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Os processos de conversão de energia nos oceanos: uma revisão do Diagrama de Lorenz

Resumos

A análise energética é uma importante ferramenta diagnóstica para a identificação de processos dinâmicos associados a eventos de conversão de energia no oceano. Esta análise, de uma forma sucinta, procura mostrar as interações energéticas que ocorrem entre os campos médio e turbulento de um determinado escoamento geofísico, bem como as transferências entre os reservatórios de energia nos oceanos. Estes processos são sumarizados pelo Diagrama de Lorenz que representa, através de quatro caixas, os reservatórios das energias cinética média, cinética turbulenta, potencial média e potencial turbulenta do escoamento do fluido geofísico, identificando as interações que ocorrem entre estas quatro formas de energia, bem como as trocas com o meio externo (fontes e sumidouros). Notadamente a literatura especializada é escassa em textos que detalhem os diversos mecanismos de conversão energética entre as principais formas de energia nos oceanos, havendo algumas publicações que, dependendo da abordagem, detalham apenas alguns deles. Este trabalho apresenta uma revisão sobre o assunto, reunindo informações de diversas fontes e tendo como objetivo principal a construção, passo a passo, do Diagrama de Lorenz, com suas respectivas formulações. A discussão de cada termo do Diagrama é apresentada objetivamente, o que possibilitará um melhor entendimento desta ferramenta, a qual é de real importância para a sumarização de uma estimativa energética para uma dada região do oceano.

Diagrama de Lorenz; energia potencial; energia cinética; conversão barotrópica; conversão baroclínica; quase-geostrofia


The energetic analysis is an important diagnostic tool for the identification of dynamic processes associated with events of energy conversion in the ocean. In brief, that analysis shows the energetic interactions which are taking place among the mean and eddy fields of a certain geophysical flow, as well as the transfers involved between the reservoirs of energy in the oceans. Those processes are detailed in the Lorenz Diagram which links, through four boxes, the reservoirs of the mean kinetic energy, eddy kinetic energy, mean potential energy and eddy potential energy of the flow. Moreover, the Diagram identifies the interactions that occur between those four energy forms, as well as the exchanges through the boundaries (sources and sinks). After an extensive review, we have identified that the specialized literature lacks in texts which detail the several mechanisms of energetic conversion among the main forms of energy in the oceans, with most publications detailing only part of those components. This article presents a detailed review on this subject, gathering information of several sources and having as main objective the step by step construction of the Lorenz Diagram, with their respective formulations. The discussion of each term of the Diagram is presented objectively thus enabling a better understanding of this tool, which is instrumental in summarizing the energy processes at a given area of the ocean.

Lorenz Diagram; potential energy; eddy kinetic energy; barotropic conversion; baroclinic conversion; quasi-geostrophy


Os processos de conversão de energia nos oceanos: uma revisão do Diagrama de Lorenz

José Luiz Lima de AzevedoI; Leopoldo Rota de OliveiraII; José Francisco Almeida de SouzaIII; Ivan Dias SoaresIV; Maurício Magalhães MataV

IUniversidade Federal do Rio Grande - FURG, Instituto de Oceanografia, Rua Eng. Alfredo Huch, 475, 96201-900 Centro, Rio Grande, RS, Brasil. Tel.: (53) 3233-6880; Fax: (53) 3233-6652 - E-mails: ctijlla@yahoo.com.br

IIUniversidade Federal do Rio Grande - FURG, Instituto de Oceanografia, Rua Eng. Alfredo Huch, 475, 96201-900 Centro, Rio Grande, RS, Brasil. Tel.: (53) 3233-6880; Fax: (53) 3233-6652 - E-mails:leopoldorota@yahoo.com.br

IIIUniversidade Federal do Rio Grande - FURG, Instituto de Oceanografia, Rua Eng. Alfredo Huch, 475, 96201-900 Centro, Rio Grande, RS, Brasil. Tel.: (53) 3233-6880; Fax: (53) 3233-6652 - E-mails: zefran.souza@gmail.com

IVUniversidade Federal do Rio Grande - FURG, Instituto de Oceanografia, Rua Eng. Alfredo Huch, 475, 96201-900 Centro, Rio Grande, RS, Brasil. Tel.: (53) 3233-6880; Fax: (53) 3233-6652 - E-mails: dfsivan@furg.br

VUniversidade Federal do Rio Grande - FURG, Instituto de Oceanografia, Rua Eng. Alfredo Huch, 475, 96201-900 Centro, Rio Grande, RS, Brasil. Tel.: (53) 3233-6880; Fax: (53) 3233-6652 - E-mails: mauricio.mata@furg.br

RESUMO

A análise energética é uma importante ferramenta diagnóstica para a identificação de processos dinâmicos associados a eventos de conversão de energia no oceano. Esta análise, de uma forma sucinta, procura mostrar as interações energéticas que ocorrem entre os campos médio e turbulento de um determinado escoamento geofísico, bem como as transferências entre os reservatórios de energia nos oceanos. Estes processos são sumarizados pelo Diagrama de Lorenz que representa, através de quatro caixas, os reservatórios das energias cinética média, cinética turbulenta, potencial média e potencial turbulenta do escoamento do fluido geofísico, identificando as interações que ocorrem entre estas quatro formas de energia, bem como as trocas com o meio externo (fontes e sumidouros). Notadamente a literatura especializada é escassa em textos que detalhem os diversos mecanismos de conversão energética entre as principais formas de energia nos oceanos, havendo algumas publicações que, dependendo da abordagem, detalham apenas alguns deles. Este trabalho apresenta uma revisão sobre o assunto, reunindo informações de diversas fontes e tendo como objetivo principal a construção, passo a passo, do Diagrama de Lorenz, com suas respectivas formulações. A discussão de cada termo do Diagrama é apresentada objetivamente, o que possibilitará um melhor entendimento desta ferramenta, a qual é de real importância para a sumarização de uma estimativa energética para uma dada região do oceano.

Palavras-chave: Diagrama de Lorenz, energia potencial, energia cinética, conversão barotrópica, conversão baroclínica, quase-geostrofia.

ABSTRACT

The energetic analysis is an important diagnostic tool for the identification of dynamic processes associated with events of energy conversion in the ocean. In brief, that analysis shows the energetic interactions which are taking place among the mean and eddy fields of a certain geophysical flow, as well as the transfers involved between the reservoirs of energy in the oceans. Those processes are detailed in the Lorenz Diagram which links, through four boxes, the reservoirs of the mean kinetic energy, eddy kinetic energy, mean potential energy and eddy potential energy of the flow. Moreover, the Diagram identifies the interactions that occur between those four energy forms, as well as the exchanges through the boundaries (sources and sinks). After an extensive review, we have identified that the specialized literature lacks in texts which detail the several mechanisms of energetic conversion among the main forms of energy in the oceans, with most publications detailing only part of those components. This article presents a detailed review on this subject, gathering information of several sources and having as main objective the step by step construction of the Lorenz Diagram, with their respective formulations. The discussion of each term of the Diagram is presented objectively thus enabling a better understanding of this tool, which is instrumental in summarizing the energy processes at a given area of the ocean.

Keywords: Lorenz Diagram, potential energy, eddy kinetic energy, barotropic conversion, baroclinic conversion and quasi-geostrophy.

INTRODUÇÃO

A análise energética é uma importante ferramenta diagnóstica para a identificação de processos dinâmicos, conforme pode ser constatado em inúmeros trabalhos encontrados na literatura (Wyrtki et al., 1976; Brooks & Niiler, 1977; Szabo & Weatherly, 1979; Bray & Fofonoff, 1981; Bryden, 1982; Illari & Marshall, 1983; Dewar & Bane, 1985; Hall, 1986; Wright, 1987; Rossby, 1987; Dewar & Bane, 1989; Oort et al., 1989; Xue & Mellor, 1993; Heywood et al., 1994; Oort et al., 1994; Miller & Lee, 1995; Cronin & Watts, 1996; Uotila et al., 2004 e Mata et al., 2006). Neste contexto, o Diagrama de Lorenz mostra as interações entre as formas de energia mais importantes, ou seja, a energia cinética média (ECM ), a energia cinética turbulenta ( ECT ), a energia potencial média (EPM ) e a energia potencial turbulenta (EPT ). Este Diagrama consiste de um conjunto de blocos, os quais representam os reservatórios das várias formas de energia do sistema, e setas que apontam no sentido do fluxo de energia, indicando a presença de fontes, sumidouros ou termos de conversão entre as formas energéticas (Holton, 1992).

