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Classificação dos graus de lesões de aerossaculite em perus associadas com enterobactérias

[Classification of the levels of the airsacculitis injuries in turkeys associated with Enterobacteriaceae]

RESUMO

Foram padronizados os graus de lesões dos sacos aéreos em perus com aerossaculite, associadas com a presença de isolados de enterobactérias nesses órgãos. Um total de 110 amostras de sacos aéreos de perus machos com aerossaculite foi coletado para o estudo. Durante o processo de abate, as amostras foram coletadas por meio de swabs e submetidas a três métodos de armazenamento (imediato, congelado ou pré-incubado após congelamento) para posterior comparação das suas eficiências de isolamento. Os gêneros da família Enterobacteriaceae foram identificados pelas séries bioquímicas EPM, MILi e citrato de Simmons. O crescimento bacteriano ocorreu em 43,64% das amostras. Neste estudo, quatro padrões de lesões de aerossaculite foram identificados de acordo com as características patológicas dos sacos aéreos. Os principais gêneros de enterobactérias identificadas foram: Escherichia coli, Citrobacter, Proteus, Edwardsiella, Morganella, Kluyvera, Salmonella e Klebsiella. Foi observado que os graus padronizados como 3 e 4 apresentaram maior variedade de gêneros bacterianos. O armazenamento imediato apresentou maior porcentagem de positividade, 41,82%, no entanto o pré-incubado após congelamento se apresentou mais eficaz em relação à quantidade de colônias.

Palavras-chave:
crescimento bacteriano; aves; metodologias; enterobactérias

ABSTRACT

The degrees of air sac lesions in turkeys with airsacculitis were standardized, associated with the presence of Enterobacteriaceae isolated from these organs. A total of 110 samples of air sacs from male turkeys with airsacculitis were collected and analyzed. During the slaughtering process, the sample collection was done using swabs and submitted to three storage methods (immediate, frozen, or pre incubated after freezing) for further comparison of their isolated efficiency. The bacterial genera of the family Enterobacteriaceae were identified biochemical series EPM, MILi and Simmons citrate. Bacterial growth occurred in 43.64% of samples. In this study, four patterns of aerossaculitis lesions were identified according to the pathological characteristics of air sacs. The frequencies of the Enterobacteriaceae isolated identified in the samples were: Escherichia coli, Citrobacter, Proteus, Edwardsiella, Morganell, Kluyvera, Salmonella and Klebsiella. Otherwise, it was observed that the levels already standardized as level three and four showed higher variety of genus. The immediate storage showed higher percentage of positivity at 41.82%, however, the pre incubated after freezing showed more efficiency in relation to the quantity of colonies.

Keywords:
bacterial growth; birds; methodologies; enterobacteria

INTRODUÇÃO

A avicultura é um segmento de grande importância para a economia brasileira, destacando-se como a principal atividade econômica em algumas regiões. O setor foi responsável em 2014 por 3,5 milhões de empregos diretos e indiretos e representa 1,5% do produto interno bruto (PIB) do país, conforme dados da União Brasileira de Avicultura (União, 2014).

No campo, são mais de 130 mil famílias proprietárias de pequenos aviários, que produzem em um sistema totalmente integrado com as agroindústrias exportadoras. Todos esses elos destacam a grandeza da avicultura brasileira, marcada pela disciplina, tradição, qualidade, sanidade e eficiência, que permitiram ao setor alçar voos que hoje garantem a presença do produto avícola do Brasil na mesa de consumidores pelos cinco continentes (Relatório..., 2018).

A produção de carne de frangos do Brasil, apesar de todas as dificuldades, continua crescendo e, em 2016, superou a produção chinesa, colocando o país na segunda posição no ranking mundial dos países produtores e o maior exportador mundial, enquanto os Estados Unidos da América ocupam a segunda posição (Talamini e Filho Santos, 2017TALAMINI, D.J.D.; SANTOS FILHO, J.I. Panorama da avicultura 2017. A avicultura brasileira tem demonstrado ao longo dos anos grande capacidade de resistir às dificuldades. Anuário 2018 da avicultura industrial, n.11, 2017, p.16-21.).

Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal, o estado do Paraná concentra a maior parte dos abates de frangos, 34,32% em 2017. Aproximadamente 180 mil produtores agrícolas dedicam-se à atividade. Dentro desse segmento, a produção de perus tem apresentado crescimento considerável, atingindo, em 2017, produção de 390.480 mil toneladas no Brasil, com o estado do Paraná se destacando como o maior produtor e exportador, responsável por 37,18% das exportações (Relatório..., 2018).

Após a repercussão negativa da deflagração da Operação Carne Fraca, em 17 de março de 2017, as exportações de carne de aves brasileiras sofreram uma pequena variação anual de -1,8% no volume exportado entre 2016 e 2017. Porém, acredita-se que apenas os dados estatísticos do acumulado dos próximos anos poderão oferecer maiores esclarecimentos sobre a real situação das exportações em valor e volume. A estimativa é uma redução de 35% nas exportações devido ao embargo atual da União Europeia a 20 frigoríficos brasileiros (Correia, 2018CORREIA, S.C.C. A operação carne fraca e as estratégias do Governo de Michel Temer para minimizar o escândalo da venda ilegal de carnes. Rev. Okara Geogr. Debate, v.12, p.577-602, 2018.).

Na produção de perus, as doenças respiratórias representam um grave problema, causando continuamente perdas econômicas decorrentes de aumento nas taxas de mortalidade, no custo de medicamentos, nas taxas de condenação das carcaças, na queda da produção de ovos e eclosão (Hafez, 2009HAFEZ, H.M. Doenças respiratórias em perus. In: REVOLLEDO, L.; FERREIRA, A.J.P. Patologia aviária. Barueri: Manole, 2009. p.468-479.). Vários agentes virais e bacterianos podem estar envolvidos nas infecções do trato respiratório, sozinhos ou associados. Além disso, os perus também sofrem influência de fatores não infecciosos, como condições climáticas ou manejo impróprio (Canal et al., 2003CANAL, C.; ROCHA, S.L.; LEÃO, A.; FALLAVENA, L.C. et al. Detecção de Ornithobacterium rhinotracheale (ORT) por meio da reação em cadeia polimerase (PCR). Ciênc. Rural, v.33, p.5, 2003.; Hafez, 2009).

Não há uma definição que padronize a extensão das lesões causadas pela aerossaculite em perus, somente se observa o comprometimento dos sacos aéreos. Além disso, existe apenas um relato de El-Sakhon et al. (2002) em frangos que associa diretamente as lesões dos sacos aéreos às enterobactérias, sendo esses patógenos causadores de prejuízos econômicos consideráveis devido à condenação de parte dessas carcaças, além de apresentarem importância na saúde pública.

Atualmente, as carcaças com aerossaculite são condenadas, conforme a Portaria nº 210 do Mapa (Brasil, 1998): condenadas parcialmente, quando as lesões são restritas, ou totalmente, quando há comprometimento da carcaça, sendo as vísceras condenadas em qualquer caso. Porém, não há uma definição exata de quando esta é considerada restrita ou extensa.

Não existem pesquisas que revelem as perdas causadas por problemas respiratórios exclusivamente em perus, porém, segundo registros oficiais, 4% das aves abatidas no Brasil são condenadas por aerossaculite e 1,3% por lesões provocadas por colibacilose (Brasil, 2013). Dessa forma, o objetivo deste estudo foi padronizar os graus das lesões dos sacos aéreos em perus com aerossaculite, associadas com a presença de isolados de enterobactérias nesses órgãos.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a realização deste trabalho, foram selecionadas, aleatoriamente, em um frigorífico de frango de corte e perus com Serviço de Inspeção Federal (SIF), no estado do Paraná, 110 carcaças de perus machos, com idade média de 140 dias e peso médio de 22kg, apresentando lesões nos sacos aéreos, e 16 amostras de sacos aéreos saudáveis como amostras controle, sendo estas coletadas em todas as idas ao frigorífico. Os períodos de coleta ocorreram entre os meses de setembro de 2017 e janeiro de 2018.

Durante os cincos meses de coleta, de setembro de 2017 até janeiro de 2018, foi realizado um levantamento dos documentos de condenação do SIF, nos quais ficam registradas as condenações de cada mês correspondente (Tab. 1). Nesse período, foram abatidos 1.469.049 perus, dos quais 299.533 (20,39%) apresentaram aerossaculite, e as carcaças foram encaminhadas para o Departamento de Inspeção Federal (DIF) para condenação das vísceras e dos cortes das demais partes. O mês de outubro apresentou maior número de condenações.

