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Aplicação de ensaios de resistividade na caracterização do Sistema Aquífero Barreiras / Marituba em Maceió - AL

Resumos

A caracterização do Sistema Aquífero Barreiras / Marituba, maior fonte de abastecimento de água da cidade de Maceió, capital de Alagoas, Brasil, é importante para fornecer subsídios para uma utilização racional e sustentável desse recurso. O arcabouço tectônico e estratigráfico da área construído por meio de perfis de poços, análise de elementos estruturais e mapeamento geológico propõe um modelo com uma série de grabens e horsts. Com o objetivo de confirmar a presença de estruturas delimitando blocos estruturais e refinar o modelo foram realizados ensaios de sondagem elétrica vertical e caminhamento elétrico dipolo-dipolo. Os resultados dos ensaios geofísicos confirmaram a existência de zonas mais condutoras, que caracterizam as zonas de falhas normais que delimitam os blocos estruturais. A integração dos dados geológicos e estruturais aos resultados geofísicos confirmaram a existência de um modelo estrutural com blocos escalonados, que influenciam fortemente o comportamento do sistema águas subterrâneas.

Maceió; águas subterrâneas; resistividade; modelagem 2D


The characterization of Barreiras/Marituba Aquifer System, the major source of water supply of Maceió City, Alagoas State, Brasil, is an important way to support a sustainable usage and management of groundwater. The tectonic and stratigraphycal framework that was built using well logs, surface geological information and analysis of structural elements indicate a model with a series of grabens and horsts structures. To check and calibrate this geological model vertical electrical soundings and dipole-dipole electrical profiling were performed. The results of the geophysical survey confirmed the existence of conductive zones, that characterize the zones of normal faults delimiting the structural blocks. The integration of geological and structural data demonstrates the structural blocks geometry constraining the aquifer behavior.

Maceió; groundwater; resistivity; 2D modelling


Aplicação de ensaios de resistividade na caracterização do Sistema Aquífero Barreiras / Marituba em Maceió - AL

Vagner Roberto ElisI; Carlos Maurício Rocha BarrosoII; Chang Hung KiangIII

IDepartamento de Geofísica, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo - IAG/USP, Rua do Matão, 1226 - CEP: 05508-900 São Paulo - SP. Fone: (11) 3091 4749; Fax: (11) 3091 5034 - E-mail: vagnelis@iag.usp.br

IICentro de Ciências Exatas e Naturais, Universidade Federal de Alagoas - CCEN/UFAL, BR 104 - Norte, Km 97, Tabuleiro dos Martins - CEP: 57072-970 Maceió - AL. Fone: (82) 322 2301; Fax: (82) 322 2345 - E-mail: cmrb@fapeal.br

IIIInstituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista - IGCE/UNESP, Av. 24-A, 1515 - Bela Vista - Cx. Postal 178 - CEP: 13506-900 Rio Claro - SP. Fone: (19) 3526 2814; Fax: (19) 3534 0327 - E-mail: chang@rc.unesp.br

RESUMO

A caracterização do Sistema Aquífero Barreiras / Marituba, maior fonte de abastecimento de água da cidade de Maceió, capital de Alagoas, Brasil, é importante para fornecer subsídios para uma utilização racional e sustentável desse recurso. O arcabouço tectônico e estratigráfico da área construído por meio de perfis de poços, análise de elementos estruturais e mapeamento geológico propõe um modelo com uma série de grabens e horsts. Com o objetivo de confirmar a presença de estruturas delimitando blocos estruturais e refinar o modelo foram realizados ensaios de sondagem elétrica vertical e caminhamento elétrico dipolo-dipolo. Os resultados dos ensaios geofísicos confirmaram a existência de zonas mais condutoras, que caracterizam as zonas de falhas normais que delimitam os blocos estruturais. A integração dos dados geológicos e estruturais aos resultados geofísicos confirmaram a existência de um modelo estrutural com blocos escalonados, que influenciam fortemente o comportamento do sistema águas subterrâneas.

Palavras-chave: Maceió, águas subterrâneas, resistividade, modelagem 2D.

