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Análise integrada de dados multifonte e sua aplicação no mapeamento geológico das formações ferríferas da Serra de Itapanhoacanga, Alvorada de Minas, MG

Resumos

O presente trabalho aborda a análise integrada de dados multifonte e sua aplicação no mapeamento geológico de formações ferríferas na Serra do Espinhaço Meridional (MG), através da utilização de dados aerogeofísicos e multiespectrais. O processamento digital e a interpretação dos dados incluem o realce por meio de técnicas convencionais (composições coloridas, classificação não-supervisionada e análise por principais componentes) e modelos de potencial obtidos por meio de lógica fuzzy.

dados aerogeofísicos; processamento digital de imagem; sensoriamento remoto; minério de ferro


This work focused on identifying and describing geological-geophysical signatures of iron ore occurrences in the southern part of the Serra do Espinhaço in the State of Minas Gerais, Brazil. The work aimed at combining and analyzing digital spatial data to predict and select iron mineralization. Airborne geophysical and multispectral orbital data, in addition to geological and iron occurrence maps, were employed both separately and in an integrated approach. The digital processing steps and interpretation involved conventional techniques (ternary compositions and principal component analysis) and models of the mineral potential achieved by fuzzy logic.

aerogeophysical data; digital image processing; remote sensing; iron ore


Análise integrada de dados multifonte e sua aplicação no mapeamento geológico das formações ferríferas da Serra de Itapanhoacanga, Alvorada de Minas, MG

Érico Natal Pedro ZacchiI; Adalene Moreira SilvaI; Vassily Khoury RolimII

IInstituto de Geociências, Universidade de Brasília (IG/UnB), Laboratório de Geofísica Aplicada, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, 70910-900 Brasília, DF, Brasil - E-mails: ericozacchi@unb.br; adalene@unb.br

IIPRCZ Consultores Associados Ltda. - E-mail: vassily@ig.com.br

RESUMO

O presente trabalho aborda a análise integrada de dados multifonte e sua aplicação no mapeamento geológico de formações ferríferas na Serra do Espinhaço Meridional (MG), através da utilização de dados aerogeofísicos e multiespectrais. O processamento digital e a interpretação dos dados incluem o realce por meio de técnicas convencionais (composições coloridas, classificação não-supervisionada e análise por principais componentes) e modelos de potencial obtidos por meio de lógica fuzzy.

Palavras-chave: dados aerogeofísicos, processamento digital de imagem, sensoriamento remoto, minério de ferro.

ABSTRACT

This work focused on identifying and describing geological-geophysical signatures of iron ore occurrences in the southern part of the Serra do Espinhaço in the State of Minas Gerais, Brazil. The work aimed at combining and analyzing digital spatial data to predict and select iron mineralization. Airborne geophysical and multispectral orbital data, in addition to geological and iron occurrence maps, were employed both separately and in an integrated approach. The digital processing steps and interpretation involved conventional techniques (ternary compositions and principal component analysis) and models of the mineral potential achieved by fuzzy logic.

Keywords: aerogeophysical data, digital image processing, remote sensing, iron ore.

INTRODUÇÃO

A Serra do Espinhaço Meridional, localizada no estado de Minas Gerais, tem sido objeto de centenas de trabalhos geológicos nas últimas décadas, em virtude principalmente do elevado potencial que apresenta para a descoberta de novas ocorrências e depósitos minerais. Entre as substâncias minerais de maior importância está o minério de ferro, devido à presença de formações ferríferas bandadas em diversas unidades geológicas dessa porção da Serra do Espinhaço, tendo sido em sua maioria descobertas através de métodos convencionais de mapeamento e prospecção mineral. Procurando a melhor caracterização desses depósitos conhecidos e a identificação de novas ocorrências de minério de ferro, este trabalho tem como objetivo o mapeamento geológico de formações ferríferas bandadas a partir da análise e interpretação de dados indiretos (sensores orbitais e dados aerogeofísicos), e a aplicação de técnicas de análise espacial baseadas em lógica fuzzy na elaboração de mapas prospectivos convenientes para a área de estudo.

A área selecionada está localizada entre os municípios de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, sendo suas principais localidades Itapanhoacanga e São Sebastião do Bom Sucesso. Foi definida para estudo devido à presença de uma faixa descontínua de formação ferrífera bandada que sustenta as serras do Sapo e de Itapanhoacanga (Fig. 1) e estende-se para sul por aproximadamente 100 km, além de se tratar de uma das principais regiões de estudos de natureza estratigráfica e tectônica na borda leste da Serra do Espinhaço.