Na primeira etapa, foi realizada uma classificação das lesões presentes nos sacos aéreos em carcaças de perus que seriam destinadas ao aproveitamento condicional por apresentarem aerossaculite. As lesões foram definidas conforme a extensão de comprometimento dos sacos aéreos. A escala de padronização realizada para aerossaculite em perus encontra-se a seguir (Tab. 2 e Fig. 1).

Tabela 1
Condenações de carcaças de perus por aerossaculite realizadas pelo Serviço de Inspeção Federal, nos meses de setembro de 2017 a janeiro de 2018

Tabela 2
Escala de padronização dos graus de comprometimento dos sacos aéreos em perus

Para obtenção das amostras, foi coletado, com o auxílio de swabs, material dos sacos aéreos comprometidos, após a evisceração, os quais foram armazenados individualmente em tubos de ensaios esterilizados contendo 2mL de infusão coração-cérebro (BHI - Oxoid, USA) e transportados até o laboratório em recipiente isotérmico com gelo seco, para posterior análise bacteriológica das lesões. Em todo o processo, cuidou-se para não ocorrer contaminação dos swabs com outras partes das carcaças, sendo eliminadas as carcaças que apresentavam contaminação gastrointestinal.

As amostras foram coletadas aleatoriamente de carcaças que estavam com aerossaculite durante o processo de abate. Para a coleta, foram utilizadas luvas cirúrgicas e swabs com haste de plástico, realizando-se movimentos de fricção sobre os sacos aéreos comprometidos (graus 1 e 2), tanto na parte externa como na interna, e também foi realizada fricção dos exsudatos presentes (graus 3 e 4); (Fig. 2). Pela forma de evisceração das carcaças, foi possível apenas visualizar e coletar amostras dos sacos aéreos torácicos posteriores e abdominais.

As análises foram realizadas no Laboratório de Bacteriologia Básica e Aplicada do Departamento de Microbiologia, Centro de Ciências Biológicas, da Universidade Estadual de Londrina - Paraná, por meio do isolamento por semeadura e esgotamento em ágar MacConkey (Oxoid, USA). Foi avaliado o crescimento bacteriano por três métodos diferentes de armazenamento das amostras: 1) isolamento bacteriano imediato (na chegada do material ao laboratório); 2) isolamento bacteriano após o congelamento de 15 dias do material em meio Brain Heart Infusion (BHI) (Oxoid, USA), contendo 25% de glicerol (Merck, USA); e 3) pré-incubação do material congelado, em caldo Luria Bertani (LB). Todas as amostras positivas foram submetidas a séries bioquímicas para identificação da bactéria isolada.

Figura 1
Padronização dos graus de aerossaculite em perus: (a) grau 1 - trabéculas de infecção (seta), (b) grau 2 - opacidade dos sacos aéreos, (c) grau 3 - exsudato (seta) e (d) grau 4 - exsudatos (seta).

Figura 2
Coleta de swabs de carcaças de perus com aerossaculite.

No primeiro método de armazenamento (isolamento imediato), foi realizada a semeadura por esgotamento em ágar MacConkey, com posterior incubação das placas de Petri semeadas em estufa bacteriológica a 37ºC, por 18 a 24h, para crescimento bacteriano. Para o segundo método de armazenamento, foi realizada uma mistura de 500μL do material coletado (BHI com swabs) com 500μL de BHI com glicerol 25%, em um microtubo esterilizado, com posterior congelamento a -20ºC. O isolamento bacteriano nesse método foi realizado também por semeadura por esgotamento em ágar MacConkey, porém a partir do material congelado. O terceiro método foi realizado após o congelamento; porém, com incubação do material congelado, adicionando-se 500μL de caldo LB em 500μL da amostra congelada, sendo incubados posteriormente em estufa a 37ºC, por 18 a 24h, sem agitação. O isolamento bacteriano em ágar MacConckey, mais uma vez, foi realizado da mesma forma que nos dois métodos anteriores.

Após o isolamento, as colônias foram identificadas como lactose-positivas ou lac+ (vermelhas/rosas), ou lactose-negativas ou lac- (transparentes), devido à fermentação do açúcar lactose com produção de ácidos, que altera sua coloração na presença do indicador de pH.