ABSTRACT

The characterization of Barreiras/Marituba Aquifer System, the major source of water supply of Maceió City, Alagoas State, Brasil, is an important way to support a sustainable usage and management of groundwater. The tectonic and stratigraphycal framework that was built using well logs, surface geological information and analysis of structural elements indicate a model with a series of grabens and horsts structures. To check and calibrate this geological model vertical electrical soundings and dipole-dipole electrical profiling were performed. The results of the geophysical survey confirmed the existence of conductive zones, that characterize the zones of normal faults delimiting the structural blocks. The integration of geological and structural data demonstrates the structural blocks geometry constraining the aquifer behavior.

Keywords: Maceió, groundwater, resistivity, 2D modelling.

INTRODUÇÃO

O crescente aumento da urbanização e desenvolvimento agrícola e industrial, aliados à escassez de recursos hídricos superficiais, resultou no uso cada vez maior das águas subterrâneas pela cidade de Maceió, capital do Estado de Alagoas. Os recursos hídricos de subsuperfície, que estão relacionados ao sedimentos da Bacia de Sergipe - Alagoas, apresentam, em sua maior parte, bom potencial e água de boa qualidade. No entanto, a exploração rudimentar e desordenada, sem o conhecimento hidrogeológico necessário para a utilização racional do aquífero, juntamente com processos de poluição por resíduos domésticos e industriais, têm dado margem ao surgimento de problemas de contaminação e salinização. Esse quadro mostra a necessidade de estudo e determinação das características do aquífero, para orientar e racionalizar sua exploração.

Uma primeira sistematização dos dados disponíveis em perfis de poços perfurados, aliada aos conhecimentos existentes sobre a estratigrafia e estruturação da bacia, sugere um forte controle estrutural para o sistema, com a existência de blocos escalonados formando grábens e horsts. No entanto, para a elaboração de um modelo mais preciso e confiável, com a confirmação da existência e definição das posições das estruturas, que será capaz de servir como embasamento para orientar o uso racional do aquífero, pode-se lançar mão de uma ferramenta versátil e de baixo custo: o método da eletrorresistividade. Dessa forma, a utilização de ensaios de sondagem e caminhamento elétrico possibilitou obter informações sobre a estratigrafia e posição da zona saturada em locais com carência de informações diretas e a confirmação da existência de zonas de falha delimitando blocos estruturais.

CARACTERÍSTICAS FISIOGRÁFICAS

A cidade de Maceió, capital do Estado de Alagoas, está localizada no Nordeste brasileiro, em local de clima tropical úmido, com temperatura elevada durante todo o ano, com chuvas de inverno e verão seco com raras precipitações. É banhada pelo Oceano Atlântico a sul e a leste e a oeste e sudoeste pela Lagoa de Mundaú e seus canais que se comunicam com o oceano. Os cursos d'água existentes são de curta extensão, com vales estreitos e caráter temporário, tendo normalmente suas margens ocupadas por população de baixa renda. Isso confere à cidade um baixo potencial hídrico de superfície, agravado pela condição dessas drenagens serem utilizadas como corpos receptores de lixo e efluentes sanitários, de forma que o abastecimento de água pelos mananciais subterrâneas torna-se de grande importância.

Existem duas unidades geomorfológicas bem definidas: os tabuleiros e a planície litorânea.

Os tabuleiros representam a unidade mais característica da costa alagoana, sendo constituídos pela Formação Barreiras, com espessura na área em torno de 100 metros. Essa unidade atinge as cotas topográficas de 20 até 100 metros, mostrando uma ligeira inclinação no sentido do oceano, tendo seu limite com a planície quaternária marcado por falésias.

A planície litorânea ocorre em toda a linha de costa, sendo representada por uma faixa de largura variável, de centenas de metros até alguns quilômetros. Sobre essa feição desenvolveram-se terraços marinhos, recifes de coral e algas, arenito de praia, dunas fixas e depósitos de pântanos e mangues.

