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Interpretação morfoestrutural com dados SRTM no auxílio à exploração petrolífera: um exemplo na bacia sedimentar do Amazonas

Resumos

A disponibilidade de modelos digitais de elevação gerados com pela SRTM abriu novas possibilidades para estudos de sensoriamento remoto geológico na região amazônica, uma vez que tais modelos realçam detalhes sutis da morfologia do terreno e da rede hidrográfica, geralmente mascarados em imagens orbitais convencionais. Usando como estudo de caso uma área localizada na Bacia do Amazonas, o presente artigo discute uma abordagem para uso desses dados como subsídio à exploração petrolífera na região. A análise da rede de drenagem extraída automaticamente daquele produto, aliada à informação altimétrica, revelou várias anomalias de drenagem que podem indicar expressão em superfície de feições geológicas em profundidade. O campo de gás de Azulão está situado exatamente nos limites de uma dessas anomalias de drenagem, sugerindo que ela deva representar a expressão morfológica das estruturas responsáveis pelo trapeamento dos hidrocarbonetos naquela área. A abordagem metodológica discutida neste artigo poderá ser replicada em outras bacias sedimentares, especialmente nas Bacias do Amazonas e do Solimões, com cerca de 1.000.000 km² cobertos pela floresta tropical.

dados SRTM; análises morfoestrutural; exploração petrolífera; Bacia do Amazonas


The availability of digital elevation models produced by the SRTM (Shuttle Radar Topographic Mission) opened new possibilities tor studies of geological remote sensing in the Amazônia, since these models enhance subtle details of the terrain and drainage system, usually masked in conventional orbital images. Using as a case study an area located in the Amazonas sedimentary basin, this article discusses an approach to use these data as an aid to oil exploration in that region. The analysis of the drainage network automatically extracted from that product, combined with altitude information provided by the digital elevation model, revealed a number of drainage anomalies, which may indicate surface expression of buried geological features. One of these drainage anomalies is located exactly within the limits of the Azulão Gas Field, and may correspond to the surface expression of the hydrocarbon trapping structures in that area. The methodological approach discussed in this study can be replicated elsewhere in the Amazonas and Solimões sedimentary basins, which together comprise about 1,000,000 km² covered by rainforest.

SRTM elevation data; morphostructural analysis; petroleum exploration; Amazonas Basin


IINPE, Caixa Postal 515, São José dos Campos, SP, Brasil - E-mails: rai@ltid.inpe.br; dmi77@uol.com.br IIPetrobras-CENPES, Ilha do Fundão, Q-7, Rio de Janeiro, RJ, Brasil - E-mail: fmiranda@petrobras.com.br

ABSTRACT

The availability of digital elevation models produced by the SRTM (Shuttle Radar Topographic Mission) opened new possibilities tor studies of geological remote sensing in the Amazônia, since these models enhance subtle details of the terrain and drainage system, usually masked in conventional orbital images. Using as a case study an area located in the Amazonas sedimentary basin, this article discusses an approach to use these data as an aid to oil exploration in that region. The analysis of the drainage network automatically extracted from that product, combined with altitude information provided by the digital elevation model, revealed a number of drainage anomalies, which may indicate surface expression of buried geological features. One of these drainage anomalies is located exactly within the limits of the Azulão Gas Field, and may correspond to the surface expression of the hydrocarbon trapping structures in that area. The methodological approach discussed in this study can be replicated elsewhere in the Amazonas and Solimões sedimentary basins, which together comprise about 1,000,000 km2 covered by rainforest.

Keywords: SRTM elevation data, morphostructural analysis, petroleum exploration, Amazonas Basin.

