Acessibilidade / Reportar erro

TRANSIÇÃO AO TRABALHO E POSTURAS DE INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO SOCIAIS

Resumos

Redefinir a articulação de posturas de investigação e de posturas de intervenção social num "modelo de experimentação", para ensaiá-la a propósito da transição ao trabalho dos jovens - eis os objectivos básicos deste texto.

Modelo de aplicação; Modelo de experimentação; Positivismo; Hermenêutica; Pragmatismo; Interaccionismo simbólico; Crescimento sem emprego; Transição ao trabalho; Educação e (des)emprego; Jovens; Cultura profissional


In this paper I intend to redefine the relationship between attitudes toward research and attitudes toward social intervention in the context of an "experimental model". Then I make use of that redefinition to study the transition of young people from school to work.

Application-model; Experimentation-model; Positivism; Hermeneutics; Pragmatism; Symbolic Interactionism; Jobless Growth; Transition from school to work; Education and (Un)employment; Youth; Professional Culture


TRANSIÇÃO AO TRABALHO E POSTURAS DE INVESTIGAÇÃO E INTERVENÇÃO SOCIAIS*

António Joaquim ESTEVES

Resumo:

Redefinir a articulação de posturas de investigação e de posturas de intervenção social num "modelo de experimentação", para ensaiá-la a propósito da transição ao trabalho dos jovens – eis os objectivos básicos deste texto.

Palavras-chave: Modelo de aplicação. Modelo de experimentação. Positivismo. Hermenêutica. Pragmatismo. Interaccionismo simbólico. Crescimento sem emprego. Transição ao trabalho. Educação e (des)emprego. Jovens. Cultura profissional.

Na actual situação das sociedades industriais do capitalismo vai-se acumulando não só o pessimismo quanto ao destino social de grandes segmentos da sua população como a desconfiança face à capacidade de as ciências sociais -com particular destaque da economia e da sociologia- enunciarem propostas válidas de intervenção sobre a "miséria do mundo".

A rarefacção do emprego, com especial incidência nos grupos mais jovens, tem vindo a constituir-se como o desafio maior para todos os actores sociais que, por definição profissional, nele são chamados a intervir.

O objectivo deste trabalho é duplo: em primeiro lugar, analisar o estilo de investigação e intervenção e, sobretudo, o estilo do relacionamento entre investigação e intervenção proposto por alguns dos quadros teórico-epistemológicos mais importantes nas Ciências Sociais; em segundo lugar, privilegiado que foi o proposto modelo de experimentação sobre o modelo de aplicação, apontar alguns aspectos de investigação e de intervenção relativos à transição juvenil ao emprego. Quer um quer outro destes objectivos terão um tratamento sumário, pressupondo a familiaridade com aspectos voluntariamente omitidos, quando não recordados nas notas de rodapé, acerca da epistemologia das ciências sociais.

I Parte: Posturas de investigação e intervenção social

Múltiplas têm sido as profissões marcadamente de intervenção social que, à procura de credibilidade social acrescida, trilharam o caminho do reconhecimento académico. Tal percurso histórico foi realizado na esperança de aprofundar as suas capacidades de análise e compreensão da realidade social em que incide a sua intervenção, como se a sua intervenção profissional decorresse, na totalidade, do grau de precisão da sua análise.

A essas profissões, tal como aos cientistas sociais em geral, a história não deixou, a meu ver, de perseguir, com rédea curta, com o peso do que chamaria modelo de aplicação.

Deixando de lado, neste momento, as diferenças que poderiam inventariar-se acerca do próprio processo de aplicação no campo positivista e no campo hermenêutico1 1 Não há que subestimar o facto de que o próprio Gadamer, (cfr. Misgeld & Nicholson, 1992), valendo-se da hermenêutica protestante do século XVII, distingue face aos textos bíblicos três atitudes: de compreensão ("subtilitas intelligendi"); de exposição ("subtilitas explicandi"); e de aplicação vida ("subtilitas applicandi"). , destacamos alguns dos traços fundamentais do que denominamos modelo de aplicação:

1- À sua luz, o espaço social de intervenção é animado pela aplicação de um conhecimento exterior à situação em que há-de decorrer a intervenção;

2- Esse conhecimento é privilegiado pelo facto de ser acumulado porventura noutros campos teóricos socialmente aceites como fundamentais;

3- O processo de aplicação está baseado no duplo pressuposto da universalidade do conhecimento dos cientistas e da imperturbável e previsível regularidade da realidade em foco.

"O que a realidade?" aparece como a questão prévia susceptível de resposta segura, fora do emaranhado fluir da situação prática. E todavia, ela não deixa de exprimir, como postura interrogativa básica e estruturante, pressupostos ontológicos, que estão para lá dos percursos, contrapostos em tantos outros aspectos, do empirismo e do racionalismo.

A realidade social assim configurada aparece à medida da postura cientista, onde a regularidade observável e previsível pode escapar à interferência e emergência do que é "possível", do que constitui "risco" e do que se prefigura como "ideal" ou "dever-ser" na diversidade dos contextos de acção social.

Ora é essa complexa postura que o positivismo consubstancia nas ciências sociais. Mesmo quando encara o nível normativo da realidade social, fá-lo confundindo ou, melhor, sobrepondo lei como facto jurídico a justiça como valor e ideal acima das concretizações históricas e culturais. A força inventiva de soluções adequadas nas diversas situações, num processo experimental de tentativa e erro, acaba por ficar subordinada ao peso da regularidade passada, à força da memória incorporada nos gestos, na ilusão de um saber que é prever ("savoir, c'est prévoir"). As forças determinantes do agir dispersam e anulam as capacidades de (auto)determinação dos actores.

O positivismo acaba por transformar-se em algo mais do que uma mera postura epistemológica, isto é, numa postura ao mesmo tempo ontológica, axiológica e política perante a qual as posturas empiristas, racionalistas e, até, hermenêuticas2 2 Poder-se-á, com vantagem, apreciar a análise que R. Dworkin (1988) faz sobre a despositivização do direito e o cuidado posto em contrapor uma interpretação "criativa", "construtiva" ("cada interpretação luta por fazer de um objecto o melhor que pode ser"-1988,p.49)não só à interpretação da "conversação" mas também à interpretação dita "científica", através da aproximação à interpretação "artística". No que toca à componente fenomenológica, poder-se-á recordar - já lá vão várias décadas!- o que F. Montero escrevia no seu "Estudo preliminar" a K. Löwith (1956): "O método fenomenológico, ao renunciar a tudo quanto extravasa uma prudente descrição, é fiel à indigência do nosso tempo, porque está alimentado por uma extrema cautela que só pode nascer em gentes e épocas que perderam a audácia intelectual e a confiança nas suas próprias forças" (1956, p.44). Os editores da obra sobre H.-G. Gadamer, atrás referida, talvez por isso mesmo tenham sentido a necessidade de explicitamente afirmar, pensando em Gadamer: "A Hermenêutica é o oposto de gestão ou de engenharia social como método de governar o comportamento humano. Adaptação e adaptabilidade não são as qualidades humanas que ela favorece. Por isso é que a hermenêutica é também uma crítica do presente" ((Misgeld & Nicholson, 1992, p.X). se podem tornar aliadas e cúmplices.

Fragmentos menores ou recalcados numa ontologia social convencional, "possibilidade", "risco" e "ideal" são também algumas categorias que permitem não só dar conta das práticas sociais dos actores em cena social e dos estudiosos da cena da história mas também estabelecer a corrente - de luz e energia motora - entre a investigação e a intervenção.

