Acessibilidade / Reportar erro

O perfil de temperatura na região da mesopausa em São José dos Campos (23° S, 46° O) obtido com radar de laser

The temperature profile in the mesopause region at São José dos Campos (23° S, 46° W) obtained with lidar

Resumos

Este artigo trata da obtenção do perfil de temperatura atmosférica entre 80 e 100 km de altura, região da mesopausa. Ele é baseado no desenvolvimento e aprimoramento de uma técnica experimental simples que permite determinar a temperatura da atmosfera utilizando um radar de laser e as propriedades físicas do sódio mesosférico. A técnica consiste em sintonizar o radar de laser na linha D2 do sódio (5890 Å) e substituir o espelho de saída do laser por um interferômetro Fabry-Perot com "free-spectral-range" de 0,0198 Å, mesmo valor da separação da estrutura hiperfina da linha D2 do sódio. Inicialmente um controlador de temperatura permite variar a temperatura do Fabry-Perot e realizar uma varredura em comprimento de onda na estrutura hiperfina do sódio. Posteriormente um Fabry-Perot controlado por pressão permite mudar o comprimento de onda do laser do máximo para o mínimo da estrutura hiperfina. A temperatura do sódio, ou da atmosfera, uma vez que estão em equilíbrio termodinâmico, é inferida da convolução entre o perfil do laser e o perfil ressonante do sódio. Alguns experimentos foram realizados para verificar a validade da nova técnica e para fornecer o perfil de temperatura na região da mesopausa. Aqui são apresentados os perfis de temperatura do dia 28/08/95, obtido com o Fabry-Perot controlado por temperatura, e do dia 17/10/96, obtido com o Fabry-Perot controlado por pressão.

Temperatura atmosférica; Radar de laser; Mesopausa


This paper is about the acquisition of the temperature profile between 80 and 100 km, in the mesopause region. It is based on the development and improvement of a simple experimental technique that enable to determine the atmospheric temperature using a lidar and the physical properties of the mesospheric sodium. The technique consists in tune the lidar in the D2 line of the sodium (5890 Å) and substitutes the output mirror of the laser by a Fabry-Perot interferometer which has the free-spectral-range of 0.0198 Å, same value of the separation between the hyperfines components of the D2 line. Initially, a temperature controller permits to vary the Fabry-Perot temperature and to do a wavelength sweeping in the hyperfine structure of the sodium. Subsequently, a Fabry-Perot with pressure control enables to change the laser wavelength between the maximun and the minimun of the hyperfine structure. The sodium and the atmospheric temperature, once they are in thermodinamic equilibrium, are deduced from the convolution between the laser spectrum and the sodium resonance profile. Some experiments were realized to verify the validity of the new technique and to provide the temperature profile in the mesopause region. Here are shown the temperature profiles of the days 08/28/95, obtained with the Fabry-Perot controlled by temperature, and 10/17/96, obtained with the Fabry-Perot controlled by pressure.

Atmospheric temperature; Lidar; Mesopause


O perfil de temperatura na região da mesopausa em São José dos Campos (23° S, 46° O) obtido com radar de laser

M. P. P. M. Jorge, B. R. Clemesha, P. P. Batista & D. M. Simonich

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE,

C.P.515, CEP:12.201-970, São José dos Campos, SP, Brasil

Fone: (012) 345-6955 FAX: (012) 345-6952 E-mail: inpedaa@laser.inpe.br

Este artigo trata da obtenção do perfil de temperatura atmosférica entre 80 e 100 km de altura, região da mesopausa. Ele é baseado no desenvolvimento e aprimoramento de uma técnica experimental simples que permite determinar a temperatura da atmosfera utilizando um radar de laser e as propriedades físicas do sódio mesosférico. A técnica consiste em sintonizar o radar de laser na linha D2 do sódio (5890 Å) e substituir o espelho de saída do laser por um interferômetro Fabry-Perot com "free-spectral-range" de 0,0198 Å, mesmo valor da separação da estrutura hiperfina da linha D2 do sódio. Inicialmente um controlador de temperatura permite variar a temperatura do Fabry-Perot e realizar uma varredura em comprimento de onda na estrutura hiperfina do sódio. Posteriormente um Fabry-Perot controlado por pressão permite mudar o comprimento de onda do laser do máximo para o mínimo da estrutura hiperfina. A temperatura do sódio, ou da atmosfera, uma vez que estão em equilíbrio termodinâmico, é inferida da convolução entre o perfil do laser e o perfil ressonante do sódio. Alguns experimentos foram realizados para verificar a validade da nova técnica e para fornecer o perfil de temperatura na região da mesopausa. Aqui são apresentados os perfis de temperatura do dia 28/08/95, obtido com o Fabry-Perot controlado por temperatura, e do dia 17/10/96, obtido com o Fabry-Perot controlado por pressão.

