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Mudanças recentes no perfil da distribuição ocupacional da população brasileira

Recent changes in the profile of occupational distribution of the Brazilian population

Resumos

Este estudo visou contribuir com subsídios para a análise das transformações recentes no perfil da estruturação do trabalhador brasileiro, segundo a segmentação setorial e em grupos específicos de ocupações, particularmente na década de 90. Foram examinadas inicialmente questões teóricas sobre as causas da segmentação do mercado de trabalho na atualidade. Em seqüência, analisaram-se aspectos empíricos relacionados às mudanças estruturais da distribuição no mercado de trabalho em economias mundiais, procurando situar o Brasil neste contexto internacional. Para o Brasil, foram elaborados Índices de Estruturação Ocupacional e de Quocientes de Diferenciação Regional. Os resultados da análise mostram que, apesar de transformações ocupacionais significativas constatadas, as mudanças estruturais foram intra e não inter-regionais.

Trabalho; Ocupações; Setores; Regiões


This article analyzes recent changes in the profile of the Brazilian labor structure, according to sector segmentation and specific occupational groups, especially during the 1990s. Theoretical aspects on the causes of the segmentation of the labor market are first examined. Empirical information related to structural changes in labor markets in the worldwide economy are then discussed, in order to locate Brazil in this context. Specifically, Indexes of Occupational Structure and Regional Difference Quotients for Brazil were drawn up. The results show that, besides significant occupational transformations, structural changes occurred in the regions, but not among them.

Labor; Occupational Structure; Sector; Region


ARTIGO

Mudanças recentes no perfil da distribuição ocupacional da população brasileira

Recent changes in the profile of occupational distribution of the Brazilian population

Anita Kon

Economista, professora titular da PUC/SP, Doutora em Economia pela FEA/USP. Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia–EITT da PUC/SP

RESUMO

Este estudo visou contribuir com subsídios para a análise das transformações recentes no perfil da estruturação do trabalhador brasileiro, segundo a segmentação setorial e em grupos específicos de ocupações, particularmente na década de 90. Foram examinadas inicialmente questões teóricas sobre as causas da segmentação do mercado de trabalho na atualidade. Em seqüência, analisaram-se aspectos empíricos relacionados às mudanças estruturais da distribuição no mercado de trabalho em economias mundiais, procurando situar o Brasil neste contexto internacional. Para o Brasil, foram elaborados Índices de Estruturação Ocupacional e de Quocientes de Diferenciação Regional. Os resultados da análise mostram que, apesar de transformações ocupacionais significativas constatadas, as mudanças estruturais foram intra e não inter-regionais.

Palavras-chave: Trabalho. Ocupações. Setores. Regiões.

ABSTRACT

This article analyzes recent changes in the profile of the Brazilian labor structure, according to sector segmentation and specific occupational groups, especially during the 1990s. Theoretical aspects on the causes of the segmentation of the labor market are first examined. Empirical information related to structural changes in labor markets in the worldwide economy are then discussed, in order to locate Brazil in this context. Specifically, Indexes of Occupational Structure and Regional Difference Quotients for Brazil were drawn up. The results show that, besides significant occupational transformations, structural changes occurred in the regions, but not among them.

Key words: Labor. Occupational Structure. Sector. Region.

Introdução

A distribuição ocupacional brasileira sofreu, nos últimos anos, os reflexos dos problemas macro e microeconômicos estruturais e conjunturais, pelos quais vem passando o país, que exigiram políticas públicas restritivas voltadas para a estabilização. A estas questões se associaram os novos requisitos exigidos para a contratação da mão-de-obra, tendo em vista os renovados processos produtivos e organizacionais, bem como os impactos da situação de aumento da competitividade e mundialização das economias.

A esse respeito, verifica-se que as tecnologias da informação e das comunicações têm conduzido à industrialização dos serviços, à inovação organizacional e a novas formas de comercialização de bens e serviços, no que se refere aos relacionamentos entre produtor e consumidor, acarretando novas modalidades ou formas modificadas de serviços. Na economia fordista, o modo de produção prevalecente se caracterizava pela produção em massa de uma longa série de bens manufaturados. Os mercados eram homogêneos, mais intensamente dentro de fronteiras nacionais e as regulações keynesianas e os sistemas de barganha coletiva de salários asseguravam estabilidade e previsibilidade. As empresas se desenvolviam para grandes corporações através de integração vertical de produção.