É com essas peças que se constitui o modelo de experimentação, traduzido na figura dum losango de forças, de tensão e dinâmicas, onde a flecha do movimento se situa, para além da "realidade", do lado da "possibilidade", do "risco" e dos "ideais" que na sociedade se inventam, se propõem, se experimentam, fazendo a matéria da vida histórica de uma sociedade democrática. Pois, a democracia é, também ela, como a vida e o conhecimento, acima de tudo, experimentação3 3 O mapa da epistemologia das ciências sociais não se esgota no positivismo, permanentemente declarado morto como num ritual exorcista, nem no racionalismo construtivista, quase universalmente invocado como máximo denominador comum. Outras linhas de confronto há que merecem ser consideradas nas estratégias de investigação. Nas ciências sociais, D. Layder (1990) sistematiza e reformula o legado da tradição realista, particularmente em foco num clima de "construcionismos" onde se avoluma a questão - com resposta prévia e descontada- "quão real é o real?" (P. Watzlawick). Nas Ciências Naturais, L. Laudan (1990) põe em diálogo os diferentes representantes das epistemologias positivista, realista, relativista e pragmati(ci)sta. O realismo crítico-experimental que aqui esboçamos procura recuperar fragmentos subestimados na vertente polémica da própria epistemologia de Bachélard, como quando sublinha a "necessidade de criar uma palavra nova, entre compreensão e extensão, para designar esta actividade do pensamento empírico inventivo" (1972, p.60: sublinhado nosso). E muito especialmente são de reler os pontos de Bachélard (1981), sobre a complementaridade da ciência e da técnica, por um lado, e sobre a natureza e importância da verificação, por outro. No primeiro ponto, inscrevia Bachélard os seguintes vectores: "A ciência um enigma que renasce, uma solução traz um problema. O real, para o investigador, este nimbado de possível e o estudo do possível uma tentação contra a qual o cientista, por positivo que ele seja, se defende mal. Nada mais difícil do que igualar continuamente o Espírito com a Realidade presente. A técnica, pelo contrário, realiza plenamente o seu objecto e este objecto, para nascer, teve que satisfazer condições tão numerosas e tão heterogéneas que escapa às objecções de qualquer cepticismo" (1981, p.155). E no segundo ponto, insinuam-se parentescos do racionalismo com certo pragmatismo: "Quase se não pode conceber uma verificação em bloco. A representação é contemporânea do sucesso ("réussite") da ideia. A nossa representação não pode ser melhorada e tornar-se científica senão por uma verificação progressiva" (1981, p.271: sublinhado nosso). .

MODELO DE EXPERIMENTAÇÃO

-----------------------------------------------------------

POSSIBILIDADE

[arte; imagin(acção); desvio]

[Dewey; Nisbet; Ricoeur; Luhmann]

REAL IDEAL

[facto; causa; [valor; dever-ser]

sentido] [Habermas; Giddens;

Raulet; Bronowski]

RISCO

[perigo; ameaça; imprevisibilidade]

[Beck; Giddens; Luhmann]

Antes de uma análise desta questão no interior das ciências sociais, poderá ser instrutivo abordá-la ao nível das ciências naturais. Ian Hacking, num conjunto de tópicos introdutórios de filosofia da ciência natural, parte de uma interpretação histórica deste vasto campo de conhecimentos segundo a qual "a ciência natural desde o século XVII foi a aventura da interligação de representação e intervenção" (1991; sublinhado nosso).

Assumindo a inspiração de Dewey, este filósofo da ciência traça a linha de fronteira da sua posição epistemológica com as restantes abordadas nas páginas antecedentes em termos que é oportuno registar: "Talvez todas as filosofias da ciência, que tenho vindo a descrever, fazem parte de uma mais vasta teoria do conhecimento como espectador ["spectator theory of knowledge"]. Não penso, todavia, que a ideia do conhecimento como representação do mundo seja em si mesma a fonte de todos os males. O perigo vem de uma obsessão unilateral com a representação, o pensamento e a teoria,à custa da intervenção, da acção e da experimentação" (Hacking, 1991, p.130-131: sublinhado nosso).

Sendo assim, o racionalismo construtivista que criou os hábitos mentais de articular o campo teórico com o campo empírico, conferindo à teoria uma função de comando relativamente ao processo de observação, é convidado a incluir, fora deste eixo de processos interrelacionados, o processo de experimentação / intervenção. O esquema é, deste modo, triangular: teoria, observação e intervenção.

O mais interessante, todavia, desta proposta, para os nossos propósitos, não está aqui, mas nas seguintes conclusões. Em primeiro lugar, não querendo renunciar a uma posição realista - fora do conhecimento e independentemente dele, há uma realidade, com características próprias e leis de movimento autónomo -, o autor é suficientemente expressivo quanto ao seu estado de espírito: "suspeito que não possa haver um argumento final a favor ou contra o realismo ao nível da representação" (p.31). Depois, exorcizando possíveis e frequentes falácias epistemológicas de reificação dos conceitos e demais produtos culturais, com consequências não menores nas ciências sociais do que nas ciências naturais, enuncia a sua posição: "eu separo razão e realidade mais profundamente que Laudan e Putnam, porque penso que a realidade tem mais a ver com o que nós fazemos no mundo do que com o que nós pensamos acerca dele" (Hacking, 1991, p.17). Por último, como estudioso da história da ciência, desafia os excessos de racionalismo, procurando evidenciar "como muitas vezes a experimentação ("experiment") tem uma vida independente da teoria" (1991,cap.XVI).

Passemos, agora, ao campo das ciências sociais.

A história das ciências sociais não tem escondido princípios de classificação do respectivo campo teórico e profissional e relações recíprocas entre eles4 4 Assinale-se, a título ilustrativo, o ensaio classificatório de A. Touraine acerca da sociologia francesa em M. Guillaume (1989) e a obra de R. Collins (1994).

Os princípios da investigação do real , através das categorias e formas de "apreender o social" (perspectivas positivistas, perspectivas hermenêuticas e perspectivas críticas, escala "nacional", "local" ou global") têm-se associado, com afinidades mais ou menos visíveis, aos princípios da ontologia social, através dos conceitos sobre elementos "de que é feito o social" ("tradição"; "emoção"; "racionalidade"; "interesse"; "dom"; "indivíduo"; "sistema"; "interacção").

Totalmente diversa tem sido a sorte das relações com a intervenção sobre o real. Esta passa, na maioria das vezes, como sendo irrelevante para conhecer a realidade social ou como subordinada enquanto "aplicação" do conhecimento alcançado fora dela.

O próprio conceito de "experiência" condensa o esvaziamento da dimensão activa e prática do relacionamento do organismo humano com a realidade envolvente em favor do sentido "contemplativo" dos principais sentidos. A manipulação do real ("manus"=mão) como experiência transformadora apagou-se na cultura racionalista e aparentemente contemplativa em prol do "olhar" como protótipo da mera observação e da experiência, como fontes de conhecimento.

Traduzindo o pensamento inspirador da visão racionalista e pragmática de Dewey, S. Hampshire pôde resgatar esse significado: "É engano representar a experiência do mundo externo como uma síntese das impressões dos cinco sentidos. Um objecto físico - sublinha o autor, repondo o eixo da acção - reconhece-se como uma obstrução potencial ou como algo manipulável que no momento da percepção ocupa uma posição determinada com respeito a mim próprio" (Cit. Bernstein, 1979, p.214).