O Diagrama de Lorenz permite uma rápida e fácil visualização dos principais processos energéticos que estão associados a determinado processo dinâmico, fornecendo também a quantificação de cada um deles. Entre as conversões de energia que compõem o Diagrama de Lorenz, as mais estudadas, em larga e mesoescala, são aquelas oriundas dos processos de instabilidade barotrópica, que convertem ECM para ECT , e dos processos de instabilidade baroclínica, que convertem EPM para ECT .

Uma revisão na literatura mostrou que Holton (1992) e Peixoto & Oort (1992) são boas referências para o estudo do Diagrama de Lorenz, entretanto, sua ênfase é para as conversões energéticas na atmosfera. Inúmeros outros trabalhos citam ou detalham apenas determinada parte do Diagrama, tais como Gill (1982), Kundu & Cohen (1990), Cushman-Roisin (1994) e Cronin & Watts (1996). Por exemplo, em Kundu & Cohen (1990), em um estudo dirigido à turbulência, a ênfase é dada nas trocas envolvendo apenas as duas formas de energia cinética (ECM e ECT ); em Stull (1988) as equações da ECT são discutidas para um grande volume de controle; em Cronin & Watts (1996), onde o estudo visava às interações entre o escoamento médio e turbulento na região da Corrente do Golfo, a ênfase contempla apenas as duas formas turbulentas de energia (ECT e EPT ).Neste último trabalho, os autores modificam a forma tradicional do Diagrama de Lorenz, explicitando os termos de acoplamento entre os campos de massa e velocidade e as componentes que distinguem os fluxos de calor realmente associados com instabilidades dinâmicas (conversão baroclínica). Este procedimento permite identificar fluxos turbulentos de calor não divergentes horizontalmente, os quais não caracterizam um processo de advecção de calor que acarrete uma modificação da posição do centro de massa do fluido.

O objetivo deste trabalho é um melhor entendimento do Diagrama de Lorenz mediante a construção, passo a passo, deste Diagrama. Neste artigo é dada ênfase aos processos de conversão de energia associados com instabilidades dinâmicas dos movimentos de larga escala e sua variabilidade (mesoescala).A origem de cada termo é relatada e discutida.

Após esta introdução, a seção 2 apresenta uma revisão teórica sucinta sobre alguns importantes temas relacionados com a construção do Diagrama de Lorenz seguida, na seção 3, pela apresentação dos quatro balanços de energia que compõem o Diagrama. A seção 4 contém o detalhamento dos aspectos dinâmicos da conversão baroclínica e finalmente na seção 5 são discutidos e sumarizados vários aspectos relacionados ao Diagrama.

REVISÃO TEÓRICA

Nesta seção será feita uma revisão sucinta com relação aosconhecimentos necessários para a construção do Diagrama de Lorenz, os quais estão relacionados com: (i) a teoria do movimento quase-geostrófico QG e (ii) as duas formas de energia mais importantes no oceano: a energia cinética ( EC ) e a energia potencial (EP , com ênfase para o conceito de energia potencial disponível (EPD , introduzido por Lorenz (1955). Apesar desta revisão constituir um guia ao leitor interessado no assunto, a leitura das referências Gill (1982), Apel (1987), Pedlosky (1987), Stull (1988), Kundu & Cohen (1990), Holton (1992), Peixoto & Oort (1992) e Cushman-Roisin (1994) é aconselhável para um maior embasamento teórico.

A Teoria Quase-Geostrófica (QG )

O efeito da rotação da Terra sobre a dinâmica dos movimentos geofísicos aumenta à medida que diminui o Número de Rossby (Ro) associado ao movimento, dado por Ro = / Ω , onde é a escala típica de velocidade horizontal do movimento, Ω é a velocidade angular da Terra e a escala típica de comprimento horizontal do movimento.

A teoria da quase-geostrofia faz uso deste conceito para avaliar a importância relativa dos processos oceânicos em função de suas escalas espaço-temporais. Para tal, as variáveis que descrevem o movimento são escritas em termos de séries de potência de um pequeno parâmetro típico do escoamento (Lemes & Moura, 2002). Nesta série os termos de maior ordem são considerados como perturbações dos termos de menor ordem (Kundu & Cohen, 1990). No caso de escoamentos geofísicos o parâmetro citado acima é o Número de Rossby. O pequeno valor de Ro garante que as séries sejam assintoticamente convergentes. A velocidade do escoamento U será então desenvolvida como uma destas séries, a qual será truncada no termo de ordem Ro. Os termos de O() ou superiores serão desconsiderados. As duas parcelas resultantes são muito diferentes do ponto de vista dinâmico, tal que:

(1) o campo de velocidade geostrófica u, de O(1), é identificado pelo subíndice 'g' em suas componentes, dadas por u (ug,vg,0) nas direções zonal, meridional e vertical, respectivamente. As características principais do escoamento geostrófico são: aceleração nula, divergente horizontal nulo, movimento paralelo às isóbaras, equilíbrio hidrostático na vertical e fluido invíscido.

(2) o campo de velocidade ageostrófica Ua, de O(Ro), é identificado pelo subíndice 'a' em suas componentes, dadas por Ua (ua,va,wa). As características principais do escoamento ageostrófico são: acelerado, divergente horizontal não nulo e não invíscido.

Do exposto vemos que a velocidade do escoamento U pode ser escrita como U = u+Ua.

A consideração exclusiva dos termos de O(1) nas equações do momentum forma um sistema degenerescente, dado que as velocidades geostróficas são não divergentes e resultam emvelocidades verticais nulas, as quais impedem a ocorrência de movimentos convectivos e de ondas longas. Além disso, em fluidos estratificados, este fato impossibilita alterações na inclinação das superfícies isopicnais e, portanto, a geração de perturbações de pressão e, por conseqüência de movimento (e.g., Gill, 1982 e Cushman-Roisin, 1994). A inclusão dos termos ageostróficos, de maior ordem (Ro), nas equações do momentum possibilitará a descrição da variabilidade do fluxo principal, formando-seentão um sistema de equações que descreve a quase-geostrofia (QG ). O formalismo resultante deste procedimento é conhecido como Teoria Quase-Geostrófica (e.g., Cushman-Roisin, 1994 e Pedlosky, 1987).

A teoria da QG parte do pressuposto que os movimentos de mesoescala ocorrem como perturbações sobre o estado de equilíbrio, e que estas perturbações são pequenas quando comparadas com a ordem de grandeza do campo de velocidade dominante. Desta forma, as perturbações associadas aos movimentos de mesoescala se refletem no campo de massa, de modo que a densidade ρ apresenta um estado básico, que varia apenas verticalmente, e desvios sobre este estado, os quais variam nas três dimensões bem como no tempo.

Assumindo-se então que a densidade do fluido ρ varia somente em função da sua temperatura T (portanto independente da salinidade) na forma ρ = ρo (1-αT), onde α é o coeficiente de expansão térmica do fluido e ρo sua densidade média, podemos então decompor o campo de massa (em forma de temperatura) em duas partes:

O perfil de temperatura θ(z) é horizontalmente uniforme eindependente do tempo, sendo chamado de estratificação básica, o qual gera um estado de repouso (equilíbrio hidrostático).A parcela dinâmica ΔT equivale aos desvios do campo de massa com relação ao estado básico. A teoria QG assume que esta estratificação se manterá no tempo contra a ação homogeneizadora da difusão vertical, logo, é suposto que a estabilidade do fluido é aproximada pela sua estratificação básica, ou seja1 1 O subíndice "z" denota a derivada da propriedade com relação a "z". : |θz|>> |(ΔT)z|. O formalismo QG não considera a origem e a manutenção da estratificação, mas somente o comportamento dos movimentos que a perturbam fracamente (e.g., Cushman-Roisin, 1994).