CONTEXTO GEOLÓGICO

Na área de estudo afloram rochas do complexo basal, de idadearqueana e originalmente de elevado grau metamórfico, queagrupam gnaisses de composição granítica, migmatitos e granitos, com intercalações locais de anfibolitos. Uma extensa faixade metavulcânicas ácidas (metariolitos e metariodacitos) aflora, com direção aproximadamente norte-sul, de Conceição do Mato Dentro até Itapanhoacanga. Essas rochas correspondem à Suíte Metaígnea Conceição do Mato Dentro, e petrograficamente foram classificados em metariolitos e metariodacitos porfiríticos(Tagliani et al., 1988).

O Grupo Serro (Almeida-Abreu et al., 1989) reúne rochas supracrustais (subdivididas em três unidades distintas - Formação Itapanhoacanga, Formação Serra do Sapo e Formação Jacém) e a Suíte Ultramáfica de Alvorada de Minas, e representam conjuntos de litofácies de uma margem continental passiva empilhados tectonicamente (Fig. 2). A Formação Itapanhoacanga é representada por filitos quartzosos e/ou grafitosos e metarenitos finos a grossos com intercalações de formações ferríferas maciças ou bandadas. Corpos de metaconglomerados podem aparecer associados aos metarenitos, contendo seixos de quartzitos, quartzo e formações ferríferas. Rochas ígneas sin-sedimentares aparecem como pacotes interestratificados de xistos-verdes, metariolitos e filitos hematíticos.


A Formação Serra do Sapo é representada por espessas camadas de formações ferríferas bandadas, sendo comuns as intercalações de quartzitos. Na base da sequência aparecem quartzitos finos a grossos, assim como filitos puros a quartzosos. A Formação Jacém é representada por quartzitos, com laminação plano-paralela com intercalações de quartzitos micáceos e filitos. Localmente aparecem intercalações de formações ferríferas e metavulcânicas básicas. A Suíte Ultramáfica de Alvorada de Minas aparece como faixas contínuas, em que predominam clorita-actinolita/tremolita xistos, com talco e eventualmente remanescentes de serpentinitos e peridotitos. Na área de Serro e Alvorada de Minas ocorrem com frequência depósitos de cromititos associados às rochas dessa suíte. Ocorrem também registros de rochas da Suíte Metaígnea Pedro Lessa, composta por diques e sills de metadiabásio.

A tectônica regional na borda leste da Serra do Espinhaço Meridional é compressiva, com a formação de falhamentos de empurrão de direção geral N-S, e caimento moderado para leste (ângulo entre 20º e 30º), sendo o transporte de massas de leste para oeste. A principal consequência desses falhamentos na estruturação das camadas é a inversão estratigráfica, com o posicionamento de camadas mais antigas sobre sequências de rochas supracrustais mais novas, sendo característico da borda leste o posicionamento de rochas do complexo basal por sobre as sequências metassedimentares a oeste (Almeida-Abreu et al., 1989).

PROCESSAMENTO E REALCE DOS DADOS DESENSORIAMENTO REMOTO

Para este estudo foi selecionada uma cena (Ponto 218, Órbita 73) do sensor Enhanced Thematic Mapper Plus (ETM+), adquirida em 23/04/2000. Este sensor foi escolhido por apresentar sete bandas ao longo do espectro eletromagnético, capazes de capturar informação em intervalos espectrais onde ocorrem importantes feições de absorção relacionadas a fenômenos de transição eletrônica entre íons de ferro. Isso permite detectar a presença de óxidos, hidróxidos e mistura de óxidos hidratados de ferro em rochas e solos. Além do potencial para detecção desses compostos, fundamental para o mapeamento de possíveis ocorrências de minério de ferro, o sensor ETM+ também é eficiente na detecção de feições espectrais originadas por vibrações moleculares características de argilas e carbonatos (Meneses & Madeira-Netto, 2001). Para a análise e interpretação foram utilizadas técnicas tradicionais no processamento digital de imagens, como composições coloridas e operações aritméticas (razões de bandas), juntamente com variações da análise por principais componentes (APC), buscando o realce e discriminação de superfícies ricas em óxido/hidróxido de ferro.