Na atualidade, após a mudança do paradigma fordista para o toyotismo, os modos de produção se transformaram consideravelmente. Embora ainda permaneçam economias de escala em algumas produções, a produção em série tende a diminuir. Já as economias de escopo tornaram-se mais relevantes e os parâmetros de competição passaram a ser a qualidade e a adaptação à demanda a partir de alta segmentação de mercado, ou seja, o fornecimento de serviços através da diferenciação do produto adquire muitas vezes maior peso do que os preços, no atendimento do mercado. A interação entre serviços e produção manufatureira tornou-se a força impulsionadora da criação de riqueza (ILLERIS, 1996).

Neste contexto, a inovação e a tecnologia ganham relevância na busca da melhoria da produtividade e das vantagens competitivas nos serviços, assim como já impactavam as atividades manufatureiras. A padronização, os ganhos de produtividade e a automação fazem parte destas transformações industriais, bem como os impactos resultantes da flexibilidade das instalações e do trabalho, que permitam a adaptação à crescente personalização da oferta. A mesma utilização da automação, robótica ou informática feita pelas atividades de transformação industrial pode ser realizada no setor de serviços. Neste caso, a informática desempenha um papel-central como matéria-prima dos serviços, cada vez mais baseados no conhecimento e individualização (TÉBOUL, 2002).

Desde os anos 80 e mais intensamente na década de 90, o processo de aceleração das mudanças tecnológicas que permitiu a difusão da globalização mundial tornou necessário que os países se preparassem para o dinamismo das trocas internacionais que começava a se instaurar. O processo de reestruturação produtiva que se ampliou primeiramente nos países desenvolvidos, difundindo-se não tão rapidamente para aqueles em desenvolvimento, resultou e foi resultado destas transformações tecnológicas, nas condições de mercado então vigentes, e das características das empresas, que tinham como objetivo restaurar a competitividade industrial. Uma das conseqüências diretas foi a modernização de serviços, visando possibilitar aos produtores de todos os setores de atividades a implementação das trocas internacionais de forma acelerada. Este texto analisará os impactos do progresso tecnológico e da conseqüente reestruturação produtiva do período, sobre a reformulação e intensificação das características da produção de serviços.

Este estudo visou contribuir com subsídios para a análise das transformações recentes no perfil da estruturação do trabalhador brasileiro, segundo a segmentação setorial e em grupos específicos de ocupações, em decorrência da situação estrutural e conjuntural pela qual passou o país desde a década de 90. São examinadas, inicialmente, questões teóricas sobre as causas da segmentação do mercado de trabalho na atualidade, tendo em vista a aceleração da inovação tecnológica e a evolução dos serviços no mundo, que deram origem ao crescente processo de transformações produtivas das economias e como resultado da intensificação da transnacionalização das atividades econômicas. Em seqüência, analisam-se aspectos empíricos relacionados às mudanças estruturais da distribuição no mercado de trabalho em economias mundiais, procurando situar o Brasil neste contexto internacional.

Com relação à segmentação do mercado de trabalho brasileiro, a avaliação empírica prossegue examinando estas transformações do ponto de vista setorial e de grupos ocupacionais específicos. A partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD e de outras informações do IBGE, para o período de 1990 a 2004, serão examinadas as mudanças nesta segmentação. A análise empírica incluiu as diferenças regionais na composição e na evolução deste perfil dos trabalhadores, a partir da elaboração de Índices de Estruturação Ocupacional e de Quocientes de Diferenciação Regional.

Inovação tecnológica, evolução dos serviços e reestruturação produtiva

O crescimento do setor de serviços e suas implicações sobre a reestruturação das economias apresentam diferentes impactos sobre as estruturas produtivas, de acordo com o nível de desenvolvimento econômico das economias, bem como reflexos na capacidade de aumentar os investimentos em modernização tecnológica e na qualificação da força de trabalho, a fim de enfrentar as necessidades de novas tarefas técnicas dos processos modernos de produção e organizacionais. Como salientado anteriormente, as estruturas produtivas têm se transformado rapidamente nos países desenvolvidos, desde a crescente industrialização a partir da década de 30, com o crescimento do processo de urbanização e com a intensificação da inovação tecnológica. Algumas economias menos desenvolvidas iniciaram as mesmas transformações estruturais a partir dos anos 50 e outras apenas recentemente começaram este processo, como se verificou através dos dados empíricos.

Algumas pesquisas mostram a reestruturação do setor de serviços como fundamentada na divisão espacial de trabalho, que afeta o número e as características dos empregos encontrados em diferentes locais (MARSHALL e WOOD, 1995). Esta divisão de trabalho refere-se ao padrão de especialização de trabalho na produção, desenvolvido ao longo do tempo para assegurar o uso eficiente do investimento em capital. Distintos países e regiões de um país são especializados em produtos e setores particulares, que apóiam as formas locais dominantes de relação capital/trabalho, qualificação da mão-de-obra e padrões sociais e comunitários (KON, 1995).