De forma sucinta serão apresentadas as equações da QG utilizadas neste trabalho. A Eq. (2) descreve o balanço geostrófico no plano horizontal, enquanto a Eq. (3) apresenta o balanço hidrostático entre as perturbações de pressão e do campo de massa, esta última expressa em termos de variação de temperatura.

onde g é a aceleração da gravidade, P a pressão dinâmica e fo é o parâmetro de Coriolis referido a latitude central do domínio. O símbolo ∇h representa o operador gradiente apenas com as suas componentes horizontais e o versor k está associado ao eixo vertical do sistema de coordenadas. Mantidos apenas os termos de ordem Ro, as equações do momentum, calor e continuidade se reduzem às equações que governam a variabilidade do escoamento geostrófico. A equação do momentum de O(Ro), no plano β e sem a inclusão do termo de atrito2 2 A não consideração do atrito conduz a ausência de dissipação de EC no sistema, o que pode ser contornado com a adoção de uma dinâmica de estado estacionário (sem variação local de energia) aplicada a um volume fechado. , é dada por:

Nos termos de aceleração local, advectivo e de correção do parâmetro de Coriolis (devido ao efeito do plano β) da Eq. (4), está sendo considerada apenas a componente geostrófica da velocidade do escoamento, em virtude daquela ser utilizada como primeira estimativa para a velocidade nos termos ageostróficos, ou seja: U u (e.g., Cushman-Roisin, 1994). Este procedimento se repetirá na equação do calor. A equação da continuidade de O(Ro), tendo em vista que a componente geostrófica de U é não divergente horizontalmente, assume a forma:

A equação do calor de O(Ro), é dada por (e.g., Holton, 1992):

onde, conforme mencionado anteriormente, a derivada vertical da perturbação da temperatura foi desconsiderada por ser muito menor que a derivada vertical do campo básico θz.

Para movimentos não lineares em fluidos continuamente estratificados, com a aproximação do plano β, a equação da quase-geostrofia pode ser escrita em termos de vorticidade potencial, de acordo com a Eq. (7), conforme Pedlosky (1987), Cushman-Roisin (1994) e Gill (1982):

onde q é a vorticidade potencial, definida por:

Nestas equações v é o coeficiente de viscosidade cinemática molecular e ψ é a função corrente associada com as velocidades geostróficas na forma:

Com a utilização da aproximação do plano β, o parâmetro de Coriolis (agora dado por f) é definido por f = fo + βoy, onde y é a distância medida a partir da latitude central de referência e βo = dfo /dy. N2(z) é a freqüência de estratificação (Brunt-Väisälä) dada por:

onde ρ(z) corresponde à estratificação básica. ∇2 e J são os operadores Laplaciano e Jacobiano, respectivamente.

A seguir, tendo em vista que o objetivo principal deste trabalho é a obtenção do Diagrama de Lorenz passo a passo, o que implica na obtenção do balanço de cada forma de energia (média e turbulenta), as variáveis que descrevem o escoamento geofísico serão decompostas em uma parte média e outra flutuante, definindo-se como flutuante a perturbação sobre o campo médio da variável. Destacamos que neste artigo o termo "turbulento" é utilizado para designar o estado perturbado das variáveis. Esta decomposição tem como expressão genérica:

onde x é o vetor posição na forma x(x,y,z), A é uma variável qualquer do escoamento e t é um determinado instante de tempo (e.g., Brooks & Niiler, 1977). O valor de (x) é obtido dentro de uma janela temporal compatível com a escala do movimento em estudo.

As equações para as variáveis médias e turbulentas do momentum de O(Ro), que governam a variabilidade do escoamento, são deduzidas mediante a aplicação da Eq. (11) na Eq. (4), o que terá então como resultado:

A equação média é obtida pela promediação da Eq. (12), o que fornece:

Subtraindo a Eq. (13) da (12) resulta na componente turbulenta da Eq. (4):

O primeiro termo das Eq. (13) e (14) pode ser eliminado nas situações em que se assuma um movimento estacionário (steady state ). Também podemos justificar a desconsideração deste termo ao assumir a hipótese ergódica para o movimento (i.e., homogeneidade espacial e estacionariedade) de acordo comTaylor (1920). Este mesmo procedimento de separação deve ser aplicado nas Eqs. (3) e (6).

As formas de energia no oceano

As duas formas de energia mais importantes do oceano, associadas aos movimentos de larga escala, são a energia cinética (EC ) e a potencial (EP ), estando a primeira relacionada com a velocidade das partículas de um determinado volume de fluido e a segunda com a posição do centro de massa deste volume. As equações da EP e EC serão apresentadas a seguir de acordo com os fundamentos da teoria QG . A multiplicação da Eq. (7) por ψ resulta em uma equação cujos termos têm dimensão 2/ (taxa de variação da energia), onde é escala de tempo do movimento. Esta nova equação, seguida de uma integração nas trêsdimensões do domínio, considerando-se as condições de contorno nulas (domínio com tampa rígida na superfície e no fundo, com paredes verticais meridionais e decaimento a grandes distâncias na direção zonal), fornece após várias integrações por partes (Cushman-Roisin, 1994):

O lado esquerdo da Eq. (15) corresponde então à variação temporal da energia total do sistema, a qual é igual ao valor do termo dissipativo do lado direito da equação, sempre negativo. As duas expressões da Eq. (9) que definem a função corrente ψ, quando aplicadas no primeiro termo da Eq. (15), fornecem:

que corresponde à EC do sistema. Na Eq. (16) a parcela da EC devida aos movimentos verticais não é considerada. O segundo termo do colchete da Eq. (15) corresponde então à expressão da EP do sistema, a qual difere da tradicional forma ∫ , ∫ , ∫ , ρgzdxdydz esperada para esta forma de energia. O conceito de EP Disponível (EPD ), introduzido por Margules (1903) e desenvolvido por Lorenz (1955), explica esta diferença entre as duas expressões (Cushman-Roisin, 1994). Lorenz (1955) introduziu o conceito de EPD como aquela porção ou parte da energia potencial média que pode ser liberada pelo relaxamento adiabático de todas as superfícies de temperatura potencial para uma configuração horizontal. Cushman-Roisin (1994) define a EPD como a diferença entre a EP atual do fluido e aquela que ele teria em um estado de referência, o qual é definido como o estado básico (hidrostático) não perturbado.

A Figura 1, adaptada de Cushman-Roisin (1994), ilustra melhor este conceito. Um fluido com duas camadas de densidade ρ1 e ρ2 está inicialmente em seu estado de menor energia (estratificação básica) onde a EP é mínima e a EC é nula.


Este estado corresponde na Figura 1 as duas camadas de fluido separadas pela linha tracejada. Uma perturbação ρ' desloca a interface para uma nova posição, representada pela curva cheia sobre a linha tracejada, a qual mantém uma distância h(x,y) da posição de repouso. A integral da expressão tradicional da EP sobre todo o domínio mostra que a diferença (EPD ) entre a EP total do estado perturbado (atual ) e aquela do estado de referência (ref ), é dada por:

Uma perturbação de densidade, em um ponto qualquer (x,t) do domínio, está associada com a diferença entre a densidade do ponto de origem da partícula de fluido que o ocupou e a densidade inicial deste ponto. Supondo-se que uma partícula se moveu verticalmente de um ponto B(zB) inferior para um ponto A(zA) superior (separados por h = zA -zB), a perturbação de densidade será dada por ρ' = ρ(zA -h)-ρ(zA). A suposição de um valor h muito pequeno permite uma expansão em Série de Taylor a qual, truncada na derivada de ordem 1, permite escrever ρ' = -(dρ/dz)h = (ρ0N2 /g)h, com o auxílio da Eq. (10) que definiu a freqüência de estratificação (Brunt-Väisälä), conforme Cushman-Roisin (1994). A função corrente ψ, definida na Eq. (9), quando associada com a Eq. (2), permite escrever uma nova expressão para a função corrente ψ dada por: P = ρo foψ. Esta expressão, por sua vez, agora associada com o balanço hidrostático entre as parcelas dinâmicas da pressão e densidade, conduz a expressão ρ' = -(ρ0fo / g)∂ ψ /∂z, a qual quando substituída na expressão anterior de ρ', permite definir o deslocamento h em relação ao estado básico como h = - (fo / N2) ∂ ψ /∂z. Esta expressão quando substituída na Eq. (17) fornece:

o que confirma que o segundo termo do colchete da Eq. (15) é realmente uma expressão de EP , mais precisamente a EPD . Conforme expressa a Eq. (15), a forma de EP passível de variar com o tempo é somente a EPD , o que corrobora com a definição de EPD proposta por Lorenz (1955) e apresentada anteriormente. Lorenz (1955) define ainda algumas propriedades para a EPD :

(i) a soma da EPD e da EC é conservada em um fluxo adiabático,

(ii) a EPD é completamente determinada pela distribuição de massa,

(iii) a EPD é zero se a estratificação é horizontal e estaticamente estável3 3 N.A.: A estratificacão é vertical, o que configura isopicnais planas e horizontais (estado básico). e

(iv) a EPD é a única fonte de EC.

