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Caracterização geofísica e hidrogeológica do cemitério Bom Jardim, Fortaleza - CE

Resumos

Um estudo multidisciplinar, envolvendo dados geofísicos, geológicos, hidrogeológicos e hidroquímicos, foi desenvolvido para a caracterização geoambiental da região do cemitério Bom Jardim em Fortaleza, Ceará - Brasil. O reconhecimento do meio rochoso foi efetuado com base em inúmeras sondagens elétricas verticais (SEV's) e seções GPR e EM-34, além de furos de sondagem com análises composicionais, granulométricas e de condutividade hidráulica das amostras de solo coletadas. A caracterização hidrogeológica da região do cemitério foi baseada na assinatura geofísica do substrato rochoso, nos dados topográficos da área, medidas dos parâmetros hidrogeológicos e análises físico-químicas da água subterrânea, obtidos em poços de monitoramento. A qualidade da água subterrânea local foi avaliada através de análises físico-químicas e microbiológicas para indicadores de contaminação por necro-chorume. Amostragens periódicas permitiram avaliar as influências sazonais nos parâmetros hidrogeológicos do aqüífero ao longo de um ciclo hidrológico completo. Concomitantemente, pretendia-se obter as assinaturas geofísicas de possíveis plumas de contaminação por necro-chorume. Contudo, altos teores de sais dissolvidos e microrganismos estão presentes em todo o aqüífero livre da região, mascarando possíveis contrastes de propriedades elétricas ou eletromagnéticas entre as áreas de maior concentração de necro-chorume na necrópole e nas regiões circunvizinhas.

caracterização geofísica; hidrogeologia; cemitério


A multidisciplinary study, involving geophysical, geological, hydrogeological and hydrochemical data, was developed to the geoenvironmental characterization of the Bom Jardim cemetery in Fortaleza, Ceará State - Brazil. The characterization of the subsurface environment has been carried out based on several vertical electric sounding, GPR and EM-34 sections, compositional, granulometric and hydraulic conductivity analyses of soil samples collected in boreholes. The hydro-geological evaluation of the cemetery site was based on the subsurface geophysical signature, topographical data, hydrogeological parameters and physical-chemical analyses of the groundwater, obtained in monitoring wells. The local groundwater quality was evaluated through physical-chemical and microbiological analyses to investigate the groundwater contamination by the leachate from the corpse decomposition. Periodic samplings allowed evaluating the seasonal influences in the hydrogeological parameters of the aquifer along a complete water cycle. This study also attempted to identify the possible geophysical signatures of contamination plumes into the cemetery site. However, high concentration of dissolved elements and organic compounds are present in the unconfined aquifer of the whole studied area, originate from residential septic tanks. This pollution source probably masks possible contrasts of electric or electromagnetic properties between the supposed contamination plume into the necropolis and the surrounding vicinity.

geophysical characterization; hydrogeology; cemetery


Caracterização geofísica e hidrogeológica do cemitério Bom Jardim, Fortaleza - CE

David Lopes de Castro

Laboratório de Geofísica de Prospecção e Sensoriamento Remoto (LGPSR), Departamento de Geologia, Universidade Federal do Ceará, Campus do Pici, Bloco 913, 60455-760 Fortaleza, CE, Brasil. Tel.: (85) 3336-9870; Fax: (85) 3336-9870 - E-mail: david@ufc.br

ABSTRACT

A multidisciplinary study, involving geophysical, geological, hydrogeological and hydrochemical data, was developed to the geoenvironmental characterization of the Bom Jardim cemetery in Fortaleza, Ceará State - Brazil. The characterization of the subsurface environment has been carried out based on several vertical electric sounding, GPR and EM-34 sections, compositional, granulometric and hydraulic conductivity analyses of soil samples collected in boreholes. The hydro-geological evaluation of the cemetery site was based on the subsurface geophysical signature, topographical data, hydrogeological parameters and physical-chemical analyses of the groundwater, obtained in monitoring wells. The local groundwater quality was evaluated through physical-chemical and microbiological analyses to investigate the groundwater contamination by the leachate from the corpse decomposition. Periodic samplings allowed evaluating the seasonal influences in the hydrogeological parameters of the aquifer along a complete water cycle. This study also attempted to identify the possible geophysical signatures of contamination plumes into the cemetery site. However, high concentration of dissolved elements and organic compounds are present in the unconfined aquifer of the whole studied area, originate from residential septic tanks. This pollution source probably masks possible contrasts of electric or electromagnetic properties between the supposed contamination plume into the necropolis and the surrounding vicinity.

Keywords: geophysical characterization, hydrogeology, cemetery.

RESUMO

Um estudo multidisciplinar, envolvendo dados geofísicos, geológicos, hidrogeológicos e hidroquímicos, foi desenvolvido para a caracterização geoambiental da região do cemitério Bom Jardim em Fortaleza, Ceará - Brasil. O reconhecimento do meio rochoso foi efetuado com base em inúmeras sondagens elétricas verticais (SEV's) e seções GPR e EM-34, além de furos de sondagem com análises composicionais, granulométricas e de condutividade hidráulica das amostras de solo coletadas. A caracterização hidrogeológica da região do cemitério foi baseada na assinatura geofísica do substrato rochoso, nos dados topográficos da área, medidas dos parâmetros hidrogeológicos e análises físico-químicas da água subterrânea, obtidos em poços de monitoramento. A qualidade da água subterrânea local foi avaliada através de análises físico-químicas e microbiológicas para indicadores de contaminação por necro-chorume. Amostragens periódicas permitiram avaliar as influências sazonais nos parâmetros hidrogeológicos do aqüífero ao longo de um ciclo hidrológico completo. Concomitantemente, pretendia-se obter as assinaturas geofísicas de possíveis plumas de contaminação por necro-chorume. Contudo, altos teores de sais dissolvidos e microrganismos estão presentes em todo o aqüífero livre da região, mascarando possíveis contrastes de propriedades elétricas ou eletromagnéticas entre as áreas de maior concentração de necro-chorume na necrópole e nas regiões circunvizinhas.

Palavras-chave: caracterização geofísica, hidrogeologia, cemitério.

INTRODUÇÃO

No geral, as principais fontes poluidoras antrópicas em meios urbanos são as redes de esgoto e fossas sépticas, os aterros sanitários, atividades industriais, postos de armazenamento e distribuição de combustíveis e cemitérios, além de drenagens superficiais poluídas e deposição de resíduos sólidos não autorizados (Pacheco, 2000; Feitosa & Manoel Filho, 2000). Dentre estas, a poluição devido aos cemitérios ocorre de maneira mais assintomática para as percepções sensoriais da população, de forma silenciosa, porém contínua. Segundo Matos (2001), até o início do século XXI os cemitérios foram apenas excepcionalmente incluídos nas listas de fontes tradicionais de contaminação ambiental, bem como têm sido raramente objetos de estudos geoambientais mais amplos e sistemáticos sobre as reais dimensões da contaminação do solo e água subterrânea causada pela decomposição de corpos humanos no meio geológico.

Após os cinco primeiros meses do sepultamento, o corpo humano se transforma, passando a ser um ecossistema de populações de artrópodes, bactérias, microrganismos patogênicos e destruidores de matéria orgânica e outros (Matos, 2001).O produto desta decomposição gera gases e líquidos putrefeitos, conhecido genericamente por necro-chorume. A presença de necro-chorume no subsolo raso pode provocar um aumento dos teores de sais dissolvidos na água subterrânea, permitindo a priori sua detecção com métodos de investigação indireta. Contudo, a assinatura geofísica desta espécie de fonte poluente pode ser de difícil observação devido às baixas concentrações dos elementos contaminantes envolvidos e as características espaciais e temporais da pluma de contaminação como descrito a seguir.

