cobertura de tecidos moles nas extremidades distais, predispondo a ocorrência de fraturas abertas e cominutivas, frequentes no esqueleto apendicular. O úmero e o fêmur são ossos pneumáticos com canal medular largo, proporcionando diminuição do peso corporal, em consequência da adaptação ao voo, além de auxiliar na respiração e na umidificação do ar (Forbes, 2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.).

Anatomicamente, o membro pélvico das aves apresenta semelhanças ao dos mamíferos, com exceção da fusão do osso do tarso à tíbia, formando o tibiotarso, e do tarso ao metatarso, constituindo o tarsometatarso (Alievi et al., 2001ALIEVI, M.M.; SCHOSSLER, J.E.; HIPPLER, R.A. et al. Redução fechada e fixação esquelética externa tipo II para o tratamento de fraturas de tibiotarso em pombos domésticos (Columba livia). Ciênc. Rural, v.31, p.1019-1025, 2001.). Fraturas tibiotarsais proximais e do terço médio estão entre as mais comuns em aves, com bom prognóstico de consolidação na maioria dos casos (Ponder, 2015PONDER, J.B. Advanced treatments for avian fractures: diagnosing and treating problematic avian fractures. In: NORTH AMERICAN VETERINARY COMMUNITY CONFERENCE, 29., 2015, Florida. Proceedings… Florida: NAVC, 2015. p.1244-1245.).

O conhecimento sobre a fisiologia e as propriedades ósseas durante a consolidação de fraturas em aves ainda é limitado, porém, clinicamente, os ossos de aves se consolidam mais rapidamente do que dos mamíferos, tendo a maioria das fraturas diafisárias alcançado estabilidade em três a quatro semanas (Forbes, 2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.). Sabe-se que o suporte sanguíneo e a formação de calo endosteal são especialmente importantes para a consolidação de fraturas nessa espécie (Ponder, 2015PONDER, J.B. Advanced treatments for avian fractures: diagnosing and treating problematic avian fractures. In: NORTH AMERICAN VETERINARY COMMUNITY CONFERENCE, 29., 2015, Florida. Proceedings… Florida: NAVC, 2015. p.1244-1245.).

Técnicas e dispositivos ortopédicos de mamíferos pequenos têm sido extrapolados e adaptados para tratamento de fratura em aves, entretanto, devido às particularidades da classe, podem representar grande desafio ao cirurgião (Ponder, 2015PONDER, J.B. Advanced treatments for avian fractures: diagnosing and treating problematic avian fractures. In: NORTH AMERICAN VETERINARY COMMUNITY CONFERENCE, 29., 2015, Florida. Proceedings… Florida: NAVC, 2015. p.1244-1245.). Todavia, os princípios do tratamento de fraturas, como estabilização rígida, alinhamento e aposição, mínima lesão do calo em formação e dos tecidos moles adjacentes e rápido retorno à função, são similares aos dos mamíferos (MacCoy, 1992).

Placas bloqueadas promovem estabilidade angular, que confere menor chance de falha do implante em ossos com maior fragilidade (Ferrigno et al., 2011FERRIGNO, C.R.A.; CUNHA, O.; IZQUIERDO, D.F.C. et al. Resultados clínicos e radiográficos de placas ósseas bloqueadas em 13 casos. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.48, p.512-518, 2011.), além de permitir a colocação da placa sem contato compressivo com o osso, preservando o suprimento sanguíneo periosteal e a perfusão óssea (Jia et al., 2010JIA, W.T.; ZHANG, C.Q.; SHENG, J.G.; JIN, D.X. et al. Free vascularizes fibular grafting in combination with a lockin plate for the reconstruction of a large tibial defect secondaru to osteomyelitis in a child: a case report and literature review. J. Pediat. Orthop., v.19, p.66-70, 2010.). Diante dos benefícios do sistema da placa bloqueada para ossos frágeis e da limitação de implantes para aves, objetivou-se neste trabalho demonstrar o comportamento dessa placa no tratamento de fratura em uma coruja suindara.