Para identificação das bactérias Gram negativas fermentadoras de glicose encontradas após o crescimento em ágar MacConkey, realizou-se uma série bioquímica para identificação da espécie bacteriana da família Enterobacteriaceae. Os meios utilizados foram EPM (Escola Paulista de Medicina, onde o meio foi desenvolvido), MILi (Motilidade, Indol e Lisina) e citrato de Simmons, todos da Probac®.

No meio EPM, pôde-se observar a fermentação de glicose; a produção de gás; a produção de H2S; a hidrólise da ureia; e a desaminação do triptofano pela enzima L-triptofano desaminase (LTD). Já no tubo com meio MILi, verificou-se a motilidade das bactérias e a utilização da descarboxilação da lisina (LDC). Após a leitura da motilidade e da presença de LDC, foram adicionadas três gotas do reativo de Kovacs para análise da produção de indol. O meio citrato de Simmons tem como princípio a determinação da capacidade do microrganismo em utilizar o citrato como única fonte de carbono para o seu metabolismo. Todos os meios foram incubados por 24 horas, a 37ºC; as análises dos resultados das leituras dos meios da série bioquímica foram realizadas pelo fluxograma e pela tabela de características bioquímicas com porcentagem de positividade específica para determinação de enterobactérias (Pessoa e Silva, 1972PESSOA, G.V.A.; SILVA, E.A.M. Meios de Rugai e lisinamotilidade combinados em um só tubo para a identificação presuntiva de enterobactérias. Rev. Inst. Adolfo Lutz, v.32, p.97-100, 1972.).

Para este estudo, realizou-se análise estatística descritiva, calculando-se as frequências absolutas e relativas, cujo objetivo básico foi sintetizar uma série de valores, o que permitiu organizar e descrever os dados de três maneiras: por meio de tabelas, de gráficos e de medidas descritivas (Sampaio, 2007SAMPAIO, I.B.M. Estatística aplicada à experimentação animal. 3ed. Belo Horizonte: FEP MVZ, 2007. 265p.). Foi utilizado o programa R Studio, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Das 110 carcaças de perus com aerossaculite que foram analisadas para detecção bacteriana e realização simultânea da avaliação dos graus das lesões de cada carcaça, verificou-se que 6,36% (7/110) apresentaram lesões padronizadas em grau 1, 32,73% (36/110) em grau 2, 46,36% (51/110) em grau 3 e 14,55% (16/110) em grau 4 (Tab. 3). Os sacos aéreos mais atingidos foram os torácicos, 79,09% (87/110), enquanto as lesões em sacos aéreos abdominais representaram 20,91% das carcaças. Apesar de, no mês de outubro, haver um maior número de animais abatidos, as amostras foram coletadas em quantidades iguais em todos os meses.

Tabela 3
Carcaças de perus com aerossaculite relacionadas aos graus de acometimento dos sacos aéreos e positivas para Enterobacteriacea

Não houve relação entre a presença de agentes bacterianos com os graus das lesões, já que todos os tipos padronizados apresentaram positividade. Porém, das oito espécies bacterianas isoladas, no grau 1, foi encontrada apenas contaminação por E. coli; no grau 2, foram isolados quatro gêneros distintos (E. coli , Citrobacter, Morganella e Proteus); no grau 3, isolaram-se seis gêneros (E. coli , Proteus, Edwardsiella, Morganella, Kluyvera, Salmonella); e no grau 4, sete gêneros (E. coli , Citrobacter, Edwardsiella, Morganella, Kluyvera, Salmonella e Klebsiella).

Dos materiais coletados de carcaças com aerossaculite, foi evidenciado o crescimento bacteriano em 43,64% (48/110) das amostras em pelo menos uma das metodologias de armazenamento e semeadura. Por meio das provas bioquímicas, foi possível identificar oito gêneros de enterobactérias e isolar 50 colônias, pois algumas amostras apresentavam mais do que uma colônia concomitantemente. Das 16 amostras controle coletadas, nenhuma apresentou crescimento bacteriano, sendo consideradas negativas.

