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Biocompatibilidade do gel de quitosana associado ao glicerol fosfato na reparação de defeitos ósseos induzidos experimentalmente no rádio de coelhos (Oryctolagus cuniculus)

[Biocompatibility of chitosan gel associated with glycerol phosphate for the healing of experimentally induced radial defects in rabbits (Oryctolagus cuniculus)]

RESUMO

A engenharia de tecidos caracteriza-se como ciência interdisciplinar, a qual vem desenvolvendo biomateriais para a regeneração do tecido ósseo no âmbito das medicinas humana e veterinária. O objetivo desta pesquisa foi avaliar a regeneração óssea obtida da aplicação do hidrogel de quitosana associado ao glicerol fosfato em falha óssea experimentalmente induzida no rádio de coelhos. Foram utilizados 15 coelhos adultos, distribuídos aleatoriamente em dois grupos, representados por cada um dos rádios de cada animal, sendo um grupo tratado com hidrogel de quitosana associado ao glicerol fosfato (grupo biomaterial - GB) e um grupo que não recebeu tratamento com o biomaterial (grupo controle - GC). Os animais foram avaliados radiograficamente, por densitometria óptica e análise histológica, nos períodos 30, 60 e 90 dias pós-operatórios. Houve superioridade estatística na média geral das avaliações radiográficas do GB (2,33±0,48) sobre o GC (1,77±0,06). As médias gerais de avaliação densitométrica do GB foram superiores às do GC, sendo 6,207±1,374 e 5,71±1,512, respectivamente. A avaliação histopatológica do GB foi superior à do GC nos períodos de 30, 60 e 90 dias. Assim, é possível afirmar que o hidrogel de quitosana constitui biomaterial de características desejáveis, promovendo consolidação óssea mais rápida e eficiente, sem causar reações adversas.

Palavras-chave:
biomateriais; falha óssea; quitosana; regeneração óssea

ABSTRACT

Tissue engineering is an interdisciplinary science that has been developing biomaterials for bone regeneration in medicine and veterinary medicine, following an imminent need. The aim of this study was to evaluate bone regeneration after use of chitosan hydrogel associated with glycerol phosphate in experimentally induced bone gap in the radius of rabbits. Fifteen adult rabbits were randomly distributed in two experimental groups, represented by each radius of every single animal. The animals in the Biomaterial Group (GB) were treated with a glycerol phosphate-associated chitosan hydrogel and in the Control Group (GC) they received no treatment with the biomaterial. The animals were evaluated clinically, radiographically, histologically and by optic densitometry at 30, 60 and 90 days postoperatively. There was statistical superiority in the general average of the radiographic estimates of GB (2.33 ± 0.48) over the CG (1.77 ± 0.06). The general averages of GB densitometric evaluation were higher than the CG, being 6.207 ± 1.374 and 5.71 ± 1.512, respectively. Histopathological evaluation of GB was superior to CG in periods of 30, 60 and 90 days. Chitosan hydrogel constitutes a biomaterial of desired characteristics, promoting faster and more efficient bone repair when compared to GC.

Keywords:
rabbit; bone regeneration; biomaterials; chitosan

INTRODUÇÃO

Apesar da existência e disponibilização de técnicas e implantes ortopédicos modernos, o tratamento das fraturas continua desafiador, com índices preocupantes de complicações e interferências no processo de consolidação óssea (Winkler et al., 2018WINKLER, T.; SASS, F.A.; DUDA, G.N. et al. A review of biomaterials in bone defect healing, remaining shortcomings and future opportunities for bone tissue engineering: the unsolved challenge. Bone Joint Res., v.7, p.232-243, 2018.). Extensa gama de ferramentas facilitadoras da reparação do tecido ósseo tem sido utilizada na medicina humana e na veterinária, com foco especial em incrementar processos biológicos, tais como osteogênese, osteoindução e osteocondução, das quais se destacam o uso de biomateriais sintéticos, combinados ou não com fatores de crescimento ósseo (Giannoudis et al., 2007GIANNOUDIS, P.V.; EINHORN, T.A.; MARSH, D. Fracture healing: the diamond concept. Injury Int. J. Care Injured, v.38, p.53-56, 2007.; Gómez-Barrena et al., 2015).