Durante as décadas de 50 e 60, a crescente dominância das grandes empresas manufatureiras, nos países desenvolvidos, moldou os padrões da especialização industrial regional. Na busca de metas de lucro, estas empresas distribuíram recursos em uma escala inter-regional ou internacional, procurando novas oportunidades de explorar o trabalho em diferentes locais. Puderam não apenas transferir a produção para localizações onde o trabalho era mais barato, mas também tiveram a tendência a separar vários tipos de trabalho administrativo e burocrático (inclusive funções de controle e pesquisa) dos trabalhos manuais da produção. O pano de fundo desta tendência foi a possibilidade de especialização flexível, que se desenvolveu para enfrentar a persistente crise econômica que sucedeu o longo boom da economia mundial do período posterior à Segunda Guerra Mundial.

Dessa forma, durante os anos 70 e particularmente na década seguinte, uma nova espécie de reestruturação e de divisão internacional do trabalho se desenvolveu, devido às mudanças tecnológicas baseadas nas formas flexíveis de organização do trabalho e dos processos produtivos, que necessitavam de uma mão-de-obra mais qualificada, tendo em vista que o trabalho mais barato e menos qualificado não mais mostrava vantagens comparativas. Neste sentido, o movimento de internacionalização do capital, no caminho de investimentos na produção, começou a procurar economias que oferecessem serviços especializados mais sofisticados. Como resultado, a maior parte dos países desenvolvidos e em desenvolvimento está passando por transformações consideráveis na estrutura produtiva de suas economias, de acordo com a capacidade de oferecer a estes novos investimentos a infra-estrutura básica para o apoio destas transformações.

O emprego nas indústrias manufatureiras está declinando devido, principalmente, a certas formas de reorganização da produção que afetam os níveis de emprego: a intensificação do trabalho; a racionalização da produção e do investimento; e a mudança técnica. A reestruturação foi estendida também aos serviços de consumo privado e ao setor de serviços públicos, adicionalmente aos serviços voltados ao produtor (MARSHALL e WOOD, 1995; KON, 2004a). Quando são examinadas as diferenças na representatividade das categorias ocupacionais entre os períodos das décadas de 70 e 90, observam-se, para todos os países de diferentes níveis de renda, um decréscimo nas ocupações da agricultura e rurais e um aumento nas outras categorias. Além disso, o crescimento nas ocupações de serviços é ainda superior ao das categorias de ocupações industriais e de transportes; em países de alta renda, a representatividades destas categorias tem diminuído, mostrando os resultados da reestruturação industrial e da terceirização de serviços, bem como a mudança na classificação de certos serviços, anteriormente considerados ocupações manufatureiras, antes das mudanças tecnológicas e organizacionais.

Em resumo, é possível apontar as mudanças significativas pelas quais passaram as economias avançadas nos anos recentes, incluindo, entre outros aspectos, particularmente: a internacionalização das atividades econômicas; a reorganização das firmas dominantes; a integração da indústria manufatureira com a de serviços; o uso crescente da tecnologia microeletrônica; o aumento da demanda na indústria por uma força de trabalho mais qualificada, porém com muitos trabalhos rotineiros sendo eliminados pela mudança tecnológica; a maior complexidade e volatilidade do consumo; e uma mudança no papel da intervenção governamental. Estas transformações foram interpretadas como uma modificação da sociedade fordista baseada na produção e consumo de massa em grande escala, apoiada pela demanda dos gastos governamentais para o gerenciamento de suas funções e para a previdência e saúde (principalmente nas nações mais avançadas em que prevalecia o Welfare State). Como visto, as formas pós-fordistas de produção emergiram desde os anos 70, quando a indústria passou a utilizar nova tecnologia e uma força de trabalho mais flexível para responder com maior rapidez às mudanças do mercado e à competição internacional, encorajadas por novas formas de governo que se retirava de funções empresariais e restringia suas funções produtivas (MARSHALL e WOOD, 1995).