Palavras-chave: Temperatura atmosférica; Radar de laser; Mesopausa.

The temperature profile in the mesopause region at São José dos Campos (23° S, 46° W) obtained with lidar - This paper is about the acquisition of the temperature profile between 80 and 100 km, in the mesopause region. It is based on the development and improvement of a simple experimental technique that enable to determine the atmospheric temperature using a lidar and the physical properties of the mesospheric sodium. The technique consists in tune the lidar in the D2 line of the sodium (5890 Å) and substitutes the output mirror of the laser by a Fabry-Perot interferometer which has the free-spectral-range of 0.0198 Å, same value of the separation between the hyperfines components of the D2 line. Initially, a temperature controller permits to vary the Fabry-Perot temperature and to do a wavelength sweeping in the hyperfine structure of the sodium. Subsequently, a Fabry-Perot with pressure control enables to change the laser wavelength between the maximun and the minimun of the hyperfine structure. The sodium and the atmospheric temperature, once they are in thermodinamic equilibrium, are deduced from the convolution between the laser spectrum and the sodium resonance profile. Some experiments were realized to verify the validity of the new technique and to provide the temperature profile in the mesopause region. Here are shown the temperature profiles of the days 08/28/95, obtained with the Fabry-Perot controlled by temperature, and 10/17/96, obtained with the Fabry-Perot controlled by pressure.

Key words: Atmospheric temperature; Lidar; Mesopause.

INTRODUÇÃO

No estudo da atmosfera terrestre, a região entre 20 e 100 km de altura tem recebido grande atenção devido à ênfase que vem sendo dada às mudanças globais. Esta região contém a maior parte do ozônio da atmosfera da Terra e é muito sensível aos efeitos do aumento nas concentrações de CO2 e CH4 na troposfera. Estudos recentes mostram que dobrando-se essas concentrações ocorre uma diminuição de 10 a 20oC na temperatura da média atmosfera (Roble & Dickinson, 1989), o que pode estar causando um aumento na formação de nuvens noctilucentes (Thomas et al., 1989). A média atmosfera apresenta uma série de características importantes e interessantes onde o conhecimento da temperatura em função da altura é muito importante. Sua importância é comprovada na influência que exerce nas constantes de taxa de reações químicas, nos processos de excitação da luminescência e na formação de nuvens noctilucentes. Dessa forma, para compreender a física e a química dessa região é necessário conhecer o seu perfil de temperatura.

As primeiras medidas da temperatura mesosférica foram feitas a partir do espalhamento da luz solar pelos átomos de sódio da alta atmosfera, utilizando a técnica de absorção desenvolvida por Bricard & Kastler (1944). Esta técnica consiste em medir a intensidade da emissão do sódio no céu crepuscular, antes e depois de atravessar uma célula de absorção contendo vapor saturado de sódio. A técnica de absorção foi utilizada nas décadas de 60 e 70, também em nuvens de sódio artificiais lançadas por foguetes (Blamont et al., 1961; Chanin, 1965). Com o surgimento dos lasers, a técnica de absorção passou a ser uma técnica ativa utilizando um laser como fonte de excitação dos átomos de sódio (Blamont et al., 1972; Megie et al., 1978). Esta técnica, apesar da simplicidade, apresentava dificuldades na calibração da célula de absorção e pouca precisão nos valores de temperatura, fatores que contribuíram para a sua substituição.

Em 1979, Gibson et al. (1979) propuseram uma nova técnica para medir a temperatura da região da mesopausa, que consistia em medir o alargamento Doppler do perfil de ressonância dos átomos de sódio, o qual depende sensivelmente da temperatura em que esses átomos se encontram. Para tal foi utilizado um radar de laser com um laser sintonizável e com largura de linha estreita. O experimento consistia em realizar uma varredura em freqüência ao redor da linha D2 do sódio e medir a razão entre o sinal do sódio (82 a 98 km) e o sinal do espalhamento Rayleigh (28 a 30 km), obtendo a temperatura diretamente da medida da largura Doppler do perfil da ressonância dos átomos de sódio. Esta técnica foi utilizada e aperfeiçoada por vários pesquisadores que passaram a medir o sinal do sódio somente em duas freqüências, no pico da linha D2a e no mínimo entre D2a e D2b , obtendo a temperatura da razão entre esses sinais (Frick e von Zhan, 1985; von Zhan et al., 1987; She et al., 1990; Bills et al., 1991; She et al., 1992). No entanto, devido ao alto custo e complexidade do transmissor utilizado nesta técnica, sua possibilidade de uso ficou restrita aos países do primeiro mundo.