Nos cemitérios, as fontes poluentes são pontuais, representadas por corpos dispostos separadamente em sepulturas. Estes produzem pequenas quantidades de necro-chorume, lentamente ao longo de 2,5 anos. A abertura e ocupação das covas seguem um cronograma específico, sendo as sepulturas preenchidas de maneira organizada em setores pré-determinados dentro da área de sepultamento do cemitério. Portanto, têm-se as áreas fonte da contaminação sendo deslocadas ao longo do tempo útil de uma necrópole. Neste sentido, um levantamento geofísico para a detecção das fontes poluentes deve considerar também o histórico de ocupação dos setores de sepultamento.

Outra dificuldade na obtenção da resposta geofísica de eventuais contaminações por necro-chorume reside no fato de não se conhecer os parâmetros petrofísicos do meio rochoso antes da implantação do cemitério, bem como o grau de exposição do meio físico urbano a várias fontes potenciais de contaminação, principalmente em áreas densamente povoadas e/ou industrializadas. Registros geofísicos, físico-químicos e microbiológicos aparentemente anômalos podem refletir apenas processos naturais do intemperismo local ou fontes poluidoras próximas ao cemitério.

Neste contexto, o objetivo desta pesquisa pioneira no estado do Ceará foi de caracterizar o substrato rochoso da região do cemitério Bom Jardim em Fortaleza, com base em levantamentos geofísicos e geológicos, além de análises físico-químicas e microbiológicas da água subterrânea local. Concomitantemente, determinou-se a qualidade da água subterrânea, identificando a presença de possíveis contaminações e elegendo as fontes mais prováveis para a poluição local. Marinho (1998) realizou um estudo semelhante no cemitério São João Baptista, sem contudo empregar métodos geofísicos na caracterização do meio rochoso. Neste estudo, análises de 78 amostras de água de poços tubulares demonstram a presença de produtos nitrogenados oriundos da decomposição dos corpos por bactérias patogênicas. O autor relaciona o cemitério como a fonte possível desta contaminação.

A metodologia aplicada para a caracterização do meio geoambiental, susceptível a contaminação e sua propagação no substrato rochoso, constou da determinação do contexto geológico, geomorfológico e hidrogeológico no qual está inserido o cemitério Bom Jardim. Para tanto, foram realizadas investigações geofísicas com os métodos elétricos e eletromagnéticos, sondagens geológicas com análise de amostras de solo e análise da qualidade das águas através de medidas físico-químicas e microbiológicas de amostras de água coletadas em poços de monitoramento. Para a investigação das variações sazonais dos parâmetros hidrogeológicos e da qualidade da água subterrânea da região do cemitério, foi realizado um monitoramento bimestral durante doze meses em nove poços construídos na área pesquisada. O alvo principal desta investigação foi a unidade aqüífera livre, representada pela camada de regolito acima do material rochoso não-alterado.

Por fim, um diagnóstico geoambiental da região do cemitério pôde ser proposto baseado no considerável acervo de dados multidisciplinares coletados ao longo de um ciclo hidrológico completo. Os resultados obtidos e a metodologia desenvolvida fornecem importantes subsídios para a gestão dos recursos hídricos subterrâneos em meios urbanos sobre risco de contaminação por cemitérios.

O cemitério Parque Bom Jardim

O cemitério Bom Jardim é um dos cemitérios públicos mantidos pela Prefeitura Municipal de Fortaleza (CE), que está localizado no limite oeste da cidade (Fig. 1). O mesmo ocupa uma área de 0,8 km, divida em setores que vem sendo ocupados continuamente desde sua inauguração efetiva em julho de 1994.


A capacidade deste cemitério é da ordem de 51.000 sepultamentos para adultos, crianças, fetos, membros e órgãos. Com uma média de doze sepultamentos por dia, a ocupação atual é de cerca de 95% de sua capacidade total. Porém, por tratar-se de um cemitério público, após um período de cinco anos os restos mortais devem ser recolhidos pelos familiares ou transferidos ao ossuário, instalado nas próprias dependências do cemitério. Contudo, a demora na exumação e translado provoca uma situação de superlotação, que além de problemas sociais, como a impossibilidade de novos sepultamentos, provoca uma concentração excessiva de material poluente no substrato da região, potencializando o risco de contaminação dos recursos hídricos subterrâneos locais.

As sepulturas têm dimensões de 0,75 m de largura, 2,2 m de comprimento e 1,8 m de profundidade. Em cada cova, são dispostos três caixões de 0,5 m de altura, separados por uma laje de concreto. A distância entre as sepulturas é de 0,75 m, na lateral, e de 1,0 m entre as linhas de sepulturas.

Na época de sua construção, não eram exigidos por parte dos órgãos públicos relatórios de natureza sócio-ambiental para a implantação da obra, muito menos existia um Termo de Referência que regrasse licenças prévias, de instalação e operação para cemitérios. Desta feita, nenhuma caracterização geoambiental do meio rochoso foi efetuada na região para a implantação do cemitério. A falta de estudos prévios sobre o meio rochoso aumenta a importância do presente estudo sobre os possíveis impactos ambientais desta fonte poluidora na região circunvizinha.

Fontes contaminantes

Na região onde o cemitério Bom Jardim está instalado, as fontes contaminantes potenciais se restringem primeiramente ao necro-chorume, gerado nas áreas de sepultamento, e, de forma menos óbvia, as fossas sépticas. Outras fontes de contaminação comuns do meio urbano são inexistentes, visto que o cemitério está localizado em um bairro periférico do município de Fortaleza, sem indústrias, aterros sanitários e postos de abastecimento, havendo ainda muita área desabitada no seu entorno (Fig. 1). Este aspecto de escassez de fontes poluidoras favorece a detecção de uma eventual contaminação da água subterrânea originária do cemitério e/ou de fossas sépticas.

Após a morte, o corpo humano sofre putrefação, resultando na dissolução gradual dos tecidos em gases, líquidos e sais(Matos, 2001). A decomposição do corpo pode durar de poucos meses até vários anos, dependendo da ação ambiental. Com o rompimento dos tecidos, o necro-chorume pode atingir o aqüífero, transportado pelas chuvas infiltradas nas covas ou pelo contato dos corpos com a água subterrânea. Este líquido é composto por uma solução aquosa rica em sais minerais e substâncias orgânicas degradáveis, de cor castanha acinzentada, viscosa, polimerizável, de cheiro forte e com grau variado de patogenicidade.

A decomposição das substâncias orgânicas no necro-chorume pode produzir cadaverina e putrescina, que quando degradadas geram amônio em condições anaeróbicas, como no caso da putrescina, que pode ser fermentada por um grupo de clostrídios (Migliorini, 1994). Com o consumo de oxigênio, a matéria orgânica é oxidada e o amônio transformado em nitrato. Outros tipos de bactérias degradadoras de matéria orgânica (bactérias heterotróficas), proteínas (bactérias proteolíticas) e lipídios (bactérias lipolíticas) devem ser comuns na presença de necro-chorume (Matos, 2001). Bactérias excretadas por humanos devem estar presentes neste meio, como o grupo do coliforme total, estreptococos e alguns clostrídios, além de outras bactérias patogênicas e vírus humanos. Estes são os principais indicadores microbiológicos da contaminação oriundade cemitérios.