As espécies e os gêneros encontrados nas colônias foram Escherichia coli (54%), Citrobacter (10%), Proteus (8%), Edwardsiella (8%), Morganella (8%), Kluyvera (4%), Salmonella (4%) e Klebsiella (2%) (Tab. 4). Uma amostra continha uma bactéria não fermentadora, e quatro amostras não foram identificadas, porque estas só cresceram no meio resfriado. Também foi isolado um fungo filamentoso em uma das amostras; este foi identificado como Aspergillus fumigatus, por meio da visualização de características morfológicas com auxílio do microscópio óptico.

Com os resultados da análise, foi possível observar que os três métodos utilizados apresentaram crescimento bacteriano em ágar MacConkey; porém, o número de amostras positivas variou em cada metodologia.

As amostras que foram apenas armazenadas imediatamente após a coleta, em BHI e recipiente isotérmico, demonstraram maior crescimento bacteriano, sendo 41,82% (46/110) das amostras positivas. Quando essas amostras foram congeladas com adição de 25% de glicerol, houve uma redução drástica no isolamento, passando para 18,18% (20/110). O crescimento após congelamento, mas com adição de meio LB e incubação em estufa bacteriológica, a 37ºC, por 18 a 24 horas, ainda teve resultados menores em relação às amostras resfriadas; porém, com diferença no isolamento menos acentuada, 40% (44/110) das amostras apresentaram-se positivas.

Tabela 4
Enterobactérias isoladas de swabs de sacos aéreos de perus acometidos por aerossaculite, coletados em um frigorífico do estado do Paraná com SIF

DISCUSSÃO

Não há nenhum relato que especifique os graus de aerossaculite, sendo esta a primeira descrição na literatura. Apesar de os graus padronizados não apresentarem relação com a presença de agentes bacterianos, observou-se que os graus categorizados como 3 e 4, que são as lesões mais extensas causadas pela aerossaculite, apresentaram maior variedade de gêneros bacterianos. Assim, quanto maior o grau de aerossaculite, maior a variabilidade de gêneros bacterianos isolados, indicando que as lesões causadas são um ambiente favorável para o crescimento bacteriano.

Durante o processo de abate, a condenação ocorre apenas parcialmente, sendo descartadas as vísceras e realizado o corte das demais partes para aproveitamento condicional. Este estudo sugere que as condenações parcial ou total indicadas pela Portaria nº 210 do Mapa (Brasil..., 1998) necessitam ser reestruturadas, já que todas as extensões de aerossaculite apresentaram algum tipo de contaminação bacteriana. Assim, sugere-se o aproveitamento condicional por esterilização por calor, depois de removidas e retiradas as partes atingidas, o que eliminaria as enterobactérias.

Há apenas quatro levantamentos registrados na literatura em relação ao índice de condenação em abatedouros de perus; são estes: Macahyba et al. (2005MACAHYBA, R.B.; MANO, S.B.; FREITAS, M.Q.; BAPTISTA, R.F. Condenações post mortem em perus (Meleagris gallopavo) criados na região oeste catarinense e abatidos sob Inspeção Federal. Rev. Bras. Ciênc. Vet., v.12, p.53-57, 2005.), Schletein (2007SCHLETEIN, A. Avaliação das causas de condenações de perus (Meleagris Gallopovo) em 2005 e 2006 no estado do Rio Grande do Sul. 2007. 75f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Centro de Ciências Rurais Programa de Pós Graduação, Universidade Federal de Santa Maria, RS.), Abujamra (2010ABUJAMRA, T. Detecção de agentes bacterianos envolvidos nos quadros de aerossaculite em perus através da reação em cadeia pela polimerase (PCR). 2010. 48f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina e Zootecnia. Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal, São Paulo, SP.) e Moura et al., (2012MOURA, M.S.; REIS, D.O.; CARREON, R.S.; ARAÚJO, L.B. et al. Causas de condenação post-mortemde perus abatidos em estabelecimentos com Serviço de Inspeção Federal (SIF) no estado de Minas Gerais, Brasil. Rev. Bras. Ciênc. Vet., v.19, p.7-12, 2012.), sendo, no presente estudo, a condenação por aerossaculite muito mais elevada em três deles; apenas Moura et al. (2012), no estado de Minas Gerais, teve índices mais elevados (41,24%, 722.119 carcaças condenadas).

Todos os autores realizaram o estudo em abatedouros de perus com SIF, e três deles apresentaram a aerossaculite como a maior causa de condenações. Essa variação tão elevada no estado do Paraná (20,39% de condenações por aerossaculite em perus) pode estar correlacionada ao clima presente na região e ao tipo de construção dos galpões, já que estes podem estar associados a fatores ambientais. Tais valores demonstram perdas consideráveis e uma diminuição da velocidade do abate durante o processo.