RESUMO

A disponibilidade de modelos digitais de elevação gerados com pela SRTM abriu novas possibilidades para estudos de sensoriamento remoto geológico na região amazônica, uma vez que tais modelos realçam detalhes sutis da morfologia do terreno e da rede hidrográfica, geralmente mascarados em imagens orbitais convencionais. Usando como estudo de caso uma área localizada na Bacia do Amazonas, o presente artigo discute uma abordagem para uso desses dados como subsídio à exploração petrolífera na região. A análise da rede de drenagem extraída automaticamente daquele produto, aliada à informação altimétrica, revelou várias anomalias de drenagem que podem indicar expressão em superfície de feições geológicas em profundidade. O campo de gás de Azulão está situado exatamente nos limites de uma dessas anomalias de drenagem, sugerindo que ela deva representar a expressão morfológica das estruturas responsáveis pelo trapeamento dos hidrocarbonetos naquela área. A abordagem metodológica discutida neste artigo poderá ser replicada em outras bacias sedimentares, especialmente nas Bacias do Amazonas e do Solimões, com cerca de 1.000.000 km2 cobertos pela floresta tropical.

Palavras-chave: dados SRTM, análises morfoestrutural, exploração petrolífera, Bacia do Amazonas.

INTRODUÇÃO

À medida que a pesquisa petrolífera avança para áreas de fronteira exploratória, torna-se cada vez mais necessário o uso de tecnologias complementares para circunscrever áreas de maior potencial, de modo a reduzir os custos e os riscos inerentes a essa atividade. Nessas áreas são cada vez mais raras novas descobertas com base no concurso de uma única ferramenta exploratória. 0 sucesso deve ser buscado no somatório de várias tecnologias que se complementam. Nesse contexto, a grande disponibilidade de imagens adquiridas por diferentes tipos de sensores remotos pode efetivamente contribuir com esse esforço exploratório.

A aplicação da tecnologia do sensoriamento remoto como ferramenta de auxílio à pesquisa petrolífera baseia-se em dois enfoques. O primeiro visa à detecção espectral de minerais oriundos de alterações diagenéticas decorrentes de processos de microexsudação de hidrocarbonetos (e.g. Almeida-Filho, 2002; Almeida-Filho et al, 2002; Fu et al, 2007). O segundo enfoque, mais convencional, utiliza imagens de sensoriamento remoto com o objetivo de mapear feições estruturais como falhas, fraturas e dobras no pacote sedimentar (e.g. Deffontaines & Chorowicz, 1991; Raymond et al„ 1994).

O emprego do primeiro enfoque requer que os sistemas sensores coletem informações da associação rocha/solo/vegetação, condição não satisfeita na Amazônia devido à densa cobertura vegetal. Até recentemente, o emprego da segunda abordagem era também bastante limitado naquela região, pois a floresta tropical mascara feições sutis do terreno e da rede de drenagem em imagens convencionais de sensoriamento remoto, limitando as interpretações estruturais (e.g. Miranda, 1983; Miranda & Boa Hora, 1986). Entretanto, com a disponibilidade dos modelos digitais de elevação obtidos pela Shuttle Radar Topographic Mission (SRTM), novas possibilidades tecnológicas foram abertas para o estudo em regiões de florestas tropicais. Esse novo tipo de dado capta aspectos sutis da morfologia do terreno e da rede de drenagem até então inéditos na Amazônia, como mostram trabalhos recentes de Almeida-Filho & Miranda (2007), Silva et al. (2007) e Almeida-Filho et al. (2009).

Dentro desse contexto, o presente artigo tem como objetivo discutir uma abordagem metodológica para o uso de dados SRTM como subsídio à exploração petrolífera na Amazônia. Para demonstrar os ganhos advindos com essa nova tecnologia, foi escolhida como estudo de caso uma área que já havia sido estudada no início da década de 90 com imagens convencionais de sensoriamento remoto disponíveis à época.

ÁREA DE ESTUDO

Localizada na bacia sedimentar do Amazonas, a área de estudo cobre cerca de 16.000 km2, drenada pelas bacias dos rios Preto da Eva, Urubu, Anebá e Uatumã, afluentes pela margem esquerda do Rio Amazonas (Fig. 1).