Marshall e Wood enfatizam que a crescente proeminência dos serviços e suas contribuições relevantes e multifacetadas para a mudança estrutural têm como origem:

• a importância da crescente interdependência entre a produção de bens e de serviços, como já visto, pelo fato de qualquer produto material ou de serviço ser criado por uma seqüência complexa de trocas materiais e de serviços, que envolvem fornecedores e consumidores, incluindo subcontratados e consultores;

• o valor da especialização em serviços no capitalismo dos finais do século 20, que contribui para a manipulação de matérias-primas, informação, capital e trabalho, em qualquer atividade de produção ou consumo. Interpretar o mundo tornou-se uma tarefa mais complexa, a produção de bens e serviços tornou-se mais capital-intensiva e o papel destes serviços especializados então se intensificou;

• a maneira pela qual as qualificações e especializações para atividades de serviços que estão presentes na força de trabalho influenciam significativamente os padrões locacionais. A complexidade e diversidade da moderna especialização em serviços encorajam a aglomeração, ao menos das funções de alto nível; as funções mais rotineiras podem ser mais dispersadas, embora controladas de forma centralizada. Estas tendências têm dominado a evolução das regiões urbanas nos anos mais recentes, além de influenciarem os padrões da localização manufatureira, enquanto a especialização em serviços oferece um conhecimento técnico e material não apenas para os processos produtivos em constante transformação, mas também para qualificações organizacionais ou gerenciais (KON, 1994);

• a forma pela qual as mudanças técnicas criam novas oportunidades para a exploração da especialização em serviços.

Como salientado por alguns autores (MILES, 1993; NORMANN, 1991; TÉBOUL, 2002; KON, 2004a), as tecnologias da informação e das comunicações têm conduzido à industrialização dos serviços, à inovação organizacional e a novas formas de comercialização dos serviços, no que se refere aos relacionamentos entre produtor e consumidor, como, por exemplo, nas atividades bancárias, de venda e turísticas, via telefone. Resumindo as principais características dos serviços e da inovação técnica como exemplos da dinâmica da reestruturação dos serviços, é possível observar alguns aspectos relacionados às transformações na produção dos serviços, no produto, no consumo e nos mercados.

No entanto, estas características não se aplicam igualmente nos setores públicos e privados de serviços, devido à natureza específica dos serviços públicos, por um lado, e aos objetivos diversos de lucro ou de função social, por outro.

Diferenças na distribuição da força de trabalho entre economias mundiais

Esta forma de reestruturação teve diferentes dinâmicas, nas diversas economias, dependendo do grau de modernização tecnológica nos processos produtivos e do correspondente nível de qualificação da força de trabalho. Nos países menos adiantados, o excedente de trabalho do setor agrícola, que emigrou para áreas urbanas, freqüentemente tinha baixa qualificação para oferecer e, mesmo quando o setor moderno de atividades se expandia, as taxas de absorção do trabalho nestas atividades podiam ser modestas em relação às necessidades da oferta de trabalho (KON, 1995). Em uma economia urbana em expansão, supõe-se que as atividades de serviços que estão correlacionadas ao aumento da renda também se ampliem. Como resultado, outras oportunidades de serviços voltados para o consumo direto também se expandem de acordo com os multiplicadores de emprego urbano. Esta expansão de oportunidades de emprego em serviços é considerada um efeito, mais do que como uma causa, da expansão urbana, o que quer dizer que é mais sintoma do que causa de desenvolvimento.

Nos mercados de trabalho urbanos dos países em desenvolvimento, a absorção de mão-de-obra não tem sido capaz de acompanhar o fluxo contínuo de pessoas que aumenta a oferta de trabalhadores. Desde que os salários no setor moderno são inflexíveis para baixo, o fluxo de imigrantes continua fundamentado em expectativas não razoáveis de emprego e os novos entrantes ao mercado de trabalho urbano, na maior parte das vezes, não comportam as qualificações para o emprego nos setores mais dinâmicos da economia, como já visto. Assim, à medida que o excedente de imigrantes se dirige às atividades menos modernas, os salários médios são deprimidos e estas economias enfrentam um problema contínuo e crescente de excedente de mão-de-obra e de baixa remuneração.

Como as oportunidades de emprego no setor moderno são mais difíceis, muitos dos novos imigrantes devem trabalhar em atividades do setor denominado informal, em condições de sobrevivência (CACCIAMALI e SILVA, 2003; KON, 2004b). Estes trabalhadores são empregados em circunstâncias que negam as vantagens de um contrato salarial formal. O fluxo contínuo de novos entrantes neste espaço informal – devido não apenas ao excedente de trabalho no setor agrícola, mas recentemente também ao excedente no setor manufatureiro – mantém os ganhos naquele setor próximos à subsistência para a maior parte dos trabalhadores. Todavia, com o crescimento da economia global, a reestruturação produtiva e a terceirização que vêm ocorrendo nas grandes empresas oligopolistas, muitos trabalhadores que se ocupavam nas indústrias manufatureiras, dispensados de seus empregos nestas firmas, tentam trabalhar por conta própria como autônomos; além disso, são encontrados também empresários no setor informal, alguns dos quais mostrando progresso econômico.