CONTEXTO GEOLÓGICO E HIDROGEOLÓGICO DA ÁREA

A área de estudo está localizada na Bacia Sedimentar de Sergipe - Alagoas, de idade neocretácea - terciária, que se estende na faixa costeira desses dois estados na direção NE/SW, sendo cerca de 1/3 emersa e 2/3 submersa. De acordo com Feijó (1994) é uma bacia marginal do tipo margem passiva relacionada à abertura do Oceano Atlântico e tem uma história geológica que engloba quatro fases tectônico - sedimentares principais: fases pré - rift, rift, proto - marinha evaporítica de transição e marinha franca. Dessa forma, uma forte atividade tectônica afetou a área desde o começo da separação entre a América do Sul e a África, com o desenvolvimento de uma série de semi - grabens resultantes de um sistema de falhas normais de direção NE-SW. Localmente, como feição tectono - estrutural, destaca-se o Gráben de Alagoas, contendo em seu interior o alto estrutural secundário conhecido como Horst de Maceió, ou Horst do Tabuleiro do Martins, de direção geral NE-SW, no qual está inserida a área de estudo.

Quatro unidades lito-estratigráficas que ocorrem nessa área constituem aquíferos: Formação Maceió, Formação Marituba, Formação Barreiras (estas três pertencentes à Bacia de Sergipe-Alagoas) e os sedimentos de praia e aluviões quaternários.

A Formação Maceió pertence ao Grupo Coruripe (Cretáceo) que é caracterizado por sedimentos clásticos e evaporitos correspondentes às fases rift e transicional da Bacia de Alagoas. Essa unidade, constituída por intercalações de arcósio fino a grosso de cor castanha, folhelho betuminoso castanho com intercalações de anidrita e dolomita e camadas de halita, ocorre em faixa com largura de 3 km a sul da área. Cavalcante et al. (1996), estudando os aquíferos litorâneos de Maceió, reportam uma espessura entre 59 e 120 metros para essa formação e valores de transmissividade de 7,35 × 10-4 m/s e condutividade hidráulica de 3,67 × 10-5 m/s.

A Formação Marituba pertence ao Grupo Piaçabuçu, que está assentado sobre a sequência carbonática da bacia (Grupo Sergipe, depositado posteriormente ao Grupo Coruripe). Essa unidade é constituída por arenito médio a grosso cinzento, depositada por leques costeiros do final do Cretáceo ao Holoceno. Essa unidade é constituída por arenitos médios a grossos cinzentos com ocorrência, quase sempre no topo, de argila cinza a esverdeada. Essa unidade ocorre apenas em subsuperfície na área, tendo uma espessura estimada em 400 metros. É considerada como um aquífero semi-confinado com valores de transmissividade variando de 8,99 × 10-4 a 1,92 × 10-2 m/s e condutividade hidráulica entre 3,85 × 10-5 e 8,8 × 10-4 m/s (Cavalcante, 1975; Ferreira Neto et al., 2002).

A Formação Barreiras é constituída por sedimentos clásticos arenosos com intercalações de argilas e siltes de colorações variadas depositados já em ambiente continental no final do Terciário e início do Quaternário. Essa unidade recobre quase toda a área, com espessura máxima de 130 metros ao norte. Caracteriza um aquífero livre limitado na base por uma camada argilosa do topo da Formação Marituba. De acordo com análise estatística realizada por Cavalcante et al. (1992), 87% dos poços perfurados nesse aquífero apresentam transmissividade entre 10-5 e 10-2 m/s e condutividade hidráulica maior que 10-5 m/s.

Os sedimentos de praia e aluviões são característicos da deposição marinha, fluvial e eólica da planície costeira quaternária. Apesar de apresentarem espessuras de até 45 metros, não apresentam interesse hidrogeológico por fornecerem baixas vazões e estarem comprometidos, em grande parte, pela invasão de águas salgadas. Na região litorânea e nas margens da Lagoa Mundaú existem poços tipo ponteira e cacimbas com profundidade média de 5 metros que exploram vazões de 0,5 a 1,0 m3/h.

Dentro desse contexto, fica evidente que os aquíferos Barreiras e Marituba constituem os mais importantes sistema de captação de água subterrânea, em função de seu potencial armazenador e de sua ampla distribuição na área.