Os mecanismos de dispersão e retardamento da migração dos contaminantes químicos e microbiológicos no meio rochoso dependem basicamente do clima, tipo de solo e da natureza dos microrganismos. Segundo Gerba & Bitton (1984), os parâmetros que influenciam a propagação dos contaminantes são a temperatura, precipitação, teor de umidade do solo, atividade microbiana, pH, quantidade de matéria orgânica, textura do solo, entre outros não menos importantes. Em geral, as bactérias sobrevivem por mais tempo em temperaturas mais baixas, em solos mais úmidos, com menor atividade microbiana, em ambiente mais alcalino e com maior quantidade de matéria orgânica (Pacheco, 2000).O tempo de sobrevivência de bactérias e vírus varia muito, sendo em geral de dois a três meses, apesar de terem sido observados períodos de até cinco anos em condições ideais (Romero, 1970). E em subsuperfície, o transporte dos microrganismos pode sofrer retardamentos devido a sua retenção na superfície de minerais do aqüífero ou por moléculas orgânicas presentes no meio, podendo interagir quimicamente com o meio (Geldreich, 1998; Matos, 2001). E por fim, a parte da camada de solo não saturada entre as covas e o nível freático representa a primeira e mais importante barreira de contenção do necro-chorume para a proteção do aqüífero.

O volume de necro-chorume produzido por um cemitério pode ser estimado com base no montante de sepultamentos, no peso estimado dos corpos sepultados, em função do sexo e idade, e na quantidade presumida de necro-chorume gerado por cada corpo durante os processos de putrefação dos tecidos e órgãos. Segundo dados da administração do cemitério Bom Jardim, até julho de 2005 foram realizados exatos 49.770 sepultamentos, sendo 48,6% de homens adultos, 38,9% de mulheres adultas, 6,2% de crianças masculinas e 6,3% de crianças femininas.Com base no Censo Demográfico de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o homem adulto pesa em média 70 kg, a mulher adulta 40 kg e criança 20 kg. De acordo com Silva (1998), 57% do corpo humano em decomposição é transformado em necro-chorume. Portanto, teria-se um volume estimado de 1.505.543 L deste contaminante sendo gerado nas sepulturas e transportado para o lençol freático através da percolação da água chuva. A produção média anual de necro-chorume seria da ordem de 136.867 L. Em uma aproximação simples, teria-se apenas 1,7 L de necro-chorume por m2, considerando uma área de sepultamento de 0,8 km2.

ASPECTOS GEOAMBIENTAIS

Na área pesquisada, as cotas altimétricas variam entre 17 e 37 m em relação ao nível do mar. Já o cemitério Bom Jardim situa-se no topo de uma suave elevação topográfica de cerca de 20 m em relação às áreas circunvizinhas (Fig. 2). O eixo principal desta elevação tem orientação NNE-SSW, sendo seus flancos leste e oeste cortados por drenagens superficiais secundárias (Fig. 1). Na porção NW do cemitério, encontram-se as maiores inclinações do terreno, com declividades da ordem de 1,5º. A região mais plana da área coincide com porção central do cemitério, que representa também o topo da elevação local.


O clima local é definido como quente e apresenta regime de chuvas tropicais, com alternância de episódios secos ao longo do ano. A precipitação média anual atinge aproximadamente 1200 a 1400 mm, intercalando-se anos de escassez e de grande intensidade pluviométrica (Brandão, 1995). A temperatura média anual nas áreas litorâneas é da ordem de 26 a 27ºC, com máxima situando-se entre 31 e 32ºC, com amplitude térmica de 1,4ºC. Já o solo predominante é do tipo solonetz salodizado, originado da alteração de rochas granito-gnaíssicas do embasamento cristalino subaflorante na área. Este solo é representado por intercalações de níveis arenosos e argilosos, com diferentes teores e colorações variando de cinza amarelada a avermelhada.

Segundo Brandão (1995), a região metropolitana de Fortaleza é caracterizada principalmente pela presença de terrenos cristalinos e coberturas sedimentares cenozóicas. As unidades lito-estratigráficas aflorantes no município de Fortaleza são representadas pelo: a) Complexo Gnáissico-Migmatítico do Paleoproterozóico; b) rochas vulcânicas alcalinas relacionadas ao vulcanismo terciário do arquipélago de Fernando de Noronha; e c) coberturas sedimentares cenozóicas, constituídas pela Formação Barreiras, coberturas colúvio-eluvionares, paleodunas e dunas recentes, depósitos flúvio-aluvionares e de mangues. A região do cemitério encontra-se no domínio do Complexo Gnáissico-Migmatítico, que afloram parcialmente no limite oeste da área pesquisada.

O contexto hidrogeológico do município de Fortaleza é constituído de duas unidades que diferem amplamente quanto à vocação aqüífera de armazenar e transmitir água e que estão associadas às características geológicas da região, principalmente aos litotipos dominantes (Pedrosa, 2004). Tem-se o aqüífero sedimentar (Dunas/Paleodunas, Formação Barreiras, Aluviões e Coberturas Colúvio-eluviais) e o aqüífero cristalino (rochas ígneas e metamórficas). Dos aqüíferos sedimentares, os mantos de intemperismo ou sedimentos da cobertura colúvio-eluvial podem armazenar volumes de água úteis para captações pontuais, isto é, dependendo da espessura local. Sua maior importância reside no fato de que esta unidade recobre grande parte do meio fraturado das rochas cristalinas e funciona como áreas de recarga para as mesmas (Tajra, 2001). Este tipo de aqüífero é predominante na região do cemitério Bom Jardim.

No meio cristalino, a ocorrência de água é inerente exclusivamente à existência de fraturas abertas, interconectadas e associadas a uma zona de recarga (Quesado Junior & Cavalcante, 2000). A recarga dos aqüíferos fissurais de Fortaleza é realizada pela infiltração direta da água da chuva ou indiretamente através dos depósitos aluvionares dos rios que cruzam a cidade. O armazenamento pode estar restrito ao pacote de rochas alteradas ao longo das fraturas e/ou fendas. O escoamento subterrâneo está relacionado aos sistemas de interconexão das estruturas rúpteis, e os principais exutórios são o escoamento superficial e a evapotranspiração (Tajra, 2001).

Furos de sondagem e instalação de poços de monitoramento

Na região do cemitério Bom Jardim, foram executados dez furos de sondagem a trado e rotativa com diâmetro de 4" para ensaios de granulometria e permeabilidade dos solos, bem como para a construção de poços de monitoramento. Os furos foram distribuídos na área pesquisada de maneira a melhor caracterizar o meio rochoso e aqüífero livre, visando também detectar possíveis contaminações no lençol freático por necro-chorume. Cinco furos foram realizados dentro dos limites do cemitério e outros cinco na sua vizinhança (Fig. 3), respeitando critérios do provável fluxo hídrico subterrâneo, com base na topografia local.


No total, foram perfurados 66,6 m do regolito local, com profundidades variando de 2,5 a 15 m, em função da profundidade do nível freático e/ou no interesse de caracterizar as camadas de solo e atingir o topo da rocha não alterada. A profundidade do nível estático variou de 1,3 a 10 m nos furos, que foram perfurados pelo menos 1,0 m abaixo desta profundidade para permitir a coleta de água subterrânea durante um ciclo hidrológico completo. As sondagens e os ensaios de granulometria e permeabilidade foram realizados pelo Laboratório de Mecânica dos Solos e Pavimentação da Universidade Federal do Ceará, de acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Os ensaios de laboratório foram realizados em duas amostras a profundidades distintas para cada furo, variando 0,0 a 2,0 m de profundidade para o intervalo mais superficial e 1,0 a 6,0 m para o intervalo mais profundo. Apesar da ausência de ensaios de permeabilidade in situ ou do tipo Slug Test na região, os dados de condutividade hidráulica obtidos mostram-se bastante consistes com o contexto hidrogeológico local.