Ora falar deste eixo da acção humana implica que se introduza o eixo temporal, com o futuro como horizonte para o qual a própria experiência humana básica se orienta. Admitir-se-á com Dewey: "O que é dado é, sem dúvida, o que é; está determinado totalmente. Mas é o dado de algo que há que fazer. O exame e o inventário das condições presentes (factos) - continua aquele pragmatista americano – não é algo completo em si mesmo; existem com vista a uma determinação inteligente do que deve ser realizado, do que se requer para completar o dado" (Cit. Bernstein, 1979, p.222: sublinhado nosso).

O trabalhador social, porventura como nenhum outro profissional, experimenta a necessidade de basear a sua intervenção na investigação e orientar a investigação na acção e para a acção: o duplo constrangimento a que a sua prática profissional o vincula. Como nenhum outro profissional, está em condições de rever a sua prática esclarecida, consistente e eficaz num modelo que articula os quatro princípios que fundamentam a acção social: a força do real; a atracção do possível; a insegurança do risco e o prazer do ideal. E simultaneamente, como ninguém saberá aproveitar em termos de postura científica, política, cultural e ética as sugestões nele indicadas.

Nas sociedades actuais, por outro lado, assumem uma importância cada vez maior para o objectivo de desbloquear a produção do conhecimento os três princípios que servem de fundamento, simultaneamente, à questão epistemológica ("porquê conhecer? como conhecer?") e à questão prática, política e moral ("porquê intervir?").

Sociólogos e antropólogos concordam hoje, ao analisar a importância da ciência nas condições da vida moderna, na necessidade de reflexividade por parte de quem a produz e por parte de quem a utiliza. Nesse esforço socialmente repartido há lugar para identificar progressos que ela permitiu e para detectar ameaças que introduziu, abertamente nuns casos, às escondidas em muitos outros. As ciências sociais não se encontram, por qualquer graça ou mérito próprio, imunes a este processo: há riscos que elas estudam e há riscos que elas produzem.

A perspectiva de análise da realidade social que considere o lado mais invisível desta - "a ciência é do escondido", é bom recordá-lo como princípio epistemológico mas também como base da sua legitimação cultural e política - não pode deixar de lado o que a ameaça, na sua constituição, na sua sobrevivência material e cultural. Os riscos são, por definição, enquanto ameaças e perigos, invisíveis até que o seu conhecimento se traduza no reconhecimento prático e efectivo.

A despositivização das ciências sociais encontra a este nível uma das suas maiores dificuldades: as suas formas dominantes evitam e/ou recusam integrar nas suas problemáticas a dimensão do "risco". O facto aparece constatado na revisão do conceito feita por J. Short : "poucos sociólogos estudaram riscos à construção social ("social fabric") no quadro da análise dos riscos" (1984, p.712). A sua explicação teórica poderá encontrar-se nos limites impostos à ciência pelo próprio positivismo, dado que, como o defende U. Beck "os enunciados sobre riscos são os enunciados morais da sociedade cientificizada" (1992, p.176).

A razão para conhecer e intervir na realidade social não se extingue na identificação, selecção, reconhecimento e eliminação ou controlo dos riscos, de modo a não mais marginalizá-los como externalidades. Alimenta-se da dinâmica po-ética, onde se inventam, no caminho do futuro, novas "possibilidades" e se reconhecem como imperativos gratificantes novos "ideais".

Face àqueles que isolam os chamados problemas sociais ("social problems") como desvios de formas dominantes de relações sociais assumidas como a "verdadeira" realidade, um sociólogo como Luhmann impõe como prioritária a investigação sobre o próprio processo de "como foi possível..." que elas - as formas dominantes - aparecessem, se desenvolvessem e assumissem o valor que acabou por lhes ser reconhecido. É, sem dúvida, uma primeira operação para desfazer o carácter absoluto e incondicionado, "natural", da realidade social: estabelecer-lhe a sua genealogia na cena conflitual de "possíveis" num dado momento do passado e a carreira social que alcançaram na sua concretização e universalização5 5 Obras de sociólogos como Giddens e Luhmann e de antropólogos como M. Douglas podem dar-nos a medida, com diferentes graduações, da importância desta perspectiva para o estudo das sociedades actuais. .

Erguida a categoria central pelo interaccionismo simbólico e pelo pragmatismo, a categoria "possibilidade" confronta a regularidade do social com a sua contingência, com o trabalho da imaginação colectiva, com as formas e actores da crítica e da utopia, que, como a arte, não desertam da sociedade6 6 Acerca deste conceito no interaccionismo simbólico, cfr. D.N. Shalin (1986). Sem esquecer o capítulo de H.S. Thayer (1981) que lhe é consagrado. É deveras proveitoso, finalmente, trazer para esta abordagem o trabalho de J. Starobinski (1970). Não só porque, ao tratar do "sentido da crítica", faz perceber ao leitor que interpretar não é só decifrar mas também imaginar: "Nós deciframos o passado de modo a fazê-lo coincidir necessariamente com um futuro prefigurado pelo decreto da nossa vontade; ao querer ultrapassar e prolongar os nossos antecedentes, conferimo-lhes uma orientação conforme aos nossos votos e, por vezes, às nossas ilusões. A história recebe, deste modo, de nós próprios o sentido a que pretendemos submeter-nos..." (1970, p.10). Mas também porque no inventário histórico do conceito de imaginação, com destaque dos contributos de Sartre, Bachélard e dos autores ligados à teoria do inconsciente, resulta claro que "a imaginação não é uma simples operação intelectual, antes uma aventura do desejo" (1970,p.190). A sua importância e o seu funcionamento na actividade humana inserem-se, pois, neste seguinte quadro: "Insinuada na própria percepção, misturada com as operações da memória, abrindo à nossa volta o horizonte do possível, escoltando o projecto, a esperança, o receio, as conjecturas, -a imaginação é muito mais que uma faculdade de evocar imagens que reproduziriam o mundo das nossas percepções directas: é um poder de desvio graças ao qual nos representamos as coisas distantes e nos distanciamos das realidades presentes (1970, p.173-174: sublinhado nosso). .

Ao elaborar um esboço da história da sociologia como "forma de arte", Nisbet encaminhou a metodologia das ciências sociais para o reconhecimento da "unidade do acto criador" (1979, p.14). Não só exprimiu a sua tese de que "o que é comum à arte e à ciência é muitíssimo mais importante do que aquilo que as diferencia" (1979, p.22), como foi ao ponto de afirmar para provocação aos seus pares: "temos vindo a dar-nos conta, cada vez mais, da prioridade do artista na história do pensamento" (1979, p.18) quer ao nível colectivo-histórico quer ao nível biográfico-individual7 7 Por seu lado, muito embora de forma indirecta, a tradição kuhniana, através da sua perspectiva simultaneamente histórica e sociológica, muito contribuiu para abordar a actividade científica na sua complexidade de actividade racional no sentido de desafiar, quando não desfazer, os "mitos" positivistas e os "mitos" do racionalismo popperiano: aqueles, na medida em que centravam a actividade científica no "contexto da justificação"; estes, na medida em que só contemplavam a "refutação" como processo em que o cientista se envolve enquanto tal. Ora, como reconhece Laudan, "qualquer teoria da racionalidade que discute apenas as duas primeiras [posições cognitivas de aceitar e rejeitar - AJE] será incapaz de enfrentar a larga maioria de situações com que se confrontam os cientistas" (cit. por Hacking, 1991, p.15). .

A forma estilística da razão polémica exercida por este historiador da sociologia, que nunca escondeu o seu pendor conservador, não será bastante para retirar toda a plausibilidade à sua sugestão: tal como os sociólogos do passado, que hoje são reconhecidos como os clássicos da disciplina8 8 Quanto às influências de Goethe sobre Weber, cfr. Garcia, J.M. Gonzalez (1988, p.23-42). , criaram numa estreita afinidade com os artistas do seu tempo, os seus continuadores não têm que opor rigor a imaginação, constatação a invenção, autonomia a solidariedade e paixão.