No INPE um radar de laser é utilizado desde 1969 (Clemesha & Rodrigues, 1971) atuando principalmente nas medidas de aerossóis estratosféricos por espalhamento Mie e da concentração de sódio mesosférico por espalhamento ressonante (Clemesha & Simonich, 1978; Clemesha, 1984). O estudo da dinâmica da região da mesopausa também tem se desenvolvido a partir da análise das componentes de marés e ondas de gravidade (Batista et al., 1985, 1990) e do extenso conjunto de dados sobre a camada de sódio (Clemesha et al., 1992). Quanto às medidas de temperatura, se limitam à região de 30 a 70 km e são determinadas a partir do perfil de densidade atmosférica obtido pelo espalhamento Rayleigh das moléculas da atmosfera (Batista et al., 1995). Para determinar a temperatura na região da mesopausa, entre 80 e 100 km, foi desenvolvida uma técnica experimental simples que permite determinar o alargamento Doppler da estrutura hiperfina dos átomos de sódio, a partir de pequenas alterações no radar de laser do INPE.

DESCRIÇÃO DA TÉCNICA EXPERIMENTAL

Na região da mesopausa, o perfil ressonante dos átomos de sódio é alargado principalmente pela velocidade dos átomos (efeito Doppler), uma vez que o tempo de vida do estado excitado (da ordem de 10-8 s) é muito menor que o tempo entre colisões (da ordem de 10-3 s). Como a largura Doppler depende da temperatura, as técnicas experimentais partiram para obter a sua medida como uma forma precisa de determinar a temperatura dos átomos de sódio. Uma vez que esses átomos encontram-se em equilíbrio termodinâmico com a atmosfera, a temperatura do sódio é equivalente a temperatura da atmosfera na região da mesopausa. A Fig.1 mostra a influência da temperatura nas componentes hiperfinas do dubleto D do sódio.


Para medir o alargamento Doppler da estrutura hiperfina dos átomos de sódio, é necessário que o laser utilizado no radar seja bastante estável e com largura de linha bem menor que este alargamento. No radar de laser do INPE o transmissor é um laser de corante da Candela, bombeado por lâmpadas de descarga, com largura de banda larga, o que impede a medida direta do alargamento Doppler da estrutura hiperfina. A sintonia e a redução da largura de linha do laser são obtidas com um filtro birrefringente e um interferômetro Fabry-Perot, com "free-spectral-range" de 2 Å, que produz uma largura de linha bem maior que a separação entre as componentes hiperfinas da linha D2 do sódio (0,0198 Å). A Fig.2 mostra um esquema do radar de laser do INPE.


Um conjunto de lentes e espelhos situados no caminho ótico do laser colimam o feixe antes deste seguir para a atmosfera. Uma pequena parte do feixe é desviada para uma esfera de integração com dois furos. Em um deles um fotodiodo mede a luz que é proporcional a energia total do laser. No outro furo a luz que escapa atinge uma célula de espalhamento preenchida com vapor de sódio e mantida na temperatura de 385 K. A luz espalhada pela célula de espalhamento com vapor de sódio é medida por uma fotomultiplicadora que fornece a energia do laser dentro da linha D2 do sódio. A razão entre a energia na linha de ressonância (chamada de energia B), medida pela fotomultiplicadora após a célula de espalhamento, e a energia total do laser (chamada de energia A), medida pelo fotodiodo, é monitorada ao longo de todo o experimento permitindo observar variações no espectro do laser. A radiação que retorna da atmosfera passa pelo receptor ótico onde é colimada em um diâmetro de 13 mm e filtrada por um filtro de interferência com largura de banda de 7 Å. Uma lente converge o feixe para um divisor de feixe que envia 99% da luz para uma fotomultiplicadora de alta sensibilidade e 1% para uma de baixa sensibilidade. Um obturador sincronizado com os disparos do laser impede que o intenso espalhamento até 10 km de altura atinja as fotomultiplicadoras. Com as duas fotomultiplicadoras é possível medir simultaneamente o sinal entre 10 e 25 km, na de baixa sensibilidade, e o sinal acima de 25 km na de alta sensibilidade. Os sinais das fotomultiplicadoras são amplificados e armazenados em um analisador digital multicanal com 2048 canais para cada fotomultiplicadora. Cada canal abre e fecha numa seqüência programada que permite uma resolução em altura de 250 m, iniciando em 0 m.