Mas as oportunidades, para estes empresários, de crescimento através de capitalização são limitadas devido à crescente competição, bem como à natureza de seus empreendimentos. Ainda que exista certo inter-relacionamento entre os mercados do setor informal e do setor moderno, e parte desta produção informal seja vendida para empresas formais, o crescimento de muitas empresas informais é restringido porque sua oferta não seria comercializável além dos limites de certos distritos menos privilegiados. Uma parte considerável destas atividades informais é dirigida para os serviços e alguns membros desta força de trabalho desempenham atividades "invisíveis" ou subterrâneas (underground). Assim, em países menos avançados, a capacidade de absorção do setor informal de serviços é muito menos uma função da capitalização do setor do que da capacidade da área urbana de fornecer subsistência a trabalhadores de serviços domésticos.

Porém, após a intensificação da globalização das economias principalmente desde os finais dos anos 80, estas indústrias apresentam maiores vantagens de realocarem suas atividades em economias modernas, onde são encontrados força de trabalho mais qualificada e outros serviços complementares sofisticados. Em muitos casos, empresas de serviços tornam-se multinacionais e transnacionais, e os países hospedeiros menos desenvolvidos apresentam benefícios porque certos serviços auxiliares às empresas fornecem elos que tornam possível a existência de muitas instalações manufatureiras.

No âmbito doméstico das economias, as mudanças locacionais refletem o crescente dualismo da força de trabalho, desde que os investimentos nas manufaturas se moveram seja para áreas onde são disponíveis os escassos trabalhadores mais qualificados administrativos e burocratas (white-collar), seja para áreas de baixos salários e alto desemprego, onde pode ser recrutada uma força de trabalho semiqualificada, para desempenhar principalmente atividades rotineiras da produção em plantas das filiais.

A Tabela 1 apresenta as mudanças na distribuição setorial da força de trabalho de países de vários níveis de desenvolvimento, na década de 90, de acordo com a classificação do Banco Mundial para a determinação dos níveis de desenvolvimento. Observa-se, para os países de Baixa Renda, que a concentração considerável de trabalhadores no setor Primário (Agropecuário e atividades afins), no início do período, sofreu considerável transformação com a emigração de mão-de-obra para os setores do Terciário (Comércio e Serviços), durante a década, com a diminuição relativa também do setor Secundário. O mesmo movimento verificou-se entre países de Renda Média Baixa, porém com maior intensidade da emigração de trabalhadores oriundos do setor industrial. O aumento do setor Terciário nestes países se deu particularmente em atividades de baixa relação capital/trabalho voltadas para consumo pessoal dos indivíduos (KON, 2006).

Estas mudanças estruturais resultaram da difusão do processo de mundialização econômica e da dispersão do processo de produção em vários países, através da transnacionalização das indústrias e serviços.

Embora o mesmo direcionamento das mudanças estruturais em direção ao aumento do setor Terciário tenha se verificado também para os países de Renda Média Alta e Renda Alta, a qualidade dos serviços criados nestes dois últimos grupos é consideravelmente diferenciada dos anteriores. Isto se verifica porque englobam serviços modernos em que a relação capital/trabalho é superior e que se destinam mais intensamente ao consumo das empresas e à infra-estrutura de Transportes e Telecomunicações, característicos de economias de aglomeração (KON, 2006).

Observe-se que estes dados informam a distribuição entre os setores de atividade, porém não revelam a segmentação ocupacional segundo grupos de ocupações que apresentam comportamento e características diversas das setoriais, tendo em vista diferentes formas de agregação das variáveis. Os grupos ocupacionais podem ser encontrados em diferentes setores, como, por exemplo, as ocupações de profissionais liberais e técnicas, as gerenciais, as administrativas e de serviços, e se distribuem por todos os setores mencionados na Tabela 1. Dessa forma, não existe comparabilidade entre as informações da distribuição da força de trabalho segundo setores, com os resultados segundo grupos ocupacionais, conforme apresentados na Tabela 2, que analisa as transformações na representatividade de grupos ocupacionais específicos no período de 1989 a 2001.

Como é possível inferir a partir da Tabela 2, observa-se que, aos diversos níveis de desenvolvimento econômico das economias, são associadas condições específicas de composição da estrutura ocupacional, o que é resultado das características das respectivas estruturas produtivas, sejam mais especializadas no setor agrícola ou nos setores urbanos, e também de acordo com diferentes graus de progresso tecnológico nos processos produtivos.

Observa-se que, à medida que aumenta o nível relativo de renda per capita dos países, decresce a concentração de trabalhadores nas ocupações rurais ou outras que exigem menor nível de qualificação e de produtividade. Paralelamente, é crescente a participação de grupos ocupacionais representados pela mão-de-obra mais qualificada, como de profissionais liberais e técnicos e as administrativas, bem como nas ocupações industriais e de transportes.