Este modelo de experimentação não se anima apenas com a dialéctica da investigação do real contra a investigação dos riscos - de todo ou mais ou menos irreconhecidos -, contra a investigação dos possíveis - apenas imaginados ou já emergentes -, contra a investigação dos ideais - apenas locais ou já em processo de universalização.

Este modelo de investigação e intervenção anima-se, também, com uma postura nova nas próprias estratégias de intervenção: quer se trate de estratégias de avaliação, de animação sócio-cultural, ou de investigação-acção ou de políticas públicas, o afastamento da população do estatuto de parceiro-com-vez-e-voz não mais se ergue como princípio, seja a pretexto de exigências epistemológicas (divisão sujeito/objecto) seja a pretexto de exigências políticas (quem pode, sabe / quem não pode, (também) não sabe).

O cientista social, e o trabalhador social em particular, por força das exigências deste modelo, pôr-se-ão em condições de abrigar-se de três perigos que na sociedade tecnocrática andam estreitamente associados numa cumplicidade desvitalizadora da construção da sociedade: erguer a ideal supremo a gestão do real; orientar a cidade como pura organização sem ligação ao reino dos fins e dos valores; reduzir a competência técnica pela alienação da capacidade de agir como empresários culturais e morais.

II Parte: A transição ao trabalho no quadro de um modelo de experimentação

A transição ao trabalho torna-se, hoje, para os grupos jovens, uma fase da sua biografia submetida, como nunca o foi, a condições de incerteza e de oportunidades restritas no sistema de emprego, com duração prolongada para além do que socialmente se representa como normal, após percursos escolares habitualmente tidos como razoáveis ou promissores e investimentos familiares considerados como promotores de sucesso social9 9 Sob a epígrafe "Da inserção profissional à transição social", tratámos esta questão (Esteves,1994). .

Converte-se, deste modo, num tempo e numa condição em que se concentram superlativamente as características da dinâmica das nossas sociedades capitalistas, para mais (do pior) reforçada pela inspiração ultraliberal da ideologia dominante: as leis da acumulação do capital sobrepõem-se sempre, até ao momento em que as exigências de compromisso com valores de outra natureza (política, cultural ou religiosa, ou militar) se tornem inadiáveis.

Vejamos alguns elementos que num modelo de experimentação podem interessar os diversos agentes, nomeadamente os profissionais mais ligados intervenção social.

Antes de mais, a primeira condição de trabalho numa perspectiva sociológica é desembaraçar-se de armadilhas pré-constituídas no universo de representações sociais de grupos dominantes e favorecidos.

As armadilhas estendidas em torno deste problema começam a partir do momento em que só entram em cena as vítimas da situação e são consumadas quando, directa ou indirectamente, as próprias vítimas são transformadas em responsáveis da própria situação

- quer quando atingidas pelo desemprego;

- quer quando submetidas à experiência das formas atípicas e precárias de emprego;

- quer quando confinados a posições de emprego desqualificadas.

Essa é uma posição cínica que ignora ou subestima um facto - o "jobless growth"- cada vez mais incontornável na observação das relações entre as realizações do sistema produtivo e as evoluções do sistema de emprego. A dinâmica de criação de emprego não depende exclusivamente do crescimento económico nem este se traduz em criação de emprego independentemente da organização técnica e social do processo produtivo. Em suma, pode haver crescimento sem emprego (OCDE, 1991), como é possível ler no Quadro 1 acerca de um conjunto variado de economias importantes do mundo.

QUADRO 1 - EVOLUÇÃO DO PIB, DO EMPREGO E DESEMPREGO (*)

OCDE, Perspectives de l'emploi, Julho 1991. [Taxa de crescimento anual médio em %; taxa de desemprego em % da PA=população activa]

O que resulta do Quadro 1 em termos de redistribuição do volume e tipos de emprego disponíveis é mais provável ser inferido a partir da força da estrutura de desigualdades sociais e culturais (raça e classe, género e idade) do que contando com uma pressuposta e abstracta iniciativa de indivíduos escolarizados.

Circunscrevam-se alguns desses constrangimentos que definem aspectos importantes da globalização da economia.

As inovações tecnológicas introduzidas nas empresas podem, à escala das economias nacionais, contrair as oportunidades de emprego ou alterá-las em sentido diferente do que preside à estruturação de outros sistemas sociais (escola, famílias e cultura).

As dinâmicas de deslocalização das empresas à escala mundial, que alimentam boa parte do processo de globalização da economia, não se desenvolvem sem produzir efeitos no sistema de emprego nacional quer no seu volume quer na sua estrutura. De acrescentar será, ainda, o facto de que elas se processam à margem e por cima do Estado, a quem, por outro lado, se atribui o papel de organizar o sistema de ensino quer quanto à abertura do seu acesso quer quanto à estrutura do seu currículo.

Em suma, a valorização escolar dos jovens como imperativo da organização democrática do Estado nas sociedades capitalistas choca com múltiplas formas de desvalorização por parte do sistema produtivo, excepção feita apenas para a exploração do seu papel enquanto consumidores apetecíveis e mobilizáveis.

Na actual fase de transição ao trabalho, o que é mais frequente no discurso dominante é a transformação do sistema educativo em "bode expiatório" das dificuldades que ela envolve, na justa medida em que se trata de encontrar uma entidade bem visível, capaz de "expiar" o que a todos respeita e responsabiliza, mesmo que ela não "explique" a evolução negativa das oportunidades de emprego e de valorização profissional.

A incapacidade de a escola preparar para o emprego (como sempre se julgou que fizera!) tornou-se um axioma a partir do qual se entende devam deduzir-se as reformas educativas. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, mantêm-se vivos os sintomas do que Godet (1991; 1993) denominava "a doença do diploma":

- confundir "instrução", "educação", "formação", "qualificação", "competência" e "profissionalismo";

- acreditar que as ocupações de amanhã serão mais qualificadas;

- confiar a formação técnica e profissional à Educação Nacional;

- sobrevalorizar a formação inicial e transformar o diploma em "arma de um só tiro";

- seleccionar pelas matemáticas;

- recrutar professores sem experiência de vida;

- refrear a concorrência e a emulação no seio do sistema educativo;

- gastar milhões em bombons inúteis que significam "mais do mesmo";

- seleccionar as elites para as transformar em rentistas do sistema.

Ao contrário de alguns sistemas de ensino (Alemanha e Japão), que se articulam com economias de crescimento sustentado e com sistemas de "aprendizagem na empresa"10 10 Remando contra a maré de reformar-a-escola-sem-reformar-a-empresa, é compensadora a leitura de F. Dalle & J. Bounine (1993). Antes de mais, pelo princípio enunciado: "não se deve fazer a publicidade da aprendizagem; há que fazer a publicidade da empresa formadora" (1993, p.54). E depois, pela demonstração de que "os operadores [os trabalhadores de base, são o] fundamento da força de trabalho" (1993, p.35), que são a "fonte da qualidade do produto ou do serviço" (1993, p.46), que "a obtenção da qualidade industrial depende tanto ou mais dos 'trabalhadores de base' que do pessoal de controlo" (1993, p.46). E, por essa lógica, convertem-se em primeiros destinatários da formação profissional, que permitirá torná-los mais autónomos, reduzir os níveis hierárquicos e os efectivos de supervisão, com os custos inerentes, e possibilitar salários mais elevados para esse estrato organizacional. Formação, competência, qualificação e responsabilidade vão a par nesta reforma das relações entre sistema formativo e sistema produtivo. , boa parte dos sistemas de ensino que na actualidade encaram reformas escolares adoptam o seguinte princípio orientador :é necessário (às empresas) - e por isso tem ser possível - entregar "produtos acabados" do "factor humano" ao sistema produtivo.