O substrato da região do cemitério é composto por três camadas de solo com altos teores de argila e areia, além cascalho, como indicam as colunas de solo observadas nos furos (Fig. 4). No geral, as áreas mais elevadas são cobertas por uma camada de areia argilosa fina a média de coloração cinza amarelada a avermelhada, sobreposta a uma camada de argila arenosa de coloração cinza avermelhada a amarelada. A camada mais basal é composta por cascalho de coloração avermelhada com intercalações de níveis mais argilosos.


No geral, as camadas argilo-arenosas apresentam valores mais elevados de permeabilidade, variando entre 0,2 × 10-6 a 8,4 × 10-6 cm/s. Os níveis mais profundos são normalmente menos permeáveis. Enquanto que, a permeabilidade das camadas areno-argilosas varia de 0,8 × 10-6 a 5,8 × 10-6 cm/s. Tais resultados indicam condições de baixa permeabilidade, com valor médio de 3,19 × 10 cm/s, para uma coluna de solo da região do cemitério bastante homogênea.

Em nove dos dez furos foram instalados poços de observação para monitorar a carga hidráulica do aqüífero livre, a qualidade da água subterrânea e a presença de contaminação proveniente do cemitério ao longo de um ciclo hidrológico completo. Medidas do nível estático, condutividade elétrica e pH foram obtidas bimestralmente, enquanto que amostras de água foram coletadas a cada quatro meses para análises físico-químicas e microbiológicas.

LEVANTAMENTOS GEOFÍSICOS

Três métodos de investigação geofísica foram aplicados para a caracterização subsuperficial do meio rochoso da região do cemitério Bom Jardim (Fig. 4). As metodologias empregadas foram a Sondagem Elétrica Vertical (SEV), o Radar de Penetração no Solo (GPR) e o Método Eletromagnético Indutivo (EM-34).A finalidade da integração das referidas técnicas é de se obter, de forma multidisciplinar, informações geofísicas em diferentes profundidades de investigação com níveis distintos de resolução. Enquanto que a SEV e o EM-34 permitem investigações mais profundas, além das camadas de solo, o GPR fornece um imageamento bastante detalhado dos níveis mais superficiais, principalmente da área de sepultamento.

Sondagens elétricas verticais

Na região do cemitério, foram realizadas nove SEV's, com arranjo Schlumberger e abertura entre os eletrodos de corrente (AB/2) máxima variando de 20 a 70 m (Fig. 5). Tais aberturas permitiram a profundidade de investigação próxima a 35 m, o que engloba toda a coluna de regolito, que na área varia de poucos centímetros até 25 m, e a porção superior da rocha não alterada. As sondagens estão distribuídas em uma malha aproximadamente regular, tendo o cemitério como ponto central.


Um resistivímetro modelo PER-80 (DPM Engenharia) foi utilizado na aquisição dos dados geoelétricos. O transmissor de corrente contínua tem uma potência máxima de 250 W. O receptor tem alta impedância de entrada (20 Mohm) e a medida é digital, com fundos de escala de 20 V, 2 V e 200 mV. As localizações geográficas das SEV's foram obtidas com um GPS Garmin 12 e suas cotas foram obtidas a partir do banco de dados cartográficos e topográficos cedido pela Secretaria de Infra-estrutura e Controle Urbano (SEINF) de Fortaleza para o Laboratório de Geofísica de Prospecção e Sensoriamento Remoto (LGPSR) da UFC.

Cada uma das nove curvas de campo, foi processada e transformada em uma curva contínua, digitalizada com seis pontos por década logarítmica, e, em seguida, invertida com base na metodologia desenvolvida por Zohdy (1989) e Zohdy & Bisdorf (1989). O resultado dessa interpretação é um modelo multicamada, no qual o número de camadas é igual ao número de pontos da curva digitalizada.

A partir do modelo multicamadas, fez-se uma redução do número de camadas compatível com a geologia, obtendo-se assim estimativas iniciais das resistividades e das espessuras das várias camadas geoelétricas. Estas estimativas foram posteriormente usadas como modelos iniciais para uma interpretação final com o programa de computador Resel , o qual utiliza os dados originais de campo, incluindo as distâncias MN (Marinho, 1997). Com tal programa, se realiza a modelagem da curva a partir do ajuste automático dos parâmetros do modelo geofísico, sendo utilizado o método dos mínimos absolutos, com a técnica da regressão em cadeia (Marinho, 1997).

Pela configuração das curvas de resistividade aparente, as SEV's da região do cemitério Bom Jardim podem ser classificadas como dos tipos KH, H e A (Fig. 5). As curvas do tipo KH ocorrem na porção mais elevada do terreno (Fig. 2), onde a camada de regolito é mais espessa, em torno de 12,5 m, e pode ser diferenciada em três camadas geoelétricas, com resistividades variando entre 7,0 a cerca de 500 Ωm. Já as curvas dos tipos H e A são características das áreas rebaixadas do terreno, nos flancos do cemitério. Nestas áreas, a inversão dos dados elétricos forneceu modelos de duas (tipo A) ou três camadas (tipo H) para um solo bastante incipiente, com menos de 4,5 m de espessura, respectivamente. O intervalo das resistividades da rocha não alterada se situa entre 15 a 96 Ωm.

A Tabela 1 sintetiza a distribuição das unidades geoelétricas obtidas pela inversão das sondagens elétricas, enquanto que a Figura 5 mostra uma seção geoelétrica da subsuperfície rasa na porção mais a norte do cemitério, ao longo do Perfil PG-06 (Fig. 3). Esta seção transversal integra informações das SEV's 02, 06 e 08 com dados dos furos 01 e 04 e revela um substrato com três camadas de regolito pouco espessas, com resistividades decrescentes e sobrepostas à rocha não alterada, com um paleo-relevo suave, acompanhando a topografia local. Nesta seção,as localizações dos furos 01 e 04 indicam os limites laterais do cemitério, ressaltando o posicionamento do mesmo na porção topograficamente mais elevada da região e a de solo mais espesso. Tais condições geoambientais são importantes para evitar o contato das sepulturas com o lençol freático, o que favoreceria a propagação do necro-chorume pelo aqüífero livre.

Radar de Penetração no Solo

O levantamento GPR foi conduzido com um Radar de Penetração no Solo, modelo SIR-2000, fabricado pela empresa GSSI e pertencente ao LGPSR. Na área entorno do cemitério e no seu interior (Fig. 4), foram realizadas doze seções GPR no modo de afastamento constante para o imageamento da subsuperfície, em um total de 5.452 m lineares.

Para a aquisição dos dados GPR, foram escolhidas antenas com freqüências centradas em 200 e 400 MHz, que fornecem melhor resolução na porção mais rasa do substrato rochoso.Contudo, as altas condutividades elétricas observadas no regolito, essencialmente, argiloso provocam uma acentuada atenuação do sinal GPR na área pesquisada. Diante desta limitação instrumental, optou-se por utilizar preferencialmente as antenas de 200 MHz, que mesmo assim não trouxe maiores detalhes da subsuperfície a profundidades superiores a 2,0 m. Excepcionalmente, foi possível observar a resposta GPR das áreas de sepultamento com antenas de 400 MHz. Já que a base das covas não ultrapassa profundidades além de 2,0 m.

Os parâmetros de aquisição das seções GPR foram definidos após inúmeros testes in situ , visando uma melhor relação entre a profundidade de investigação efetiva e as resoluções vertical e horizontal do imageamento GPR. Duas janelas temporais foram selecionadas para o imageamento do subsolo. Os intervalos escolhidos foram de 100 e 150 ns, que permitiram profundidades teóricas de investigação de 4,4 e 6,3 m, respectivamente. A amostragem vertical variou de 0,19 a 0,29 ns, ou seja, 512 amostras por traço e a amostragem horizontal foi de 20 traços por metro.