Os biomateriais compostos por polímeros biodegradáveis desempenham importante papel no desenvolvimento e na manufatura de implantes cirúrgicos, uma vez que se degradam por hidrólise ou outras reações enzimáticas específicas, evitando a necessidade de nova intervenção para remoção. Entre eles, a quitosana se destaca, a qual é biodegradada pela lisozima (Mi et al., 2002MI, F.L.; TAN, YC.; LIANG, H.F. et al. In vivo biocompatibility and degradability of a novel injectable-chitosan-based implant. Biomaterials, v.23, p.181-191, 2002.; Ahsan et al., 2017AHSAN, M.; EK, WE.; RASK-ANDERSEN, M. et al. The relative contribution of DNA methylation and genetic variants on protein biomarkers for human diseases. PLoS Genet., v.13, n.9, 2017.) e quitinase (Ahsan et al., 2017).

A quitosana assemelha-se estruturalmente aos glicosaminoglicanos naturais do osso, o que a torna atrativa para uso em processos de regeneração óssea (Shakir et al., 2018SHAKIR, M.; JOLLY, R.; KHAN, A.A. et al. Resol based chitosan/nano-hydroxyapatite nanoensemble for effective bone tissue engineering. Carbohydr. Polymers, v.179, p.317-327, 2018.). Por apresentar boa biocompatibilidade e baixa toxicidade, com subprodutos da biodegradação não imunogênicos ou carcinogênicos, há grande potencial farmacêutico. Além disso, é capaz de melhorar a proliferação e a adesão de fibroblastos, demonstrando atividade promissora navregeneração óssea em defeitos críticos (Mi et al., 2002MI, F.L.; TAN, YC.; LIANG, H.F. et al. In vivo biocompatibility and degradability of a novel injectable-chitosan-based implant. Biomaterials, v.23, p.181-191, 2002.; Ahsan et al., 2017AHSAN, M.; EK, WE.; RASK-ANDERSEN, M. et al. The relative contribution of DNA methylation and genetic variants on protein biomarkers for human diseases. PLoS Genet., v.13, n.9, 2017.; Shakir et al., 2018; Wu et al., 2018WU, C.; SU, H.; KARYDIS, A. et al. Mechanically stable surface-hydrophobilized chitosan nanofibrous barrier membranes for guided bone regeneration. Biomed. Mater., v.13 p.15004, 2018.). O glicerol fosfato, por sua vez, define-se como sal de caráter básico, podendo ser utilizado para a formação de hidrogéis. Esse sal controla as ligações de hidrogênio e as interações hidrofóbicas, tamponando o hidrogel de quitosana e sendo capaz de manter o pH entre 7,0 e 7,4 (Chenite, 2000CHENITE, A.; CHAPUT, C.; WANG, D. et al. Novel injectable neutral solutions of chitosan form biodegradable gels in situ. Biomaterials, v.21, p.2155-2161, 2000.). Adicionalmente, impede agregação das cadeias de quitosana, permitindo a liberação prolongada de macromoléculas (Wu et al., 2006).

Diante dos potenciais benefícios da utilização da quitosana associada ao glicerol fosfato no reparo de defeitos ósseos, o presente estudo teve por objetivo estudar o uso desse composto no processo de consolidação óssea, durante o reparo de defeitos ósseos críticos experimentalmente induzidos na diáfise do rádio de coelhos.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho de pesquisa foi conduzido de acordo com os princípios éticos na experimentação animal e aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Câmpus de Jaboticabal, sob Protocolo n° 6.503/16.