Essa é uma perspectiva de reforma educativa que em conjunto reúne vantagens de diversa ordem, aparentemente sem qualquer contradição e, na realidade, sempre definidas no "curto-prazo":

- no imediato é bem vista pela generalidade dos actores interessados na escola (pais e alunos, patrões, sindicatos e Estado);

- dispensa a empresa de organizar-se, individual ou colectivamente, como espaço social de aprendizagem permanente;

- sobrepõe currículos centrados em "saberes feitos" (quer sejam "saberes" quer sejam "saberes-ser" quer sejam "saberes-fazer") a currículos centrados em aprendizagens de "fazer-saber";

- a formação permanente, quando referida, equivale ao somatório de diplomas ("diplomosclerose") ao longo da vida profissional, raramente chegando a ser um horizonte de auto-formação socialmente reconhecida e valorizada e não evitando essa espécie de empregado que é o trabalhador diplomado não qualificado (TDNQ).

A relação com o trabalho por parte dos jovens, mais ou menos escolarizados, não se dá, na sua manifestação negativa, apenas através do desemprego.

Hoje proliferam, atingindo em formas socialmente diferenciadas toda a população, com destaque para os jovens, formas atípicas de emprego e formas múltiplas de desqualificação.

As formas atípicas de emprego, que de novo, porventura, têm apenas a sua dimensão quantitativa e, por via dela, a gravidade de uma das maiores expressões da actual "questão social"11 11 Veja-se a atenção prestada a esta nova-velha questão por dois autores franceses conhecidos quer pelos múltiplos estudos no âmbito das "políticas de normalização" quer pela história e saídas para o Estado-Providência: R. Castel (1995); P. Rosanvallon (1995). , caracterizam-se por transgredir as expectativas historicamente consolidadas:

- de um contrato de duração indeterminada;

- de empregador único e jurídica e socialmente visível;

- de actividade a tempo inteiro no quadro do contexto cultural e social da época.

A quem estuda a evolução da inserção social dos jovens não escapa a observação de que "os empregos precários se tornaram numa condição prévia para o recrutamento ao mesmo tempo que num prelúdio do desemprego"12 12 A observação deste encadeamento de situações ocupacionais donde parece evaporar-se o emprego típico, com o seu grau de previsibilidade e segurança necessário para o equilíbrio da interacção humana, aparece em M. Maruani & E. Reynaud (1993, p.60), dando origem a uma pergunta crucial sobre a evolução em curso: "as formas de emprego atípicas são derogações da norma do emprego estável ou, pelo contrário, abriram o caminho a uma normalização do emprego instável?" (1993, p.62). Acerca da situação portuguesa e suas tendências, cfr. Kovåcs et al (1994). .

Na fenomenologia do desemprego e na sua quantificação, assume uma importância cada vez maior o desemprego de longa duração. Sujeito a definições operatórias em alteração ao longo das últimas décadas, o desemprego de longa duração, com cambiantes diversificadas de país para país em função do sexo, não tem poupado o grupo dos mais jovens, mesmo se a sua força incide mais no grupo etário dos 25-44 anos (Cfr. Vincens, 1993).

A desqualificação ocupacional dos jovens, quando estes têm o "benefício" de um emprego, constitui uma outra vertente, também ela marcante do trajecto no sistema de emprego, da transição ao trabalho.


QUADRO 2 -ESTRUTURA DAS QUALIFICAÇÕES DOS JOVENS (15-24 ANOS)

=====================================================================

Quadros (Médios, Super., Dirigentes)

1,0

0,7

0,8

0,6

0,9

0,7

Trab.Qualificados

30,8

25,3

29,1

24,9

30,1

25,3

Trab.Semi-qualific.

13,5

12,3

24,0

19,5

17,7

15,3

Trab.Não-qualif.

16,8

17,2

8,2

8,2

13,4

13,3

Praticantes/Aprend.

32,7

36,4

30,7

38,9

31,9

37,4

Ignorado

5,2

8,1

7,2

7,9

6,0

8,0

=====================================================================

MESS/DE, 1988.

As estatísticas traduzem, pois, dois movimentos que se completam no significado negativo que possuem para o estatuto social e profissional dos jovens: por um lado, diminui o peso das qualificações mais altas; por outro, aumenta o das qualificações mais baixas.

A análise social dá-se, através destes movimentos de observação e de leitura dos seus resultados, instrumentos para responder em esboço à questão: "o que a transição dos jovens ao trabalho na actualidade?".

A intervenção social, por seu lado, não prescinde, com razão, deste trabalho de observação e leitura. Procede, porém, a outras perguntas, que, a meu ver, estão sempre implicitamente contidas na análise social e só potenciam uma análise social mais penetrante desta realidade social em movimento. E, sobretudo, a partir delas, na situação concreta e aberta, experimentam os seus protagonistas as condições e formas da arte que é a "produção da sociedade" numa sociedade democrática.

Não apenas o confronto, no eixo real-ideal (cfr. esquema na pág.) da (imagem que construímos da) realidade da transição ao trabalho com o que se retém como importante a atingir na acção social. A compreensão deste processo não dispensa uma posição que simultaneamente considere as oportunidades escolares que se têm ampliado para as categorias juvenis e a intensificação dos discursos que aparentemente valorizam a sua importância na sociedade. Será que a "banalização" das formas negativas apenas assinaladas anteriormente no texto poderá prosseguir sem pôr em causa alguns dos ideais proclamados pela nossa sociedade? Até onde podem elas desenvolver-se no actual sentido sem constituir um limiar de insuportabilidade, para os cidadãos, da nossa sociedade? Não será que a construção do viver-juntos na sociedade exige que esses valores e ideais sejam impostos com outro peso de convicção na organização da sociedade e com outro peso na organização das convicções e crenças sobre a sociedade?

Não há intervenção social que se faça coerente e continuadamente sem quadro de valores que se afinem com o processo histórico e social, como tradução de desejos e como apelos de acção. Falta reconhecer, na perspectiva aqui sugerida, que tão-pouco o conhecer se justifica, adequadamente e no fim de contas, por si próprio, como saber-pelo-saber de uma realidade que está em devir, mais ou menos indeterminada. O curso de (inter)acção está, nessa medida, aberto para um horizonte de possibilidades múltiplas.

A contingência desse curso de (inter)acção entre a instrução/formação e o emprego desafia a estruturação até aqui conhecida da transição ao trabalho. Múltiplas foram as formas que ela assumiu e variadas são, ainda, as que apresenta nas sociedades actuais. A intervenção social poder dar-se conta de como ela se articula com outras transições institucionais13 13 No capítulo II de Jovens e idosos (1995), falávamos a este propósito da organização tradicional da carreira de vida e de formas emergentes de reorganização do tempo de viver. . As definições de situação quer das instituições isoladamente quer das relações entre os vértices do triângulo família, escola e empresa podem orientar-se pelas possibilidades oferecidas pela tradição de sociedades diferentes, valendo-se da análise comparativa dos sistemas educativos, dos sistemas familiares e dos sistemas de emprego.