As composições coloridas são uma ferramenta importante no reconhecimento das informações espectrais de três diferentes bandas em uma única imagem. A escolha dos tripletes foi baseada no cálculo e análise da matriz de correlação para as bandas ETM+, sendo as combinações 457 e 741 as que apresentaram melhores resultados. Nessas combinações, a faixa de metassedimentos que engloba as formações ferríferas bandadas é destacada das rochas do complexo basal arqueano (Figs. 3A e 3B).


As operações matemáticas, por sua vez, são técnicas utilizadas para combinar duas ou mais imagens, reduzindo a dimensionalidade dos dados originais. A razão de bandas é a operação matemática mais utilizada em exploração mineral, pois realça os contrastes entre diferentes materiais na imagem, com as bandas utilizadas devendo ser selecionadas de forma a cobrir máximos e mínimos de absorção do mineral de interesse. Para as superfícies ricas em óxido/hidróxidos de ferro foram selecionadas as razões ETM 3/1, 3/2, 4/1, 4/3, 4/5, 5/2 e 5/7, sendo todas essas razões encontradas na literatura. A partir dessas razões foram montados tripletes para caracterizar as superfícies ricas em ferro, sendo a combinação RGB (3/1, 4/1, 4/3) a que apresentou melhor resultado. Nessa composição, a razão ETM 3/1 (contraste espectral do Fe) foi alocada no vermelho, enquanto as razões restantes refletem a influência da vegetação na imagem (Fig. 3C).

A análise por principais componentes (APC) consiste em uma técnica estatística multivariada por transformação linear dos dados de entrada, que tem como princípio determinar a variabilidade desses dados através das relações de covariância existentes no conjunto original, reagrupando-o em um conjunto novo e menor de variáveis (denominadas PCs), eliminando assim as informações redundantes. Várias técnicas de mapeamento mineral com base em APC foram propostas, em elas a PC Seletiva (Selective Principal Component Analysis - Chavez & Kwarteng, 1989) e a PC Orientada por Feições / Técnica Crósta (Feature-Oriented Principal Component Selection (FPCS) - Crósta & Moore, 1989; Loughlin, 1991). A técnica Selective Principal Component Analysis funciona da mesma forma que a razão de bandas, porém utilizando a APC no lugar dessas operações aritméticas. Para o mapeamento de óxidos/hidróxidos de ferro, submetem-se as bandas ETM1 e ETM3 à APC; a PC1 resultante irá conter a informação, como sombreamento topográfico e albedo, enquanto a PC2 irá apresentar a informação espectralmente contrastante entre elas, nesse caso os compostos de ferro das formações Itapanhoacanga e Serra do Sapo (Fig. 4A). No caso do mapeamento de superfícies ricas em minerais com OH- e carbonatos, o procedimento é repetido para as bandas ETM5 e ETM7, usando novamente a PC2 para detectar as elevadas concentrações desses minerais, que indiretamente permitem mapear as formações ferríferas bandadas (Fig. 4B).


Em função de muitas dessas técnicas desenvolvidas para o processamento de imagens terem sido desenvolvidas originalmente para aplicação em terrenos pouco intemperizados, buscou-se através dos dados de sensoriamento remoto a extração de informações sobre variações litológicas a partir das características do solo e da vegetação, típicas de regiões tropicais. No caso da cobertura de solos, Madeira-Netto et al. (1993) propõem um índice para o realce de hematita em solo utilizando as bandas do visível do sensor TM (TM32/(TM23*TM1)), que se mostrou eficiente no mapeamento de solos originados de formações ferríferas (Fig. 4C).

Associar variações florísticas e fisionômicas das coberturas vegetais com variações litológicas é algo intuitivo, e a utilização de imagens de sensoriamento remoto óptico na tentativa de realçar essas variações tem se ampliado nos últimos anos (e.g. Almeida, 2005; Perrotta et al., 2006; Almeida et al., 2007). Tais variações ocorrem em função da constituição celular e química das folhas componentes do dossel da floresta e da sua arquitetura, aspectos que serão responsáveis pela porção da radiação solar a ser refletida. Para o estudo da vegetação, utilizou-se primeiramente uma composição ternária RGB (432), onde o máximo de reflectância da vegetação é realçado em vermelho (Fig. 5A). Vários índices de vegetação foram desenvolvidos, com os mais comumentes empregados utilizando informações do vermelho e do infravermelho próximo, sendo o mais utilizado o índice de vegetação de diferença normalizada (NDVI, Rouse et al., 1973). As medidas obtidas servem como indicadores do crescimento e do vigor da vegetação, e podem ser utilizadas no diagnóstico de biomassa, atividade fotossintética, entre outros (Meneses & Madeira-Netto, 2001). A vegetação presente na área de estudo é uma associação de coberturas contínuas, típicas de campo, que circundam os locais mais elevados, onde predomina uma vegetação de pequeno a médio porte, apresentando galhos e troncos retorcidos. O NDVI realça essa transição, destacando a baixa densidade de vegetação sobre as ocorrências de formação ferrífera (Fig. 5B).