O pacote sedimentar paleozóico da Bacia do Amazonas, com cerca de 5.500 m de espessura máxima, pode ser dividido em três megaseqüências crono-estratigráficas: Ordoviciano Supe-rior-Devoniano Inferior, Devoniano Médio-Carbonífero Inferior e Carbonífero Médio-Permiano (Cunha et al, 1994). Exceto nas bordas norte e sul, os estratos paleozóicos encontram-se recobertos por depósitos continentais com idades que variam do Cretáceo Superior ao Quaternário, e podem alcançar até 500 m de espessura (Costa, 2002).

O arcabouço tectônico da bacia compreende linhas de char-neiras, meio-grabens, plataformas e zonas de acomodação que promoveram inversões de polarização (Gonzaga et al, 2000). Injeções de sills e diques de rochas básicas no Jurássico Inferior contribuíram para a maturidade térmica das rochas geradoras, e um evento tectônico do Jurássico Inferior-Cretáceo Inferior promoveu o desenvolvimento de falhas inversas, responsáveis pela formação de importantes trapas estruturais (Neves, 1990).

A despeito da existência de rocha geradora com TOC médio de 4% e picos de até 10%, (Milani & Zalán, 1998), ampla distribuição de rochas reservatórios e de rochas selo, apenas dois depósitos comerciais de gás foram até agora descobertos na Bacia do Amazonas. A pouca disponibilidade de linhas sísmicas e de perfurações, acrescidas das dificuldades logísticas impostas pela floresta tropical, são fatores que contribuem para as limitadas descobertas de hidrocarbonetos naquela vasta bacia sedimentar.

MATERIAL E MÉTODOS

Dados SRTM e rede de drenagem

O experimento SRTM foi realizado durante uma missão do ônibus espacial Endeavour, em fevereiro de 2000. Ele consistiu na aquisição de dados de radar interferométrico (InSAR), através da utilização de um sistema com duas antenas, separadas por distância conhecida. Conhecendo-se as diferenças nos tempos de chegada do sinal proveniente de uma mesma área em cada antena, foi possível obter um acurado modelo digital de elevação do terreno com resolução espacial de 90 m, cobrindo os continentes entre as latitudes de 60°N e 57°S, (Rabus et al, 2003).

Antes da SRTM, os modelos digitais de elevação do terreno eram obtidos a partir de cartas topográficas, com a digitalização manual de curvas de nível e de pontos cotados. Em virtude do baixo espaçamento das curvas de nível das cartas topográficas na Amazônia (50 m), esses produtos permitiam apenas um esboço grosseiro da morfologia do terreno, sendo pouco efetivos para estudos naquela região. Ao contrário, nos modelos gerados pela SRTM, os níveis de cinza variam uniformemente e realçam sutilezas da morfologia do terreno. Para efeitos de comparação, a Figura 2 mostra modelos digitais de elevação na área de estudo. O primeiro foi obtido por Miranda et al. (1994), a partir da digitalização de cartas topográficas da Diretoria de Serviços Geográficos do Exército (DSG), e o segundo obtido pela SRTM.


Em áreas de densa cobertura vegetal como a Amazônia, o sinal de retorno do radar na faixa de freqüência utilizada pela SRTM (comprimento de onda de 5,6 cm) é controlado pelo dossel da floresta. Desse modo, os valores de elevação obtidos por aquele experimento nessas regiões correspondem à altitude média da porção do dossel da floresta contido no elemento de resolução do sistema. A rede de drenagem é realçada nesses produtos devido às diferenças de alturas entre a vegetação de várzea e a floresta de terra firme.

Sousa & Loch (2007) estimaram a precisão cartográfica de um modelo digital de elevação da SRTM em relação ao Padrão de Exatidão Cartográfica (PEC), que estabelece Instruções Reguladoras das Normas Técnicas da Cartografia Nacional. Usando como referência uma base cartográfica na escala 1:2.000, aquelas autoras constataram que após o georreferenciamento em relação a esta base, a qualidade cartográfica do modelo foi compatível com a escala de 1:50.000, permitindo a geração de curvas de nível com espaçamento de 20 m. Para assegurar uma precisão cartográfica adequada aos dados utilizados no estudo, o modelo digital de elevação da SRTM foi georrefenciado em relação às cartas topográficas que cobrem a área de estudo, produzidas pela DSG na escala de 1:100.000 (folhas SA.21 .Y.A.I a VI e SA.21 .Y.B.I e IV).