Foram utilizados 15 coelhos (Oryctolagus cuniculus), fêmeas, da raça Nova Zelândia Branco, adultos (seis meses de idade) e peso corporal de 3,0±1,0kg, provenientes da cunicultura regulamentada. Inicialmente todos os animais foram clinicamente avaliados, tendo sido considerados saudáveis e com deambulação normal. Dois grupos experimentais foram compostos pelos 15 coelhos, representados por cada um dos membros torácicos de cada animal. O grupo biomaterial (GB) (n=15) foi constituído pelos rádios tratados com o hidrogel de quitosana associado ao glicerol fosfato, enquanto que, o grupo controle (GC) (n=15) pelos rádios que não receberam tratamento com o biomaterial.

Optou-se por utilizar o membro torácico direito para o grupo do biomaterial e o membro torácico esquerdo para o grupo controle, após escolha randomizada. Os animais foram distribuídos aleatoriamente em três subgrupos, com cinco animais cada, os quais se diferenciaram quanto ao período de acompanhamento e de avaliação (30, 60 e 90 dias). O gel de quitosana foi obtido de acordo com o procedimento proposto por Chenite et al. (2000CHENITE, A.; CHAPUT, C.; WANG, D. et al. Novel injectable neutral solutions of chitosan form biodegradable gels in situ. Biomaterials, v.21, p.2155-2161, 2000.). Para tanto, 200mg de quitosana foram dissolvidos em 9mL de solução de ácido clorídrico 0,1M. À solução resultante, adicionaram-se, lentamente e sob agitação, 560mg de fosfato de glicerol dissódico, previamente dissolvidos em 1mL de água destilada, o que levou à formação de gel esbranquiçado. Após o preparo, o gel foi submetido à esterilização em autoclave, para posterior aplicação.

Todos os 15 animais foram submetidos ao mesmo protocolo anestésico. Os animais foram pré-medicados com midazolam (2mg/kg) associado à morfina (2mg/kg) e à cetamina (25mg/kg), por via intramuscular (IM). A indução anestésica foi realizada com isoflurano100%, por meio de máscara facial. Enrofloxacina (5mg/kg), por via subcutânea (SC), foi aplicada como antibioticoterapia profilática 30 minutos antes do início do procedimento.

Os animais foram posicionados em decúbito dorsal, com os membros torácicos, devidamente tricotomizados, estendidos caudalmente. Procedeu-se à antissepsia do campo cirúrgico (clorexidina 2% e clorexidina alcóolica 0,5%) e à proteção da extremidade do membro com atadura, coberta posteriormente com um dedo de luva, ambos estéreis. Após delimitação da área operatória com panos de campo, realizou-se incisão de aproximadamente 2,5cm sobre a pele, na região craniomedial do rádio, seguida de divulsão do tecido subcutâneo e da musculatura. Em ato contínuo, realizou-se ostectomia parcial de 1cm de extensão na diáfise radial, a 1,5cm da articulação radiocárpica, utilizando-se serra oscilatória e um especímetro para as mensurações.

Removeu-se o segmento do rádio, juntamente com seu periósteo, obtendo-se, dessa forma, falha óssea de 10 milímetros de extensão. A sutura da musculatura e do tecido subcutâneo foi realizada com fio de náilon cirúrgico 4-0, em padrão simples contínuo, seguida pela dermorrafia com náilon cirúrgico 4-0, em padrão simples separado. O mesmo procedimento cirúrgico foi realizado no rádio contralateral. Posteriormente, no local da falha óssea, realizou-se aplicação percutânea de 0,2mL de hidrogel de quitosana associado ao glicerol fosfato no rádio direito (grupo biomaterial - GB); mesma quantidade (0,2mL) de solução salina 0,9% foi aplicada no rádio esquerdo (grupo controle - GC). Ambos os procedimentos foram realizados de forma estéril, com auxílio de seringa de 1mL e agulha 40x12.

