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Efeito de diferentes concentrações de ingestão de gossipol livre sobre morfometria testicular e qualidade seminal de touros da raça Nelore

[Effect of free gossypol intake in different levels on the testicular morphometry and seminal quality of Nelore bulls]

RESUMO

A cotonicultura tem forte fator de impacto na economia nacional, e o estado de Mato Grosso se destaca por ser o maior produtor de algodão herbáceo e deter o maior rebanho bovino do país, condições essas que estimulam o uso do caroço, da torta e do farelo de algodão na alimentação animal. Considerando que o gossipol está presente nos subprodutos do algodão e que seus efeitos sobre a reprodução podem reduzir a fertilidade dos animais, objetivou-se, com essa pesquisa, avaliar o efeito da ingestão de dietas com diferentes teores de gossipol livre por dia sobre a morfometria testicular e a qualidade seminal de touros da raça Nelore. Foram utilizados 28 touros, distribuídos aleatoriamente em seis tratamentos: T0, 0 grama de gossipol livre/touro/dia ; T1, 1,08 grama de gossipol livre/touro/dia; T2, 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia; T3, 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia; T4, 3,82 gramas de gossipol livre/touro/dia e T5, 5,08 gramas de gossipol livre/touro/dia. Os animais de cada tratamento foram mantidos confinados em área média de 100m2, dotada de bebedouro, cochos para mistura mineral e para volumoso/concentrado. O consumo de 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia alterou a qualidade espermática e a morfometria testicular de touros.

Palavras-chave:
caroço de algodão; degeneração testicular; exame andrológico; infertilidade

ABSTRACT

The cotton industry has a strong impact factor in the Brazilian economy and the state of Mato Grosso stands out for being the largest upland-type cotton producer and also holds the largest cattle herd in the country, conditions that stimulate the use of cottonseed pie and cottonseed meal in animal feed. Whereas gossypol is present in cotton by-products and their effects on reproduction can reduce the animal fertility, this research evaluated the effect of diets with different free gossypol contents in the testicular morphometry and semen quality of Nelore bulls. 28 bulls were randomly distributed in six treatments: T0, receiving no free gossypol; T1, receiving 1.08g / bull / day; T2, receiving 2.07g / bull / day; T3, receiving 3.24g / bull / day; T4, receiving 3.82g / bull / day and T5, receiving 5.08g / bull / day of free gossypol respectively. The animals in each treatment were kept confined in an averaged area of 100m2, having fresh water, troughs for mineral mixture and roughage / concentrate. The consumption of 3.24g of free gossypol / bull / day altered the bulls sperm quality and testicular morphometry.

Keywords:
breeding soundness; exam. infertility; cottonseed; testicular degeneration

INTRODUÇÃO

A cotonicultura tem forte fator de impacto na economia nacional, com uma área plantada de 1.174,1 mil hectares e produção de 5.012,9 mil toneladas de algodão em caroço (safra 2017/2018), com destaque para o estado de Mato Grosso, maior produtor de algodão herbáceo (Gossypium hirsutum) do país, com área plantada de 841,2 mil hectares e produção de 3.225,5 mil toneladas de algodão em caroço (safra, 2017/2018) (Acompanhamento, 2018).

O estado de Mato Grosso tem como base econômica o seu potencial agropecuário, sendo detentor do maior rebanho bovino do país, com 29.700.000 cabeças registradas em novembro de 2017 (Fechamento..., 2018). O caroço e o farelo de algodão têm sido muito utilizados nas dietas para ruminantes, dada a sua oferta no mercado, seu valor energético, proteico e baixo preço, com reflexos positivos nos índices de produtividade e qualidade dos produtos de origem animal (Araújo et al., 2013ARAÚJO, A.E.; SILVA, C.A.D.; FREIRE, E.C. et al. Cultura do algodão herbáceo na agricultura familiar. 2013. Disponível em: <http://sistemasdeproducao. cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Algodao/AlgodaoAgriculturaFamiliar/autores.htm>. Acessado em: 7 jul. 2014.
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; Rogério et al., 2003ROGÉRIO, M.C.P.; BORGES, I.; SANTIAGO, G.S.; TEIXEIRA, D.A.B.; Uso do caroço de algodão na alimentação de ruminantes. Arq. Ciên. Vet. Zool. Unipar, v.6, p.75-80, 2003.; Santos et al., 2013SANTOS, M.D.; RODRIGUES, R.S.; FREITAS, S.H. et al. Qualidade seminal, morfologia dos testículos e epidídimos de touros submetidos à dieta contendo gossipol. Arq. Bras. Med. Vet. Zoot., v.65, p.975-980, 2013.).