Do mesmo modo como se fazia com os modelos de elevação, a rede de drenagem também era extraída por digitalização manual. A SRTM abriu novas possibilidades para estudos da rede de drenagem, pois além de delinearem com detalhe e precisão o traçado da rede hidrográfica, permitiram sua extração automática, eliminando o longo tempo requerido no trabalho de digitalização manual. A título de comparação, a Figura 3a mostra a rede drenagem na área de estudo extraída de mosaicos de radar do Projeto Radambrasil e de imagens do sensor Thematic Mapper (TM) do satélite Landsat-5 (Miranda et al, 1994), e a rede de drenagem extraída automaticamente do modelo digital de elevação da SRTM (Fig. 3b).


A rede hidrográfica da área de estudo foi extraída automaticamente utilizando o software Geomatics PCI versão 8.1, tendo como base no procedimento descrito por Jenson & Domingues (1988). Inicialmente são calculados três conjuntos de dados, referentes ao nivelamento do modelo, à definição da direção de fluxo para cada célula do modelo e à determinação do número de células que drenam outras células. Usando essas informações, extrai-se a rede hidrográfica adotando-se um limiar que define sua densidade.

A rede de drenagem assim extraída foi convertida para o formato vetorial e migrada para um banco de dados georreferencia-dos. Além do próprio modelo digital da SRTM, esse banco incluiu informações geológicas publicadas na literatura e poços perfurados na área de estudo pela Petrobras, obtidos no bando de dados (BDEP) da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocom-bustíveis (ANP).

Análise da rede de drenagem

Os intervalos estratigráficos de interesse exploratório nas bacias sedimentares geralmente se encontram cobertos por sedimentos mais novos. Assim, a análise da rede de drenagem com vistas à identificação de feições estruturais nessas bacias parte da premissa de que a paisagem atual reflete feições topográficas pretéritas, expressas de modo sutil por arranjos de drenagem. Os mecanismos pelos quais feições estruturais em sub-superfície se manifestam na cobertura sedimentar recente ainda não são completamente entendidos. Acredita-se que acomodação e compactação diferenciais, controladas por estruturas subjacentes, geram tensões verticais que se refletem nessas coberturas, condicionando a rede de drenagem (Rumsey, 1971; Berger, 1994; Holbrook & Schumm, 1999).

Em áreas sedimentares com litologias homogêneas e topografia plana, o padrão de drenagem dendrítico é predominante. Entretanto, em função de condições hidrodinâmicas locais, a rede de drenagem pode desenvolver padrões considerados anômalos em relação ao padrão regional. As feições estruturais inferidas a partir desses arranjos de drenagem são basicamente de dois tipos: falhas/fraturas, indicadas por lineamentos de drenagem, e estruturas dômicas, indicadas por padrões anelares ou radiais. Essas últimas são de maior interesse para a exploração petrolífera, por serem sugestivas de flexuras nas camadas sedimentares subjacentes, podendo formar potenciais trapas.

Os fundamentos da análise da rede de drenagem com vistas à interpretação estrutural dessas feições na exploração petrolífera foram discutidos por Miranda (1983). Eles se baseiam na identificação de padrões definidos pela disposição espacial da drenagem, constituindo formas anelares, radiais e assimétricas. A forma anelar caracteriza-se pela disposição curvilínea e aproximadamente concêntrica de um ou mais cursos d'água, enquanto a forma radial é representada por drenagens divergentes para no mínimo três quadrantes, a partir de uma área central, com hierarquia fluvial comumente de primeira ou de segunda ordem. A assimetria da rede hidrográfica é evidenciada pela disposição perpendicular e assimétrica de seus elementos, em relação a uma drenagem coletora. O significado geológico dessas formas anômalas de drenagem pode ser inferido com base nos arranjos formados pelas diferentes combinações entre seus elementos. Eles podem formar alinhamentos ou segmentos orientados de drenagem, que são interpretados como associados a possíveis traços de falhas e fraturas, enquanto as formas anelar e radial de drenagem, ou combinações desses dois padrões, podem indicar possíveis expressões superficiais de estruturas dobradas em subsuperfície.