CASUÍSTICA

Todos os procedimentos realizados na condução deste caso foram avaliados e aprovados pelo Comitê de Ética para Uso de Animais da Universidade de Cuiabá e protocolados sob o número 004/2015.

Foi atendida, no Hospital Veterinário da Universidade de Cuiabá, uma coruja suindara (Tyto furcata), sem histórico, adulta, com 400 gramas de peso corporal, apresentando impotência funcional do membro pélvico direito, a qual foi encaminhada pela Polícia Ambiental do Mato Grosso, sendo encontrada caída por civil. Ainda que o histórico fosse desconhecido, não sendo possível precisar o tempo do ocorrido, o animal apresentava-se em bom estado geral à avaliação clínica. Durante o exame ortopédico, constatou-se desvio, crepitação e dor na região proximal tibiotársica direita, sem lesão cutânea.

Ao exame de imagem, nas incidências craniocaudal e mediolateral, constatou-se fratura oblíqua curta no terço médio proximal do tibiotarso direito (Fig. 1). A ave foi submetida ao tratamento cirúrgico, utilizando-se o protocolo anestésico que incluiu a associação de quetamina e midazolam, 10mg/kg e 1mg/kg, respectivamente, pela via intramuscular (IM), na musculatura peitoral, e analgesia por morfina, 2mg/kg, IM. Após 15 minutos, procedeu-se ao acesso venoso da veia ulnar com cateter número 24, para infusão de solução fisiológica a 0,9%. Após intubação orotraqueal (sonda endotraqueal nº 2 sem balão), a anestesia foi, então, mantida com isoflurano, em concentração alveolar mínima (CAM) de 1,3, vaporizado em oxigênio e circuito aberto T de Ayres (Baraka). Antibioticoterapia profilática foi estabelecida com enrofloxacina, 5mg/kg, IM.

O animal foi posicionado sobre a mesa cirúrgica em decúbito dorsal. Em ato contínuo, removeram-se as penas manualmente do membro pélvico direito, para a realização de antissepsia com clorexidine alcoólico 2%. Iniciou-se o procedimento com incisão cutânea por acesso craniomedial, seguida da divulsão entre os músculos tibial cranial e gastrocnêmio para exposição óssea. Uma placa bloqueada do sistema de 1,5mm e seis orifícios foi aplicada na função apoio.

A redução da fratura foi realizada sob irrigação, com solução fisiológica 0,9%, com auxílio de seringa de 20 mL e agulha 40x12mm. A placa foi fixada na face craniomedial do tibiotarso, e os parafusos autorrosqueantes inseridos em perfurações realizadas com furadeira elétrica ortopédica, canulada, autoclavável, delicada, com broca de 1,1mm. Foram aplicados parafusos bloqueados na função neutra, sendo três parafusos monocorticais distais, dois parafusos proximais monocorticais e apenas um parafuso bicortical no fragmento proximal.

Figura 1
Imagens radiográficas de tibiotarso direito de coruja suindara (Tyto furcata). (A e B): imagens pré-operatórias, em incidências craniocaudal e mediolateral, respectivamente, evidenciando fratura oblíqua curta do terço médio proximal.

Após a redução da fratura, foi realizada sutura em padrão contínuo simples para aproximação da musculatura, utilizando-se fio poliglactina 910, 4-0 e sutura da pele em padrão simples interrompido, com mesmo fio. Ao término do procedimento, foi administrada flunixina meglumina, na dose de 5mg/kg (IM), e realizada bandagem com algodão ortopédico e atadura de crepom, mantida apenas nas primeiras 24 horas pós-operatórias. A ave recebeu cloridrato de tramadol, na dose de 2mg/kg, a cada oito horas e flunixina meglumina (5mg/kg, IM), a cada 24 horas, ambos por três dias, e enrofloxacina, na dose de 5mg/kg, IM, a cada 24 horas, durante sete dias. Realizou-se limpeza da ferida cirúrgica diariamente, com solução salina de cloreto de sódio a 0,9% estéril, por sete dias, a qual foi mantida sem coaptação externa a partir do segundo dia pós-operatório.