Para diminuir a largura de linha do laser Candela de forma a medir o alargamento Doppler seria necessário utilizar outros elementos de sintonia que causam oscilações em múltiplos comprimentos de onda e que requerem complexos sistemas de controle. Uma solução mais simples foi produzir um espectro com várias linhas cuja separação é a mesma da estrutura hiperfina da linha D2 do sódio. Para isso, o espelho de saída do laser Candela foi substituído por um interferômetro Fabry-Perot, com "free-spectral-range" de 0,0198 Å, que produz o espectro desejado. A Fig.3 mostra o espectro do laser com o Fabry-Perot, sobreposto a estrutura hiperfina da linha D2 do sódio.


O Fabry-Perot é envolvido por uma jaqueta térmica que possibilita variar a sua temperatura e deslocar as linhas de interferência dentro da estrutura hiperfina. Como a separação das linhas é a mesma da estrutura hiperfina, em certos momentos os máximos estão em fase e em outros fora de fase. Quando o máximo do espectro do laser coincide com o máximo do espectro do sódio, o sinal medido pelo radar também atinge um máximo. E quando o máximo do espectro do laser coincide com o mínimo do espectro do sódio, o sinal medido pelo radar atinge um mínimo.

A intensidade do perfil ressonante da linha D2 do sódio pode ser aproximada por uma função gaussiana dada por:

(1)

onde:

• DlNa = (2kTl2a2/mc2) 1/2 é a largura Doppler das componentes hiperfinas da linha D2 do sódio, onde k é a constante de Boltzman, T é a temperatura dos átomos de sódio, m é a massa atômica do sódio e c é a velocidade da luz,

• I2a e I2b correspondem as intensidades das componentes hiperfinas D2a e D2b, respectivamente,

• l2a é o comprimento de onda central de D2a ,

• l2b é o comprimento de onda central de D2b .

A intensidade do espectro do laser com o Fabry-Perot é uma função com muitas linhas que pode ser aproximada por:

(2)

onde:

• I0 é a intensidade máxima do espectro do laser,

• DlLaser é a largura de linha do envelope do espectro do laser,

• l' é o comprimento de onda relativo que indica a posição do máximo do espectro do laser dentro da estrutura hiperfina,

• n é o número de linhas de interferência ,

• f é o "free-spectral-range" do Fabry-Perot,

• DlLinha é a largura de linha de cada linha de interferência.

Quando a separação entre as placas do Fabry-Perot muda devido à variação da temperatura, as linhas de interferência se deslocam dentro da estrutura hiperfina do sódio. Assim, o comprimento de onda relativo l' vai se alterando, de forma que a resposta obtida pelo radar é dada pela integral em l' do produto entre a intensidade da ressonância do sódio e a intensidade do espectro do laser, ou seja, é a convolução entre essas duas funções.

(3)

A Fig. 4 mostra a resposta do radar de laser em função do comprimento de onda relativo para três valores de temperatura dos átomos de sódio.

Figura 4 -
Resposta do radar de laser em função do comprimento de onda relativo para três temperaturas dos átomos de sódio.
Figure 4 - Response of lidar in function of the relative wavelength for three temperatures of sodium atoms.

Como pode ser visto na Fig. 4, o valor mínimo da resposta obtida pelo radar varia sensivelmente com a temperatura em que os átomos de sódio se encontram. Assim, a partir da razão entre a resposta do radar de laser no ponto de mínimo e no ponto de máximo é possível determinar esta temperatura, comparando esta razão com a razão teórica obtida pela Eq. (3). Nesta equação, a largura de linha do laser e a temperatura atmosférica são os parâmetros desconhecidos que são determinados seguindo a maneira descrita no tópico seguinte.

DESCRIÇÃO DOS EXPERIMENTOS

Nos experimentos para determinar a temperatura da região da mesopausa, a temperatura do Fabry-Perot foi elevada continua e suavemente durante todo o tempo de medida, resultando numa variação de aproximadamente 15 K. Para cada valor de temperatura do Fabry-Perot foram associados 1000 disparos do laser, formando um perfil. Os perfis associados com os primeiros valores de temperatura do Fabry-Perot foram inutilizados devido ao comportamento transiente do controlador de temperaturas, e aqueles associados com os últimos também devido ao desalinhamento do Fabry-Perot com o aumento da temperatura.