ANÁLISE ESTRUTURAL

A análise estrutural nas geociências pode ser realizada a partir de dados resultantes da análise de aero-fotos, imagens de radar e imagens de satélite (Vieira, 1998). Neste trabalho foram utilizadas informações de cartas topográficas 1:50.000 e fotografias aéreas da área de estudo para traçado de estruturas lineares possivelmente associadas a estruturas rúpteis da área. O resultado mostrou duas direções principais das estruturas, sendo uma NW-SE, compatível com a direção das falhas normais associadas ao processo de separação continental e outra direção aproximadamente perpendicular à primeira, ou seja, NW-SE. Essa segunda família de estruturas pode estar associada a falhas de alívio. De acordo com Destro (1995), tais falhas ocorrem para aliviar as forças de tensão acumuladas no bloco baixo da falha principal. As direções dos lineamentos estruturais traçados neste trabalho são compatíveis com as direções encontradas pelo autor acima citado para outras regiões da Bacia de Sergipe - Alagoas.

O traçado dos lineamentos estruturais associado a informações obtidas em dados relativos a 198 poços existentes na área de estudo, possiblitou estudar a estratigrafia de subsuperfície, o comportamento do nível estático no sistema aquífero e, através da sistematização e cruzamento dessas informações, estabelecer um modelo estrutural para o sistema. Tomando-se como guia a camada argilosa do topo da Formação Marituba, pode-se estabelecer um modelo de blocos estruturais cujos limites são definidos pelos lineamentos traçados. Desta forma foi possível sugerir cinco grupos de ocorrência destes blocos, de acordo com a cota aproximada do topo da Formação Marituba encontrado em cada bloco. Na Figura 1, podem ser visualizados os limites destes blocos.


Um perfil estratigráfico construído com base em informações de alguns desses poços na direção NW-SE possibilita a observação do controle estrutural do sistema através da variação da profundidade do topo da Formação Marituba. O perfil A - B apresentado na Figura 2 mostra claramente o sistema de falhas normais e o nível do Aquífero. A localização desse perfil é apresentada no mapa da Figura 1.


A análise dos dados de perfis de poços sugere que existe uma influência desse sistema de falhas no comportamento do aquífero, como pode ser observado no mapa da superfície potenciométrica do aquífero Barreiras (Figura 3). O fluxo, na maior parte da área, se comporta dentro de um padrão que pode ser considerado normal, em direção à Lagoa Mundaú (de NE para SW) e ao oceano (de N para S e de NW para SE). No entanto, existe uma direção de fluxo de W para E, que pode ser considerada anômala, indicando haver um controle estrutural local. Esse fato sugere que o alto estrutural observado no perfil estratigráfico pode ser importante no controle do sistema de águas subterrâneas, impondo um desvio do fluxo.


METODOLOGIA

O estudo dos dados obtidos através dos perfis de poços existentes indica um controle estrutural importante no Aquífero Barreiras. Através desse dados, pode ser inferido um conjunto de falhas normais em um sistema de grabens e horts no local. Nesse caso, a aplicação de metodologia geofísica pode representar uma ferramenta importante para confirmar esse modelo, buscando evidências para localizar as zonas de falha e também fornecer dados sobre a estratigrafia e profundidade da zona saturada em áreas onde não existem informações diretas. Essas informações podem ser obtidas com o método da eletrorresistividade, através de ensaios de sondagem elétrica e caminhamento elétrico. Na Figura 1 podem ser observados os limites dos blocos estruturais definidos através das informações obtidas nos poços tubulares sobre a cota do topo da Formação Marituba, e os ensaios geoelétricos realizados para checar a validade do modelo estrutural.

Método da Eletrorresistividade

O método da eletrorresistividade emprega uma corrente elétrica artificial que é introduzida no terreno através de dois eletrodos (denominados de A e B), com o objetivo de medir o potencial gerado em outros dois eletrodos (denominados de M e N) nas proximidades do fluxo de corrente, permitindo assim calcular a resistividade real ou aparente em subsuperfície por meio da Equação 1:

onde r é a resistividade elétrica (ohm.m), K é o fator geométrico (m) que depende das posições dos eletrodos no terreno, DV (mV) é a diferença de potencial entre os eletrodos M e N e I (mA) a intensidade de corrente que passa entre os eletrodos A e B. O fator K pode ser calculado por meio da Equação 2:

A resistividade elétrica relaciona-se aos mecanismos de propagação de corrente elétrica nos materiais. Em geral, a propagação de corrente elétrica em solos e rochas se dá devido ao deslocamento de íons dissolvidos na água contida nos poros e fissuras, sendo afetada principalmente pela composição mineralógica, porosidade, teor em água e quantidade e natureza dos sais dissolvidos. Estas condições é que possibilitam a aplicação da eletrorresistividade em estudos ambientais e hidrogeólogicos, onde a presença de água nos poros e descontinuidades da rocha e, eventualmente, de contaminantes ricos em sais, pode ser investigada pelo método. No caso deste trabalho, no qual o objetivo é a investigação da existência de zonas de falha, a presença de uma quantidade maior de água e maior grau de alteração na região do plano de falha é que deverão ocasionar uma diminuição nos valores de resistividade e desta forma possibilitar a sua detecção.

Técnica de Sondagem Elétrica Vertical

Os ensaios de sondagem elétrica são aplicados quando é desejada uma informação pontual com observação da variação vertical da resistividade. O arranjo de campo mais utilizado para os ensaios de sondagem elétrica vertical é o denominado Schlumberger, cuja principal característica é que a distância MN deve ser bastante pequena em relação a AB, procurando sempre satisfazer a relação MN < AB/5 (Figura 4). Na prática, quando o sinal DV medido torna-se muito fraco, aumenta-se a distância MN, que se conserva constante para outra série de deslocamentos de AB e assim por diante, evitando deslocar ao mesmo tempo os eletrodos de corrente e de potencial e mantendo a relação MN < AB/5. Esta manobra recebe a denominação de "embreagem" e permite uma checagem da qualidade dos dados obtidos durante o processo de campo.


Os valores de resistividade aparente são calculados através da Equação 1 já descrita e plotados em relação aos valores da distância AB/2, fornecendo a curva de resistividade aparente, a qual é passível de interpretação quantitativa, onde são determinadas as resistividades e espessuras das camadas investigadas. Nesse trabalho, a interpretação das curvas de SEV foi realizada com o software RESIX IP (Interpex, 1993), a partir de inversão usando regressão em cadeia. Os resultados possibilitam a associação das camadas geoelétricas a estratos geológicos e dessa forma podem-se obter informações sobre a variação do perfil litológico.

Técnica de Caminhamento Elétrico

A técnica de caminhamento elétrico consiste em obter a variação lateral de resistividade a profundidades aproximadamente constantes. Isso é obtido fixando-se um espaçamento de eletrodos e caminhando-se com os mesmos ao longo de perfis efetuando as medidas de resistividade aparente. O procedimento de campo consiste em manter constante o arranjo entre os eletrodos e medir o diferença de potencial (DV) gerada pela passagem da corrente (I) no terreno. A resistividade aparente é calculada pela Equação 1.

O arranjo de campo utilizado neste trabalho é o dipolo-dipolo, cujo esquema de campo é mostrado na Figura 5. Nesse dispositivo, os eletrodos AB de injeção de corrente e MN de potencial são dispostos segundo um mesmo perfil e o arranjo é definido pelos espaçamentos X = AB = MN. A profundidade de investigação cresce com o espaçamento (R), e, teoricamente, corresponde a R/2. Normalmente, as medidas são efetuadas em várias profundidades de investigação, isto é n = 1, 2, 3, 4 e 5, atribuídas à intersecção das linhas que partem do centro de AB e MN com ângulos de 45º. A cada ponto de medida os dipolos são deslocados de uma distância igual a X, os dados obtidos são plotados nas posições n e interpolados, gerando uma seção de resistividade aparente.


Nas seções obtidas podem ser observadas as variações de resistividade aparente para uma ou mais profundidades teóricas. Essas seções permitem uma interpretação qualitativa das variações laterais de resistividade, que podem estar relacionadas a contatos geológicos, zonas de falha e/ou fratura e até a contaminação de aquíferos.

Até pouco tempo atrás, somente a técnica de sondagem elétrica vertical, dentro dos métodos elétricos, tinha disponíveis "softwares" para interpretação quantitativa dos dados de campo. Nos últimos anos, têm sido desenvolvidas técnicas de interpretação quantitativa para pseudo-seções de resistividade obtidas em ensaios de caminhamento elétrico, possibilitando a criação de modelos 2D onde podem ser individualizados os vários corpos e camadas geológicas investigadas (Ross et al., 1990). Existem atualmente dois tipos de modelagem mais comuns, com vários softwares disponíveis no mercado: a modelagem por suavização (smooth), onde as seções modeladas obtidas são apresentadas sob a forma de isolinhas de resistividade, que assumem as formas aproximadas dos corpos investigados; e a modelagem poligonal, onde vários polígonos caracterizam os corpos e camadas existentes, cada qual tendo um valor constante de resistividade.