Almeida et al. (2007) argumentam que um dos grandes empecilhos para a utilização da geobotânica de maneira mais ampla consiste na falta de padrões definidos nas respostas das coberturas vegetais frente a solos anômalos e a dificuldade de se replicar experiências. Almeida (2005) apresenta a possibilidade de não se buscar padrões, mas simplesmente respostas espectrais diferentes, utilizando um método de processamento que se baseiam nas respostas espectrais relativas aos teores foliares presentesem pigmentos, água e compostos bioquímicos, e na resposta do albedo, influenciada pela arquitetura do dossel florestal. Esse processamento, desenvolvido originalmente para dados do sensor ASTER, envolve o realce espectral de diferentes compostos foliares por meio de razões de bandas, às quais se aplica uma análise por principais componentes (APC). À composição ternária obtida é introduzida uma imagem de albedo, seguida da aplicação de um filtro de convolução passa-baixa.

Adaptado para os dados do sensor ETM+, foram adotadas quatro razões de bandas apenas, em função da menor resolução espectral, utilizando a banda 4 (0,775 - 0,900 µm) como comprimento de onda de referência, e as demais bandas como índice. As PCs obtidas realçam compostos bioquímicos, pigmentos foliares e a água foliar. A composição ternária obtida realça nas vertentes da área o predomínio de pigmentos foliares, com pouca contribuição de água foliar, cujo teor em um dossel é fortemente influenciado pelas características e condições do solo, nesse caso originados a partir das formações ferríferas bandadas (Fig. 5C).

PROCESSAMENTO E REALCE DOS DADOS AEROGEOFÍSICOS

A base de dados aerogeofísicos utilizada provém do Projeto Morro do Pilar - Serro - Guanhães, Área 3 do Programa de Levantamento Aerogeofísico da Secretaria de Minas e Energia (SEME) do governo de Minas Gerais. Os métodos empregados foram o magnetométrico e o gamaespectrométrico, em aerolevantamento efetuado a altura constante de 100 m, segundo linhas de voo de direção N30W, espaçadas em 250 m, com linhas de controle perpendiculares a cada 2.500 m. Os principais produtos selecionados para a análise de áreas favoráveis para minério de ferro foram a amplitude do sinal analítico (magnetometria), composições coloridas e razões entre canais individuais (gamaespectrometria).

Os dados aeromagnéticos foram avaliados quando à possível sobreposição de linhas de voo, através da análise do mapa de linhas de produção e quanto à distribuição e densidade de amostragem. Avaliou-se também a presença de inconsistências, tais como picos acentuados, através da aplicação dos testes "Diferença Quarta" e "Parâmetro P" (Blum, 1999), permitem a identificação de valores fora do desvio padrão dos dados. Os dados foram interpolados, através do algoritmo da curvatura mínima, com tamanho da célula de interpolação igual a 1/4 do espaçamento das linhas de voo (62,5 m). Para a remoção de ruídos remanescentes na malha obtida foi aplicada a rotina de micronivelamento desenvolvida por Blum (1999) a partir do método proposto originalmente por Minty (1991), sendo obtido o mapa do campo magnético anômalo (CMA), e calculado suas transformações lineares (derivadas e amplitude do sinal analítico).