Contudo, um dos fatores limitantes para a utilização dos subprodutos do algodão é a presença de um pigmento polifenólico, produzido em suas glândulas subepidérmicas e encontradas nos cotilédones, nas folhas, nas estípulas, nas sépalas, no caule, nos ramos, nos frutos e na amêndoa da semente, tendo sua fórmula C30 H28 O8, pigmento esse de cor amarela, tóxico, denominado gossipol (Macedo et al., 2007MACEDO, L.P.M.; CUNHA, U.S.; VENDRAMIM, J.D. Gossipol: fator de resistência inseto-praga. 2007. Campo Digital, v.2, p.34-42, 2007. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/campodigital/article/view/308/144>. Acessado em: 1 jun. 2018.
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; Randel et al., 1992RANDEL, R.D.; CHASE, C.C.; WYSE, S.J. Effects of gossypol and cottonseed products on reproduction of mammals. J. Anim. Sci., v.70, p.1628-1638, 1992.). Segundo Mello et al. (2018MELLO, R.R.C.; MOREIRA, E.M.; SUSIN, I.; PIRES, A.V. Efeitos do caroço de algodão sobre a reprodução de bovinos. Pubvet, v.12, p.1-8, 2018.), o gossipol pode causar toxicidade principalmente aos animais jovens, o que tem gerado resistência ao uso dos subprodutos do algodão na nutrição animal.

No Brasil as informações disponíveis sobre o teor de gossipol no caroço de algodão e seu efeito tóxico sobre a reprodução animal ainda são bastante incipientes. Vinne (1992VINNE, J.U.V.D. Alimentação de gado. Quanto de semente de algodão é muito? Rev. Bat., v.9, p.20, 1992.) relatou que touros produziram sêmen de qualidade reduzida ao ingerirem dois a quatro gramas de gossipol livre diariamente, sugerindo que animais com acesso à alimentação contendo caroço de algodão podem ser menos férteis.

Santos et al. (2008SANTOS, M.D.; PORTILHO, C.B.K.F.; RUAS, M.R.J. et al. Morfologia testicular e qualidade espermática de touros da raça Nelore, submetidos à dieta contendo gossipol. Rev. Bras. Ciên. Vet., v.15, p.134-139, 2008.) observaram que o consumo médio de 1,71kg de caroço de algodão/touro/dia interferiu na morfologia dos testículos, reduzindo o número de camadas de células da linhagem espermatogênica e a espessura da parede dos túbulos seminíferos dos animais submetidos à dieta contendo caroço de algodão. A avaliação da ultraestrutura dos túbulos seminíferos dos testículos dos touros mostrou células de Sertoli com membrana citoplasmática enrugada, acúmulo de lipídeos no citoplasma, mitocôndrias deformadas e espermátides com alterações nucleares indicativas de processo apoptótico. Os touros que não consumiram caroço de algodão apresentaram todas as estruturas citadas com morfologia normal.

Em conformidade a esse resultado, Santos et al. (2013SANTOS, M.D.; RODRIGUES, R.S.; FREITAS, S.H. et al. Qualidade seminal, morfologia dos testículos e epidídimos de touros submetidos à dieta contendo gossipol. Arq. Bras. Med. Vet. Zoot., v.65, p.975-980, 2013.) relataram que o consumo médio de 3,3g de gossipol livre/touro/dia (média 7,1mg de gossipol livre/kg/dia) reduziu a motilidade e a concentração espermática e aumentou a porcentagem de defeitos espermáticos maiores e totais de touros da raça Nelore. Além disso, os animais apresentaram testículos com túbulos seminíferos de menor espessura de parede e menor número de camadas de células espermatogênicas em relação aos animais com dieta isenta de gossipol.