Após sua aquisição na região do cemitério, os dados GPR foram processados com os programas RADAN for Windows 4.0 e Reflexw 4.2 . No procedimento adotado, são aplicados filtros espectrais passa-alta e passa-baixa (Finite Impulse Response - FIR ) para eliminar ruídos de baixa e alta freqüências, respectivamente. Um filtro de ganho automático (Time Varying Gain - TVG ) foi, também, empregado para amplificar o sinal dos refletores mais profundos, que são mais fortemente atenuados com a profundidade. As distâncias entre os traços, controladas por um hodômetro durante a aquisição dos dados, foram, então, normalizadas e as profundidades parametrizadas a partir das profundidades conhecidas das sepulturas e pelo processo de migração no domínio do tempo aplicado no radargrama. Pela análise das hipérboles observadas nos radargramas, foi possível estimar valores para as velocidades de propagação das ondas EM da ordem de 0,088 m/ns. Com base nestes valores, a constante dielétrica média da região pôde ser estimada em cerca de 11,5.

A Figura 6 apresenta parte da seção GPR PG-06 antes e depois do processamento padrão aplicado aos dados. Nota-se que a partir de 44 ns, o sinal GPR mostra-se bastante corrompido por ruídos de alta freqüência e uma seqüência de faixas horizontais planas de baixa freqüência (Fig. 6A), mascarando os refletores reais. Um filtro horizontal passa-alta (Background Removal ) foi aplicado para remover este tipo de ruído na direção horizontal, seguido de filtros passa-alta e passa-baixa verticais para remoção do ruído restante. Os parâmetros dos referidos filtros foram um comprimento de 1023 traços para o filtro Background Removal e as freqüências de corte de 150 e 100 MHz para os filtros passa-banda verticais. Como resultado, tem-se a atenuação satisfatória dos referidos ruídos e a reconstituição da resposta GPR nos tempos superiores a 44 ns, o que corresponde a profundidades superiores a 2,0 m (Fig. 6B). Contudo, a penetratividade do sinal geofísico mostra-se limitada aos dois primeiros metros da subsuperfície devido ao alto teor de argila no solo da região, como atestado por ensaios de granulometria e permeabilidade das amostras de solo obtidas nos furos de sondagens. Refletores importantes como o nível freático, contatos das camadas do solo e o paleo-relevo da rocha não-alterada só são perceptíveis em alguns trechos das seções GPR, como discutido a seguir.


A última etapa do processamento constou da inclusão das variações do relevo nas seções GPR. As cotas retiradas do mapa topográfico da Figura 2 foram inseridas nos perfis geofísicos em intervalos de 5 m. Tal procedimento permitiu corrigir o posicionamento dos refletores segundo as ondulações do terreno, que atingem uma amplitude máxima de 20 m na área pesquisada.

No geral, a assinatura GPR do substrato rochoso da região do cemitério Bom Jardim é composta por uma seqüência de refletores plano-paralelos, ou com inclinações de baixo ângulo, na sua porção mais superficial até 1,2 m (PG-06 na Fig. 7). Pela descrição dos furos de sondagem, esta zona é preenchida por uma fina camada de areia argilosa nas porções mais deprimidas do terreno, gradando para uma espessa camada de argila arenosa de até 5,0 m de espessura nas áreas mais altas. Especialmente nas áreas de maior declive do terreno, esta seqüência mostra-se mais intensamente estratificada, apresentando terminações de refletores do tipo onlaps e downlaps (PG-08 na Fig. 7).


Logo abaixo, repousa uma segunda seqüência GPR de baixa refletividade, representada pela ausência do sinal eletromagnético (Fig. 6B). Em alguns trechos das seções GPR, esta seqüência apresenta variações laterais com o aumento do número de reflexões e de suas amplitudes (Fig. 7). A base desta seqüência é marcada pelo aumento do sinal GPR e encontra-se variando entre as profundidades de 1,8 a 2,15 m. Esta profundidade coincide com a zona ruidosa, que aparece nas seções GPR a partir de50 ns (Fig. 6A). Devido à baixa relação sinal/ruído mesmo após a filtragem dos dados, os refletores nesta região são descontínuos e de baixa amplitude. Apenas algumas feições mais marcantes podem ser individualizadas abaixo do limite de 2,0 m de profundidade, condicionadas a importantes contrastes da permissividade dielétrica do meio. Contudo, estas feições não apresentam continuidade lateral devido, provavelmente, à grande atenuação do sinal GPR neste ambiente bastante condutivo, associada às variações laterais das feições geológicas de subsuperfície.

Ao noroeste do cemitério (Fig. 4), a seção GPR PG-06 apresenta um marcante conjunto de refletores entre 1,7 a 2,2 m de profundidade, que provavelmente representa o topo da rocha não alterada (Fig. 7). Apesar de suas altas amplitudes se concentrarem entre as distâncias de 364 e 407 m, o mesmo pode ser observado ao longo de todo o trecho desta seção. Imediatamente acima, encontra-se uma seqüência de refletores de baixa amplitude, que entre 360 e 382 m mostra-se mais intensamente estratificada. Tal seqüência GPR estaria relacionada à camada basal do regolito com uma espessura média de 1,0 m nesta seção. A seqüência sobreposta se destaca por uma maior amplitude e continuidade lateral de seus refletores plano-paralelos. Esta atinge espessuras de até 1,2 m na porção inicial da seção e torna-se mais fina, cerca de 0,7 m de espessura, na direção da topografia ascendente.

A mesma configuração do substrato rochoso pode ser observada no lado oposto do cemitério, na porção sudeste da seção GPR PG-08 (Fig. 7). As duas seqüências GPR atribuídas aoregolito, observadas na seção GPR PG-06, podem ser identificadas pelos contínuos refletores plano-paralelos que acompanham suavemente a topografia local. Um conjunto de reflexões mais pronunciadas marca o limite entre as camadas de solo, que ocorre entre as profundidades de 0,6 e 1,3 m. Aparentemente, o topo da rocha não alterada não foi imageado neste trecho da seção devido ao seu posicionamento abaixo da profundidade de investigação efetiva do levantamento GPR neste local.

O topo da rocha não alterada pode ser identificado nos primeiros 18 m da seção GPR PG-12, representado por refletores a 0,8 m de profundidade, que voltam a ocorrer entre 45 e 58 m de distância, a profundidades de 0,7 a 0,95 m (Fig. 7). Neste trecho, um conjunto de refletores de alta amplitude encontra-se variando entre 2,3 a 2,6 m de profundidade. Estes devem indicar alguma variação importante na estrutura interna do pacote rochoso. A assinatura eletromagnética deste material geológico é marcada por uma expressiva ausência de reflexões, como visto nas profundidades maiores que 1,0 m.

A porção central da seção PG-01 revela a assinatura GPR da área de sepultamento (Fig. 8). Em comparação com as áreas adjacentes sem sepulturas, esta região se destaca por um elevado número de hipérboles de pequeno comprimento de onda e acentuada amplitude. Ainda na Figura 8, um modelo esquemático da distribuição dos caixões é apresentado junto com um trecho ampliado desta seção GPR para ilustrar melhor a complexidade da resposta eletromagnética da área de sepultamento. Um conjunto de até 11 fortes reflexões se concentra nos primeiros 2,0 m do substrato, principalmente nas profundidades de 0,1; 0,6; 0,7; 1,2; 1,3; 1,8 m, que representam os topos e bases dos caixões e as lajes.