RESULTADOS

O animal foi avaliado diariamente, a fim de se observar o estado geral, o retorno à função do membro e à atividade. Na primeira semana após o procedimento cirúrgico, por volta do terceiro dia pós-operatório, notou-se início do apoio do membro com melhora gradativa e, ao 10º dia, a ave apreendia o alimento (camundongo inteiro) com os dígitos do membro pélvico direito. Durante o período pós-operatório até a consolidação radiográfica, a ave esteve em gaiola individual.

A ave foi encaminhada ao setor de imagem para realização de radiografias, em projeções craniocaudal e mediolateral no pós-operatório imediato, que demonstraram bom alinhamento, boa aposição dos fragmentos, aparato adequado e manutenção do comprimento ósseo (Fig. 2A e 2B).

Figura 2
Imagens radiográficas de tibiotarso direito de coruja suindara (Tyto furcata). (A e B): imagens do pós-operatório imediato em incidências craniocaudal e mediolateral, respectivamente, demonstrando alinhamento ósseo, manutenção do comprimento e implante aplicado conforme descrito anteriormente. (C e D): imagens aos 30 dias de pós-operatório, em incidências craniocaudal e mediolateral, respectivamente, evidenciando consolidação da fratura.

Trinta dias após o procedimento cirúrgico, a ave apresentava plena função do membro e capacidade de apreensão dos dígitos. Nesse momento, realizou-se novo exame radiográfico, e as incidências craniocaudal e mediolateral revelaram calo ósseo formado e ausência de linha de fratura, corroborando a consolidação radiográfica, o que permitiu a alta médica do animal (Fig. 2C e 2D).

DISCUSSÃO

O osso tibiotarso das aves é formado pela fusão da tíbia e da linha proximal dos ossos do tarso durante o crescimento embrionário (Forbes, 2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.). As fraturas desse osso estão entre os problemas mais frequentes em aves de rapina. Geralmente, são fraturas localizadas distalmente à crista, transversais simples, da maneira como ocorreu com a coruja deste relato (Guzman et al., 2007GUZMAN, D.S.M.; BUBENIK, L.J.; LAUE, S.K.; MITCHELL, M.A. Repair of a coracoid luxation and a tibiotarsal fracture in a bald eagle (Haliaeectus leucocephalus). J. Avian Med. Surg., v.21, p.188-195, 2007.). O acesso cirúrgico craniomedial ao tibiotarso possibilita uma exposição ampla da diáfise óssea, permitindo aplicação de placa. Uma abordagem lateral pode predispor a ocorrência de lesões iatrogênicas em estruturas como veia e artéria tibial cranial e nervo fibular (Forbes, 2012).

Fraturas em aves, principalmente as de tamanho pequeno, são tradicionalmente tratadas com coaptação externa e/ou fixadores externos (Pérez et al., 2008PÉREZ, E.C.; SEOANE, M.S.; SANTAMARINA, B.V.; CANTALAPIEDRA, A.G. Comparison of holding power of three different pin designs for external skeletal fixation in avian bone: a study in a common buzzard (Buteo buteo). Vet. Surg., v.37, p.702-705, 2008.). O uso de placas convencionais é desencorajado devido à cortical fina e quebradiça, associada à inadequada fixação do parafuso, à compressão da placa ao osso e ao risco de ocorrência de fissuras ou fraturas iatrogênicas (Guzman et al., 2007GUZMAN, D.S.M.; BUBENIK, L.J.; LAUE, S.K.; MITCHELL, M.A. Repair of a coracoid luxation and a tibiotarsal fracture in a bald eagle (Haliaeectus leucocephalus). J. Avian Med. Surg., v.21, p.188-195, 2007.). Neste relato, não houve complicações referentes à espessura da cortical, tendo sido seguidas as recomendações de autores que preconizam que a aplicação de placa em aves seja realizada por um cirurgião treinado e especializado, após planejamento criterioso (Guzman et al., 2007). Forbes (2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.) menciona a importância do uso de instrumental delicado para cirurgias em aves de pequeno e médio porte, além da necessidade de improvisar com materiais desenvolvidos para outras funções, devido à ausência de aparato específico para cirurgia ortopédica nessas espécies.