As feridas cirúrgicas foram avaliadas diariamente até o oitavo dia pós-cirúrgico. Hemorragia, secreção purulenta ou deiscência de sutura foram classificadas em ausente e presente. Edema foi considerado discreto quando se limitou ao local da incisão cirúrgica, moderado quando acometeu também a face lateral do membro, e intenso quando se estendeu por todo o membro. Foram realizadas radiografias nas projeções craniocaudal e mediolateral dos membros operados, no período pré-operatório, imediatamente após a cirurgia e aos 30, 60 e 90 dias pós-operatórios, objetivando-se avaliar a morfologia óssea dos rádios e acompanhar o processo de reparação óssea. Para avaliação da linha de fratura e do calo ósseo, foi empregada escala gradual de radiopacidade, proposta por Azevedo (2011AZEVEDO, A.S. Utilização de fosfatos de cálcio, quitosana e medula óssea no reparo ósseo em coelhos. Estudo clínico-cirúrgico, radiológico e histológico. 2011. 60f. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Universidade Federal de Campina Grande, Patos, PB.). Essa avaliação foi realizada por três avaliadores experientes, resultando em média da soma dos valores obtidos.

A densitometria óptica foi realizada nos momentos pré-operatório e 30, 60 e 90 dias pós-operatórios. Foi utilizada escala de alumínio, posicionada lateralmente à falha óssea, como referencial densitométrico, permitindo avaliar-se a densidade mineral óssea. As imagens radiográficas foram analisadas em software digital, a partir do qual se determinou a densidade óptica óssea em milímetros de alumínio (mmAl). Selecionou-se um ponto na área central de cada degrau da escala de alumínio, o qual teve sua tonalidade média de cinzas aferida, que variava de zero (totalmente negro) a 235 (totalmente branco). A sequência de medidas seguiu do primeiro degrau, mais fino (menos radiopaco), para o 10º, mais espesso (mais radiopaco). Posteriormente, selecionou-se um ponto na região de falha óssea de cada imagem radiográfica para medir a sua tonalidade de cinza.

Após as eutanásias (30, 60 e 90 dias), retirou-se o terço médio de ambos os rádios de cada animal, com auxílio de serra manual. Em ato contínuo, os fragmentos foram acondicionados em frascos contendo formalina tamponada a 10%, durante dois dias. Posteriormente, o material foi lavado em água corrente e descalcificado em solução de ácido fórmico a 5% e ácido clorídrico a 5%, durante 15 dias. Em seguida, os fragmentos foram incluídos em parafina líquida, depois cortados em fatias transversais de cinco micrômetros de espessura e montados em lâminas de vidro.

De cada bloco, foram obtidas quatro lâminas, sendo essas submetidas às técnicas de hematoxilina-eosina (HE) para visibilização histológica por meio de microscópio óptico de luz com aumentos de 10x e 40x, avaliando-se a interface osso-implante, os graus de reação endosteal e periosteal, a proliferação e diferenciação celular no tecido cicatricial e a presença de tecido conjuntivo. Para avaliação histopatológica, foram atribuídos escores de 1 a 4 para cada parâmetro: tecido fibroso, tecido cartilaginoso, tecido ósseo, neovascularização e infiltrado inflamatório. Os escores de cada parâmetro foram somados, sendo 4 o valor mínimo (não união) e 20 o valor máximo (união óssea) (Tab. 3).

As variáveis foram analisadas pelo teste de Kruskal-Wallis (não paramétrico), sendo consideradas significativas, para valores de p iguais ou inferiores a 0,05 (P˂0,05), as diferenças entre as medianas entre grupos, tempos, grupos dentro de tempos e tempos dentro de grupos.

RESULTADOS

Foram avaliados 30 membros torácicos (15 coelhos), sendo 15 rádios do grupo biomaterial (GB) e 15 rádios do grupo controle (GC). Não foram observadas fístulas, secreções ou reações inflamatórias intensas durante o período de acompanhamento clínico dos animais. No oitavo dia de acompanhamento, todos os animais apoiavam o membro operado normalmente. As ostectomias apresentaram tamanho (1cm) e localização desejados em todos os animais.No que tange à análise radiográfica (Tab.1), os graus de radiopacidade entre os dois grupos após 30 dias de pós-operatório não foram estatisticamente diferentes (P>0,05).