Método eletromagnético indutivo

Um levantamento eletromagnético indutivo foi conduzido na região do cemitério Bom Jardim com a finalidade de integrar diferentes metodologias geofísicas para a caracterização geológica do meio rochoso. Pra este fim, foi utilizado um equipamento EM-34XL, fabricado pela empresa Geonics e composto por duas bobinas circulares interligadas por cabos. Seis arranjos interbobinas foram aplicados em cada estação de medidas, separando o par de bobinas 10, 20 e 40 m entre si e posicionando-as nas configurações vertical (Dipolo Horizontal - DH) e horizontal (Dipolo Vertical - DV). As profundidades teóricas de investigação para tais arranjos devem variar entre 7,5 a 60 m, cobrindo toda a camada de regolito e a parte superior da rocha não-alterada.

Três perfis EM foram realizados com espaçamento de 20 m entre as estações de medidas, totalizando 52 estações, com 312 medidas em 980 m de linha geofísica adquirida. Dois perfis cruzam o cemitério (PM-02 e PM-03), enquanto um terceiro (PM-01) foi levantado paralelo ao limite oeste do cemitério (Fig. 4). Pseudo-seções de iso-condutividades aparentes foram confeccionadas para cada perfil, incorporando os relevos do terreno e do embasamento, este último obtido com base nos furos de sondagens e SEV's (Fig. 9). Outros perfis não foram realizados devido ao intenso cruzamento da rede elétrica nas regiões próxima e interna ao cemitério.


No geral, o substrato rochoso apresenta baixas condutividades, na ordem de 7 a 130 mS/m, que quando convertidas para resistividades variam entre 7,7 e 143 Ωm. Tais valores de resistividade denunciam um regolito argiloso, típico do intemperismo de rochas granito-gnaíssicas do embasamento cristalino. Nos primeiros 20 m de profundidade, as condutividades são da ordem de 12 a 37 mS/m, onde predominam as camadas do solo, que na área do cemitério mostram-se ligeiramente mais condutivas. A partir dos 20 m de profundidade, as condutividades tendem a diminuir na área do cemitério para valores inferiores a10 mS/m (pseudo-seções PM-02 e PM-03 na Fig. 9) e aumentar na rua lateral ao cemitério (pseudo-seção PM-01), onde surgem duas zonas anômalas de condutividades mais elevadas. Provavelmente, estas zonas condutivas estariam relacionadas a variações composicionais do substrato rochoso não alterado.

Na área interna do cemitério, o arranjo de bobinas mais adequado para detectar variações de condutividade causadas pela presença do necro-chorume no solo e da água subterrânea é o DH-10, que investiga a profundidade teórica de 7,5 m. Neste sentido, a Figura 10 apresenta perfis rebatidos da condutividade para o arranjo DH-10. Nestes, observam-se variações da condutividade de 7,5 a 32 mS/m, com um pico anômalo de 46 mS/m no extremo NW do cemitério. Tal valor pode estar relacionado à proximidade da rede elétrica local. Nas porções central e sul do cemitério, a condutividade apresenta valores mais elevados, que podem estar relacionados a uma maior concentração de sais dissolvidos na água intersticial, provenientes da decomposição dos corpos. No caso da parte sul do perfil PM-01, as condutividades mais elevadas poderiam também estar sendo influenciadas por variações composicionais das rochas do embasamento, que no local apresentam valores de condutividade anômalos para a região (Fig. 9). Por fim, na porção centro-norte da área levantada, ocorre uma faixa de baixa condutividade nos perfis PM-01 e PM-03. Esta zona pouco condutiva de direção E-W localiza-se em uma região de baixa a média declividade do terreno, mergulhando para NW (Fig. 2). Provavelmente, o fluxo natural da água subterrânea, mais intenso nesta área, provoque uma lixiviação mais efetiva dos sais dissolvidos, provenientes do necro-chorume. Esta hipótese é meramente especulativa, visto que as análises hidroquímicas não são conclusivas para a dispersão de necro-chorume para as áreas circunvizinhas ao cemitério.


CARACTERIZAÇÃO HIDROGEOLÓGICA

A caracterização hidrogeológica da região do cemitério Bom Jardim foi realizada com base em parâmetros hidrogeológicos e hidroquímicos obtidos nos nove poços construídos nos furos de sondagem (Fig. 4). No período de novembro de 2005 a novembro de 2006, foram medidos, a cada dois meses, o nível estático, condutividade elétrica e pH da água subterrânea nos referidos poços. Em intervalos de quatro meses, amostras de água foram coletadas para análises físico-químicas e microbiológicas.

Aspectos hidrogeológicos

Em termos hidrogeológicos, o substrato da região do cemitério Bom Jardim constitui um aqüífero livre argilo-arenoso, pouco espesso, de baixa permeabilidade e formado pelo produto do intemperismo físico e químico de rochas granito-gnaíssicas pré-cambrianas. O topo da rocha não alterada segue a variação morfológica do terreno (Fig. 2) de forma bastante irregular (Fig. 11a). O paleo-relevo do embasamento encontra-se mergulhando de 25 m de cota topográfica no limite sudeste da área para 17 m na sua porção NW. Enquanto que, as espessuras do regolito acompanham o comportamento da topografia local. Ou seja, nas áreas mais elevadas o solo atinge suas maiores espessuras, de até 15 m, e nas regiões mais deprimidas as espessuras não passam de 2,0 m (Fig. 11b).





O nível estático da região foi medido nos poços de observação e estimado nas sondagens elétricas verticais. Suas profundidades máximas são da ordem de 6,5 m na porção central da área e mínimas nos flancos do cemitério, onde não ultrapassam valores inferiores a 0,6 m (Fig. 11c). As variações altimétricas do nível estático apresentam um comportamento semelhante ao paleo-relevo do embasamento nas porções central e oeste da área, onde a superfície potencialmente diminui da cota altimétricas de 30 m, sob o cemitério, para 20 m no seu flanco noroeste (Fig. 11d). Contudo, na porção leste a configuração do nível frenético parece ser mais influenciada pela topografia local, atingindo valores mínimos de 22 m acima do nível do mar. Em uma mera aproximação, o volume estimado para o aqüífero livre na região do cemitério é da ordem de 7.365.400 m3, considerando uma área superficial de 1.200.000 m2.

Nos nove poços, foram calculadas a carga hidráulica e transitividade do aqüífero livre da área pesquisada. A carga hidráulica média é da ordem de 24,69 m, não variando mais do que 5,5 m entre as áreas de menor carga hidráulica (21,66 m), nos flancos do cemitério, e as de maior carga (27,79 m), nas porções de maior altitude (Fig. 2). Em termos de escoamento da água subterrânea, a transitividade do aqüífero é baixa, variando entre 8,6 × 10-6 e 1,1 × 10-5 cm2/s, devido à baixa condutividade hidráulica do regolito, essencialmente, argilo-arenoso.

A re carga do aqüífero é dada exclusivamente pela precipitação pluviométricas, que na área pesquisada foi da ordem de 1.729,5 mm ao longo do período de monitoramento, entre os meses de novembro de 2005 a novembro de 2006. O volume de chuvas da região metropolitana de Fortaleza é medido pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos(FUNCEME), cujos dados pluviométricos são fornecidos mensalmente com base em postos de medição espalhados pela cidade. No caso do cemitério Bom Jardim, foram utilizadas as medidas obtidas no posto pluviométrico do Castelão, que dista 12 km da área pesquisada.

Análises físico-químicas

As análises físico-químicas das amostras de água subterrânea da região do cemitério foram realizadas na Unidade de Química Ambiental da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (NUTEC), que segue as diretrizes gerais do Standard Methods for the Examinations of Water and Wastewater para a realização das análises físico-químicas de amostras de água. Os parâmetros físico-químicos analisados estão dispostos na Tabela 2. Os íons maiores foram transformados em meq/L e os balanços iônicos foram realizados para as amostras das águas dos poços. Todas as amostras apresentaram afastamentos entre cátions e ânions inferiores a 5%, sendo o valor médio para todos os dados da ordem de 1,1%. Os resultados das análises físico-químicas das águas dos poços foram inseridos no diagrama hidroquímico de Piper para a classificação da água subterrânea na região do cemitério.