A amplitude do sinal analítico consiste na raiz quadrada da soma dos valores quadráticos das derivadas do campo magnético anômalo (Roest et al., 1992), e representa uma medida da quantidade de magnetização com pouca dependência dos parâmetros da direção dos corpos e do campo terrestre, sendo que os corpos de mesma geometria apresentam a mesma amplitude do sinal analítico (Milligan & Gunn, 1997). Dessa forma a anomalia magnética é posicionada sobre a fonte causadora, sendo uma importante ferramenta para o mapeamento de corpos de alta susceptibilidade magnética, como formações ferríferas bandadas (Fig. 6A). Já a derivada vertical atua como um filtro passa-alta, realçando respostas relacionadas a comprimentos de onda curtos, representando campos magnéticos nos quais os efeitos regionais e a interferência entre anomalias adjacentes são eliminados, sendo eficiente para a análise de feições estruturais regionais, como falhamentos de empurrão e padrões de deformação, frequentes em terrenos pré-cambrianos (Fig. 6B).


Procedimento análogo foi adotado no processamento dos dados gamaespectrométricos, sendo ao final obtidas as imagens de contagem total e dos canais individuais (K, eTh e eU). A composição ternária RGB, obtida a partir da combinação desses canais permite analisar proporcionalmente a contribuição de cada elemento e definir domínios gamaespectrométricos. Segundo Dickson & Scott (1997), dentro de um dado tipo de rocha existe uma ampla variação das concentrações de radioelementos, o que impossibilita uma classificação petrográfica prévia com base apenas nos dados gamaespectrométricos. Contudo, em pequenas regiões diferentes tipos de rocha podem ser identificados com base na concentração relativa dos radioelementos (Fig. 6C).

Kileen (1979) apresenta os valores médios para as concentrações de radioelementos em rochas sedimentares químicas (K - 0,6%; U - 3,6 ppm; Th - 14,9 ppm), enquanto Boyle (1982) apresenta os valores médios de urânio e tório para formações ferríferas bandadas (U - 2 ppm; Th - 3 ppm), caracterizando os baixos teores de radioelementos presentes nessas rochas. No entanto tais concentrações podem sofrer amplas variações, em função do grau de intemperismo das formações ferríferas. Dos três radioelementos, o potássio é geoquimicamente o mais móvel na maioria das condições de intemperismo, enquanto o urânio e o tório tendem a ser adsorvidos nos minerais de argila, e precipitados com óxidos de ferro nos solos (Wilford et al., 1997). Dessa forma, os horizontes mais superficiais do solo tendem a concentrar valores mais elevados de urânio, enquanto altos teores de tório podem estar presentes em lateritas e bauxitas (Boyle, 1982).

As variações nas concentrações dos radioelementos podem ser realçadas através da aplicação de razões entre os três canais, tal como aplicado em dados de reflectância. Como existe alta correlação entre os canais, as razões frequentemente mostram feições sutis que não são aparentes quando esses dados são analisados isoladamente. No caso das formações ferríferas, a razão entre eTh/K realça concentrações anômalas de tório que estão relacionadas com extensos platôs de laterita, enquanto a razão eU/K destaca coberturas de solo e depósitos de colúvio, produto do intemperismo dessas rochas (Figs. 7A e 7B). A combinação das razões com o canal do K em uma composição ternária permite separar esses produtos das sequências metassedimentares clásticas e das rochas do embasamento a que estão associadas (Fig. 7C).


MODELO KNOWLEDGE DRIVEN PARA A PROSPECÇÃODE MINÉRIO DE FERRO

A seleção de áreas potenciais para prospecção de minério de ferro foi efetuada através de uma abordagem guiada pelo conhecimento (knowledge driven), onde é fundamental a definição de um modelo metalogenético prévio, ao qual se adapta os dados disponíveis. Dessa forma, os dados geofísicos e de sensoriamento remoto foram ponderados e combinados através de diferentes operadores de lógica fuzzy, que consiste numa adaptação mais flexível da lógica boleana, uma vez que conta com maior quantidade de operadores disponíveis (Bonham-Carter, 1994).

Enquanto na lógica boleana um mapa de favorabilidade mineral apresenta apenas duas classes (favorável ou não-favorável), na lógica fuzzy os valores são expressos em uma escala que varia entre 0, para ausência, e 1, para a presença potencial de um depósito, com os valores intermediários representando diferentes graus de possibilidade de existir ou não a ocorrência, sendo portanto mais indicada para a aplicação em trabalhos de exploração mineral (Bonham-Carter, 1994). Na lógica fuzzy , a integração dos dados é feita através dos vários operadores disponíveis, como os operadores 'E' e 'OU', o produto algébrico fuzzy , a soma algébrica fuzzy , e o operador gama fuzzy , que consiste numa combinação ponderada entre a soma algébrica fuzzy e o produto algébrico fuzzy (Eq. 1),

onde o índice γ possui valor entre 0 e 1, conforme definido pelo especialista.