A derivada da Eq. (18) com relação ao tempo, considerando-se ainda a expressão da velocidade vertical wa (não apresentada aqui) da teoria QG , fornece (e.g., Cushman-Roisin, 1994):

Esta expressão permite concluir que parcelas pesadas de fluido subindo e parcelas leves descendo aumentam a EPD , ou seja, um aumento na inclinação das isopicnais em um sistema de estratificação estável aumenta sua EPD . Um consumo de EPD neste mesmo sistema, conseqüentemente, implica numa relaxação de suas isopicnais (Plumb, 1983).

Peixoto & Oort (1992) compararam a razão entre a EC e a EPD no oceano e na atmosfera (atm ), o que mostra um valor muito menor no primeiro:

(EC/EPD)oceano =0.013

(EC/EPD)atm =0.27

Os autores citam que isto implica dizer que, numa situação hipotética, se todos os processos de geração de energia fossem paralisados, a circulação geral dos oceanos teria uma fonte relativa de energia muito maior do que a da circulação geral da atmosfera.

Instabilidades barotrópicas e baroclínicas

Instabilidades, tanto barotrópicas como baroclínicas, são feições intrínsecas de fluidos geofísicos e, portanto, havendo um escoamento cujo estado básico se encontra em balanço geostrófico ele estará naturalmente sujeito à ocorrência de instabilidades. Observamos que nos casos onde existem condições favoráveis ao crescimento das instabilidades, este ocorre à custa da energia média do escoamento, de forma que existe transferência de energia do escoamento médio para as instabilidades. Desta forma as instabilidades que crescem drenam energia do escoamento médio e funcionam como um mecanismo de manutenção do equilíbrio da circulação básica dos oceanos.

A instabilidade barotrópica tem como característica principal o fato do crescimento da instabilidade se dar à custa do consumo da energia cinética média do escoamento. Esta forma de instabilidade desenvolve importante papel porque é através dela que pode ocorrer a transferência direta da energia cinética média para a energia cinética associada aos movimentos vorticais, proporcionando a interação entre os campos médio do escoamento e de mesoescala, a chamada energia cinética de vórtice4 4 O termo encontrado na literatura inglesa é Eddy, ou no caso, Eddy Kinetic Energy (EKE ). . Já no caso da instabilidade baroclínica o crescimento se dá mediante o relaxamento das superfícies isopicnais do fluido. Esta instabilidade desempenha a função de transferir, indiretamente, a energia do campo de massa para o campo de escoamento. Portanto, as instabilidades barotrópica e baroclínica contribuem para levar o oceano (e da mesma maneira, a atmosfera) a uma condição de menor energia potencial e cinética, conduzindo então o sistema para uma condição de maior equilíbrio.

Identificar se o escoamento está apto ao desenvolvimento de determinada instabilidade não é trivial. Determinadas características do perfil de velocidade podem indicar se o escoamento tem condição ou não de desenvolver determinado tipo de instabilidade. Em geral, teremos apenas a identificação de condições necessárias, mas não suficientes, para que ocorra o crescimento da instabilidade. No caso específico de escoamentos baroclínicos, com superfícies isopicnais inclinadas, este possui uma energia potencial maior do que àquela da situação em que suas superfícies se encontram relaxadas (horizontais). A diferença de energia entre os dois casos é chamada de Energia Potencial Disponível - EPD a qual foi destacada na seção anterior. Pode-se afirmar, então, que todo escoamento com superfícies isopicnais inclinadas é potencialmente instável visto que possui uma energia "armazenada" que pode ser liberada para o crescimento das instabilidades. Podemos dizer que um perfil baroclínico, mais cedo ou mais tarde, será atingido por uma perturbação com a fase e o comprimento de onda adequados, a qual afastará o sistema de seu equilíbrio. Logo, este tipo de escoamento é intrinsecamente instável (e.g. Cushman-Roisin, 1994). Maiores explicações podem ser encontradas nos artigos clássicos sobre instabilidadebaroclínica como os de Charney (1947) e Eady (1949).

Como não é o objetivo deste artigo discorrer longamente sobre instabilidades, destacamos apenas que alguns critérios de identificação, de um possível crescimento da instabilidade para um dado escoamento, se baseiam na avaliação do gradiente da vorticidade absoluta do escoamento médio ao longo do domínio, dado por

d(f0 + βy – d/ dy = β – d2/ dy2,

para o caso de um escoamento zonal. Para ilustrarmos um destes critérios, o qual diz que se este gradiente trocar de sinal no domínio um escoamento barotrópico é candidato ao crescimento de uma instabilidade (Cushman-Roisin, 1994), a Figura 2 mostra dois escoamentos, onde o da Figura 2(a) é estável e o da Figura 2(b), adaptado de Cushman-Roisin (1994), pode vir a desenvolver um processo de instabilidade, pois neste último a referida troca de sinal ocorre no domínio. A instabilidade baroclínica é exemplificada pela "cunha de instabilidade" citada na seção 3.4 deste artigo (ver Fig. 7).








Escoamentos estratificados em um sistema em rotação como a Terra podem estar sujeitos às instabilidades barotrópica e baroclínica que fazem parte de uma faixa ampla de tipos de instabilidade chamada "instabilidade combinada barotrópica-baroclínica", que ocorrem quando o escoamento é cisalhado em ambas as direções: horizontal e vertical. Não havendo cisalhamento horizontal a instabilidade que pode se desenvolver se situa em um extremo desta faixa: a instabilidade baroclínica. Por outro lado, na ausência de cisalhamento vertical, a instabilidade que pode se desenvolver se localiza na outra extremidade da faixa: a instabilidade barotrópica.

Ao leitor interessado em informações mais detalhadas sobre instabilidades indicamos os livros de Kundu & Cohen (1990) e Cushman-Roisin (1994).

O DIAGRAMA DE LORENZ

Nesta seção os processos físicos que influenciam no balanço de energia de cada bloco do Diagrama de Lorenz serão detalhados, totalizando quatro balanços associados com os reservatórios de ECM , ECT , EPM e EPT . Todas as conversões envolvidas com a EP são de fato conversões de EPD . Será suposto que um volume de controle, o qual compreende todo o domínio de estudo (grande volume), foi dividido em volumes elementares (pequenos volumes) sobre os quais os balanços aqui desenvolvidos serão aplicados.

Para o desenvolvimento dos balanços de energia uma segunda decomposição é aplicada na parte dinâmica do campo de massa, definido em termos de temperatura pela Eq. (1). Estadecomposição segue a Eq. (11), obtendo-se então (Cronin & Watts, 1996):

A média temporal é somada com o campo básico, configurando um campo de massa médio final, independente do tempo, dado por:

O balanço de energia cinética média

A energia cinética média (ECM ) no volume elementar, por unidade de massa, de acordo com a Eq. (16), será dada por:

O balanço da ECM pode ser obtido pela promediação do produto escalar entre o vetor velocidade média e as equações médias do momentum, na forma:

Como a Eq. (4) promediada corresponde à Eq. (13), obtemos:

Segue-se uma análise dos termos da Eq. (24). O termo 1 representa a variação local da ECM e é nulo no movimento estacionário. O termo 2 pode ser reescrito como:

Este termo representa a Advecção da ECM pelo Escoamento Médio, termo que chamaremos de AECM_EM . O termo 3 expandido, depois de alguma manipulação algébrica, resulta em dois outros termos dados por:

O termo A da Eq. (26) é citado em Kundu & Cohen (1990) como um produto de tensões turbulentas pela taxa de deformação do campo médio. Já Cronin & Watts (1996) tratam este termo como fluxos de momentum horizontal que são orientados em sentido contrário ao do gradiente do momentum médio (downgradient ). As componentes do termo A, dadas por

podem ser positivas ou negativas, dependendo do sinal do gradiente do momentum médio. Contudo, o sinal das demais componentes do termo A carece de uma melhor interpretação. A Figura 3 mostra um perfil horizontal de velocidade no plano x-y dado por = (y) com = 0. Uma partícula de fluido, devido a uma perturbação de velocidade v' (suposta negativa), se desloca da posição A para B, transportando consigo a velocidade média do ponto A, a qual é maior que a velocidade média do ponto B, ocasionando então uma perturbação u'> 0 na velocidade deste ponto, logo, o produto será negativo.