Considerando-se a importância da utilização dos subprodutos do algodão na nutrição de ruminantes, os efeitos do gossipol sobre a reprodução, que pode reduzir a fertilidade dos animais, bem como a indefinição quanto ao limite de consumo de caroço e gossipol livre que não altere a morfometria espermática e a fertilidade dos bovinos, este trabalho teve como objetivo avaliar o efeito da ingestão de dietas com diferentes concentrações de gossipol livre por dia sobre a morfometria testicular e qualidade seminal de touros da raça Nelore, bem como determinar a quantidade máxima de gossipol livre que pode ser ingerida pelos touros, sem acarretar problemas reprodutivos.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado na Agropecuária Limeira, município de Campo Verde, distante 140km de Cuiabá-MT, durante os meses de agosto a novembro. O trabalho foi previamente avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Cuiabá, com o registro n° 060 CEP/Unic. Foram utilizados 30 touros da raça Nelore, média de 30±6 meses de idade e média de peso vivo de 383±34kg, identificados com número e distribuídos aleatoriamente em seis tratamentos. Preconizadas inicialmente as concentrações de 0, 1, 2, 3, 4 e 5 gramas de gossipol livre/touro/dia, contudo, em função do consumo de caroço de algodão obtido em cada tratamento, esses valores passaram para: T0, 0 grama de gossipol livre/touro/dia (isenta de caroço de algodão); T1, 1,08g; T2, 2,07g; T3, 3,24g; T4, 3,82g; e T5, 5,08g de gossipol livre/touro/dia, respectivamente.

Os animais de cada tratamento foram mantidos confinados em área média de 100m2, dotada de bebedouro e cochos para mistura mineral e para volumoso/concentrado administrado em forma de mistura. O período experimental teve duração de 85 dias, incluindo 15 dias de adaptação dos animais às dietas. A coleta de sêmen foi realizada por meio de eletroejaculação. A avaliação andrológica, conforme o CBRA (Manual..., 2013), e a pesagem dos animais foram realizadas, após o jejum de alimentos sólidos de 12 horas, no início (D0) e ao final da fase experimental (D85 dias), para se avaliar o efeito das dietas sobre a qualidade espermática e o ganho de peso dos touros, respectivamente. Os animais foram submetidos a controle de endoparasitos e ectoparasitos, com o uso de ivermectina 1%, na dose de 1mL para 50kg de peso vivo.

Duas amostras de caroço de algodão foram encaminhadas a laboratório especializado, para determinação do teor médio de gossipol livre, realizada por cromatografia líquida de alta eficiência, conforme descrito por Romero et al. (2011ROMERO, A.C.; ULIANA, R.; MARIANO, I.; LOUVANDINI, C.H.; ABDALLA, A.L. Implicações para exatidão na quantificação do gossipol livre: I. Análise da variabilidade intrínseca à matriz. Rev. Educ. Cont. Med. Vet. e Zoot., v.9, p.70-81, 2011.). A variedade de caroço de algodão utilizada no experimento continha 4,5g ou 0,45% de gossipol livre por kg de caroço de algodão.