Neste "jogo de possíveis", um fenómeno central da transição ao trabalho como a "desvalorização dos diplomas universitários" - cfr. enquadrado sobre "vocação" na sua expressão humorística14 14 Com o agradecimento devido ao autor pelo uso deste texto, vai o reconhecimento da própria capacidade analítica do género literário em foco. - não significa necessariamente apenas que vão normalizar-se por baixo as expectativas decrescentes acerca dos referidos diplomas: "o meu sonho era trabalhar um dia numa LOJA DOS TREZENTOS!". Poderá constituir-se como forma possível de dar cumprimento, nas sociedades futuras, a uma organização social em que o diploma inicial não é suficiente nem indispensável para o êxito da vida. O que traduziria um novo sentido de equidade: "o que é preciso é multiplicar as oportunidades [de formação e selecção] ao longo da vida e não fazer dos diplomados rentistas e dos desempregados excluídos" (Godet, 1993, p.57).

Mas a intervenção social não se faz só porque se crê que outro deve ser o curso das "coisas" sociais ou só porque se concebem, se experimentam outros possíveis. Assim como não se estuda a realidade social só para aferir o funcionamento actual pelo que é possível ou desejável.

Uma e outra podem fazer-se, também, a partir dos "riscos" que, como possibilidades negativas, de ameaça, ao funcionamento da ordem social devem ser subtraídos à sua invisibilidade, tornar-se visíveis ou ter a sua visibilidade ampliada através do reconhecimento e valorização negativa por parte da comunidade.

O que a sociedade, ou, pelo menos, certa parte dela - pois "o extremo é alarmado" enquanto "o centro é complacente", na feliz expressão de M. Douglas - , aponta como risco, após uma operação de hierarquização dos riscos e de delimitação do que é insuportável, estabelece-se no cruzamento do conhecimento da realidade, por um lado, das possibilidades imaginadas ou emergentes, por outro, e dos ideais que se abraçam como princípios organizadores da vida social e interpessoal, por outro lado ainda.

Ora ao nível de alguns dos aspectos da transição ao trabalho parece não ter havido um esforço colectivo de investigação e intervenção suficiente para os colocar na zona de risco para a construção e sobrevivência da sociedade: nem pelo conhecimento da realidade, nem pelo inventário das possibilidades nem pela descoberta dos riscos nem pela urgência de ideais colectivos.

O economicismo dominante tem sabido "dar a volta" ao desemprego juvenil, ao desemprego de longa duração e à desqualificação do emprego a que são afectados os jovens:

- não deixando que o subconsumo se deteriore a ponto de tornar insuportável a condição de desempregado para largas massas da população jovem;

- manipulando a definição de emprego/desemprego a fim de que a imagem resultante do funcionamento da sociedade pareça compatível com a condição mínima de cidadão de uma sociedade justa;

- multiplicando os dispositivos jurídicos e económicos (formação profissional, contratos de emprego-formação, desagravamento fiscal) que mais se assemelham a dispositivos retóricos de diversão política do que a efectivos mecanismos económicos.

Outras perspectivas de análise, porém, terão que ser desenvolvidas, mesmo na área da economia15 15 Em contraponto a esta formulação abstracta, não poderá esquecer-se o contexto social em que se desenvolve o trabalho humano quer como actividade de transformação da realidade natural quer como transformação da realidade humana, histórica e social, das relações sociais. A empresa surge como organização nuclear, que não o pode ser se for apenas metáfora do jogo de procura/oferta na arena do mercado. Com Perrot (1992) se deve contrariar os teóricos neo-clássicos, para quem "o mercado do trabalho é um mercado como qualquer outro" e para quem "nem a especificidade do bem trocado nem as modalidades institucionais próprias em que se inscrevem as transacções justificam um tratamento particular" (1992, p.6). Como escala de relações sociais, a empresa aparece para outros economistas como nível decisivo para contrabalançar uma "economia salarial" ("sistema de salários fixos") com uma "economia participativa" ("sistema de remuneração vinculado ao desempenho da empresa") : "Os principais problemas económicos atuais não têm as suas raízes no nível macro; eles se relacionam a comportamentos, instituições e políticas ao nível micro. A guerra contra a estagnaflação não poderá ser vencida no plano anti-séptico da administração macro-económica pura. Ao contrário, dever ser disputada nas lamacentas trincheiras da reforma micropolítica básica. A principal necessidade é a de um esquema aperfeiçoado de incentivos que conduzam a melhores decisões de produção, emprego e fixação de preços ao nível da empresa" (Weitzman, 1987, p.2). Numa avaliação crítica das próprias virtualidades macro-económicas desta lógica de pertença social, A. Perrot chega a afirmar que "continua a ser menos custoso atingir o pleno emprego numa economia mista (comportando, até, um sector de partilha muito reduzido) do que numa economia exclusivamente salarial" (1992, p.116). para que o trabalho readquira valor fundamental como princípio de identidade social, princípio de inclusão na vida social, princípio de criação e distribuição da riqueza, numa carta mais ampla e equilibrada de recursos materiais, poder social e imaginação criativa de todos os actores sociais.

Do mesmo modo, outras perspectivas terão que desenvolver-se sobre a escola para que a sua definição economicista e de curto prazo não lhe imponha pressupostos e objectivos que cada vez menos pode levar em linha de conta e satisfazê-los com reconhecida eficácia generalizada: nem a obsessiva "preparação para o trabalho" nem a ilusória expectativa sobre a instrução/formação "inicial" podem enquadrar a análise e a intervenção sobre um processo que sempre foi de formar-membros-de-uma-sociedade.

Dar-se-á conta o profissional da intervenção social, aliás como o investigador, de que "a escolha dos riscos e a escolha de como viver vão a par; cada forma de vida social tem a sua carteira de riscos" (Douglas & Wildavsky, 1983). Perante a precarização das formas de emprego, a incerteza das relações entre a escola e o emprego, o peso das primeiras experiências na transição ao trabalho, a dificuldade de reentrada no sistema de emprego após longa duração de desemprego, o desencorajamento à procura de emprego e a irrelevância dos processos de formação profissional, não custa aceitar que a acção do trabalhador social se torne paradoxalmente reduzida ao mínimo mas, ao mesmo tempo, central: a única oportunidade de vinculação social com sentido de "simpatia" e reconhecimento social. Ou, nas palavras de MARUANI & REYNAUD, autoras já citadas: "A função que os trabalhadores sociais são chamados a preencher actualmente não tem como resultado, no fim de contas, restaurar as condições de possibilidade de inserção social mas constitui - por si mesma- o único conteúdo, a única realidade desta inserção, o único vínculo social oferecido ao beneficiário" (1993, p.92).

Em suma, a cultura profissional que não se pode satisfazer com a descoberta de leis da regularidade social nem com a hipótese de uma realidade estática ou segura - como é a das profissões que se constróem através das práticas de interacção humana- confronta-se com situações concretas e singulares que não podem ser amputadas da sua dimensão trágica. A possibilidade de erro no percurso da análise e a ameaça do risco da solução escolhida apelam, por isso, para que o modelo de experimentação sugerido assuma a dimensão política da participação colectiva democrática. Dessa forma, haverá razões para esperar, com Hölderlin, que "onde cresce o perigo, cresce também o (remédio) que salva".

Abstracts:

In this paper I intend to redefine the relationship between attitudes toward research and attitudes toward social intervention in the context of an "experimental model". Then I make use of that redefinition to study the transition of young people from school to work.

Keywords: Application-model. Experimentation-model. Positivism. Hermeneutics. Pragmatism. Symbolic Interactionism. Jobless Growth. Transition from school to work. Education and (Un)employment. Youth. Professional Culture.