Para a elaboração do modelo prospectivo para minério de ferro foram utilizadas a imagem da amplitude do sinal analítico, as imagens gamaespectrométricas dos canais de K, eTh e eU, o modelo digital de terreno e imagens obtidas pelo processamento dos dados de sensoriamento remoto. No modelo proposto, a imagem da amplitude do sinal analítico foi selecionada em função da elevada susceptibilidade magnética apresentada pelas formações ferríferas bandadas, decorrente da presença subordinada de magnetita em associação com a hematita, que consiste no mineral de minério principal. Os dados gamaespectrométricos foram utilizados considerando os baixos teores de radioelementos normalmente presentes nessas formações, e a possibilidade de realçar alvos mascarados pelo intemperismo através de mapas de razões entre os três canais. O modelo digital de terreno, por sua vez, permite separar as sequências metassedimentares estudadas de áreas em que predominam rochas do embasamento arqueano, em função das formações ferríferas e quartzitos apresentarem maior resistência à erosão, representando as cotas topográficas maisexpressivas da região. Já os dados de sensoriamento remotoprocuram privilegiar a presença de óxidos/hidróxidos de ferro,e o pouco desenvolvimento da vegetação sobre as áreas mineralizadas.

Como todos os dados utilizados na construção do modelo prospectivo são de caráter numérico, as possibilidades fuzzy foram definidas com base nas funções Small e Large, que atribuem altos valores de possibilidade fuzzy respectivamente aos menores e maiores valores dos dados utilizados. Assim, a função Large foi aplicada, por exemplo, na amplitude do sinal analítico, atribuindo altos valores de possibilidade fuzzy às anomalias magnéticas, enquanto a função Small foi aplicada à combinação dos canais de K, eTh e eU, uma vez que os domínios com baixas concentrações de radioelementos apresentam maior favorabilidade para a ocorrência de minério de ferro. A função Large também foi aplicada no caso dos mapas das razões eTh/K e eU/K, do modelo digital de terreno, da PC seletiva para óxido/hidróxido de Fe e do índice para o realce de hematita em solo, enquanto a função Small foi aplicada na PC seletiva para argilo-minerais e no NDVI.

Após a definição das possibilidades fuzzy , os dados foram combinados através de operadores fuzzy , como por exemplo, o operador 'SOMA', utilizado na combinação dos mapas de razões eTh/K e eU/K; o mapa resultante dessa combinação, assim como o da amplitude do sinal analítico, foi combinado com o modelo digital de terreno através do operador 'E'; e o operador 'PRODUTO' foi utilizado para realçar as respostas dos dados provenientes do sensoriamento remoto (Fig. 8). Os mapas obtidos foramentão integrados através do operador gama fuzzy, com índice γ igual a 0,8, resultando em um mapa de favorabilidade para minério de ferro na área de estudo.


DISCUSSÃO SOBRE OS RESULTADOS OBTIDOS

A validação do modelo proposto para a prospecção de minério de ferro foi realizada através de checagem de campo, realizada através do mapeamento geológico, através de perfis de direção E-W ao longo da área de estudo, orientado pelos dados aerogeofísicos e de sensoriamento remoto. Essa metodologia permitiu avaliar individualmente os diversos produtos obtidos, bem como o resultado da sua integração através de lógica fuzzy .

Os dados do sensor ETM demonstram grande eficiência no mapeamento de superfícies enriquecidas em óxidos/hidróxidos de ferro, sendo capazes de realçar as principais ocorrências de minério de ferro conhecidas da área, como em Itapanhoacanga e na Serra do Sapo, além de novas ocorrências de interesse. Porém nem todas as ocorrências mapeadas representam alvos de interesse econômico, correspondendo muitas vezes a quartzitos ferruginosos ou pequenos níveis de hematita, em sua maioria pertencentes a sequências da Formação Itapanhoacanga.

Os dados magnéticos, por sua vez, apresentam resultadosque requerem uma análise cuidadosa. As formações ferríferas mapeadas são caracterizadas pela elevada susceptibilidade magnética, cuja assinatura é obliterada pela ocorrência de outras rochas com propriedades similares na área, como serpentina-carbonato-talco xistos e diques de metagabro. A identificação dessas rochas em furos de sondagem confirma que algumas anomalias destacadas pelos dados magnéticos se referem a ocorrências em níveis mais profundos, não havendo registro de ocorrência em superfície.