As estruturas dômicas responsáveis pelos padrões anômalos de drenagem podem ser organizadas em três estágios de evolução geomórfica: estágio de erosão inicial (a), estágio intermediário (b) e estágio avançado (c). A Figura 4 ilustra esses três modelos de evolução geomórfica das estruturas dômicas, e mostra exemplos correspondentes de anomalias de drenagens identificadas na área de estudo. De acordo com Berger (1994), no estágio de erosão inicial, caracterizado por relevo positivo, drenagens radiais responsáveis pelo processo inicial de dissecação da estrutura se juntam a drenagens subseqüentes, parcialmente ajustadas às bordas da estrutura (a). No estágio intermediário de erosão implanta-se uma drenagem central, com o aparecimento de escarpas voltadas para o interior da estrutura, criadas por drenagens obsequentes que evoluem pela captura das drenagens conseqüentes (b). O estágio de erosão avançado resulta em substancial rebaixamento da estrutura e obliteração de sua forma dômica original, agora indicada pelas drenagens subseqüentes. A drenagem central bem desenvolvida divide a feição estrutural ao meio (c). A grande carga de sedimentos transportada, aliada ao baixo gradiente topográfico, pode resultar na formação de uma ampla planície de inundação, às vezes com formação de áreas alagadas.


RESULTADOS E DISCUSSÕES

A região de estudo foi investigada por Miranda et al. (1994), com vistas à identificação feições morfoestruturais indicativas de estruturas no pacote sedimentar subjacente. Aqueles autores analisaram a rede de drenagem extraída de mosaicos de radar do Projeto Radambrasil e imagens do Landsat-TM (Fig. 3a). Entretanto, a baixa densidade da rede de drenagem não permitiu uma análise acurada, deixando dúvidas se os arranjos de drenagens identificados poderiam ser considerados anômalos ou não. Embora incompletos quanto à estruturação, seis desses arranjos foram interpretados como anomalias de drenagem sugestivas de feições morfoestruturais, os quais estão indicados na Figura 5a.


A análise da rede de drenagem extraída do modelo digital de elevação da SRTM permitiu definir com maior precisão o caráter anômalo dos arranjos de drenagem identificados por Miranda et al. (1994) e ampliar para vinte o número de anomalias de drenagens identificadas na área. Como indicado na Figura 5b, elas configuram arranjos que variam entre quatro e vinte quilômetros de diâmetro, sendo aqui nomeadas de acordo com os rios a que estão associadas. Segundo os modelos de evolução morfológica de estruturas dômicas (Berger, 1994), as anomalias de Açu, Preto da Eva, Puraquequara, Urubu, Tucunarezinho e Maquarazinho se encontram em estágios de relevo positivo; as anomalias de Bacabudo-ll, Bom Jesus, Sanabani, Caiaué e Ma-drubá em estágios intermediários de erosão, e as anomalias de Bacabudo-I e principalmente Anebá, em estágios avançados de erosão.