O Brasil possui significativa diversidade climática e, por isso, diferentes tipos de aviários são construídos. Para fins de ventilação, os aviários brasileiros podem ser classificados em abertos e fechados (Abreu e Abreu, 2000ABREU, P.G.; ABREU, V.M.N. Ventilação na avicultura de corte. Concórdia: Embrapa Suínos e Aves, 2000. 50p.; Baêta, 1998BAÊTA, F.C. Sistemas de ventilação natural e artificial na criação de aves. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE AMBIÊNCIA E SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVÍCOLA, 1998, Campinas. Anais... Concórdia: Embrapa, 1998. p.96-117.). Na integração onde foi realizada a coleta das amostras, todos os aviários foram construídos da forma aberta. Os aviários abertos são mais simples e possuem porosidade considerável, mesmo quando as cortinas se encontram fechadas. Normalmente são utilizados devido ao seu baixo custo e em regiões onde as condições climáticas se apresentam amenas. Nesse sistema prioriza-se a ventilação natural em razão do termossifão e do vento (Baêta, 1998).

Em frangos de corte, os agentes bacterianos mais frequentes em casos de aerossaculite, na Jordânia, foram E. coli (88,2%), seguido pelo Ornithobacterium rhinotrachaeale (8%), e, em menos frequência, Bordetella avium (3%) (El-Sukhon et al., 2002). O levantamento corrobora os dados encontrados em perus, que mostraram E. coli como o agente etiológico mais isolado dos sacos aéreos afetados. Segundo Poss (1998POSS, P.E. Turkey industry strategies for controlo f respiratory and enteric diseases. Poltr. Sci., v.77, p.1181-1185, 1998.), a presença de poeira e particulados em galpões também pode levar à ocorrência de pneumonia e aerossaculite por infecção de A. fumigatus, o que se identifica com os achados neste estudo.

Já foi relatada alta prevalência de genes de virulência de E. coli em isolados de órgãos de perus suspeitos de colibacilose com alto índice de resistência a antimicrobianos (Hoepers, 2016HOEPERS, P.G. Caracterização de Escherichia coli isoladas de perus. 2016, 87f. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.), o que pode estar correlacionado com o encontrado no presente trabalho nos sacos aéreos acometidos, pois a colibacilose pode se manifestar na forma de aerossaculite e, em graus avançados, as carcaças apresentam septicemia intensa, levando ao favorecimento do crescimento de enterobactérias. Perus, ao contrário de frangos de corte, têm vida longa e, por isso, são mais susceptíveis ao aparecimento de doenças; a colibacilose respiratória e a septicemia são duas delas (Hoepers, 2016).

No estudo de Segabinazi et al. (2005SEGABINAZI, S.D.; FLÔRES, M.L.; BARCELOS, A.S.; JACOBSEN, G.; ELTZ, R.D. Bactérias da família Enterobacteriaceae em Alphitobius diaperinus oriundos de granjas avícolas dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Brasil. Acta Sci. Vet., v.33, p.51-55, 2005.), foram avaliadas enterobactérias presentes nas superfícies externa e interna de cascudinhos de aviários de frangos. Foram isoladas 14 espécies, sendo E. coli (36,96%) a mais isolada, seguida da K. pneumoniae (18,11%) e Proteus mirabilis (8,34%), enquanto apenas duas espécies bacterianas E. coli (88%) e K. pneumoniae (12%) foram encontradas nos cascudinhos de aviários de perus. Esses dados indicam que pode existir correlação no manejo das camas dos aviários, que possuem parasitas como o cascudinho, e a presença de doenças respiratórias agravadas por bactérias concomitantes, como a aerossaculite, já que duas enterobactérias isoladas dos cascudinhos dos aviários de perus também foram identificadas nos sacos aéreos com aerossaculite e seis isoladas de cascudinhos em frangos também se assemelham aos isolados das amostras dos sacos aéreos.