Durante o procedimento cirúrgico, não ocorreram complicações significativas na fixação da placa. Em um estudo sobre a aplicação de miniplacas de titânio em tibiotarso de pombos domésticos, ocorreu fissura no momento da aplicação de parafuso em apenas um animal, pertencente a um grupo com 10 aves. Porém, ainda assim, foi possível a redução adequada da fratura sem complicações observadas no período de consolidação (Gouvêa et al., 2011).

Optou-se por um sistema bloqueado diante das diversas vantagens em comparação a outros métodos de fixação interna, como boa estabilidade em ossos de baixa qualidade, dispensável contato íntimo entre placa e osso, com consequente preservação do aporte sanguíneo periosteal e redução da reabsorção óssea sob a placa (Johnson et al., 2005JOHNSON, A.L.; HOULTON, E.F.J.; VANNINI, R. AO Principles of fracture management in the dog and cat. New York: Thieme Medical Publishers; 2005. p.28-49.; Jia et al., 2010JIA, W.T.; ZHANG, C.Q.; SHENG, J.G.; JIN, D.X. et al. Free vascularizes fibular grafting in combination with a lockin plate for the reconstruction of a large tibial defect secondaru to osteomyelitis in a child: a case report and literature review. J. Pediat. Orthop., v.19, p.66-70, 2010.; Ferrigno et al., 2011FERRIGNO, C.R.A.; CUNHA, O.; IZQUIERDO, D.F.C. et al. Resultados clínicos e radiográficos de placas ósseas bloqueadas em 13 casos. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.48, p.512-518, 2011.). Dessa forma, as placas bloqueadas tornam-se uma opção viável para aves. Forbes (2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.) cita a importância do suporte sanguíneo para o processo de formação do calo ósseo em aves, que, segundo Jia et al., (2010) é mantido pelo uso da placa bloqueada.

Um estudo anterior aplicou microplacas de titânio em fraturas no tibiotarso de pombos domésticos, sendo uma alternativa, devido ao tamanho reduzido, para tratamento de fraturas em aves de pequeno a médio porte (Gouvêa et al., 2011), entretanto Christen et al. (2005CHRISTEN, C.; FISCHER, I.; RECHENBERG, B.V. et al. Evaluation of a maxillofacial miniplate compact 1.0 for stabilization of the ulna in experimentally induced ulnar and radial fractures in pigeons (Columba livia). J. Avian Med. Surg., v.19, p.185-190, 2005.) citam que essas placas são designadas para fraturas maxilofaciais em humano, com estresse mecânico inferior, demonstrando não possuir rigidez necessária para contrapor as forças aplicadas no foco de fratura, o que resulta em falha do implante quando aplicadas em fraturas de ulna em pombos domésticos.

A eleição da função da placa como apoio ocorreu por sua capacidade de evitar o colapso da fratura e suportar a carga axial total do membro (Tobias e Johnston, 2012TOBIAS, K.M.; JOHNSTON, S.A. Veterinary surgery small animal. Missouri: Elsevier Saunders, 2012. p.576-718.). Na literatura, a terminologia placa de apoio é utilizada para denominar placas utilizadas para suportarem todas as forças aplicadas no local da fratura durante o tratamento de fraturas metafisárias (articulares) e diafisárias não reconstruídas (Johnson et al., 2005JOHNSON, A.L.; HOULTON, E.F.J.; VANNINI, R. AO Principles of fracture management in the dog and cat. New York: Thieme Medical Publishers; 2005. p.28-49.; Tobias e Johnston, 2012). No presente caso, aplicou-se o implante com essa função para não comprimir do foco de fratura devido à fragilidade das corticais e devido à baixa carga axial sobre o foco da fratura e do implante. Em concordância com o descrito por Tobias e Johnston (2012), todos os orifícios da placa de apoio foram preenchidos por parafusos, promovendo estabilidade rígida e redução aos efeitos potencialmente deletérios da concentração de tensão.