Informações geológicas prévias são essenciais para apoiar a análise das anomalias de drenagem como possíveis feições estruturais de interesse prospectivo. Infelizmente, as informações publicadas sobre a área de estudo são escassas. Segundo elas, duas grandes feições estruturais de direção geral NE-SW, pertencentes ao arcabouço estrutural da Bacia do Amazonas, estão presentes na porção sudeste da área, representadas pela linha de charneira do flanco norte da bacia e por uma falha normal de caráter regional (Neves, 1990). Na metade oeste da área, ocorrem duas grandes falhas transcorrentes dextrais de direção geral NW-SE, responsáveis pelo alinhamento e paralelismo dos rios Preto da Eva e Urubu (Costa, 2002). Esse sistema de trans-corrências é associado à neotectônica resultante do regime de esforços tectônicos criados pelo movimento da placa Sul Americana, em oposição às placas de Nazca e do Caribe (Mendiguren & Ritcher, 1978).

A distribuição das anomalias de drenagem parece indicar que elas são controladas por essas grandes feições estruturais presentes na área de estudo. Assim, as anomalias da porção oeste (Açu, Preto da Eva, Puraquequara e Urubu), todas em estágio de revelo positivo, parecem controladas pelos grandes sistemas de transcorrências dextrais associados à neotectônica que afetou aquela região. Já as anomalias de drenagem na região central (Tucunarezinho, Bom Jesus, Anebá, Bacabudo-I e Bacabudo-ll) constituem um trend alinhado com o bloco alto da extensa falha normal que corta a área naquela região. De modo similar, as anomalias da porção sudeste (Maquarazinho, Sanabani, Madrubá e Caiaué) distribuem-se ao longo da linha de charneira norte da bacia.

O aparente controle das anomalias de drenagem pelas grandes feições estruturais regionais confere a elas um provável significado geológico, sugerindo tratar-se de expressões em superfície de estruturas no pacote sedimentar subjacente. Contudo, somente com levantamentos sísmicos se poderia investigar a real natureza geológica dessas feições. Entretanto, tomando-se como base apenas a posição das anomalias de drenagem em relação às grandes estruturas regionais, é possível inferir sobre o eventual potencial prospectivo dessas feições. Nesse sentido, as anomalias de drenagem da porção oeste da área constituiriam estruturas menos atrativas do ponto de vista prospectivo. Como ocorrem numa região de marcante atividade neotectônica, eventuais falhas pós-cretáceas poderiam ter afetado a integridade das rochas selo, ocasionando a abertura de eventuais trapas.

Situação distinta ocorre com as anomalias de drenagem mapeadas na metade leste da área. Com base na análise de densidade de traços de falhas e fraturas interpretadas em imagens de sensoriamento remoto, Miranda et al. (1994) concluíram que a atividade neotectônica foi menos intensa naquela região, comparada com a porção oeste da área de estudo. Além disso, as anomalias de drenagem naquela região são consistentes com modelos prospectivos para hidrocarbonetos indicados por Neves (1990) e Gonzaga et al. (2000) para a Bacia do Amazonas. Segundo esses autores, dois tipos de prospectos devem ser investigados naquela bacia: estruturas dômicas em blocos altos de falhas normais, e anticlinais assimétricos associados com falhas inversas de direção NE-SW na região da charneira norte. As anomalias de drenagem de Tucunarezinho, Bom Jesus, Anebá, Bacabudo-I e Bacabudo-ll se ajustam ao primeiro modelo prospectivo podendo representar expressões em superfície de estruturas dômicas no bloco alto da grande falha normal na região. Já as anomalias de drenagem de Maquarazinho, Sanabani, Madrubá e Caiaué se ajustam ao segundo modelo, podendo representar reflexos em superfícies de estruturas anticlinais associadas a falhas reversas ao longo da linha de charneira norte.

Validação das anomalias de drenagem

Apenas dois depósitos de gás com valor econômico foram até agora encontrados na Bacia do Amazonas, constituindo os campos de gás de Azulão e Japiim. Embora relativamente próximos um do outro, somente o Campo de Gás de Azulão está contido nos limites da área de estudo. Ele fica a 210 km da cidade de Manaus, na margem esquerda do Rio Amazonas. O depósito foi descoberto em 1999, com o poço descobridor 1-RUT-1-AM que, complementado com dois poços de extensão, definiram um reservatório de 12 m de espessura, na profundidade de 1650 m. Testes de produção revelaram um potencial da ordem de 700 mil m3 de gás por dia, além de um pequeno percentual de condensado. O campo entrará em produção a partir de 2010, com término previsto para o ano de 2037. O pico de produção de gás ocorrerá em 2014, com 571.500 m3/dia, e o de condensado entre 2010 e 2024, com produção de 43,9 m3/dia (ANP, 2008).