(Recebido para publicação em 16.05.97 e liberado em 15.08.97)

*

Publicado na "Revista da Faculdade de Letras - Sociologia", I série, v.6, p.33-53, 1996.

  • BACHÉLARD, G. La formation de l'esprit scientifique. Paris, Vrin,1972. 256p.
  • BACHÉLARD, G. Essai sur la connaissance approchée Paris, Vrin,1981. 310p.
  • BECK, U. Risk society: towards a new modernity. Londres: Sage, 1992.
  • BERNSTEIN, R.J. Práxis y acción: enfoques contemporáneos de la actividad humana. Madrid: Alianza Editorial, 1979. 344p.
  • CASTEL, R. Les metamorphoses de la question sociale: une chronique du salariat. Paris: Fayard,1995. 490p.
  • COLLINS, R. Four sociological traditions,1994.
  • DALE, F. & BOUNINE, J. L'éducation en entreprise Paris: Odile Jacob, 1993.
  • DOUGLAS, M. & WILDAVSKY, A. Risk and culture: an essay on the selection of technological and environmental dangers. Berkeley: Univ. California Press, 1983.
  • DWORKIN, R. El império de la justicia: de la teoría general del derecho, de las decisiones e interpretaciones de los jueces y de la integridad política y legal como la clave de la teoría y práctica. Barcelona: Gedisa, 1988.
  • ESTEVES, A.J. Jovens e idosos: família, escola e trabalho. Porto, Afrontamento, 1994.
  • GARCIA, J.M. Gonzalez. Las herencias de Kant y de Goethe en el pensamiento de Max Weber. Revista Española de Investigaciones Sociales, n.43, p.23-42, 1988.
  • GODET, M. La maladie du diplôme: propositions pour une nouvelle politique. Futuribles, Paris, fev. 1993.
  • GODET, M. L’avenir autrement Paris: A. Colin, 1991.
  • GUILLAUME, M. (Org.). L'état des sciences Paris: La Découverte, 1989.
  • HACKING, I. Representing and interventing: introductory topics in the philosophy of natural science. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
  • KOVÅCS, I. et al. Qualificações e mercado de trabalho Lisboa: IEFP,1994.
  • LOWITH, K. Heidegger, pensador de un tiempo indigente. Madrid: Rialp, 1956.
  • LAUDAN, L. Science and relativism: some key controversies in the philosophy of science. Chicago: The Univ. of Chicago Press, 1990.
  • LAYDER, D. The realist image in social science Londres: Macmillan, 1990. 185p.
  • MARUANI, M.; REYNAUD,E. Sociologie de l'emploi Paris: La Découverte, 1993.
  • MISGELD, D. & NICHOLSON, G. (Ed.). Hans-George Gadamer on education, poetry, and history Albany, State Univ. New York, 1992.
  • NISBET, R.A. La sociología como forma de arte Madrid, Espasa-Calpe, 1979.
  • OCDE. Perspectives de l'emploi Julho 1991.
  • SHALIN, D.N. Pragmatism and social interactionism. American Sociological Review, Menasha, v.51, p.9-29,1986.
  • PERROT, A. Les nouvelles théories du marché du travail Paris: La Découverte, 1992.
  • ROSANVALLON, P. La nouvelle question sociale: repenser l'état- providence, 1995.
  • SHORT, J. The social fabric at risk: toward the social transformation of risk analysis. American Sociology Review, Menasha, v.49, p.711-725, 1984.
  • STAROBINSKI,J. La relation critique: essai. Paris: Gallimard, 1970. 341p.
  • THAYER, H.S. Meaning and action Cambridge: Hackett, 1981.
  • VINCENS, Jean. Réfléxions sur le chômage de longue durée. Revue Française de Sociologie, Paris, v.34, p.327-344, 1993.
  • WEITZMAN, M.L. A economia participativa São Paulo: Pioneira, 1987. 128p.
  • **
    ** Faculdade de Economia e Faculdade de Letras da Universidade do Porto
  • **
    Faculdade de Economia e Faculdade de Letras da Universidade do Porto
  • 1
    Não há que subestimar o facto de que o próprio Gadamer, (cfr. Misgeld & Nicholson, 1992), valendo-se da hermenêutica protestante do século XVII, distingue face aos textos bíblicos três atitudes: de compreensão ("subtilitas intelligendi"); de exposição ("subtilitas explicandi"); e de aplicação vida ("subtilitas applicandi").
  • 2
    Poder-se-á, com vantagem, apreciar a análise que R. Dworkin (1988) faz sobre a despositivização do direito e o cuidado posto em contrapor uma interpretação "criativa", "construtiva" ("cada interpretação luta por fazer de um objecto o melhor que pode ser"-1988,p.49)não só à interpretação da "conversação" mas também à interpretação dita "científica", através da aproximação à interpretação "artística". No que toca à componente fenomenológica, poder-se-á recordar - já lá vão várias décadas!- o que F. Montero escrevia no seu "Estudo preliminar" a K. Löwith (1956): "O método fenomenológico, ao renunciar a tudo quanto extravasa uma prudente descrição, é fiel à indigência do nosso tempo, porque está alimentado por uma extrema cautela que só pode nascer em gentes e épocas que perderam a audácia intelectual e a confiança nas suas próprias forças" (1956, p.44). Os editores da obra sobre H.-G. Gadamer, atrás referida, talvez por isso mesmo tenham sentido a necessidade de explicitamente afirmar, pensando em Gadamer: "A Hermenêutica é o oposto de gestão ou de engenharia social como método de governar o comportamento humano. Adaptação e adaptabilidade não são as qualidades humanas que ela favorece. Por isso é que a hermenêutica é também uma crítica do presente" ((Misgeld & Nicholson, 1992, p.X).
  • 3
    O mapa da epistemologia das ciências sociais não se esgota no positivismo, permanentemente declarado morto como num ritual exorcista, nem no racionalismo construtivista, quase universalmente invocado como máximo denominador comum. Outras linhas de confronto há que merecem ser consideradas nas estratégias de investigação. Nas ciências sociais, D. Layder (1990) sistematiza e reformula o legado da tradição realista, particularmente em foco num clima de "construcionismos" onde se avoluma a questão - com resposta prévia e descontada- "quão real é o real?" (P. Watzlawick). Nas Ciências Naturais, L. Laudan (1990) põe em diálogo os diferentes representantes das epistemologias positivista, realista, relativista e pragmati(ci)sta. O realismo crítico-experimental que aqui esboçamos procura recuperar fragmentos subestimados na vertente polémica da própria epistemologia de Bachélard, como quando sublinha a "necessidade de criar uma palavra nova, entre compreensão e extensão, para designar
    esta actividade do pensamento empírico inventivo" (1972, p.60: sublinhado nosso). E muito especialmente são de reler os pontos de Bachélard (1981), sobre a complementaridade da ciência e da técnica, por um lado, e sobre a natureza e importância da verificação, por outro. No primeiro ponto, inscrevia Bachélard os seguintes vectores: "A ciência um enigma que renasce, uma solução traz um problema. O real, para o investigador, este nimbado de possível e o estudo do possível uma tentação contra a qual o cientista, por positivo que ele seja, se defende mal. Nada mais difícil do que igualar continuamente o Espírito com a Realidade presente. A técnica, pelo contrário, realiza plenamente o seu objecto e este objecto, para nascer, teve que satisfazer condições tão numerosas e tão heterogéneas que escapa às objecções de qualquer cepticismo" (1981, p.155). E no segundo ponto, insinuam-se parentescos do racionalismo com certo pragmatismo: "Quase se não pode conceber uma verificação em bloco.
    A representação é contemporânea do sucesso ("réussite") da ideia. A nossa representação não pode ser melhorada e tornar-se científica senão por uma verificação progressiva" (1981, p.271: sublinhado nosso).
  • 4
    Assinale-se, a título ilustrativo, o ensaio classificatório de A. Touraine acerca da sociologia francesa em M. Guillaume (1989) e a obra de R. Collins (1994).