A média entre os grupos neste período foi de 1,86 e 1,80, respectivamente. A avaliação após 60 dias revelou médias de escore 2,3 no GB e 1,7 no GC. Após 90 dias, ambos os grupos apresentaram aumento no grau de radiopacidade óssea: grupo GB (2,80±0,44) e grupo GC (1,80±0,40). Na comparação geral das médias de grau de radiopacidade dos dois grupos, nos três períodos de avaliação, revelou-se maior média geral (2,33±0,48) para o GB, quando comparado ao GC (1,77±0,06), sendo estatisticamente significativo (P<0,05).

Houve diferença estatística significante (P<0,05) nos três períodos de avaliação pós-operatória para a avaliação da densitometria óptica (Tab. 2), tendo o GB apresentado maior valor na comparação de médias com o GC, respectivamente: 6,207±1,374 e 5,71±1,512.

Tabela 1
Comparação das médias dos graus de radiopacidade entre os rádios de coelhos (Oryctolagus cuniculus), fêmeas adultas, da raça Nova Zelândia Branco, avaliados dos grupos 1 (biomaterial - GB) e 2 (controle - GC), nos períodos pós-operatórios (30 dias, 60 dias e 90 dias)
Tabela 2
Comparação das médias dos graus de densitometria óptica em mmAl entre os rádios de coelhos (Oryctolagus cuniculus), fêmeas adultas, da raça Nova Zelândia Branco, dos grupos 1 (biomaterial - GB) e 2 (controle - GC), nos períodos pós-operatórios (30 dias, 60 dias e 90 dias)

A média da soma do escore de cada parâmetro da avaliação histopatológica do GB foi superior à do GC nos períodos de 30 dias (GB: 13,6 e GC: 10,4) (Fig. 1), 60 dias (GB: 13,8 e GC: 10,8) (Fig. 2) e 90 dias (GB: 15,2 e GC: 11,0) (Fig. 3) e apresentou significância dos resultados, havendo superioridade geral do grupo em que se utilizou o biomaterial, comprovando-se, então, seu efeito positivo (Tab. 3).

Figura 1
Imagem de gráfico demonstrando a evolução da média do escore de avaliação histológica entre os rádios de coelhos (Oryctolagus cuniculus), fêmeas adultas, da raça Nova Zelândia Branco, no primeiro período de avaliação (30 dias PO) para os grupos 1 (biomaterial - GB) e 2 (controle - GC). Médias realizadas pelo teste de Kruskal-Wallis. Os resultados obtidos foram estatisticamente significativos (P<0,05).

Figura 2
Imagem de gráfico demonstrando a evolução da média do escore de avaliação histológica entre os rádios de coelhos (Oryctolagus cuniculus), fêmeas adultas, da raça Nova Zelândia Branco, no segundo período de avaliação (60 dias PO) para os grupos 1 (biomaterial - GB) e 2 (controle - GC). Médias realizadas pelo teste de Kruskal-Wallis. Os resultados obtidos foram estatisticamente significativos (P<0,05).

Figura 3
Imagem de gráfico demonstrando a evolução da média do escore de avaliação histológica entre os rádios de coelhos (Oryctolagus cuniculus), fêmeas adultas, da raça Nova Zelândia Branco, no terceiro período de avaliação (90 dias PO) para os grupos 1 (biomaterial - GB) e 2 (controle - GC). Médias realizadas pelo teste de Kruskal-Wallis. Os resultados obtidos foram estatisticamente significativos (P<0,05).