Com relação aos dados gamaespectrométricos, a composição ternária com os três canais individuais (K, eTh e eU) apresenta elevada correlação com a geologia observada em campo, e permite separar as formações ferríferas da sequência metassedimentar em que estão hospedas. A presença de outras rochas com baixa concentração de radioelementos, e a remobilização provocada pelo intemperismo, constituem limitações para esse produto. Os mapas de razões, obtidos entre os canais individuais, apresentam grande eficácia no mapeamento de superfícies lateríticas, embora nem todas as superfícies mapeadas correspondam a produto de alteração de formações ferríferas, estando por vezes relacionadas com a alteração de rochas máficas/ultramáficas.

A combinação dos dados de sensoriamento remoto e aerogeofísica em um modelo guiado pelo conhecimento foi, contudo, o produto mais eficaz entre os utilizados, validando o modelo metalogenético elaborado previamente. Esse modelo se mostrou capaz de mapear as principais ocorrências de minério de ferro conhecidas, e realçar novos alvos potenciais, tanto nas rochas da Formação Serra do Sapo como na Formação Itapanhoacanga, além de eliminar falsas ocorrências relacionadas, por exemplo, com a resposta proveniente de rochas ígneas (Fig. 9).


CONCLUSÕES

Este trabalho estabelece parâmetros para a prospecção de minério de ferro em terrenos pré-cambrianos, através da elaboração de um modelo guiado pelo conhecimento, que privilegia a utilização de dados aerogeofísicos e multiespectrais. Esses dados são comumente utilizados em programas de prospecção mineral, e refletem desde respostas rasas (gamaespectrometria e reflectância)até profundas (magnetometria). Embora individualmente apresentem respostas satisfatórias, pode-se verificar que a análise integrada desses dados favorece a seleção de alvos com maior potencialidade econômica, restringindo a área de pesquisa e eliminando falsos positivos.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Dr. Carlos Gonzalez e ao Dr. Henrile Meireles, pela disponibilização de dados geológicos e apoio na etapa de campo. À SEME, pela cessão dos dados aerogeofísicos, particularmente ao Dr. Marcelo Nassif, e à geóloga Andréa Vaz de Mello França. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recebido em 1 julho, 2009 / Aceito em 20 agosto, 2010

Received on July 1, 2009 / Accepted on August 20, 2010

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Érico Natal Pedro Zacchi. Graduado em Geologia pela Universidade de Campinas (UNICAMP) em 2007. Atualmente desenvolve projeto de mestrado na área de Geologia Econômica e Prospecção pela Universidade de Brasília (UnB).

Adalene Moreira Silva. Engenheira Geóloga (1989) graduada pela Universidade Federal de Ouro Preto, Mestre (1992) e Doutora em Geologia (1999) pela Universidade de Brasília. Profissionalmente, atuou como pesquisadora do Serviço Geológico Americano (1997-1999), professora visitante da Universidade de Brasília (2000-2002), pesquisadora (05/2002-04/2003) e professora do Instituto de Geociências da UNICAMP (04/2003-10/2005). Atualmente, é professora e coordenadora de Extensão do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília e professora colaboradora voluntária do Instituto de Geociências da Unicamp. Desenvolve projetos sobre novas técnicas de processamento, interpretação e integração de dados aplicados à exploração mineral, hidrogeologia e ambiente.

Vassily Khoury Rolim. Formado em Engenharia de Minas pela UFMG em 1980, com mestrado em Geologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1992; engenheiro da Geosol Ltda. atuando em pesquisa mineral entre 1981 e 1983; 11 anos como professor do Departamento de Geologia da UFMG atuando como professor de Prospecção e Exploração Geológica, Geologia Estrutural e Geofísica entre 1983 e 1994; professor visitante do Departamento de Geologia da UFOP (1989 a 1994) no curso de pós-graduação em Geologia Estrutural e Geotectônica, durante o convênio UFOP-PETROBRAS; 14 anos de experiência como consultor em pesquisa mineral, geologia e mineração atuando para empresas como a BHPBilliton, Anglo Ferrous, Ferrous Resources, MMX e Vale, entre 1995 e 2009. Sócio-diretor da PRCZ Consultores Associados desde 2000.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2009
  • Aceito
    20 Ago 2010
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