Por outro lado, observa-se que a representatividade das ocupações de serviços cresce à medida que aumentam os processos de modernização. Embora o percentual de trabalhadores em categorias ocupacionais mais qualificadas de funções profissionais, técnicas e gerenciais seja também mais elevado nos países com rendas per capita superiores, verifica-se que nestes países as reformulações ou a chamada "reengenharia" (downsizing) nas estruturas organizacionais na década de 90, com o intuito de enfrentar os custos crescentes, resultou na diminuição da representatividade de ocupações administrativas, da mesma forma que o avanço tecnológico resultou em maiores investimentos capital-intensivos, diminuindo postos de trabalho e aumentando a relação capital/trabalho das ocupações industriais e de transportes.

Já outras informações sobre serviços mostram a criação de funções ocupacionais de serviços não existentes anteriormente, conforme cresce a modernização nos anos 90, ou seja, em torno de 21% nos países de Renda Baixa, 25,5% nos de Renda Média Baixa, 37% nos de Renda Média Alta e 49% nos de Renda Alta (KON, 2004a).

Salienta-se que as repercussões do processo de modernização das economias também tiveram impactos nestes países de menor renda per capita, no período de modernização da década de 90, pois, como mostra a Tabela 2, em 2001, a representatividade de trabalhadores nas ocupações agrícolas apresentou queda, enquanto os grupos ocupacionais de maior escolaridade e qualificação mencionados anteriormente registraram participação consideravelmente maior, acima de 10%.

Neste sentido, os países de Renda Baixa são grandemente concentradores de trabalhadores no setor primário, onde se localizavam, em 1989, cerca de 57% da força de trabalho. As ocupações que exigem maior qualificação representadas por profissionais liberais e técnicos, nesse ano, tinham participação pouco significativa (de 3% a 4%), enquanto as industriais e de transportes e as de serviços, embora representadas respectivamente por mais de 17% e de 10% dos trabalhadores, eram caracterizadas por baixo nível de escolaridade e de produtividade.

Os países de Renda Média Baixa apresentam distribuição ocupacional e modificações estruturais, no período analisado, similares à dos de menor renda, porém a participação das ocupações que exigem menor qualificação é relativamente menor e, em contrapartida, as ocupações de maior qualificação são relativamente mais representativas.

Com relação à mencionada reestruturação entre grupos ocupacionais, quando se observam as diferenças de representatividade das categorias ocupacionais entre os períodos, o decréscimo mais importante e muito significativo é encontrado nas ocupações de agricultura e rurais, para todos os países de vários níveis de desenvolvimento (devido à modernização dos processos produtivos ou à capitalização como já observado). Isto é contra-balançado por aumentos inferiores nas demais categorias. Além disso, o aumento nas ocupações de serviços é ainda maior do que nas ocupações ditas industriais (do setor secundário) e de transportes. Nos países de Renda Alta e de Renda Média Alta, a representatividade deste grupo ocupacional também decresceu, revelando os impactos ocorridos sobre a estrutura ocupacional como resultado da reestruturação industrial, terceirização de atividades de serviços e mudança na classificação de certos serviços (que eram anteriormente considerados categorias de ocupações industriais antes que as mudanças tecnológicas e organizacionais ocorressem).

Embora muitos países em desenvolvimento tenham mais de 50% de sua população economicamente ativa em atividades de serviços, o papel positivo dos serviços no processo de desenvolvimento ainda é discutido. Alguns pesquisadores acreditam que apenas se forem abertas oportunidades de emprego nos setores modernos e os salários médios se elevarem, à medida que a renda cresce e o mercado interno é encorajado, novos setores de atividades e novas ocupações de serviços serão introduzidas internamente, o que dará início à criação das inter-relações usufruídas pelas economias das nações desenvolvidas.

Por outro lado, como já visto, os papéis dos serviços e das atividades secundárias na economia estão se tornando crescentemente interdependentes, o que quer dizer que o relacionamento tradicional entre as manufaturas e os serviços, em que as primeiras demandam insumos e os segundos os fornecem, não mais se mantém para uma parte importante dos dois setores. Em certas indústrias manufatureiras, a divisão entre a produção e os serviços é difícil de ser estabelecida. Por exemplo, na manufatura que utiliza equipamentos de processamento de dados, os insumos de serviços (software) não só são necessários para tornar operacional o processo produtivo, como também têm uma grande influência sobre o sucesso do produto no mercado.