Antes de iniciar o experimento, amostras dos alimentos (silagem de milho, caroço de algodão, milho grão e farelo de soja) foram coletadas e enviadas ao Laboratório de Bromatologia da Universidade de Cuiabá - UNIC, para determinação da matéria seca (MS), da proteína bruta (PB) e do extrato etéreo (EE), conforme Silva e Queiroz (2002SILVA, D.J.; QUEIROZ, A.C. Análise de alimentos: métodos químicos e biológicos. 2.ed. Viçosa, MG: UFV, 2002. 178p.). A determinação da fibra em detergente neutro (FDN) dos alimentos foi realizada de acordo com Van Soest et al. (1991). O nutriente digestível total (NDT) foi estimado pela equação de regressão NDT = 83,79 - (0,4171* FDN), de Capelle et al. (2001CAPELLE, E.R.; COELHO SILVA, J.F.; VALADARES FILHO, S.C. Estimativas do valor energético a partir de características químicas e bromatológicas dos alimentos. Rev. Bras.Zootec., v.6, p.1837-1856, 2001.). As dietas foram formuladas para ganhos estimados de 1200g/animal/dia (Tab. 1). Os valores nutricionais das dietas utilizadas nos tratamentos (com base na matéria seca) foram: PB (11,0%), NDT (71,1%), EE (3,2 a 5,0%), FDN (35,2 a 37,8%), e as exigências nutricionais foram estabelecidas de acordo com Valadares Filho et al. (2006).

O fornecimento de matéria seca (MS) das rações experimentais foi estimado em 2,3% do peso vivo inicial (PVI). As dietas foram fornecidas ad libitum, sendo essas pesadas e fornecidas três vezes ao dia, às sete horas, 12 horas e 17 horas. Antes das sete horas, era realizada a limpeza dos cochos e a pesagem das sobras, para se obter o consumo real na matéria natural.

Tabela 1
Composição percentual preconizada para as rações experimentais na matéria seca

Após o abate dos animais, que foi realizado em frigorífico, fragmentos do parênquima testicular de cada touro foram fixados por imersão em solução de Bouin, por um período de 24 horas. Logo após, os fragmentos foram submetidos à desidratação em série crescente de etanol (70% a 100%), seguida da diafanização com xilol, impregnados e incluídos em parafina à temperatura de 59°C. Os cortes de 5μm foram obtidos em micrótomo, submetidos à coloração HE (hematoxilina-eosina), para avaliação da morfometria testicular dos touros.

Foram escolhidos aleatoriamente 10 túbulos seminíferos dos testículos de cada animal dos tratamentos, para a avaliação da espessura da parede e o número de camadas celulares, sendo mensurado (μm) o diâmetro horizontal de cada túbulo e subtraído do diâmetro do respectivo lúmen, dividindo-se por dois para se obter a medida da espessura da parede do túbulo no sentido horizontal. O mesmo procedimento foi utilizado no sentido vertical, conforme descrito por Santos et al. (2013SANTOS, M.D.; RODRIGUES, R.S.; FREITAS, S.H. et al. Qualidade seminal, morfologia dos testículos e epidídimos de touros submetidos à dieta contendo gossipol. Arq. Bras. Med. Vet. Zoot., v.65, p.975-980, 2013.). Utilizou-se sistema computadorizado, composto por um microscópio óptico (Leica DM 500), em aumento de 400x, adaptado com câmera de alta resolução (ICC50, Leica Microsystems, São Paulo, SP), para mensuração morfométrica das referidas estruturas.

Foi utilizado delineamento experimental inteiramente ao acaso para avaliar o efeito do consumo de diferentes teores de gossipol livre/touro/dia sobre a qualidade seminal e a morfometria testicular dos animais. As variáveis quantitativas foram submetidas aos testes de normalidade (Lilliefors) e homocedasticidade (Cochran) e, posteriormente, a análise de variância, realizados no programa Sistema de Análise Estatística e Genética (Sistema..., 1997). Caso apresentasse significância, foi realizado o teste de comparação de médias mais apropriado, evitando-se erros estatísticos tipos I e II.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período experimental, dois touros foram retirados dos tratamentos T0 e T4, respectivamente, por lesões decorrentes de brigas nos lotes, resultando em 28 animais. O consumo de alimento estimado para os tratamentos no início do experimento foi de 9,2kg de matéria seca/touro/dia, fornecendo-se 20,4kg da dieta/touro/dia na matéria natural, sendo preconizado percentual de caroço de algodão contido nas dietas dos tratamentos 0, 1, 2, 3, 4 e 5, (0,0%; 2,22%; 4,44%; 6,66%; 8,88%; e 11,11%) (Tab. 1), que resultavam em 0,0kg; 0,22kg; 0,45kg; 0,66kg; 0,89kg e 1,11kg de caroço de algodão/touro/dia na matéria natural, respectivamente. Considerando que não houve alteração na proporção dos alimentos constituintes da dieta e, sim, da quantidade consumida pelos animais durante o experimento e com base no consumo médio real dos animais (na matéria natural - MN) obtido durante o período experimental, estimou-se, a partir do consumo preconizado de 20,4kg dieta/touro/dia na matéria natural, o consumo médio real de caroço de algodão pelos animais (kg/dia). Do mesmo modo, considerando que o teor médio de gossipol contido no caroço de algodão foi de 4,5g gossipol livre/kg de caroço de algodão, estimou-se o consumo médio de gossipol (g/animal/dia) a partir do real consumo de caroço de algodão (Tab. 2).