Os dados brutos foram obtidos dos canais do analisador digital multicanal. O primeiro passo na análisa desses dados foi associar a cada canal uma altura na atmosfera. Daqueles correspondentes à região da camada de sódio foi subtraído o ruído e feita uma média móvel a cada 3 km, para melhorar a estatística. Como a transmissão da atmosfera não é bem conhecida ao longo de toda a atmosfera, os dados da camada de sódio foram normalizados em relação aos dados do espalhamento Rayleigh, médio, entre 30 e 32 km de altura, também com o ruído subtraído. A razão entre os dados da camada de sódio e os dados do espalhamento Rayleigh em 30 km (Sinal Sódio/Sinal Rayleigh 30 km), para cada perfil de 1000 disparos do laser, é associada com a temperatura do Fabry-Perot medida após cada perfil. Dessa associação resulta uma função que descreve a resposta da atmosfera em determinadas alturas dentro da camada de sódio. Essa função segue o comportamento da Eq. 3, isto é, a convolução entre o espectro do laser com o Fabry-Perot e o espectro da linha D2 do sódio. A razão entre a energia do laser dentro e fora da linha D2 do sódio (Energia B/A), é medida após cada perfil de 1000 disparos do laser e também associada com a temperatura do Fabry-Perot neste momento, fornecendo a resposta da célula de espalhamento ao longo de todo o experimento. As Figs. 5 e 6 mostram as respostas da célula de espalhamento e da atmosfera, respectivamente, para um experimento realizado na noite de 28/08/95.



    Com as respostas da célula de espalhamento e da atmosfera, a temperatura atmosférica pode ser obtida a partir da medida direta da amplitude da função que descreve cada resposta, pois como já foi visto, esta amplitude depende da temperatura em que os átomos de sódio se encontram. No entanto, como essas respostas apresentaram irregularidades, foi impossível medir a amplitude de cada resposta diretamente. Alguns fatores inerentes à própria técnica desenvolvida contribuíram para essas irregularidades:

    - tempo de medida relativamente longo possibilitando a medida de possíveis variações na densidade de sódio;

    - instabilidades no Fabry-Perot devido às mudanças na pressão interna ou ao desalinhamento das placas com a variação de temperatura;

    - imprecisões na calibração da célula de espalhamento;

    - variações no espectro do laser devido à degradação do corante com o número de disparos;

    - comportamento transiente do controlador de temperatura do Fabry-Perot.

    Com isso foi preciso utilizar um cálculo diferencial para determinar a amplitude das funções que descrevem as respostas da célula de espalhamento e da atmosfera. Como a temperatura da célula de espalhamento é conhecida, a largura de linha do laser pode ser determinada a partir da amplitude da função que descreve a resposta da célula de espalhamento. Com a amplitude da função que descreve a resposta da atmosfera é possível saber os valores no máximo e no mínimo dessa função. Assim, a razão entre esses valores no mínimo e no máximo, medidos com o radar, é comparada com a mesma razão teórica dada pela Eq. (3), na qual a temperatura é ajustada até que os resultados sejam os mesmos.

    Este procedimento foi feito para todas as alturas dentro da camada de sódio, fornecendo assim o perfil de temperatura da atmosfera nessa região. A incerteza nos valores da temperatura foi obtida a partir da propagação de erros da amplitude da função que descreve a resposta da célula de espalhamento e da atmosfera. A Fig. 7 mostra o perfil de temperatura assim obtido para o experimento de 28/08/95.

    Figura 7 -
    Perfil de temperatura atmosférica na região da mesopausa obtido com o experimento de 28/08/95 das 19:02 às 19:36 (hora local).
    Figure 7 - Atmospheric temperature profile in the mesopause region obtained with the experiment of 08/28/95 of the 19:02 to 19:36 (local time).

    No pico da camada, a precisão das medidas foi da ordem de 5%, enquanto que no topo e na base foi da ordem de 7%. Apesar da pouca precisão nos valores absolutos, os valores relativos foram consistentes. Em ~90 km foi observada uma inversão no gradiente de temperatura que levou à formação de dois mínimos locais de temperatura, o que tem sido observado em outros locais da Terra e considerado como uma característica da região da mesopausa.

    Visando melhorar a precisão desta técnica, o interferômetro Fabry-Perot foi substituído por um outro com o mesmo "free-spectral-range" mas com um controle de sua pressão interna. Um sistema de vácuo acoplado ao Fabry-Perot permite variar a sua pressão interna com rapidez e prrecisão entre 10 e 30 mbar. Este Fabry-Perot, que foi importado com o auxílio de um projeto da FAPESP, muito mais estável, com placas contactadas oticamente em um espaçador de zerodur, possibilita uma mudança mais rápida do comprimento de onda do laser, o que é importante por dois motivos:

    - por separar os efeitos das variações temporais na distribuição vertical do sódio mesosférico dos efeitos da variação do comprimento de onda do laser;

    - por evitar os efeitos das variações do espectro do laser provocadas pela degradação do corante.