  • 5
    Obras de sociólogos como Giddens e Luhmann e de antropólogos como M. Douglas podem dar-nos a medida, com diferentes graduações, da importância desta perspectiva para o estudo das sociedades actuais.
  • 6
    Acerca deste conceito no interaccionismo simbólico, cfr. D.N. Shalin (1986). Sem esquecer o capítulo de H.S. Thayer (1981) que lhe é consagrado. É deveras proveitoso, finalmente, trazer para esta abordagem o trabalho de J. Starobinski (1970). Não só porque, ao tratar do "sentido da crítica", faz perceber ao leitor que interpretar não é só decifrar mas também imaginar: "Nós deciframos o passado de modo a fazê-lo coincidir necessariamente com um futuro prefigurado pelo decreto da nossa vontade; ao querer ultrapassar e prolongar os nossos antecedentes, conferimo-lhes uma orientação conforme aos nossos votos e, por vezes, às nossas ilusões. A história recebe, deste modo, de nós próprios o sentido a que pretendemos submeter-nos..." (1970, p.10). Mas também porque no inventário histórico do conceito de imaginação, com destaque dos contributos de Sartre, Bachélard e dos autores ligados à teoria do inconsciente, resulta claro que "a imaginação não é uma simples operação intelectual, antes uma aventura do
    desejo" (1970,p.190). A sua importância e o seu funcionamento na actividade humana inserem-se, pois, neste seguinte quadro: "Insinuada na própria percepção, misturada com as operações da memória, abrindo à nossa volta o horizonte do possível, escoltando o projecto, a esperança, o receio, as conjecturas, -a imaginação é muito mais que uma faculdade de evocar imagens que reproduziriam o mundo das nossas percepções directas:
    é um poder de desvio graças ao qual nos representamos as coisas distantes e nos distanciamos das realidades presentes (1970, p.173-174: sublinhado nosso).
  • 7
    Por seu lado, muito embora de forma indirecta, a tradição kuhniana, através da sua perspectiva simultaneamente histórica e sociológica, muito contribuiu para abordar a actividade científica na sua complexidade de actividade racional no sentido de desafiar, quando não desfazer, os "mitos" positivistas e os "mitos" do racionalismo popperiano: aqueles, na medida em que centravam a actividade científica no "contexto da justificação"; estes, na medida em que só contemplavam a "refutação" como processo em que o cientista se envolve enquanto tal. Ora, como reconhece Laudan, "qualquer teoria da racionalidade que discute apenas as duas primeiras [posições cognitivas de aceitar e rejeitar - AJE] será incapaz de enfrentar a larga maioria de situações com que se confrontam os cientistas" (cit. por Hacking, 1991, p.15).
  • 8
    Quanto às influências de Goethe sobre Weber, cfr. Garcia, J.M. Gonzalez (1988, p.23-42).
  • 9
    Sob a epígrafe "Da inserção profissional à transição social", tratámos esta questão (Esteves,1994).
  • 10
    Remando contra a maré de reformar-a-escola-sem-reformar-a-empresa, é compensadora a leitura de F. Dalle & J. Bounine (1993). Antes de mais, pelo princípio enunciado: "não se deve fazer a publicidade da aprendizagem; há que fazer a publicidade da empresa formadora" (1993, p.54). E depois, pela demonstração de que "os operadores [os trabalhadores de base, são o] fundamento da força de trabalho" (1993, p.35), que são a "fonte da qualidade do produto ou do serviço" (1993, p.46), que "a obtenção da qualidade industrial depende tanto ou mais dos 'trabalhadores de base' que do pessoal de controlo" (1993, p.46). E, por essa lógica, convertem-se em primeiros destinatários da formação profissional, que permitirá torná-los mais autónomos, reduzir os níveis hierárquicos e os efectivos de supervisão, com os custos inerentes, e possibilitar salários mais elevados para esse estrato organizacional. Formação, competência, qualificação e responsabilidade vão a par nesta reforma das relações entre sistema formativo e sistema produtivo.
  • 11
    Veja-se a atenção prestada a esta nova-velha questão por dois autores franceses conhecidos quer pelos múltiplos estudos no âmbito das "políticas de normalização" quer pela história e saídas para o Estado-Providência: R. Castel (1995); P. Rosanvallon (1995).
  • 12
    A observação deste encadeamento de situações ocupacionais donde parece evaporar-se o emprego típico, com o seu grau de previsibilidade e segurança necessário para o equilíbrio da interacção humana, aparece em M. Maruani & E. Reynaud (1993, p.60), dando origem a uma pergunta crucial sobre a evolução em curso: "as formas de emprego atípicas são derogações da norma do emprego estável ou, pelo contrário, abriram o caminho a uma normalização do emprego instável?" (1993, p.62). Acerca da situação portuguesa e suas tendências, cfr. Kovåcs et al (1994).
  • 13
    No capítulo II de
    Jovens e idosos (1995), falávamos a este propósito da organização tradicional da carreira de vida e de formas emergentes de reorganização do tempo de viver.
  • 14
    Com o agradecimento devido ao autor pelo uso deste texto, vai o reconhecimento da própria capacidade analítica do género literário em foco.
  • 15
    Em contraponto a esta formulação abstracta, não poderá esquecer-se o contexto social em que se desenvolve o trabalho humano quer como actividade de transformação da realidade natural quer como transformação da realidade humana, histórica e social, das relações sociais.
    A empresa surge como organização nuclear, que não o pode ser se for apenas metáfora do jogo de procura/oferta na arena do mercado. Com Perrot (1992) se deve contrariar os teóricos neo-clássicos, para quem "o mercado do trabalho é um mercado como qualquer outro" e para quem "nem a especificidade do bem trocado nem as modalidades institucionais próprias em que se inscrevem as transacções justificam um tratamento particular" (1992, p.6). Como escala de relações sociais, a empresa aparece para outros economistas como nível decisivo para contrabalançar uma "economia salarial" ("sistema de salários fixos") com uma "economia participativa" ("sistema de remuneração vinculado ao desempenho da empresa") : "Os principais problemas económicos atuais não têm as suas raízes no nível macro; eles se relacionam a comportamentos, instituições e políticas ao nível micro. A guerra contra a estagnaflação não poderá ser vencida no plano anti-séptico da administração macro-económica pura. Ao contrário, dever ser disputada nas lamacentas trincheiras da reforma micropolítica básica. A principal necessidade é a de um esquema aperfeiçoado de incentivos que conduzam a melhores decisões de produção, emprego e fixação de preços ao nível da empresa" (Weitzman, 1987, p.2). Numa avaliação crítica das próprias virtualidades macro-económicas desta
    lógica de pertença social, A. Perrot chega a afirmar que "continua a ser menos custoso atingir o pleno emprego numa economia mista (comportando, até, um sector de partilha muito reduzido) do que numa economia exclusivamente salarial" (1992, p.116).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Fev 1999
    • Data do Fascículo
      Jan 1997

    Histórico

    • Recebido
      16 Maio 1997
    • Aceito
      15 Ago 1997
    Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Biblioteca, Av. da Universidade, 308, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3818-3525, Fax: +55 11 3818-3148 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revedu@edu.usp.br