Outro exemplo pode ser mencionado na produção de jornais, em que o componente de serviços de propaganda tornou-se a maior fonte de renda e o produto tem que competir com outros meios de divulgação (mídia), tais como televisão e rádio. A competição surge entre as empresas de produção e de serviços, à medida que a diversificação e o consumo permitem a penetração em mercados tradicionalmente pertencentes às demais áreas. Além disso, algumas atividades mais sofisticadas de serviços, tais como transportes, serviços de distribuição de bens e financeiros, estão se tornando crescentemente capital-intensivas, como as indústrias produtoras de bens.

Em suma, o crescimento do setor de serviços e suas implicações sobre a reestruturação das economias apresentam diferentes impactos sobre as estruturas produtivas, de acordo com o nível de desenvolvimento econômico das economias e a capacidade de aumentar os investimentos na modernização tecnológica e na qualificação da força de trabalho. Estas condições são prementes para que as empresas consigam enfrentar as necessidades de novas tarefas técnicas dos processos modernos de produção e organizacionais.

As estruturas produtivas têm se transformado rapidamente nos países desenvolvidos, desde a crescente industrialização a partir da década de 30, com o crescimento do processo de urbanização e a intensificação da inovação tecnológica. Algumas economias menos desenvolvidas iniciaram as mesmas transformações estruturais a partir dos anos 50 e outras apenas recentemente começaram este processo, como se verificou a partir dos dados empíricos.

Algumas pesquisas mostram a reestruturação do setor de serviços como fundamentada na divisão espacial de trabalho que afeta o número e as características dos empregos encontrados em diferentes locais (MARSHALL e WOOD, 1995; KON, 2004a). Esta divisão de trabalho refere-se ao padrão de especialização de trabalho na produção, desenvolvido através do tempo para assegurar o uso eficiente do investimento em capital. Distintos países e regiões de um país são especializados em produtos e setores particulares, que apóiam as formas locais dominantes de relação capital/trabalho, qualificação da mão-de-obra e padrões sociais e comunitários.

A reestruturação produtiva no Brasil: mudanças setoriais

A reestruturação da distribuição do trabalho no Brasil retrata os aspectos considerados na seção anterior, para os países de Renda Média Alta, nível em que se enquadra o país. Ao lado de um parque industrial diversificado, que na década de 90 perdeu o dinamismo dos anos 70, a grande concentração de trabalhadores se agrupa em ocupações de serviços e o aumento relativo de pessoal ocupado verificou-se tanto em ocupações mais modernas (profissionais e técnicas, gerenciais e administrativas), quanto naquelas menos avançadas em relação à exigência de conhecimentos tecnológicos e com menor relação capital/trabalho.

Se no período de maior crescimento industrial do final da década de 70 até 1980 as atividades manufatureiras e da construção civil absorviam de forma mais significativa a mão-de-obra liberada pelas atividades rurais, em toda a década de 80 o aumento de trabalhadores no setor de serviços esteve consideravelmente acima do verificado no setor manufatureiro. Nos anos 90, a produtividade teve um comportamento positivo nos setores Agropecuário e Secundário, com maior intensidade no primeiro, embora a população ocupada neste último mostrasse taxas anuais negativas, ou seja, diminuição de postos de trabalho disponíveis. No entanto, no setor Terciário da economia, a absorção de trabalhadores se deu a taxas anuais superiores às observadas nos demais setores, mas o produto por trabalhador apresentou decréscimo, o que significa que os postos de trabalho gerados se revestiram de baixa remuneração e qualidade.

O exame da Tabela 3 e dos Gráficos 1 e 2 revela que a diminuição da população ocupada no setor rural ocorreu a partir da absorção mais intensa de trabalhadores no setor de serviços que em 1990 já absorvia mais da metade da mão-de-obra brasileira. Porém, regionalmente, verificam-se diferenças na direção do aumento do contingente de trabalhadores de serviços.



No entanto, no período mais recente, observa-se que o decréscimo de postos de trabalho na indústria teve repercussões importantes na composição do produto, uma vez que, em 1999, a representatividade dos trabalhadores neste setor decresceu para menos de 20%. Porém, em 2005, já se verificou recuperação desta participação, em detrimento de trabalhadores na Agropecuária, cuja representatividade se moveu em sentido contrário, ou seja, mostrou elevação e diminuição para quase 21% neste último ano pesquisado. Também o setor Terciário absorveu parte do aumento da força de trabalho não incorporada na indústria, chegando a uma participação de mais de 5% do total de trabalhadores em 2004.

A análise das mudanças estruturais na divisão do trabalho brasileira, nos anos mais recentes, requer uma visualização da década econômica anterior, para melhor avaliação da intensidade da reestruturação. Em seqüência são analisados indicadores do crescimento da população ocupada e do produto por trabalhador, em períodos de forte crise da década de 80, até o início do novo século.