A modelagem por suavização é um processo de interpretação que calcula a resposta de um semi-espaço homogêneo para os dados obtidos em campo. No presente trabalho é utilizado para a modelagem por suavização o programa RES2DINV (Loke, 1998). De acordo com os dados de campo, onde são também fornecidas informações sobre o arranjo de eletrodos utilizado, o programa simula a injeção de corrente e os potenciais nos eletrodos, sendo em seguida realizada a inversão dos dados de forma que as isolinhas de resistividade possam definir com maior precisão a posição e o formato das estruturas causadoras de anomalias. A inversão é baseada em um cálculo analítico da matriz de sensibilidade para um semi-espaço homogêneo e a matriz de sensibilidade é recalculada usando o método de elementos finitos a cada iteração. No final do processo os dados de campo são comparados com a pseudo-seção sintética resultante da simulação feita pelo programa, sendo que o modelo é considerado satisfatório quanto mais se assemelham as pseudo-seções de campo e sintética.

No processo de modelagem poligonal foi utilizado o programa RESIX IP2Di (Interpex, 1996), que é um software de modelagem direta e inversão por elementos finitos que calcula o resultado de resistividade de modelo de terreno 2D. Nesse programa vários polígonos caracterizam os corpos e camadas existentes, cada qual tendo um valor constante de resistividade. Esse processo de interpretação utiliza um método de elemento finito de modelagem 2D para os valores de resistividade, no qual o modelo é construído a partir de uma seção dividida em células retangulares, formando uma rede que estende-se lateralmente do primeiro eletrodo de corrente até o último eletrodo de potencial. Em seguida, cada célula é dividida em quatro triângulos para construir a malha do elemento finito. Cada célula terá um único valor de resistividade.

Na simulação matemática, a corrente é injetada em cada um dos nós da malha para cada profundidade teórica definida pela rede (sendo os eletrodos de corrente usados para simular as voltagens nos eletrodos de potencial) e esses parâmetros são combinados para fornecer as resistividades aparentes na pseudoseção. A partir daí é construído pelo interpréte um modelo 2D onde é definido um valor de fundo (background) e vários polígonos, cada qual tendo um valor constante de resistividade. Os polígonos são especificados como uma série de vértices com posições X e Z, sendo cada um desses valores disponíveis como parâmetros que podem ser alterados durante o processo de modelagem. Esses polígonos podem ser associados a corpos e estruturas geológicas existentes no local. Durante o processo de interpretação, os dados de campo são comparados aos dados sintéticos, gerados pelo modelo de polígonos construído pelo interprete. A comparação entre as seções de campo e sintética permite avaliar a qualidade e o nível de ajuste do modelo 2D. No final da interpretação, um conjunto de polígonos com valores de resistividade representa os vários corpos e estratos presentes, que poderão ser correlacionados, então, a um modelo geológico da seção.

Neste trabalho, os dados de todas as seções foram tratados em software de modelagem 2D por suavização para estabelecer com maior segurança as posições das anomalias de baixa resistividade e uma seção foi interpretada através de um processo de modelagem 2D poligonal para gerar um modelo geológico e estudar com maior detalhe a presença da zona de falha e as relações entre os tipos litológicos existentes.

ENSAIOS REALIZADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Foram executadas quatro sondagens elétricas em pontos onde não havia informações de poços para estudar a estratigrafia do local e determinar a profundidade da zona saturada. Os ensaios de caminhamento foram executados em oito linhas, para verificar a existência de falhas. As localizações desses ensaios podem ser observadas na Figura 1, onde também são apresentados os limites entre blocos estruturais.