    Com esses efeitos minimizados, a precisão nas medidas de temperatura é melhorada.

    Para determinar os valores de pressão correspondentes aos pontos de máximo e de mínimo na resposta do radar, foi feita uma varredura da pressão e medida a resposta da célula de espalhamento. A Fig. 8 mostra este procedimento.

    Figura 8 -
    Resposta da célula de espalhamento para uma varredura da pressão do Fabry-Perot.
    Figure 8 - Response of the scattering cell for a sweeping in the pressure of the Fabry-Perot.

    Com esses valores determinados, o experimento consiste em tirar perfis de 1000 disparos do laser, alternadamente nos pontos de máximo e de mínimo. Com três medidas ao redor desses pontos é feito um ajuste de uma parábola que permite determinar precisamente os valores da resposta do radar no máximo e no mínimo. A razão entre a resposta da atmosfera no mínimo e no máximo é suficiente para fornecer a temperatura da atmosfera, a partir da comparação com a razão teórica obtida da Eq. (3), onde a temperatura é o parâmetro de ajuste. A precisão nos valores da temperatura é obtida da propagação dos erros nos valores de máximo e de mínimo, e na largura de linha do laser, que é determinada a partir da resposta da célula de espalhamento, uma vez que sua temperatura é conhecida. A Fig. 9 mostra um perfil de temperatura obtido com o Fabry-Perot controlado por pressão num experimento realizado em 17/10/96.

    Figura 9 -
    Perfil de temperatura atmosférica em 17/10/96 das 21:18 às 23:57 (hora local).
    Figure 9 - Temperature profile obtained in 10/17/96 of 21:18 to 23:57 (local time).

    O perfil de temperatura da Fig. 8 mostra valores relativos bastante confiáveis, apesar do erro nos valores absolutos não ter diminuído muito (4% no pico da camada). Novamente, é observada uma inversão no gradiente de temperatura entre 90 e 93 km, mas devido à baixa precisão das medidas no topo da camada neste experimento, não é possível afirmar sobre à formação de dois mínimos locais de temperatura. Este erro maior do que o esperado foi devido às grandes variações que ocorreram na densidade de sódio nesta noite. A Fig. 10 mostra a seqüência de perfis da densidade de sódio, normalizada pela densidade atmosférica em 30 km, obtidos durante o experimento de 17/10/96.

    Figura 10 -
    Perfis da densidade de sódio normalizada pela densidade atmosférica em 30 km para o experimento de 17/10/96.
    Figure 10 - Profiles of sodium density normalized to atmospheric density in 30 km for the experiment of 10/17/96.

    CONCLUSÃO

    A realização deste trabalho foi de grande importância pois marcou o início das medidas de temperatura na região da mesopausa com o radar de laser do INPE. O desenvolvimento do novo método experimental reuniu simplicidade e eficiência superando os obstáculos inerentes à área de pesquisa experimental e atingindo os objetivos propostos.

    Apesar da pouca precisão nos valores absolutos da temperatura, a forma do perfil de temperatura, ou seja, os valores relativos são bastante confiáveis. Uma característica interessante que foi observada nos perfis de temperatura foi a inversão do gradiente de temperatura que passou a ser positivo em um intervalo de alturas e levou à formação de dois mínimos locais de temperatura. Vale ressaltar que esta inversão tem sido observada em outros locais da Terra e que tem tornado uma característica particular do perfil de temperatura na região da mesopausa.

    Uma das causas da pouca precisão nas primeiras medidas foi o próprio interferômetro Fabry-Perot, que foi construído com placas de baixa qualidade. O ajuste do paralelismo das placas era muito rudimentar e se perdia após ~10 K de variação na temperatura. Como era feita uma varredura em temperatura, o experimento durava em média trinta minutos, tempo suficiente para que ocorressem mudanças na densidade de sódio atmosférico.

    Visando otimizar as medidas da temperatura foi proposto utilizar um Fabry-Perot com controle de sua pressão interna, que permite mudar o comprimento de onda do laser mais rapidamente entre o máximo e o mínimo da estrutura hiperfina do sódio. Assim foi possível determinar com mais precisão a largura Doppler da estrutura hiperfina e conseqüentemente a temperatura atmosférica.

    AGRADECIMENTOS

    À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por financiar o aprimoramento da técnica desenvolvida e a conclusão deste trabalho.