Não houve diferença (P>0,05) no consumo das dietas pelos animais (média de 21,2kg/animal/dia na MN), e o consumo real obtido passou a ser de 0,0g; 1,08g; 2,07g; 3,24g; 3,82g e 5,08g de gossipol livre/animal/dia contido nos tratamentos T0, T1, T2, T3, T4 e T5, respectivamente (Tab. 2). No presente estudo, o consumo máximo de caroço de algodão foi de 5,46% (1,13kg de caroço de algodão/animal/dia no T5) (Tab. 2), contendo 5% de gordura na dieta total. Não ocorreu diferença (P>0,05) no ganho de peso dos animais (média de 1,67kg de peso vivo/touro/dia) durante o período experimental. Desse modo, a quantidade percentual de caroço de algodão utilizada não interferiu no consumo das dietas.

Tabela 2
Consumo médio da dieta na matéria natural (CMN), de caroço de algodão (CCA) e de gossipol livre (CGL) pelos touros submetidos aos tratamentos contendo diferentes níveis de gossipol, durante 85 dias de período experimental

Utilizando-se concentrações de 0%, 14%, 28% e 34% de caroço de algodão, respectivamente, na dieta de bovinos, foi observado que quanto maior a participação do caroço de algodão na dieta total, menor foi o consumo da ração pelos animais confinados, que passaram a apresentar redução no ganho de peso (Uso..., 2011). Menor consumo e menor ganho de peso (P<0,05) de touros também foram observados por Santos et al. (2008SANTOS, M.D.; PORTILHO, C.B.K.F.; RUAS, M.R.J. et al. Morfologia testicular e qualidade espermática de touros da raça Nelore, submetidos à dieta contendo gossipol. Rev. Bras. Ciên. Vet., v.15, p.134-139, 2008.), utilizando-se dieta contendo caroço de algodão e com 8% de gordura na dieta total. Segundo Palmquist (1994PALMQUIST, D.L. The role of dietary fats in efficiency of ruminants. J. Nutr., v.124, p.1377S-1382S, 1994.), dietas com teor de gordura acima de 6% para ruminantes podem interferir na fermentação ruminal, causar redução na digestibilidade e no consumo de matéria seca.

O consumo de até 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia (0,46kg de CA/touro/dia, média de 3,8mg de gossipol livre/kg de peso vivo) não interferiu (P>0,05) na qualidade espermática dos animais (T0, T1 e T2) (Tab. 3 e 4). Já o consumo a partir de 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia (0,72kg de CA/touro/dia, média de 5,9mg de gossipol livre/kg de peso vivo) aumentou (P<0,05) o percentual de defeitos espermáticos maiores e totais (T3, T4 e T5) (Tab. 4), predominando patologias de cabeça e gota citoplasmática proximal. Hatamoto-Zervoudakis et al. (2018), em estudo realizado com touros jovens da raça Nelore (19 meses de idade), relataram que o consumo de 1,33g gossipol livre/touro/dia (3,79mg gossipol livre/kg de peso vivo) aumentou os defeitos espermáticos totais, predominando patologias de cabeça e de peça intermediária, o que reduziu a qualidade espermática dos touros em relação aos animais do grupo controle. Essa quantidade de gossipol livre, no presente estudo, não interferiu na qualidade espermática dos touros (média de 3,8mg de gossipol livre/kg de peso vivo); possivelmente, algum fator relacionado à puberdade dos animais utilizados no estudo de Hatamoto-Zervoudakis et al. (2018) pode ter contribuído com maior sensibilidade aos efeitos deletérios do gossipol.