Com vistas a avaliar o eventual significado prospectivo das anomalias de drenagem, verificou-se se existia alguma correspondência espacial entre o Campo de Azulão e alguma dessas anomalias. Constatou-se que aquele campo de gás situa-se exatamente sobre a anomalia de Madrubá, localizada no extremo sudeste daárea de estudo (ver Fig. 5b para localização). Como mostrado na Figura 6, o poço pioneiro descobridor do campo (1RUT-001) localiza-se exatamente no centro e ápice da morfoestrutura indicada pela anomalia de drenagem, sugerindo que ela é reflexo em superfície da estrutura anticlinal subjacente, responsável pelo trapeamento daquele depósito de gás.


CONCLUSÕES

A disponibilidade de modelos digitais de elevação obtidos pela SRTM através da técnica de interferometria por radar abriu novas perspectivas para a utilização da tecnologia de sensoriamento remoto como ferramenta de auxílio à exploração petrolífera na região Amazônica. A possibilidade de extração automática da rede de drenagem com detalhes que não eram possíveis com imagens convencionais permite mapear anomalias de drenagens possivelmente indicativas de deformações estruturais no pacote sedimentar subjacente. A abordagem metodológica discutida no estudo pode ser útil como um primeiro passo na focalização do esforço pesquisa em áreas de fronteira exploratória, ao indicar áreas mais potenciais à ocorrência de trapas estruturais. Tais informações podem orientar a seleção de áreas prioritárias para levantamentos sísmicos, desse modo reduzindo custos operacionais desses levantamentos. Embora o presente estudo tenha sido limitado a uma área relativamente pequena, a abordagem metodológica empregada pode ser estendida para a investigação de toda a área das bacias sedimentares do Amazonas e do Solimões, que juntas perfazem cerca de 1.000.000 km2.

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi parte da Dissertação de Mestrado de um dos autores (DMI), no curso de Pós-Graduação em Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), com bolsa de estudo fornecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Recebido em 12 setembro, 2008 /Aceito em 19 março, 2010

Received on September 12,2008 /Accepted on March 19,2010

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Raimundo Almeida-Filho. Possui graduação em Geologia pela Universidade de Brasília (1973), mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (1976) e doutorado em Geologia Geral e de Aplicação pela Universidade de São Paulo (1984). É pesquisador titular do INPE, atuando na área de Sensoriamento Remoto aplicado à exploração mineral e petrolífera, além de estudos na área ambiental. É bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e integrante do corpo docente no Programa de Pós-Graduação em Sensoriamento Remoto do INPE.

Delano Menecucci Ibanez. Possui graduação em Geologia pela Universidade de São Paulo (2003) e mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2006). Atualmente é doutorando (bolsista FAPESP) no Instituto de Geociências da USR Sua linha de pesquisa de interesse é a análise quantitativa de dados de Sensoriamento Remoto para a investigação do comportamento de sistemas geomórficos e tectônicos.

Fernando Pellon de Miranda. Possui graduação em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1978), mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (1984) e doutorado pela University of Nevada (1990). Atualmente é Consultor Sênior da Petrobras/CENPES e professor colaborador na UFRJ/Coppe e na Washington and Lee University. Tern experiência na utilização de Sensoriamento Remoto aplicado à pesquisa petrolífera "onshore" e "offshore", tendo atuado também em temas ligados ao meio ambiente na Amazônia Ocidental.

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    Raimundo Almeida-FilhoI; Delano M. IbanezI; Fernando P de MirandaII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      12 Set 2008
    • Aceito
      19 Mar 2010
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