Preconizou-se a aplicação de parafusos monocorticais, objetivando-se evitar a fragilização óssea. Placas bloqueadas permitem a aplicação de parafusos monocorticais sem que ocorra perda da estabilidade. A resistência de parafusos bloqueados monocorticais aumenta consideravelmente em comparação a parafusos convencionais monocorticais, devido à estabilidade angular na interface placa-parafuso. O uso de parafusos monocorticais possui benefícios em comparação a bicorticais, como preservação da vascularização local, menor risco de parafusos inseridos em superfícies articulares e maior facilidade de inserção (Tobias e Johnston, 2012TOBIAS, K.M.; JOHNSTON, S.A. Veterinary surgery small animal. Missouri: Elsevier Saunders, 2012. p.576-718.).

Há poucos relatos sobre o uso de placas em aves, especialmente bloqueadas. Recentemente, Dal-Bó et al. (2018) relataram o uso de miniplaca de 1,5mm para estabilização de fratura completa de rádio, associada ao uso de placa bloqueada 2,0mm em fratura cominutiva de ulna de gavião Caboclo, resultando em adequada consolidação da ulna e retorno à função do membro.

Alguns autores citam como desvantagem das placas o custo de instrumental e implantes, além da necessidade de treinamento específico, do maior tempo de anestesia e do risco de lesão de tecidos moles adjacentes (Guzman et al., 2007GUZMAN, D.S.M.; BUBENIK, L.J.; LAUE, S.K.; MITCHELL, M.A. Repair of a coracoid luxation and a tibiotarsal fracture in a bald eagle (Haliaeectus leucocephalus). J. Avian Med. Surg., v.21, p.188-195, 2007.). No que se refere ao tempo cirúrgico e ao treinamento, neste relato, o implante foi aplicado sem maiores complicações, corroborando Gouvêa et al. (2011), que acreditam não haver diferença em relação a outros métodos de osteossíntese e à curva de aprendizado do cirurgião. Outra complicação citada é o envergamento da placa. Alguns trabalhos sugerem que fraturas ósseas longas em aves necessitariam de placas mais longas do que fraturas semelhantes em caninos e felinos (Guzman et al., 2007; Gouvêa et al., 2011).

Uma placa de tamanho inadequado e a aplicação incorreta facilitam a falha do implante. Incorporar à placa um pino intramedular reduziria o estresse da placa (Guzman et al., 2007GUZMAN, D.S.M.; BUBENIK, L.J.; LAUE, S.K.; MITCHELL, M.A. Repair of a coracoid luxation and a tibiotarsal fracture in a bald eagle (Haliaeectus leucocephalus). J. Avian Med. Surg., v.21, p.188-195, 2007.). No presente caso, não foi observado envergamento da placa, mesmo diante da ausência de associação com pino intramedular, sugerindo que o tamanho da placa estava adequado. O uso de pinos intramedulares também não foi associado à placa bloqueada em relato anterior, devido às suas desvantagens, como risco de lesão articular durante a inserção, lesão vascular ao canal medular e predisposição à migração (Dal-Bó et al., 2018).

Ferraz et al. (2008FERRAZ, V.C.M.; FERRIGNO, C.R.A.; CORTOPASSI, S.R.G. et al. Avaliação radiográfica e de função de voo após fixação de osteotomias distais do úmero em pombas (Columba livia) com modelo de fixador externo articulado. Pesqui. Vet. Bras., v.28, p.351-357, 2008.) afirmaram que a cortical fina das aves favorece uma menor capacidade de fixação dos implantes ortopédicos. De maneira oposta, no presente caso, durante o período pós-operatório, não ocorreu soltura ou migração dos parafusos aplicados, assim como observado por Gouvêa et al. (2011), e compreendendo que estavam corretamente fixados. Não foram encontrados estudos sobre a capacidade de fixação de parafusos em ossos dessa espécie. A associação de placa com polimetilmetacrilato intramedular tem sido descrita com o objetivo de melhorar a fixação de parafusos em ossos de aves (Guzman et al., 2007GUZMAN, D.S.M.; BUBENIK, L.J.; LAUE, S.K.; MITCHELL, M.A. Repair of a coracoid luxation and a tibiotarsal fracture in a bald eagle (Haliaeectus leucocephalus). J. Avian Med. Surg., v.21, p.188-195, 2007.).