A seta maior na Figura 3 indica o sentido do gradiente de momentum médio (positivo), ou seja, o fluxo é realmente downgradient . Simulações semelhantes, com a variação do sentido deste gradiente e/ou o sentido das perturbações da velocidade, mostram que os fluxos de momentum turbulentos cruzados, dados por

são sempre negativos e downgradient . Finalmente, a análise realizada nas componentes do termo A permite dizer que o mesmo pode ser positivo ou negativo. Este termo A é comumente tratado na literatura (e.g., Dewar & Bane, 1985 e Kundu & Cohen, 1990) como o termo de conversão barotrópica (CBT ), o que será mantido neste trabalho. Porém, um processo de conversão barotrópica consiste no aumento da energia do campo turbulento (perturbado) do escoamento à custa do consumo de energia cinética do escoamento médio (conversão de ECM para ECT ). Portanto, um real processo de conversão barotrópica ocorre somente quando as componentes dominantes do termo A forem fluxos de momentum turbulento downgradient . É a esta situação que Cronin & Watts (1996) se referem quando de sua definição para o termo CBT . Naquelas situações em que estes termos dominantes correspondem a fluxos no sentido do gradiente do momentum médio (upgradient ) estará configurado um processo de "sobre-estabilidade barotrópica", conforme Dewar & Bane (1989). Alguns artigos que fazem referência a este tipo de conversão (contra a "cascata de energia") são Brooks & Niiler (1977), Plumb (1983) e Dewar & Bane (1985).

O termo B da Eq. (26) é tratado por Kundu & Cohen (1990) como um transporte da ECM pelas tensões de Reynolds. Este termo será tratado como TECM_TR .

Voltando a Eq. (24), o desenvolvimento do termo 4 mostra que ele é nulo. O termo 5, por sua vez, com a utilização da Eq. (2) da geostrofia, pode ser reescrito na forma:

mostrando que este termo pode ser interpretado como um trabalho horizontal da pressão sobre o escoamento médio, o qual será tratado como THP_EM . O termo 6 representa o trabalho vertical da pressão sobre o movimento médio, aqui tratado como TVP_EM . Mais precisamente, o trabalho da pressão é realizado sobre a componente ageostrófica do escoamento médio. Finalmente, o termo 7 representa o fluxo vertical de calor devido ao escoamento médio e será tratado como FVC_EM . A equação final do balanço de ECM , onde o lado esquerdo da equação será igualado a zero por estar sendo assumido um movimento estacionário (ou estatisticamente estacionário), tem a forma:

Cabe destacar que os dois últimos termos da Eq. (28) se anulam, visto que são oriundos da equação do balanço hidrostático, ou seja: TVP_EM + FVC_EM = 0 . De acordo com Cronin & Watts (1996), apesar destes termos se anularem, eles são muito importantes no balanço da energia no oceano, uma vez que eles acoplam os campos de massa e de escoamento (velocidade). A redistribuição do campo de massa, oriunda de uma mudança da inclinação das isopicnais, o que resulta em um fluxo vertical de calor, modifica a pressão hidrostática local e, conseqüentemente, o gradiente horizontal de pressão, resultando em um trabalho de pressão sendo realizado sobre o escoamento médio. Observa-se então que estes trabalhos de pressão estão associados com mudanças na ECM que estão, por sua vez, vinculadas às trocas na EPD do sistema, tendo em vista que estes trabalhos alteram a posição do centro de massa do fluido. Estes trabalhos de pressão conectam então as caixas de ECM e de EPM do Diagramade Lorenz.

O balanço de energia cinética turbulenta

A energia cinética turbulenta (ECT ) do sistema é definida como:

Cronin & Watts (1996), com o objetivo de facilitar a manipulação matemática, definem uma segunda forma de ECT , não promediada no tempo, dada por:

O balanço da ECT pode ser obtido pela promediação do produto escalar entre o vetor velocidade turbulenta e as equações turbulentas do momentum, na forma:

Como a componente turbulenta da Eq. (4) corresponde à Eq. (14), obtemos:

Segue-se uma análise termo a termo da Eq. (32). O termo 1 representa a variação local da ECT e será anulado conforme já explicado anteriormente. O segundo termo, se desenvolvido, fornece a mesma expressão do termo de conversão barotrópica CBT do balanço de ECM da Eq. (28), porém, com sinal contrário. Isto confirma a relação entre os reservatórios de ECM e ECT já citada no balanço anterior.

Os termos 3 e 4 da Eq. (32) podem ser escritos na forma:

os quais refletem, respectivamente, a advecção da ECT pelo escoamento médio, tratado como AECT_EM , e a advecção da ECT pelo escoamento turbulento, este tratado como AECT_ET . O termo 5 após o desenvolvido resulta nulo. Os termos 6 a 8 são similares aos termos 5 a 7 do balanço da ECM e sofrem o mesmo tratamento. Novamente, o trabalho vertical da pressão, agora sobre o escoamento turbulento, é anulado pelo fluxo turbulento vertical de calor. A equação final do balanço de ECT em um volume elementar, para um movimento estacionário, tem então a forma:

Neste sentido, seguindo a Eq. (35), o Diagrama parcial de Lorenz, que reúne os processos físicos envolvidos com a EC , já pode ser esboçado como apresentado na Figura 4(a). Na Figura 4(b) é considerado o equilíbrio hidrostático entre os TVP e os FVC .Os "blocos circulares" do Diagrama modificado (Fig. 4(b)) representam o acoplamento do campo de massa com o de escoamento. Cabe destacar que não há necessidade dos valores de entrada destes blocos coincidirem com os seus valores de saída (Cronin& Watts, 1996).

O balanço de energia potencial média

A energia potencial média EPM disponível para conversão, pode ser expressa como (LeBlond & Mysak, 1978):

O balanço de EPM pode ser obtido pela multiplicação daEq. (6) do calor, em sua forma promediada, pelo fator gα /θz, o que resulta:

O termo 1 da Eq. (37) representa a variação local da EPM . O termo 2 resulta na expressão -·∇h EPM, ou seja, representa a advecção da EPM pelo escoamento médio, o qual será tratado como AEPM_EM . O termo 3, após alguma manipulação matemática, resulta numa nova expressão, a qual conta com dois termos A e B:

Cronin & Watts (1996) destacam o termo B como um fluxo turbulento horizontal de calor no sentido downgradient docampo de temperatura média. Durante a discussão do balanço da EPT , a seguir, este termo será abordado com minúcia. O termo A, de forma análoga ao termo B da Eq. (26), representa um transporte da EPM pelos fluxos turbulentos de calor e será tratado como TEPM_ET . O termo 4 da Eq. (37) representa um fluxo vertical médio de calor, o qual aparece com sinal contrário no balanço de ECM , ou seja, este termo conecta os blocos de ECM e EPM do Diagrama de Lorenz, e será tratado como FVC_EM . O balanço final de EPM para um escoamento estacionário tem então a seguinte forma:

Este fluxo vertical de calor, conforme visto no balanço de ECM, é equilibrado pelo trabalho vertical da pressão TVP_EM , sendo a pressão a forçante responsável pelo acoplamento entre o campo de massa e o de velocidade que une os blocos de EPM e ECM.