Na área pesquisada, a água subterrânea possui um pH médio de 7,8, sendo que no interior do cemitério o pH é mais ácido, variando entre 6,2 a 7,6, e no seu entorno apresenta valores mais básicos, da ordem de 7,7 a 8,6 (Tab. 2). Um pH médio muito próximo a 7 caracteriza um ambiente neutro para o aqüífero livre da região pesquisada, tanto nas áreas internas como externas do cemitério. Uma diminuição sutil nos valores de pH é observada nos poços com níveis estáticos mais profundos. Águas mais próximas da superfície com maior pH foram detectadas também por Migliorini (1994) e Matos (2001) em cemitérios na cidade de São Paulo.

A condutividade elétrica da água apresenta um valor médio alto de 1.144µmhos/cm, sendo que fora do cemitério as condutividades são normalmente 500µmhos/cm maiores que no seu interior. Contudo, era de se esperar um aumento na condutividade elétrica próximo as sepulturas, como observado por Migliorini (1994) e WHO (1998) em cemitérios em São Paulo e na Austrália, respectivamente. Tal fato sugere a presença de fontes geradoras de sais dissolvidos alheias ao cemitério.

A alcalinidade total média da água subterrânea é de cerca de 231 mg/L de CaCO3. A região fora do cemitério apresenta valores de alcalinidade maiores que no seu interior, denotando um ambiente menos alcalino nas áreas de sepultamento (Tab. 2). No geral, os valores de dureza total (221,6 mg/L de CaCO3), teores de matéria orgânica (15,5 mg/L de O2 cons), de sólidos dissolvidos (757 mg/L) e sólidos totais (34.533,5 mg/L) apresentam-se também mais elevados nas áreas externas ao cemitério, indicando pouca ou nenhuma influência dos elementos químicos oriundos da decomposição dos corpos nos parâmetros físico-químicos da água subterrânea local. Pela classificação das águas segundo a quantidade de sólidos totais dissolvidos de McNeely et al. (1979), as águas da região do cemitério são do tipo Doce (STD < 1.000) ou, excepcionalmente, Ligeiramente Salobra para os poços 07 e 10 (Tab. 2).

Os ânions predominantes são os cloretos e bicarbonatos, atingindo valores superiores a 300 mg/L em poços de observação fora do cemitério. As concentrações de cloretos nos poços nas áreas de sepultamento são em média cerca de 50 mg/L inferiores aos teores nos poços da região próxima ao cemitério. Na porção SE da área pesquisada, as concentrações de cloretos, obtidos nos poços PZ-07 e PZ-10, apresentam valores elevados, assim como ocorrem com os teores de sódio descritos acima. Nitritos, nitratos e hidróxidos ocorrem com valores mínimos, não sendo detectados em vários poços. Apenas no poço 08, os teores de nitratos são superiores a 5,0 mg/L, que é indicativo de contaminação da água subterrânea por atividade humana, mais provavelmente por fossas sépticas. Os principais cátions (sódio, potássio e ferrototal) apresentam valores ligeiramente altos para as concentrações médias das águas subterrâneas (Feitosa & Manoel Filho, 2000). Enquanto que, os teores dos demais cátions (cálcio e magnésio) encontram-se dentro dos intervalos considerados normais.

De acordo com o Diagrama de Piper (Fig. 12), as águas subterrâneas freáticas no interior do cemitério (PZ-01, PZ-04 e PZ-05) são classificadas como cloretadas sódicas e, na porção externa do cemitério, seriam cloretadas ou bicarbonatadas mistas, cálcicas ou magnesianas (PZ-08 e PZ-09) ou cloretadas sódicas (PZ-07 e PZ-10). O caráter cloretado sódico ou misto da água subterrânea não deve ser atribuído ao arcabouço químico-mineralógico do aqüífero, uma vez que as rochas granito-gnaíssicas pré-cambrianas não apresentam minerais ricos em cloreto. Tal composição é, provavelmente, devida às águas de precipitação que em zonas costeiras são naturalmente enriquecidas em sódio e cloreto pelos aerossóis marinhos. Os cloretos são os ânions predominantes e o sódio é o cátion mais abundante. Isto é o reflexo da facilidade de remoção destes íons dos plagioclásios e minerais ferromagnesianos das rochas cristalinas do embasamento. Algumas amostras, contudo, apresentaram um incremento relativo dos íons Ca+2, Mg+2 e HCO, fato este que ocasionou uma classificação das mesmas como águas cloretadas mistas.


Lemos & Medeiros (2006) realizaram um estudo hidrogeológico em poços e cacimbas em uma área de 6,5 km2, a qual também engloba o cemitério Bom Jardim. Seus resultados hidroquímicos são coincidentes com as características físico-químicas da água subterrânea da região do cemitério. O fato da presença de necro-chorume não modificar sobremaneira os teores de sais dissolvidos no aqüífero livre local era esperado, visto que os teores de metais dos corpos em decomposição não são elevados. O principal risco ambiental associado ao necro-chorume, certamente, reside na contaminação por microrganismos patogênicos.

Análises bacteriológicas

Segundo Matos (2001), as concentrações de coliformes totais e fecais, estreptococos fecais, bactérias heterotróficas aeróbicas e anaeróbicas, bactérias proteolíticas e clostrídios sulfito redutores serviram como indicadores microbiológicos para a detecção da pluma de contaminação da água subterrânea no cemitério Vila Nova Cachoeirinha, no município de São Paulo. Os mesmos indicadores foram analisados em amostras de água coletadas nos poços do cemitério Bom Jardim. As análises microbiológicas foram realizadas na Unidade de Microbiologia de Alimentos do NUTEC, cujos resultados são apresentados na Tabela 3.

No geral, todos os indicadores bacteriológicos apresentam concentrações muito elevadas em praticamente todos os pontos de observação e de maneira indiscriminada em relação ao seu posicionamento próximo ou distante das áreas de sepultamento (Tab. 3). A única exceção são as baixas concentrações de clostrídios sulfitos redutores, que são encontrados em quantidades inferiores a 10 UFC/mL em todas as amostras analisadas.

Em todos os poços analisados, as concentrações de coliformes totais e fecais superam valores de 3,6 × 102 NMP/100mL, o que torna a água subterrânea imprópria para o consumo humano. No geral, os poços instalados no cemitério apresentam concentrações relativamente mais elevadas de coliformes que nos demais poços, com exceção do poço PZ-08, que atinge valores acima de 2,4 × 105 NMP/100mL. Aumento nas concentrações de coliformes totais e fecais pode ser indicativo de outras fontes de contaminação que não os cemitérios (Carvalho Junior & Costa e Silva, 1997; Braz et al., 2000; Matos, 2001). Possivelmente, as altas concentrações no poço PZ-08 estão relacionadas a fossas sépticas na residência, onde o mesmo foi instalado, e nas casas vizinhas.

A distribuição espacial das concentrações de estreptococos fecais é também complexa, apresentando valores mais elevados tanto no interior do cemitério (poços PZ-01 e PZ-05) como nas áreas mais distantes (PZ-07 e PZ-08). Valores relativamente mais baixos ocorrem igualmente dentro (PZ-03 e PZ-04) e fora (PZ-06, PZ-09 e PZ-10) do cemitério. Tal padrão parece não habilitar este microrganismo com um indicador confiável para a detecção do necro-chorume no cemitério Bom Jardim.