    Submetido em: 04/04/97

    Revisado pelo(s) autor(es) em: 20/07/97

    Aceito em: 25/07/97

    TEMPERATURE PROFILE IN THE MESOPAUSE REGION AT SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (23o S, 46o W) OBTAINED WITH LIDAR

    This paper is about the acquisition of temperature profile between 80 and 100 km, in the mesopause region. It is based on the development and improvement of a simple experimental technique that enable to determine the atmospheric temperature using a lidar and the physical properties of the mesopheric sodium. The technique consist in tune de dye laser of the lidar in the D2 line of the sodium (5890 Å) and substitute the output mirror of the laser for a Fabry-Perot interferometer which has the free-spectral-range of 0.0198 Å, same value of the separation between the hyperfines components of the D2 line.

    Initially, a temperature controller permits to vary the Fabry-Perot temperature and to do a wavelength sweeping in the hyperfine structure of the sodium. A convolution between the laser spectrum and the sodium resonance profile is done during this sweeping to obtain the Doppler width of the hyperfine structure and consequently the temperature of the sodium atoms. Since, in the mesopause region the sodium atoms are in the thermodinamic equilibrium with the atmosphere, the sodium temperature is equivalent to the atmosphere temperature. With this Fabry-Perot controlled by temperature some experiments were realized to determine the atmospheric temperature in the mesopause region. The temperature profile of the 08/28/95 is showed as a result of one of these experiments. The accuracy of the measurements was ~5%, in the centre of the sodium layer, and ~7% in the top and botton of the sodium layer, mainly due the slowness of the temperature sweeping.

    Subsequently, to improve the accuracy of the tecnique, a pressure acanned Fabry-Perot was implemented to change the laser wavelength between te maximun and the minimun of the hyperfine structure more quickly. This new Fabry-Perot was constructed with plates of high quality, optically contacted in a zerodur spacer. In this way, one experiment was realized in 10/17/96, and provided the temperature profile in the mesopause region with accuracy of ~4%.

    NOTAS SOBRE OS AUTORES

    NOTES ABOUT THE AUTHORS

    Maria Paulete Pereira Martins Jorge

    Bacharelado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) em 1986, Mestrado em Técnologia Nuclear Básica pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN) em 1991 e Doutorado em Geofísica Espacial pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em 1996. Atualmente como bolsista de Pós-Doutorado, pela FAPESP, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). As áreas de interesse são a física e a química da atmosfera, radar de laser e alterações no meio ambiente devido à influência do homem.

    Barclay Robert Clemesha

    Barclay Clemesha obteve seu BS na Universidade de Londres em 1957 e seu doutorado na Unversidade das Índias Ocidentais em 1968. Ele trabalhou em física da ionosfera no "University College, Ibadan, Nigéria, entre 1957 e 1960, e na "University of Ghana, Accra, Ghana, entre 60 e 63. O Clemesha começou a trabalhar com radar de laser na Universidade das Índias Ocidentais em 1963, e mudou-se para o Brasil em 1968. Seus interesses atuais incluem o estudo da química e física da alta atmosfera, utilizando radar de laser, experimentos a bordo de foguetes e luminescência atmosférica.

    Paulo Prado Batista

    Dr. Paulo Prado Batista graduou-se em Física pela UFGo em 1972. Em 1973 ingressou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) onde obteve o mestrado em Ciência Espacial em 1977 e o doutorado em 1983. Atualmente é pesquisador titular e suas áreas de interesse são a dinâmica da média atmosfera, a interação de ondas atmosféricas com a aeroluminescência e estudos da alta atmosfera com radar de laser.

    Dale Martin Simonich

    Graduação e mestrado na Marquette University, Milwaukee, WI. USA em 63 e 65. Ph. D. na University of Illinois at Urbana Champaign, Urbana, IL USA em 71. Pesquisador Associado na University of Illinois em 1971. Ingressou no INPE, São José dos Campos, Brasil, em 1972. Atualmente está como Pesquisador Titular. Interesses são aerossois estratoesféricos, dinâmica e química da alta atmosfera usando lidar, temperatura atmosférica usando lidar e experimentos em foguetes.