O balanço de energia potencial turbulenta

São definidas duas expressões para a energia potencial turbulenta EPT , de forma similar a ECT , como segue:

O balanço de EPT pode ser obtido pela multiplicação da Eq. (6) do calor, em sua forma turbulenta, pelo fator , seguida da extração da média temporal da equação resultante, o que fornece:

Como antes, será feita uma análise termo a termo na Eq. (42). O termo 1 indica a variação local da EPT . Os termos 2 e 4 podem ser reescritos como:

os quais representam, respectivamente, a advecção da EPT pelo escoamento médio, o qual será tratado como AEPT_EM , e a advecção da EPT pelo escoamento turbulento, que será tratado como AEPT_ET . O termo 3 da Eq. (42) fornece:

Este termo, o qual já surgiu na equação do balanço da EPM com sinal contrário, une os reservatórios de EPM e EPT . Conforme destacado no balanço anterior este termo é tratado como um fluxo turbulento horizontal de calor no sentido downgradient da temperatura média. Para exemplificar este destaque, a Figura 5 mostra duas massas de fluido com temperaturas diferentes (T1 > T2) e uma partícula do fluido que se move da posição A para B devido a uma perturbação de velocidade zonal u'g > 0.

Teremos então um fluxo turbulento de calor < 0, ou seja, no sentido downgradient do campo de temperatura média. Se o sentido de u'g for invertido, o fluxo de calor continuará sendo negativo e ainda downgradient . Nestes casos, exemplificados pela Figura 5, ocorre uma conversão de EPM para EPT . Entretanto, uma análise mais cuidadosa com a consideração das duas parcelas do termo 3, mostra que nem sempre este fato se repete. Estas parcelas são dadas por:

Em determinadas configurações do campo horizontal de massa uma destas parcelas pode ser upgradient do campo de temperatura média e, se esta for a parcela dominante do termo 3, este terá valor final negativo e teremos uma conversão de EPT para EPM .

O termo 5 é um fluxo turbulento vertical de calor. O sinalnegativo era esperado, pois este mesmo termo é positivo no balanço de ECT , onde foi chamado de FVT_ET . Como os termos 3 e 5 representam fluxos de calor, uma análise conjunta destes dois termos pode ser feita sobre dois cenários: (a) termo 3 suposto positivo ( downgradient ) e (b) termo 3 suposto negativo ( upgradient ). A primeira análise será realizada com o cenário (a). A Figura 5 pode ser refeita para a visualização de um movimento vertical, o que é mostrado na Figura 6.

Nesta nova configuração uma partícula de fluido se move de B para A, devido a uma perturbação de velocidade w'a , suposta negativa, o que resulta em < 0, ou seja, um fluxo turbulento de calor downgradient . Este mesmo fluxo downgradient se repete com a inversão do sentido da perturbação de velocidade . Cabe destacar que este fluxo turbulento vertical de calor pode ter dois sentidos, ou seja, quando negativo (positivo), ocasiona um aumento (redução) de EPT , o que ocorre com uma estratificação estável (instável). No balanço de ECM foi mostrado que os fluxos verticais de calor conectam os blocos de EC e de EP no Diagrama de Lorenz. Em uma estratificação estável, conseqüentemente, haverá uma redução na ECT do fluido.

Uma situação especial de fluxo turbulento de calor, contudo, pode ocorrer numa condição de estratificação estável, conduzindo a um aumento da ECT , com conseqüente redução da EPT .A Figura 7 mostra duas camadas de fluido separadas por uma superfície isopicnal inclinada ( Is ). Para uma situação estável é exigido T1 > T2. O movimento de uma partícula de fluido da posição A para B, com a suposição de perturbações de velocidade u'g < 0 e w'a > 0, gera o fluxo turbulento horizontal de calor < 0 (downgradient ) e o fluxo turbulento vertical de calor > 0 (upgradient ). O movimento de B para A resulta em fluxos de calor idênticos.

Este fluxo vertical de calor terá como conseqüência um aumento na ECT e uma redução na EPT . O processo completo, chamado de instabilidade baroclínica, envolve também um fluxo horizontal de calor que extrai energia da EPM convertendo-a em EPT , a qual é convertida em ECT via um fluxo vertical de calor. O processo recebe este nome visto que o crescimento da ECT se dá à custa da EPD do fluido, a qual, por sua vez, depende da distribuição horizontal do campo de massa, característica dos escoamentos baroclínicos (Charney, 1947). Neste caso a posição do centro de massa do fluido é rebaixada. A estreita faixa do campo de massa onde este processo ocorre (marcada pelo ângulo h na Fig. 7) é conhecida como "cunha de instabilidade". Para maiores detalhes consultar Orlansky & Cox (1973) e Pedlosky (1987). A conversão entre as formas de energia EPM e EPT é conhecida como "conversão baroclínica", a qual corresponde ao termo 3 da Eq. (42), que será tratado como CBC . No caso desta conversão ser no sentido de EPM para EPT configura-se a primeira etapa de um processo de instabilidade baroclínica. No estudo das interações entre os fluxos médio e turbulento na Corrente do Golfo, realizado por Cronin & Watts (1996), a dominância da instabilidade baroclínica sobre a barotrópica foi identificada pela presença de fluxos turbulentos verticais de calor upgradient , os quais são assinaturas térmicas deste tipo de instabilidade. Naquelas situações em que o termo 3 da Eq. (42) é negativo, o que configura o cenário (b), quando ocorre uma conversão de EPT para EPM , temos o processo conhecido como "sobre-estabilidade baroclínica", citado em Hall (1986), Rossby (1987), Hall (1991), Jayne & Marotzke (2002) e Scott & Arbic (2007). Neste processo o fluxo turbulento de calor horizontal é upgradient do campo de temperatura média.

O balanço final de EPT para um escoamento estacionário tem então a forma:

O fluxo turbulento vertical de calor FVC_ET , conforme visto no balanço de ECT (onde tem sinal positivo), é balanceado pelo trabalho vertical da pressão TVP_ET , sendo a pressão responsável pelo acoplamento entre os campos de massa e velocidade que une os reservatórios de EPT e ECT . O Diagrama de Lorenz mais completo pode agora ser montado. Os blocos de EP dos Diagramas da Figura 4 são agora completados com novos termos de energia, o que é mostrado nas Figura 8(a) e 8(b).


A PARTE DINÂMICA DO FLUXO DE CALOR

Como o escoamento geostrófico é horizontalmente não divergente, a advecção de calor resultante só pode ser associada com fluxos de calor horizontalmente divergentes, dados por h () e . A "assinatura" de um fluxo turbulento horizontal de calor downgradient pode indicar um enganoso processo de conversão baroclínica crescendo a partir de um fluxo de calor puramente não divergente quando, então, nenhuma advecção de calor líquida está ocorrendo. A conversão baroclínica é um processo de advecção de calor que tende a baixar o centro de massa do fluido e, portanto, conduzindo o sistema para uma condição de maior estabilidade. Em outras palavras, fluxos turbulentos de calor não divergentes não estão relacionados às situações de advecção líquida de calor que, por sua vez, estão correlacionadas com eventos de conversão baroclínica (Marshall & Shutts; 1981; Illari & Marshall, 1983 e Cronin & Watts, 1996). Phillips & Rintoul (2000) fazem referência a este fato no cálculo do termo CBC para a região da Corrente Circumpolar Antártica ao sul da Austrália, ao citar que sua estimativa para a magnitude deste termo pode estar sobreestimada por um fator 2, comosugerido por Cronin & Watts (1996), caso não seja separada a parte divergente da não-divergente do fluxo de calor. Jayne &Marotzke (2002), em estimativas do transporte de calor turbulento no oceano global, também salientam a importância desta separação.