Ensaios de Sondagens Elétricas Verticais

Os ensaios de sondagem elétrica vertical foram realizados com abertura AB máxima de 500 metros, investigando uma profundidade teórica máxima de 100 metros, suficiente para os objetivos do trabalho. Esses ensaios possibilitaram o estudo da estratigrafia e da posição do aquífero livre em alguns pontos com carência de informação de poços (SEVs 2, 3 e 4), bem como estudar a existência de salinização do aquífero nas proximidades da Lagoa Mundaú (SEV 1). Essas informações foram importantes na caracterização do arcabouço estrutural do aquífero, auxiliando na interpretação dos ensaios de caminhamento elétrico.

A SEV 1, executada nas proximidades da Lagoa Mundaú, foi interpretada como um modelo de cinco camadas, sendo as duas camadas mais superficiais representados por sedimentos arenosos e matéria orgânica, com resistividades de 139 a 380 ohm.m. A 1,3 metros de profundidade ocorre a zona saturada, com 38 ohm.m e, em seguida, a 4,7 metros de profundidade, a resistividade diminui para 8,9 ohm.m mostrando, a presença de intrusão salina na zona saturada. Abaixo, a 9,9 metros de profundidade, ocorre um estrato mais resistivo (707 ohm.m) que pode ser representativo de sedimentos carbonáticos que ocorrem como lentes dentro da Formação Barreiras.

As SEVs 2, 3 e 4 foram executadas nas partes topograficamente elevadas, em cima dos tabuleiros. As curvas de campo são apresentadas na Figura 6. Esses ensaios mostraram modelos geoelétricos de 6 a 7 camadas, onde abaixo da camada de solo superficial (predominantemente arenoso) podem ser observadas as sucessões de camadas arenosas (1005 a 4500 ohm.m) e argilosas (18,6 a 205 ohm.m) situadas acima da zona saturada. Abaixo dessa sucessão de camadas ocorre um estrato geoelétrico com resistividades entre 101 e 358 ohm.m, interpretado como sedimentos arenosos com maior teor de umidade (zona de capilaridade), e logo abaixo, com resistividades de 25 a 125 ohm.m, a zona saturada. As profundidades obtidas para a superfície do Aquífero Barreiras são coerentes com o esperado em função das informações dos poços mais próximos. Na tabela 1 são apresentados os resultados desse grupo de sondagens elétricas.


Ensaios de Caminhamento elétrico

Os ensaios de caminhamento elétrico foram realizados com o arranjo dipolo-dipolo com espaçamento de 20 metros, investigando 5 níveis. As linhas de ensaio foram executadas em locais onde havia a suspeita de falhamentos, em função dos dados de poços e interpretação morfoestrutural. Das oito linhas de ensaio executadas, 7 mostraram anomalias condutoras alongadas subverticais que podem ser relacionadas a zonas de falha e uma não apresentou anomalia que pudesse caracterizar alguma estrutura. Esta última é a Linha C4 - de acordo com o modelo estabelecido está posicionada paralelamente a uma possível zona de falha, de forma que realmente não deveria mostrar nenhuma anomalia. As seções obtidas mostram zonas condutoras com valores de resistividade inferiores a 500 ohm.m (em algumas seções mostraram valores menores que 100 ohm.m) em um background com valores de resistividade geralmente superiores a 2000 ohm.m. Os dados de resistividade aparente foram tratados em software de modelagem 2D por suavização e as seções de resistividade interpretadas são apresentadas nas figuras 7 e 8.



As linhas de ensaio que mostraram anomalias condutoras concordam com o modelo estabelecido, com as anomalias relacionadas a falhas nos limites dos blocos estruturais. Somente a Linha C6 foge do modelo, mostrando uma anomalia condutora em local onde, de acordo com o modelo, não ocorre falhamento. Isso pode indicar que existe uma falha ou fratura no local que não foi definida no modelo estrutural. O restante das seções geoelétricas concordam perfeitamente com o modelo, confirmando a presença de zonas de falha dentro do aquífero Barreiras, nos limites dos blocos, evidenciando o seu forte controle estrutural. Isso pode ser constatado observando as posições das linhas de caminhamento e os limites entre blocos estruturais apresentados no mapa da Figura 1.