Tabela 3
Comparação das médias da avaliação histopatológica entre os rádios de coelhos (Oryctolagus cuniculus), fêmeas adultas, da raça Nova Zelândia Branco, dos grupos 1 (biomaterial - GB) e 2 (controle - GC), nos períodos pós-operatórios (30 dias, 60 dias e 90 dias)

DISCUSSÃO

A quitosana vem sendo amplamente estudada nas áreas médicas, especialmente por ser considerada um polímero de alta bioatividade, biocompatibilidade e biodegradabilidade. Adicionalmente, mostra-se não tóxico ou imunogênico e, quando associado a outros biomateriais, apresenta potencial relevante para acelerar a cicatrização e a reparação de tecidos, como a pele, a cartilagem e o osso (Oryan e Sahvieh, 2017ORYAN, A.; SAHVIEH, S. Effectiveness of chitosan scaffold in skin, bone and cartilage healing. Int. J. Biol. Macromol., v.104, p.1003-1011, 2017.; Shakir et al., 2018SHAKIR, M.; JOLLY, R.; KHAN, A.A. et al. Resol based chitosan/nano-hydroxyapatite nanoensemble for effective bone tissue engineering. Carbohydr. Polymers, v.179, p.317-327, 2018.; Filgueira et al., 2019FILGUEIRA, F.G.F.; MINTO, B.W.; CHUNG, D.G. et al. Platelet-rich plasma, bone marrow and chitosan in minimally invasive plate osteosynthesis of canine tibia fractures-a randomized study. Vet. Med., v.64, p.309-316, 2019.). Em concordância com estudos realizados anteriormente e guardadas as devidas particularidades metodológicas, o presente estudo obteve resultados positivos com a administração do biomaterial composto por quitosana associada ao glicerol fosfato na regeneração óssea de falhas críticas.

Considerando a quantidade de deposição óssea no defeito de tamanho crítico observada, a qual se mostrou significativamente superior ao encontrado no grupo controle aos 60 dias de pós-operatório, valida-se a hipótese inicial de que a composição utilizada poderia trazer avanço na consolidação óssea. Assim como descrito por Shakir et al. (2018SHAKIR, M.; JOLLY, R.; KHAN, A.A. et al. Resol based chitosan/nano-hydroxyapatite nanoensemble for effective bone tissue engineering. Carbohydr. Polymers, v.179, p.317-327, 2018.), evidencia-se aceleração do processo de regeneração com mínima interferência ou inflamação no período pós-operatório.

Os resultados obtidos das avaliações radiográficas adicionam sustentação à hipótese do potencial regenerativo do biomaterial. Ao se compararem os graus de radiopacidade entre os dois grupos, pôde-se observar diferença estatística significativa, com resultados mais satisfatórios no GB a partir dos 60 dias, a despeito dos achados mais precoces de Santana et al. (2014SANTANA, C.C.; NÓBREGA NETO, P.I.; SÁ, M.J.C. et al. Utilização do filme de quitosana na reparação de tendão em coelhos. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.66, p.995-1002, 2014.), os quais encontraram tais diferenças já aos 30 dias. Contudo, aos 60 dias de pós-operatório, os resultados apresentaram-se semelhantes aos do presente estudo, validando a característica de aceleração da regeneração óssea e de maiores graus de radiopacidade nos animais tratados.

Corroborando as citações acima, entretanto utilizando modelo experimental de falha não crítica no fêmur de ratos, Ho et al. (2015HO, M.H.; YAO, C.J.; LIAO, M.H. et al. Chitosan nanofiber scaffold improves bone healing via stimulating trabecular bone production due to upregulation of the Runx2/osteocalcin/alkaline phosphatase signaling pathway. Int. J. Nanomed., v.10, p.5941-5954, 2015.) evidenciaram maiores densidades radiográficas nos animais tratados com quitosana, o que indica melhor taxa regenerativa. Houve aumento da deposição e da espessura de osso trabecular. Tais resultados comprovam, por meios radiográficos, a progressão rápida de deposição óssea, tendo, por consequência, a consolidação em menor período de tempo.