O termo de conversão baroclínica CBC dos balanços de EP não distingue a parte divergente da não divergente do fluxo de calor associado a este termo. Torna-se então necessário extrair deste termo a componente relativa ao fluxo divergente, única parcela que deve figurar nas equações do balanço de energia. Cronin & Watts (1996) chamam esta parcela de taxa de conversão baroclínica dinâmica (CBC_D ) a qual é dada por:

Na Eq. (48) o gradiente horizontal é aplicado a e não mais em , o que não modifica a expressão original, pois a diferença entre estas duas variáveis é θ(z) cujo gradiente horizontal é nulo. O método introduzido por Marshall & Shutts (1981) permite a separação das parcelas divergente e não divergente de um fluxo de calor promediado no tempo. Neste método os autores decompõem as velocidades média e turbulenta do escoamento geostrófico em duas parcelas, ou seja:

A parcela u|| é responsável pelo "fluxo" de calor paralelo às isotermas do campo de temperatura média, garantindo-se então a não advecção de calor, enquanto a parcela u⊥ será responsável pelo fluxo entre as isotermas (transversal) e, conseqüentemente, pela advecção líquida de calor. Com o objetivo de encontrar a parcela u||, Marshall & Shutts (1981) utilizam a função corrente y aplicada a teoria quase-geostrófica (ver seção 2), a qual mantém relação com as componentes da velocidade geostrófica u de acordo com a Eq. (9). O método parte do pressuposto quese as linhas de corrente média podem ser aproximadas às isotermas de temperatura média, ou seja, = (), então as velocidades || e podem ser determinadas através do fator empírico d/d (suposto válido para os escoamentos médio e turbulento) conforme as expressões:

A parcela não divergente do fluxo turbulento de calor , considerando-se as Eq. (49) e (50), será então dada por:

Cronin & Watts (1996) recomendam cautela na utilização da Eq. (52), pois se ela não "capturar" com precisão a parcela não divergente do fluxo turbulento de calor, o fluxo residual não será puramente divergente. Eles recomendam que, para o caso de condições de contorno fechadas, é preferível determinar as parcelas do fluxo resolvendo-se a respectiva equação de Poisson, como em Lau & Wallace (1979).

Marshall & Shutts (1981), com a utilização das Eqs. (50) e (52), e utilizando a identidade

multiplicada pelo fator (gα/2θz) d/d, obtiveram uma importante identidade:

A Eq. (53) mostra que, sendo assumida uma boa acurácia do método citado, a fração não divergente do fluxo turbulento horizontal de calor (lado direito) é diretamente balanceada por um termo advectivo de EPT (lado esquerdo). Esta advecção é realizada pela "componente" da velocidade geostrófica média que não advecta calor, ou seja, associada ao fluxo de calor paralelo às isotermas do campo de temperatura média. O balanço de EPT dado pela Eq. (46), após a decomposição proposta, pode ser reescrito na forma:

A utilização do termo "dinâmico" refere-se às parcelas da equação do balanço de EPT que podem ser relacionadas com os verdadeiros eventos de conversão baroclínica. A utilização da Eq. (53) permite o cancelamento dos termos em destaque na Eq. (54). Ostermos restantes dão origem a uma nova modificação no Diagrama de Lorenz que assume a forma final mostrada na Figura 9. Chinn & Gille (2007), para o cálculo do fluxo de calor turbulento para a Corrente do Golfo, fazem menção que a componente perpendicular ao campo médio de velocidade desta corrente está associada ao fluxo de calor divergente, conforme discutido por Marshall & Shutts (1981).


DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Nesta seção, os aspectos mais relevantes ao entendimento do Diagrama de Lorenz para a dinâmica oceânica serão discutidos. Na seção 3 foi constatado que inúmeros processos advectivos e de transporte estão associados com cada reservatório de energia do Diagrama de Lorenz. A consideração do domínio de estudo como um grande volume de controle, composto de vários volumes elementares, onde em cada um deles é realizado um balanço energético, permite a visualização destes processos.A abordagem utilizada na seção 3 apresentou os balanços de ECM , ECT , EPM e EPT aplicados a cada um destes pequenos volumes (elementares), os quais podem representar pontos de uma grade numérica ou profundidades de uma seção de fundeio. A transferência de energia através das faces destes volumes elementares representa um fluxo de energia de uma parte do fluido para outra, portanto não contribuindo para o balanço de energia do volume total, exceto no caso de haver fluxo na sua superfície externa. A dissipação de energia em cada volume elementar, entretanto, contribui para a perda de energia total do grande volume (e.g. Gill, 1982). A consideração de determinados fluxos de energia fica então condicionada à escolha do volume de controle. Definindo-se K como a energia cinética total contida no grande volume, dada por:

a equação que fornece a taxa de variação temporal dK/dt para um fluido homogêneo, tem como forma (Gill, 1982):

onde é o fluxo de energia através da área elementar dS da superfície externa deste volume, dirigido para fora, e ε é a taxa de dissipação de energia, sempre positiva, dada por (e.g. Gill, 1982):

O segundo termo da Eq. (56) indica então a transferência total de energia através da superfície externa do volume de controle.

Esta equação pode ser aplicada no oceano, mesmo com fronteiras móveis, desde que compostas das mesmas partículas de fluido, como é o caso da sua superfície livre (no caso de não ser admitida troca de massa com a atmosfera). Este grande volume oceânico, conforme já citado, também poderia ser dividido em uma grande quantidade de volumes elementares e, em cada um deles, os balanços de energia da seção 3 poderiam ser aplicados. Neste caso, o somatório de todos estes balanços forneceria também os termos dados pela Eq. (56). A contribuição advectiva resultante deste somatório é nula, pois não foram consideradas trocas entre os volumes elementares e o contorno (suposto fechado) nos balanços da seção 3. Conseqüentemente, o segundo termo da Eq. (56) também deve ser nulo para esta mesma situação. Na realidade, energia é transferida da atmosfera através da superfície livre do oceano pelo trabalho da força de pressão e da difusão. No fundo do oceano, como a velocidade normal é nula, nenhum trabalho da pressão pode ser realizado. A perda de energia no grande volume está relacionada com tensões de cisalhamento agindo no fundo e com a própria dissipação viscosa agindo internamente em todo o fluido. Esta perda não foi contemplada nos balanços dos volumes elementares da seção 3 em virtude da consideração de que não há transferência de energia pelos contornos e de um movimento estacionário.

Para exemplificar mais ainda esta diferença de abordagem (pequeno x grande volume) é apresentado o balanço geral da EC para um grande volume, retirado de Kundu & Cohen (1990).A equação deste balanço, em notação indicial original de Kundu & Cohen (1990), com os índices "i" e "j" variando de 1 até 3, é dada por:

onde os termos Eij e eij representam os tensores das taxas de deformação do escoamento médio e turbulento, respectivamente, e onde w = wa. Uma análise da Eq. (58) mostra que:

(i) ela inclui todos os termos das equações dos balanços de ECM e ECT apresentados na seção 3;

(ii) seus termos de dissipação viscosa não surgiram no desenvolvimento apresentado na referida seção pelo fato do oceano ter sido considerado em movimento estacionário e que nenhuma troca de energia é realizada pelos contornos;

(iii) o termo relativo à conversão barotrópica, tratado como CBT , não aparece em virtude do mesmo não alterar a quantidade de EC total presente no sistema;

(iv) os termos relativos aos trabalhos de pressão TH(V)P_EM e TH(V)P_ET estão sendo tratados como termos de transporte, visto que ao ser considerado um grande volume o trabalho da pressão apenas redistribui a EC sem, contudo, alterar a sua quantidade;

(v) os termos advectivos deduzidos na seção 3 não estão explicitados, ou seja, eles também não contribuem para a variação da EC no grande volume, ocorrendo advecção apenas entre os pequenos volumes. Estes termos advectivos estão agregados na derivada total da EC total do sistema e no quarto termo de transporte que, caso expandido, representa o termo AECT_ET e

(vi) o termo TECM_TR do balanço de ECM está representado pelo terceiro termo de transporte.

Os termos de transporte de Kundu & Cohen (1990) constam da Eq. (58) na forma de um divergente do fluxo. Se esta equação for integrada em todo o grande volume de controle, para obter a taxa de variação total (ou global) da EC , então os termos de divergência podem ser transformados em uma integral de superfície com a utilização do Teorema de Gauss (Kundu & Cohen, 1990) expresso por:

Definindo-se a propriedade Q como o somatório dos termos de transporte da Eq. (58), significa que se houver produção (consumo) da propriedade dentro do volume, haverá fluxo da propriedade para fora (dentro) da superfície de controle. Esta variação interna de Q não ocorrerá no grande volume de controle oceânico por não estar sendo considerado fluxo de energia pela sua superfície externa, ou seja, este termo de transporte apenas representa a transferência de energia de um local para outro dentro do grande volume sendo, portanto, constante o valor do somatório.

Conforme mostra a Eq. (58) as únicas maneiras possíveis de haver variação da EC (média e turbulenta) de um grande volume de controle, suposto isolado do meio exterior, são:

(i) através das interações desta forma de energia com a EP (ver a quarta propriedade da EPD citada em Lorenz (1955) que consta na seção 2.3 do presente trabalho), através dos termos de fluxo de calor vertical e

(ii) pela dissipação viscosa, que sempre reduz a quantidade de EC total no volume.