As bactérias heterotróficas apresentam-se em altas concentrações nas amostras de água subterrânea da região, com valores entre 103 a 105 UFC/mL. As bactérias heterotróficas aeróbicas ocorrem em concentrações duas ordens superiores às bactérias anaeróbicas e estão mais elevadas nos poços internos ao cemitério (Tab. 3). Tal padrão foi observado por Matos (2001) no cemitério Vila Nova Cachoeirinha em São Paulo. Ou seja, as bactérias heterotróficas aeróbicas apresentam-se como bons indicadores da contaminação por necro-chorume. Já as bactérias anaeróbicas não mostram uma distribuição clara em relação à distância entre as áreas de sepultamento e os poços de observação.

Por fim, as bactérias proteolíticas, apesar das altas concentrações nas amostras de água analisadas, parecem não ser um indicador eficiente para a detecção da contaminação oriunda de sepultamentos. Suas concentrações são mais elevadas nos poços externos ao cemitério, chegando a atingir 1,1 × 105 NMP/100mL no poço PZ-06 (Tab. 3).

Os poços rasos ou cacimbas da região estão em grande parte contaminados por uma extensa fauna microbiana, como atestam Lemos & Medeiros (2006) em estudo recente. A fonte principal desta contaminação são as fossas sépticas, na maioria sem revestimentos internos. Nesta porção de Fortaleza, apenas 5% das residências estão ligadas ao saneamento básico municipal.

Entre novembro de 2005 e novembro de 2006, foi realizado o monitoramento de alguns parâmetros hidrogeológicos nos poços da região do cemitério Bom Jardim. Este estudo teve por finalidade averiguar a influência das variações climáticas sazonais nas concentrações locais de microrganismos no aqüífero, ao longo de um ciclo hidrológico completo. Amostras de água para análises microbiológicas foram coletadas a cada quatro meses, sendo cinco análises no total.

Com exceção das bactérias heterotróficas anaeróbicas, os demais microrganismos analisados apresentam uma distribuição padrão ao longo do ciclo hidrológico. Esta distribuição se caracteriza por maiores concentrações na primeira amostragem em novembro de 2005, seguida de uma acentuada queda já na segunda coleta, em março de 2006. Após o período chuvoso, apenas as concentrações de estreptococos fecais voltam a subir, porém para um nível muito aquém dos valores registrados no período de estiagem anterior. Tal distribuição sugere que os períodos de baixa precipitação pluviométrica favorecem o aumento das populações de microrganismos na região do cemitério devido à diminuição do fluxo local de água subterrânea e o provável aumento natural da temperatura média no regolito. As concentrações muito elevadas no mês de novembro de 2005 podem estar relacionadas a um período de chuva menos rigoroso no ano de 2005, cujo índice de precipitação foi cerca de 600 mm inferior do que no mesmo período de 2006.

A distribuição das bactérias heterotróficas anaeróbicas é bastante destoante em relação aos demais indicadores microbiológicos da região por apresentar baixas concentrações na primeira coleta e um aumento considerável na amostragem de março de 2006, em pleno período chuvoso. Aparentemente, a diminuição das demais populações microbianas e o aumento da percolação de água meteórica no sistema aqüífero parece ter favorecido o crescimento populacional de tipo de bactérias anaeróbicas. Porém, o aumento mais intenso das chuvas nos meses seguintes provavelmente culminou com a diminuição drástica destes microrganismos a semelhança do que ocorreu com a maioria da fauna microbiana de subsuperfície. Contudo, é importante ressaltar que mesmo nas concentrações mais baixas, os índices de coliformes e demais bactérias são bastante elevados para o uso doméstico da água subterrânea.

CONCLUSÕES

O presente estudo geoambiental revela que o cemitério Bom Jardim está inserido em uma região de relevo suave, na porção superior de um pequeno morrote de 10 m de altitude em relação às áreas adjacentes. A espessura da camada de regolito varia de menos de 2,0 m nos flancos do morro até 16 m na porção central, onde está localizada a necrópole. Nesta área, o nível freático encontra-se mais profundo, na ordem de 10 m de profundidade. Nas áreas menos elevadas, o nível freático chega a atingir profundidades inferiores a 0,5 m.

O regolito da região é composto por intercalações de material argilo-arenoso, produto direto do intemperismo das rochas metamorfizadas que compõem o substrato rochoso de grande parte do município de Fortaleza. Níveis de cascalho, com matriz argilosa, constituem a base da coluna de solo diretamente sobreposta à rocha não alterada do embasamento. O caráter argiloso impõe ao regolito uma baixa condutividade hidráulica da ordem de 5,8 × 10-6 cm/s.

O aqüífero local é classificado como do tipo livre e devido a sua pouca espessura e baixa permeabilidade apresenta condições desfavoráveis a captação de água subterrânea. As características físico-químicas da água evidenciam altos teores de sais dissolvidos e matérias orgânicas, com valores elevados de condutividade elétrica e pH com tendência alcalina. Microrganismos também ocorrem em concentrações elevadas na água subterrânea, sendo os principais coliformes, estreptococos e bactérias heterotróficas e proteolíticas.

A presença de microrganismos e elementos químicos bem acima dos níveis aceitáveis para o uso da água subterrânea, como ocorre de forma indiscriminada em toda a região pesquisada, sugere que as fontes poluidoras não se limitam ao necro-chorume produzido nas áreas de sepultamento. Certamente, as fossas sépticas nas residências circunvizinhas, em grande parte mais antigas que a instalação do cemitério, vem contribuindo, ao longo do tempo, de forma bem mais efetiva para a contaminação do aqüífero local do que a decomposição dos corpos sepultados.

Por fim, o levantamento geofísico multidisciplinar permitiu a caracterização do substrato rochoso da região do cemitério em diferentes profundidades de investigação e com diferentes resoluções, servindo como base para o estudo hidrogeológico. As SEV's e os perfis de EM revelam as características principaisda rocha não alterada e do regolito sobrejacente. Enquanto que o levantamento GPR forneceu um imageamento detalhado das camadas mais superficiais do solo e o sinal eletromagnético das sepulturas. A detecção não conclusiva da resposta geofísica do necro-chorume deve-se principalmente ao baixo volume de líquidos putrefeitos gerados neste cemitério e seu mascaramento pela intensa contaminação do aqüífero livre por fossas sépticas da região.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece aos bolsistas do Laboratório de Geofísica de Prospecção e Sensoriamento Remoto (LGPSR) da Universidade Federal do Ceará pela participação na aquisição dos dados geofísicos e hidrogeológicos e ao Prof. Dr. Manoel J.M. Cruz (UFBA) e revisores anônimos pelas sugestões relevantes para a elaboração da versão final do artigo. Esta pesquisa teve apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Processo nº 480409/2004-8 (Edital CNPq 019/2004 - Universal). O autor é bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Recebido em 11 março, 2008 / Aceito em 21 junho, 2008

Received on March 11, 2008 / Accepted on June 21, 2008

NOTA SOBRE O AUTOR

David Lopes de Castro é geólogo pela UFRN, mestre em Geofísica pela UFPA e concluiu o doutorado em Geofísica na Christian-Albrechts Universität - Kiel (Alemanha) em 1995. É professor adjunto da Universidade Federal do Ceará, associado ao Laboratório de Geofísica de Prospecção e Sensoriamento Remoto. Atua na área de Geociências, com ênfase em Geofísica Aplicada ao estudo de bacias sedimentares, cartografia geofísica regional, hidrogeologia e meio ambiente. É editor-chefe da Revista de Geologia (UFC) e membro da Sociedade Brasileira de Geofísica e da Sociedade Brasileira de Geociências.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Set 2008

Histórico

  • Aceito
    21 Jun 2008
  • Recebido
    11 Mar 2008
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