A densitometria destaca-se por aprimorar a qualidade da avaliação do reparo ósseo. No estudo em tela, houve diferença estatística significante (P<0,05) entre os grupos nos três períodos de avaliação pós-operatória, sendo o GB superior ao GC. Resultados semelhantes foram encontrados por Shakir et al. (2018SHAKIR, M.; JOLLY, R.; KHAN, A.A. et al. Resol based chitosan/nano-hydroxyapatite nanoensemble for effective bone tissue engineering. Carbohydr. Polymers, v.179, p.317-327, 2018.), ao utilizarem composto à base de quitosana em defeitos calvários críticos em ratos albinos, evidenciando maior atividade metabólica e osteoblástica do grupo tratado. Os resultados densitométricos favoráveis condizem com a influência positiva da quitosana sobre a morfologia tecidual, culminando em arquitetura favorável ao crescimento ósseo e à fixação biológica dos tecidos perilesionais, sem indução de resposta tóxica ou rejeição.

As análises histopatológicas evidenciaram superioridade do GB em todos os períodos avaliados, considerando-se a média da soma dos escores de cada parâmetro. Diferentemente dos animais do grupo controle, os quais apresentaram apenas certo grau de proliferação óssea aos 60 dias, observou-se inflamação granulomatosa e tecido cartilaginoso com proliferação óssea nas avaliações dos animais tratados. A superioridade na atividade osteoblástica, na proliferação de tecido conjuntivo frouxo e nas formações de osso trabecular nas bordas da lesão, já aos 30 dias, caracteriza efeito osteocondutor do composto e valida tal hipótese. Adicionalmente, e da mesma forma que Santana et al. (2014SANTANA, C.C.; NÓBREGA NETO, P.I.; SÁ, M.J.C. et al. Utilização do filme de quitosana na reparação de tendão em coelhos. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.66, p.995-1002, 2014.), não foram identificados sinais compatíveis com processo infeccioso ou rejeição do material, caracterizando biocompatibilidade.

Os resultados da presente pesquisa, associados àqueles anteriormente citados por Kong et al. (2006KONG, L.; GAO, Y.; LU, G. et al. A study on the bioactivity of chitosan/nano hydroxyapatite composite scaffolds for bone tissue engineering. Eur. Polymer J., v.42, p.3171-3179, 2006.), Ho et al. (2015HO, M.H.; YAO, C.J.; LIAO, M.H. et al. Chitosan nanofiber scaffold improves bone healing via stimulating trabecular bone production due to upregulation of the Runx2/osteocalcin/alkaline phosphatase signaling pathway. Int. J. Nanomed., v.10, p.5941-5954, 2015.) e Oryan e Sahvieh (2017ORYAN, A.; SAHVIEH, S. Effectiveness of chitosan scaffold in skin, bone and cartilage healing. Int. J. Biol. Macromol., v.104, p.1003-1011, 2017.), sugerem que a associação de quitosana com o glicerol fosfato culmina em potencial efeito osteocondutor. Ampliação, aprimoramento e maior precocidade na regeneração óssea sustentam tal afirmação e validam essa hipótese. A quitosana caracteriza-se por ser um biomaterial que promove consolidação óssea de forma mais rápida e eficiente (Ahsan et al., 2017AHSAN, M.; EK, WE.; RASK-ANDERSEN, M. et al. The relative contribution of DNA methylation and genetic variants on protein biomarkers for human diseases. PLoS Genet., v.13, n.9, 2017.). Ao se analisar a densidade mineral óssea, a radiopacidade e as características histopatológicas de animais tratados com gel à base de quitosana associado ao glicerol fosfato, puderam ser observados maior resposta e reparo ósseo, comprovando sua eficácia e utilidade na consolidação de defeitos ósseos críticos.

CONCLUSÕES

Com os resultados obtidos, é possível afirmar que a quitosana associada ao glicerol fosfato constitui biomaterial de características desejadas, promovendo consolidação óssea mais rápida e de qualidade superior. Esses fatores podem contribuir, potencialmente, para a diminuição na morbidade pós-operatória e a aquisição de melhores resultados de consolidação óssea em cirurgias ortopédicas para tratamento de fraturas.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2019
  • Aceito
    10 Jul 2020
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