Tabela 3
Valores médios da motilidade espermática (MOTIL) e concentração espermática (CONC) dos touros utilizados nos tratamentos (TRAT) T0, 0 grama de gossipol livre/touro/dia; T1, 1,08 grama de gossipol livre/touro/dia; T2, 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia; T3, 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia; T4, 3,82 gramas de gossipol livre/touro/dia e T5, 5,08 gramas de gossipol livre/touro/dia, no início (D0) e final do experimento (D85)
Tabela 4
Valores médios de defeitos espermáticos menores (DEME), defeitos espermáticos maiores (DEMA) e defeitos espermáticos totais (DET) dos touros utilizados nos tratamentos (TRAT) T0, 0 grama de gossipol livre/touro/dia; T1, 1,08 grama de gossipol livre/touro/dia; T2, 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia; T3, 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia; T4, 3,82 gramas de gossipol livre/touro/dia e T5, 5,08 gramas de gossipol livre/touro/dia, no início (D0) e final do experimento (D85)

Relatos iniciais descritos por Arshami e Rutle (1988ARSHAMI, J.; RUTTLE, J.L. Effects of diets containing gossypol on spermatogenic tissues of young bulls. Theriogenology, v. 30, n. 3, p. 507-516, 1988.) já demonstravam o efeito do gossipol (8,2g de gossipol livre/touro/dia) sobre a morfometria testicular, reduzindo (P<0,05) o número de camadas de células espermatogênicas e a espessura das paredes dos túbulos seminíferos. Também Risco et al. (1993RISCO, C.A.; CHENOWETH, P.J.; LARSEN, R.E. et al. The effect of gossypol in cottonseed meal on performance and on hematological and semen traits in postpubertal brahman bulls. Theriogenology, v.40, p.629-642, 1993.) observaram que a ingestão de 8,2 gramas de gossipol livre por touro/dia acarretou maior (P<0,05) porcentagem de espermatozoides com morfologia anormal e menor motilidade espermática em relação aos animais que não ingeriram gossipol. Hassan et al. (2004HASSAN, M.E.; SMITH, G.W.; OTT, R.S. et al. Reversibility of the reproductive toxicity of gossypol in peripubertal bulls. Theriogenology, v.61, p.1171-1179, 2004.) também observaram aumento nas anormalidades espermáticas de touros que ingeriram 8mg de gossipol livre/kg de peso vivo em relação ao grupo controle. Segundo Santos et al. (2008SANTOS, M.D.; PORTILHO, C.B.K.F.; RUAS, M.R.J. et al. Morfologia testicular e qualidade espermática de touros da raça Nelore, submetidos à dieta contendo gossipol. Rev. Bras. Ciên. Vet., v.15, p.134-139, 2008.), o consumo médio de 1,71kg de caroço de algodão/animal/dia reduziu a motilidade espermática e aumentou o percentual de defeitos maiores e totais em relação aos animais com dieta sem gossipol. Contudo, os autores não descreveram a quantidade de gossipol livre consumida pelos animais. Já Santos et al. (2013) também observaram redução na qualidade espermática de touros, quando utilizaram dieta contendo caroço de algodão com 3,3g de gossipol livre por touro dia (média de 7,1mg de gossipol livre/kg de peso vivo). Contrariamente, Tsuneda (2015TSUNEDA, P.P. Análise espermática e histopalogia testicular de touros Nelore suplementados com glicerina e caroço de Algodão. 2015. 59f. Dissertação (Mestrado em Ciencia Animal) - Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá.) relatou que o consumo de 50g de gossipol/touro/dia (caroço de algodão) não interferiu (P>0,05) na qualidade espermática e na histologia testicular dos reprodutores.