Cabe destacar que a única maneira de reduzir a energia total (EP mais EC ) do grande volume de controle é através da dissipação viscosa que acontece no interior de todo o fluido, a qual ocorre em escalas espaciais muito pequenas, e pela ação de tensões de cisalhamento no fundo do oceano (face inferior do grande volume). A taxa de redução da energia total de um sistema oceânico aberto (que interage com a atmosfera) é função da diferença entre a transferência de momentum e energia entre o oceano e a atmosfera e a ação dos agentes de dissipação viscosa e de cisalhamento.

As conversões de energia que ocorrem no Diagrama de Lorenz podem ser resumidas com a utilização da expressão C(A,B) a qual indica conversão da forma de energia A para a forma de energia B (Miller & Lee, 1995). Por definição, caso o valor de C(A,B) seja negativo a conversão se dá em sentido contrário, de B para A (Dewar & Bane, 1985 e Hall, 1991). Com esta notação e considerando como a energia cinética média (ECM ) do sistema, K' como a energia cinética turbulenta (ECT ), como a energia potencial média (EPM ) e P' como a energiapotencial turbulenta (EPT ), o Diagrama de Lorenz contém as seguintes conversões:

Nas conversões entre EP e EC estão sendo mantidas aquelasexpressões fornecidas pelo Diagrama de Lorenz tradicional por serem as mais citadas na literatura (e.g. Holton, 1992; Wilkin & Morrow, 1994; Biastoch & Krauss, 1999 e Oliveira et al., 2001). Caso C(, K') seja positivo estará identificado um processo de instabilidade barotrópica no sistema. Este termo, independentemente de sinal, caracteriza uma conversão barotrópica. Caso C(, P') seja positivo estará identificada a primeira etapa deum processo de instabilidade baroclínica no sistema. Este termo, independentemente de sinal, caracteriza uma conversão baroclínica. Esta conversão já inclui a correção dinâmica introduzida no Diagrama de Lorenz por Cronin & Watts (1996). As conversões citadas, conforme adaptação de Holton (1992), podem ser reunidas na forma:

onde ε é um termo de dissipação de energia. Do conjunto de Eq. (64) podemos obter uma equação que mostra a variação de energia total para um dado volume oceânico que não interage com a atmosfera:

Para um oceano invíscido o lado direito da Eq. (64) se anula e a energia total do sistema é conservada. Uma fonte de energia externa ao sistema poderia ser representada pela inclusão de um termo F do lado direito desta equação, decomposto em sua parte média e flutuante. Uma média de longo período aplicada ao termo esquerdo da Eq. (64) deve anular este termo, mostrando que a dissipação da EC do sistema deve ser compensada pelas fontes externas de energia, na forma (Holton, 1992):

Este termo F na atmosfera depende basicamente da ação solar, enquanto que no oceano está diretamente vinculado a sua interação com a atmosfera (vento sobre a superfície do oceano, atuando como fonte para EC , e aquecimento diferencial na superfície do oceano, afetando as variações de densidade, atuando como fonte de EPD ).

Finalmente, a importante contribuição de Cronin & Watts está no fato de explicitar que a energia transita entre os campos de massa e velocidade através da circulação secundária (campo ageostrófico), transferência esta realizada pelo trabalho da pressão. Outra contribuição, igualmente relevante, está no fato de terem associado a conversão baroclínica com o fluxo de calor turbulento divergente, a qual está relacionada com a advecção liquida de calor como é requerido para um verdadeiro processo de conversão baroclinica. O Diagrama de Lorenz com estas modificações é apresentado na Figura 9.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho é uma contribuição ao projeto SOS-CLIMATE (CNPq/MCT/PROANTAR, processo: 520189/2006-0) e constitui, também, em um marco à recente passagem do Prof. Dr. Edward Lorenz (1917-2008). J.L.L. Azevedo agradece o apoio: (a) do Inter-American Institute for Global Change Research (IAI) CRN 2076, o qual tem suporte do US National Science Foundation (Grant GEO-0452325) e (b) da CAPES (BEX 209707-9). L.R. Oliveira (CAPES BEX 2910/05-5; CNPq DTI-3 processo N 382217/2007-1) e M.M. Mata (CNPq Pq-2 processo 301623/2006-6) agradecem à CAPES e ao CNPq pelos apoios concedidos. Os autores também gostariam de manifestar seus agradecimentos a M. Cronin pelas discussões e sugestões que muito contribuíram na elaboração deste estudo e aos revisores anônimos que colaboraram com este trabalho.

Recebido em 30 novembro, 2007 / Aceito em 26 maio, 2008

Received on November 30, 2007 / Accepted on May 26, 2008

NOTAS SOBRE OS AUTORES

José Luiz Lima de Azevedo possui graduação em Engenharia Química pela FURG (1982) e Mestrado em Engenharia Elétrica pela UFSC (1996). Atualmente cursa o Doutorado em Oceanografia Física, Química e Geológica da FURG. É professor da FURG desde 1984. Sua pesquisa atual está direcionada no estudo dos vórtices frontais da Corrente do Brasil e sua influência na dinâmica entre a plataforma sudeste do Brasil e o oceano profundo. Tem ainda como áreas de interesse a modelagem numérica, com a utilização do Princeton Ocean Model - POM, e o estudo de dados climatológicos oriundos dos flutuadores perfiladores do projeto ARGO.

Leopoldo Rota de Oliveira é graduado em Física pela UFPEL (1998) e possui Mestrado em Oceanografia Física, Química e Geológica pela FURG (2003). Atualmenteé doutorando na FURG. Trabalhou como docente na área de Física (4 anos UFPEL/FURG). Seus trabalhos científicos têm ênfase em Oceanografia Física, sobre a circulação oceânica de meso e larga-escala, atuando principalmente nos seguintes temas e regiões: Variabilidade da Corrente do Brasil e Confluência Brasil-Malvinas, Conversões de energia e processos de instabilidade, fluxo de calor superficial para o Oceano Atlântico sudoeste.

José Francisco Almeida de Souza possui graduação em Engenharia Civil pela FURG (1979) e Mestrado em Engenharia Civil, área de concentração de Recursos Hídricos e Saneamento, pela UFRGS (1991). É professor da FURG e cursa o Doutorado em Oceanografia Física, Química e Geológica nesta instituição. Sua pesquisa atual está direcionada para a modelagem de plumas de emissários submarinos com a utilização do Princeton Ocean Model - POM. Tem ainda como áreas de interesse o estudo da turbulência e sua modelagem.

Ivan Dias Soares possui graduação em Oceanografia pela FURG (1986), Mestrado em Oceanografia Física pela USP (1995) e Doutorado em Meteorologia e Oceanografia Física pela Rosenstiel School of Marine and Atmospheric Science - University of Miami, Florida, EUA (2003). Atualmente é professor adjunto IV da FURG. Área de atuação: modelagem numérica de processos costeiros e oceânicos.

Maurício Magalhães Mata é graduado em Oceanografia (FURG,1991) e Mestre em Sensoriamento Remoto (UFRGS,1996). Em 2001 tornou-se Doutor em Oceanografia Física pela Flinders University of South Australia, Adelaide, Austrália. Desde 1992 é Professor Permanente do Instituto de Oceanografia da FURG. Sua linha de pesquisa concentra-se na circulação oceânica de meso e larga-escala, com ênfase em correntes de contorno oeste e Oceanografia Antártica. Tem especial interesse nos processos interanuais que controlam a formação e exportação de águas de fundo no entorno do continente Antártico.

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  • 1
    O subíndice "z" denota a derivada da propriedade com relação a "z".
  • 2
    A não consideração do atrito conduz a ausência de dissipação de
    EC no sistema, o que pode ser contornado com a adoção de uma dinâmica de estado estacionário (sem variação local de energia) aplicada a um volume fechado.
  • 3
    N.A.: A estratificacão é vertical, o que configura isopicnais planas e horizontais (estado básico).
  • 4
    O termo encontrado na literatura inglesa é
    Eddy, ou no caso,
    Eddy Kinetic Energy (EKE ).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      26 Maio 2008
    • Recebido
      30 Nov 2007
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