  • BATISTA, P P, CLEMESHA, B R, SIMONICH, D M & KIRCHHOFF, V W J H - 1985 - Tidal oscilations in the atmospheric sodium layer. J. Geophy. Res., 90 (D2): 3881-3888.
  • BATISTA, P P, CLEMESHA, B R & SIMONICH, D M - 1990 - Seasonal variations in mesospheric tidal activity. J. Geophys. Res., 95 (D6): 7435-7442.
  • BATISTA, P P, CLEMESHA, B R & SIMONICH, D M - 1995 - Observations of atmospheric density and temperature between 35 e 70 km by Rayleigh lidar at Săo José dos Campos, SP. Rev. Bras. Geof., 13 (1): 15-23.
  • BILLS, R E, GARDNER, C S & FRANKE, S J - 1991 - Na Doppler/temperature lidar: initial mesopause region observations and comparison with the Urbana medium frequency radar. J. Geophy. Res., 96 (D12): 22701-22707.
  • BLAMONT, J E, DONAHUE, T M & LORY, M L - 1961 - Measurements of the temperature in the upper atmosphere to 150 km in a rocket experiment. Phys. Rev. Lett., 6 (8): 403-404.
  • BLAMONT, J E, CHANIN, M-L & MEGIE, G - 1972 - Vertical distribution and temperature profile of the night time atmospheric sodium layer obtained by laser backscatter. Ann. Geophysique, 28 (4): 833-838.
  • BRICARD, J & KASTLER, A - 1944 - Recherches sur la radiation D du sodium dans la lumičre du ciel crépusculaire et nocturne. Ann. Geophysique, 1 (1): 53-91.
  • CHANIN, M-L - 1965 - Structure Physique des raies de résonance émises par un nuage articiel d'alcalins et mesure de la température de l'ionosphčre. Ann. Géophysique, 21 (3): 303-346.
  • CLEMESHA, B R - 1984 - Lidar studies of alkali metals. Handbook of MAP, 13: 99-112.
  • CLEMESHA, B R & Rodrigues, S N - 1971 - The stratospheric scattering profile at 23oS. J. Atmos. Terr. Phys., 33 (7): 1119-1123.
  • CLEMESHA, B R & SIMONICH, D M - 1978 - Stratospheric dust measurements 1970-1977. J. Geophys. Res., 83 (C5): 2403-2408.
  • CLEMESHA, B R, SIMONICH, D M, TAKAHASHI, H, BATISTA, P P & SAHAI, Y - 1992 - The annual variation of the height of the atmospheric sodium layer at 23oS: possible evidence for convective transport. J. Geophys. Res., 97 (D5): 5981-5985.
  • FRICK, K H & VON ZHAN, U - 1985 - Mesopause temperatures derived from probing the hyperfine structure of the D2 resonance line of sodium by lidar. J. Atmos. Terr. Phys., 47 (5): 499-512.
  • GIBSON, J A, THOMAS, L & BHATTACHARYYA, S K - 1979 - Laser observations of the ground-state hyperfine structure of sodium and of temperature in the upper atmosphere. Nature, 281 (13): 131-132.
  • MEGIE, G, CHANIN, M L, TULINOV, G Y & DOUDOLADOV, Y P - 1978 - High latitude measurements of the atomic sodium concentration and neutral temperature at the mesopause level by the lidar technique. Planet. Space Sci., 26: 509-511.
  • ROBLE, R G & DICKINSON, R E - 1989 - How will changes in carbon dioxide and methane modify the mean structure of the mesosphere and thermosphere? Geophys. Res. Lett., 16 (12): 1441-1444.
  • SHE, C Y, LATIFI, H, YU, J R, ALVARES II, R J, BILLS, R E & GARDNER, C S - 1990 - Two-frequency lidar technique for mesospheric Na temperature measurements. Geophys. Res. Lett., 17 (7): 929-932.
  • SHE, C Y, YU, J R, LATIFI, H & BILLS, R E - 1992 - High-spectral-resolution fluorescence light detection and ranging for mesospheric sodium temperature measurements. Appl. Opt., 31 (12): 2095-2106.
  • SIMONICH, D M , CLEMESHA, B R & KIRCHHOFF, V W J H - 1979 - The mesospheric sodium layer at 23 °S: nocturnal and seasonal variations. J. Geophys. Res. 84 (A4): 1543-1550.
  • THOMAS, G E, OLIVERO, J J, JENSIN, E J, SCHROEDER, W & TOON, O B - 1989 - Relation between increasing methane and the presence of ice clouds in the mesosphere. Nature, 338 (6215): 490-492.
  • VON ZHAN, U, FRICK, K H, GERNDT, R & BLIX, T - 1987 - Mesospheric temperatures and the OH layer height as derived from ground-based lidar and OH* spectrometry. J. Atmos. Terr. Phys., 49 (7/8): 863-869.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2001
  • Data do Fascículo
    Jul 1997

Histórico

  • Aceito
    25 Jul 1997
  • Revisado
    20 Jul 1997
  • Recebido
    04 Abr 1997
Sociedade Brasileira de Geofísica Av. Rio Branco, 156, sala 2510, 20043-900 Rio de Janeiro RJ - Brazil, Tel. / Fax: (55 21) 2533-0064 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbgf@sbgf.org.br