O único estudo encontrado que correlaciona a presença de aerossaculite em perus com agentes bacterianos é o de Abujamra (2010ABUJAMRA, T. Detecção de agentes bacterianos envolvidos nos quadros de aerossaculite em perus através da reação em cadeia pela polimerase (PCR). 2010. 48f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina e Zootecnia. Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal, São Paulo, SP.), porém foi avaliada outra classe de bactérias por PCR (reação em cadeia da polimerase), sendo detectada a B. avium em 28,8% dos swabs analisados. Dos isolados já descritos na literatura presentes em casos de aerossaculite que se assemelham a este trabalho, apenas há relatos de ocorrência em frangos, sendo E. coli identificada com maior relevância, porém as mesmas enterobactérias isoladas dos sacos aéreos já foram identificadas, em proporção semelhante, em fezes de frango, órgãos de perus e em cascudinhos de camas de aviários de frangos e perus (El-Sukhon et al., 2002; Hoepers, 2016HOEPERS, P.G. Caracterização de Escherichia coli isoladas de perus. 2016, 87f. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.; Oliveira et al., 2004OLIVEIRA, W.F.; CARDOSO, W.M.; MAEQUES, L.C.L.; SALLES, R.P.R. et al. Utilização de diferentes meios de cultura para o isolamento de enterobactérias em amostras fecais de frangos de corte procedentes de explorações industriais do Estado do Ceará, Brasil. Rev. Port. Ciênc. Vet., v.99, p.211-214, 2004.; Segabinazi et al., 2005SEGABINAZI, S.D.; FLÔRES, M.L.; BARCELOS, A.S.; JACOBSEN, G.; ELTZ, R.D. Bactérias da família Enterobacteriaceae em Alphitobius diaperinus oriundos de granjas avícolas dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, Brasil. Acta Sci. Vet., v.33, p.51-55, 2005.). Tais dados demonstram que essas bactérias encontradas estão presentes no ambiente, no trato gastrointestinal e em outras afecções, podendo ser agentes oportunistas.

No presente trabalho, durante o crescimento bacteriano, foi possível observar que, mesmo quando o crescimento foi positivo em todos os métodos (imediato, congelado e pré-incubado), houve diferença no crescimento bacteriano. Quando as colônias estavam apenas resfriadas, o isolamento foi mais eficaz, e, quando congeladas, foi menos eficaz; porém, quando congeladas, adicionadas em LB e incubadas, elas se apresentaram mais evidentes e em maior quantidade, sendo menores nas amostras resfriadas e ainda menores nas apenas congeladas. Por esse prisma, pode ser observado que tempo em congelador inibe as bactérias, mas, caso haja fatores como água, manipulação humana e tempo de prateleira, o risco aumenta.

O segundo método também foi empregado por Hoepers (2016HOEPERS, P.G. Caracterização de Escherichia coli isoladas de perus. 2016, 87f. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.), o qual utilizou o ágar MacConkey para selecionar as colônias positivas para fermentação de lactose e a prova bioquímica para diferenciação de outras enterobactérias, já que seu interesse era apenas para E. coli; depois, armazenou as amostras em criotubos a -20ºC, em BHI, e 50% de glicerol; porém, ele não descreve que existe uma diminuição no crescimento bacteriano com o congelamento.

Há poucos dados na literatura relativos às condenações em abatedouros de perus e à presença de agentes bacterianos relacionados à aerossaculite, além de não haver descrições de uma padronização das diferentes extensões de comprometimento dos sacos aéreos, o que demonstra a necessidade de se rever a forma de condenação dessas carcaças.

CONCLUSÃO

As padronizações dos graus de acometimento dos sacos aéreos, definidas neste estudo como graus 1, 2, 3 e 4, demonstraram que o crescimento bacteriano é independente da extensão das lesões; porém, os graus 3 e 4 relevaram maior variação de gênero de enterobactérias, sendo possível concluir que, quanto maior o grau de acometimento dos sacos aéreos, mais favorável é o ambiente para o desenvolvimento bacteriano. A presença de oito diferentes gêneros de enterobactérias em lesões de sacos aéreos de perus pode estar correlacionada com as lesões de aerossaculite. Dos três métodos de armazenamento e cultivo das amostras, o congelado apresentou-se menos eficiente. Já o método resfriado foi mais eficiente; entretanto, o pré-incubado apresentou um maior crescimento bacteriano, mostrando que pode ser utilizado quando as amostras precisarem ser armazenadas por um período prolongado.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2019
  • Aceito
    11 Dez 2019
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