No presente estudo, o consumo de 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia (média de 3,8mg de gossipol livre/kg de peso vivo) (tratamento 2) resultou em animais que apresentaram testículos com túbulos seminíferos de menor (P<0,01) espessura de parede e menor número de camadas de células espermatogênicas (Tab. 5 e Fig. 1), mas não interferiu na qualidade seminal. Isso demonstra que quantidades menores de gossipol livre interferem em primeira ordem na morfometria testicular e posteriormente na morfologia espermática (Tab. 4 e 5).

Tabela 5
Número médio de camadas de células da linhagem espermatogênica e espessura média das paredes dos túbulos seminíferos (µm) dos testículos dos touros submetidos à dieta dos tratamentos T0, isenta de gossipol livre; T1, 1,08 grama de gossipol livre/touro/dia; T2, 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia; T3, 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia; T4, 3,82 gramas de gossipol livre/touro/dia e T5, 5,08 gramas de gossipol livre/touro/dia, após 85 dias de período experimental

O diferencial do presente estudo em relação às informações disponíveis na literatura foi: alguns estudos utilizaram dados pontuais como uma única quantidade de gossipol livre em relação ao grupo controle, alguns quantificaram a quantidade de caroço de algodão e não de gossipol livre, outros utilizaram o gossipol total, enfim, informações não padronizadas e, com isso, inconclusivas em relação à quantidade mínima de gossipol livre e consequentemente de caroço de algodão que poderá ser utilizada e não acarretar alterações na qualidade espermática e na morfometria testicular de touros. Ficou evidente nesta pesquisa que o consumo acima de 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia (média de 5,9mg de gossipol livre/kg de peso vivo), ou seja, 0,72kg de caroço de algodão por animal/dia, alterou a qualidade espermática e a morfometria testicular de touros.

Figura 1
Testículos dos touros submetidos às dietas com diferentes teores de gossipol livre/dia. Observa-se redução da espessura da parede dos túbulos seminíferos nos tratamentos T2, T3, T4 e T5, após 85 dias de período experimental. HE. Obj. 10x.

Tratamentos T0, isento de gossipol livre; T1, 1,08 grama de gossipol livre/touro/dia; T2, 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia; T3, 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia; T4, 3,82 gramas de gossipol livre/touro/dia e T5, 5,08 gramas de gossipol livre/touro/dia. Observou-se neste estudo que as alterações histológicas dos testículos (T2) ocorreram antes das alterações morfológicas dos espermatozoides (T3) (Tab. 4 e 5).

Vale ressaltar que não se deve padronizar a quantidade de caroço de algodão a ser fornecida, considerando possível variação do teor de gossipol livre nas diversas variedades de algodão existentes no Brasil. Recomenda-se que seja inicialmente determinado o teor de gossipol livre do caroço ou de outros subprodutos do algodão, que, segundo este estudo, não seja fornecido acima de 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia (média de 5,9mg de gossipol livre/kg de peso vivo), definindo, assim, a quantidade máxima dos subprodutos do algodão a serem fornecidos na dieta de bovinos destinados à reprodução.

CONCLUSÕES

O consumo acima de 3,24 gramas de gossipol livre/touro/dia (média de 5,9mg de gossipol livre/kg de peso vivo) alterou a qualidade espermática e a morfometria testicular de touros. Recomenda-se não fornecer mais que 2,07 gramas de gossipol livre/touro/dia (média de 3,8mg de gossipol livre/kg de peso vivo) para não acarretar alteração na morfometria testicular de touros. Para se definir a quantidade adequada de caroço de algodão a ser fornecida para touros sem acarretar alterações na morfometria testicular e na morfologia espermática, deve-se realizar previamente a análise do teor de gossipol existente nele.

REFERÊNCIAS

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    » http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/11_10_11_14_19_05_boletim_outubro-2011.pdf
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2019
  • Aceito
    01 Out 2019
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