Apesar da utilização de bandagem nas primeiras 24 horas pós-operatórias, durante todo o período transcorrido até a alta médica, a ave foi mantida sem coaptação externa, demonstrando conforto com a técnica de osteossíntese planejada, conforme observado anteriormente por Gouvêa et al. (2011). O método de formação e a contribuição do calo endosteal e periosteal em aves aparentam ser similares ao processo em mamíferos (Forbes, 2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.). Um estudo utilizando fixação esquelética externa tipo II em tibiotarso de pombos domésticos mostrou que a formação do calo ósseo teve origem de células progenitoras do periósteo, do endósteo e de tecidos conectivos, confirmando não haver diferença em relação à consolidação óssea entre mamíferos e aves (Alievi et al., 2001ALIEVI, M.M.; SCHOSSLER, J.E.; HIPPLER, R.A. et al. Redução fechada e fixação esquelética externa tipo II para o tratamento de fraturas de tibiotarso em pombos domésticos (Columba livia). Ciênc. Rural, v.31, p.1019-1025, 2001.).

Correto alinhamento e aposição dos fragmentos ósseos permitem consolidação por calo endosteal em aves, também formado quando não há fixação rígida (Forbes, 2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.). Fraturas diafisárias tibiotársicas simples e fechadas, corretamente fixadas, tornam-se clinicamente estáveis em duas a três semanas, entretanto, nas semanas iniciais, o calo ósseo pode não ser observado radiograficamente (Alievi et al., 2001ALIEVI, M.M.; SCHOSSLER, J.E.; HIPPLER, R.A. et al. Redução fechada e fixação esquelética externa tipo II para o tratamento de fraturas de tibiotarso em pombos domésticos (Columba livia). Ciênc. Rural, v.31, p.1019-1025, 2001.). Neste relato, o calo ósseo e a consolidação foram visíveis em radiografias realizadas no 30º dia após a estabilização da fratura, podendo ter ocorrido previamente, porém a ausência de estudo radiográfico intermediário ao pós-operatório imediato e a data da última radiografia não permite confirmar isso. Considera-se como manejo adequado para aves, diante desse resultado, controles radiográficos mais breves, a cada uma ou duas semanas.

A formação excessiva de calo ósseo em aves poderia interferir na função do membro devido à compressão local dos tecidos moles. Apesar da formação de calo visível radiograficamente, o animal não apresentou desconforto local ou disfunção do membro. Fraturas reduzidas com a utilização de placas podem se consolidar mediante a formação de calo primário ou um calo secundário mínimo (Forbes, 2012FORBES, N.A. Avian orthopaedic surgery. In: BRITISH VETERINARY ZOOLOGICAL SOCIETY PROCEEDINGS OF THE SPRING MEETING, 2012, Gloucester. Proceedings... Romford: British Veterinary Zoological Society, 2012. p.7-14.).

No presente relato, o animal foi acompanhado durante o período pós-operatório imediato até o momento da alta médica e mostrou retorno à função do membro previamente ao último estudo radiográfico. Após a constatação da presença de calo ósseo por meio de imagem radiográfica, a ave foi liberada para retorno à Polícia Ambiental, responsável por sua reintegração. Em geral, as placas não são removidas após a consolidação da fratura, a menos que causem problemas (Johnson et al., 2005JOHNSON, A.L.; HOULTON, E.F.J.; VANNINI, R. AO Principles of fracture management in the dog and cat. New York: Thieme Medical Publishers; 2005. p.28-49.). Uma opção viável para aves silvestres seria placas de titânio, por tratar-se de material biocompatível, evitando a necessidade de nova intervenção cirúrgica (Dal-Bó et al., 2018).

A utilização de placa bloqueada em função apoio foi satisfatória para correção de fratura diafisária transversa tibiotársica e retorno adequado da função do membro em coruja suindara. Complicações relacionadas à técnica cirúrgica adotada não foram observadas, contribuindo para o bem-estar do animal.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Fev 2019
  • Aceito
    14 Maio 2019
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