Uma interpretação por meio de modelagem 2D poligonal da linha C1, cujo modelo inicial foi construído com o auxílio da interpretação das SEVs 2 e 3, mostra com mais clareza a estrutura presente. A seção modelada é apresentada na Figura 9 onde pode-se observar que a anomalia condutora está relacionada a existência uma falha normal com um rejeito de cerca de 10 metros. A influência da estrutura é mais marcante na porção não saturada, sendo que a partir da superfície da zona saturada a presença de água nos poros nas camadas sedimentares tende a diminuir o contraste de resistividade para esse pacote mascarando a zona de falha.


CONCLUSÕES

Os estudos realizados através da sistematização de informações geológicas, estruturais e perfis estratigráficos de poços tubulares existentes sugerem um forte controle estrutural para a área, inclusive com a influência no fluxo das águas subterrâneas. O modelo da arcabouço estrutural aponta para a existência de blocos escalonados formando grábens e horsts.

Os resultados dos ensaios geofísicos, principalmente as seções de resistividade aparente, confirmam a existência de zonas mais condutoras, com anomalias típicas da presença de estruturas verticais a subverticais, que caracterizam as zonas de falhas normais que delimitam os blocos estruturais. A modelagem 2D de uma seção permitiu a construção de um perfil geológico onde a existência de uma falha normal dentro dos sedimentos se ajusta de forma bastante satisfatória aos dados de campo. Os ensaios de sondagem elétrica, além de fornecer informações sobre a estratigrafia do local em pontos com baixa densidade de dados de poços, foram especialmente importantes para auxiliar no processo de modelagem da seção de resistividade aparente.

Dessa forma, a integração dos diversos dados geológicos e estruturais existentes, aliados à confirmação da presença de estruturas com a realização de ensaios geofísicos, possibilitaram o ajuste e o estabelecimento de um modelo estrutural melhor para a área. Neste modelo estrutural, com vários blocos escalonados, a sucessão de camadas sedimentares com variações nos teores de areia e argila, juntamente com a presença de falhas determinando as posições relativas dessas camadas, influenciam de forma marcante o comportamento dos aqüíferos em subsuperfície.

Recebido em 18 junho, 2004 / Aceito em 13 outubro, 2004

Received June 18, 2004 / Accepted October 13, 2004

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Vagner Roberto Elis (ELIS, V.R.). Graduado em Geologia em 1990 pela Universidade Estadual Paulista, Mestre em Geociências pela Universidade Estadual Paulista em 1993 desenvolvendo a dissertação A aplicação da geofísica para análise do meio físico. Importância para elaboração de mapeamento geotécnico. Doutor em Geociências pela Universidade Estadual Paulista em 1999 defendendo a tese Avaliação da aplicabilidade de métodos elétricos de prospecção geofísica no estudo de áreas utilizadas para disposição de resíduos. Docente do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, com atuação nas áreas de Geofísica Aplicada a estudos ambientais e hidrogeológicos.

Carlos Maurício Rocha Barroso (BARROSO, C.M.R.). Graduado em Geologia em 1980 pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Paraíba em 1993 desenvolvendo a dissertação intitulada Propagação das plumas dos contaminantes de organoclorados no Aqüífero Barreiras-Al, Doutor em Geociências pela Universidade Estadual Paulista em 2001 defendendo a tese intitulada Caracterização do Sistema Aqüífero Barreiras/Marituba, na cidade de Maceió/AL. Docente da Universidade Federal de Alagoas, com atuação nas áreas de Hidrogeologia e Política Urbana.

Chang Hung Kiang (KIANG, C.H.). Graduado em Geologia em 1974 pela Universidade de São Paulo, Mestre em Geologia pela Northwestern University, Evanston, Estados Unidos em 1978 e Doutor em Geologia pela Northwestern University, Evanston, Estados Unidos em 1983, defendendo a tese Diagenesis and mass transfer in sandstone-shale sequences, offshore Brazil. Livre Docente em Geociências (Geociências e Meio Ambiente) pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista Campus Rio Claro, São Paulo, em 1997, apresentando o trabalho Isótopos Estáveis (C, H, O) e 87Sr/Sr86: Implicações na estratigrafia e na paleocirculação de fluidos na Bacia do São Francisco. Professor Livre Docente da Universidade Estadual Paulista nas áreas de Hidrogeologia e Recursos Hídricos e Geologia do Petróleo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2004

Histórico

  • Aceito
    13 Out 2004
  • Recebido
    18 Jun 2004
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