O exame do produto do trabalhador como indicador da produtividade setorial, para o Brasil, retratado na Tabela 4 e nos Gráficos 2 e 3, permite verificar que as taxas médias anuais de crescimento da produtividade no setor de serviços, que corresponde ao setor mais absorvedor da mão-de-obra no país, estiveram sempre abaixo da média global do país, em quase todo o período (com exceção da década de 70), o que confirma as constatações de que, apesar das taxas consideráveis de aumento de trabalhadores – que em períodos recessivos ou de menor nível de atividades ultrapassam consideravelmente as do setor Secundário –, o produto gerado cresceu menos que proporcionalmente, em virtude de o setor Terciário brasileiro absorver parcela representativa de ocupados com baixa qualificação, em ocupações de menor remuneração e pouca intensidade de capital. Haja vista que nos anos posteriores a partir de 1984, em que se observou certa retomada nas atividades econômicas em relação ao período de crise do início da década de 80, a produtividade dos serviços apresentou maior taxa de decréscimo, embora os demais setores também tenham registrado queda deste indicador.


Dessa forma, é necessário salientar que as transformações setoriais relevantes que vêm ocorrendo no país e caracterizaram uma reestruturação produtiva considerável foram iniciadas desde os primeiros meados da década de 50 até o final da de 70. Nos anos 80, as constantes situações de crise econômica por que passou o país retardaram a continuidade das transformações, o que contribuiu para o crescimento da defasagem de desenvolvimento entre o Brasil e outras economias que se encontravam na mesma situação de emergência, como alguns países asiáticos. A continuidade de crescimento do setor de serviços no país, desde os períodos econômicos conturbados, deveu-se mais à possibilidade de o setor absorver indivíduos que não encontraram oportunidades nos demais setores, do que à busca da modernização econômica.

Na década de 90, observa-se a retomada do crescimento da produtividade setorial, particularmente no setor Primário, em que a modernização foi relativamente mais intensa e as taxas anuais de crescimento da população ocupada se elevaram acima de 2%, contrariando a tendência tradicional de queda. No setor Secundário, o crescimento da produtividade se deu às custas da absorção da mão-de-obra, que se dirigiu ao setor Terciário informal, resultando, como conseqüência, decréscimo considerável da produtividade deste setor. A tendência de redução da produtividade se intensificou consideravelmente a partir do final do século 20 até 2005, desde que o aumento da população ocupada em todos os setores verificou-se com elevação da informalidade e baixo crescimento do PIB.

As transformações na distribuição ocupacional

A Tabela 5 e o Gráfico 4 retratam, para períodos temporais selecionados de 1990 a 2005, a distribuição de ocupados em grupos ocupacionais específicos. Em todo o período, as ocupações da produção direta de bens e serviços concentraram o maior número de trabalhadores. No entanto, esta representatividade, que em 1990 era de 52,4%, veio decrescendo até 2005, quando situou-se em 48,2%, em decorrência de certo grau de modernização nos processos produtivos, que diminuiu os postos de trabalho nestes grupos ocupacionais.


Isto pode ser confirmado pelo aumento gradativo da participação de ocupações técnicas e científicas, que incluem profissionais liberais e outros ocupados mais qualificados. Por outro lado, a modernização produtiva no período também apresentou a característica da diminuição de níveis hierárquicos gerenciais e administrativos nas empresas. Esta perda originou-se da implementação de novos modelos gerenciais aplicados no país, a denominada "reengenharia" (downsizing). O resultado desta redução de representatividade, de 1990 a 2005, foi de quase 18% em relação ao total dos ocupados.

Apesar do período de poucos investimentos, os postos de trabalho da Indústria da Construção Civil também aumentaram, porém grande parte alocava-se em autoconstrução ou atividades informais. Por outro lado, observa-se aumento significativo, em 2001, da representatividade de trabalhadores no grupo do Comércio, particularmente correspondendo a atividades voltadas para consumo pessoal e de baixa relação capital/trabalho, porém com nova redução em 2005, como decorrência da constante situação de contenção econômica e baixos investimentos durante os anos seguintes.

A evolução anual da representatividade dos trabalhadores nos vários grupos ocupacionais é apresentada no Gráfico 5, para períodos selecionados entre 1990 e 2004. Observa-se, inicialmente, que no total do período a maior taxa de crescimento de trabalhadores ocorreu para as ocupações do Comércio (16,3%), as técnicas, científicas e assemelhadas (9,8%), o grupo de Outras ocupações (9,9%) e os Transportes e Comunicações (7,8%). Note-se que, nestes grupos, existe uma heterogeneidade de processos produtivos de maior ou menor relação capital/trabalho, não sendo possível, a partir destes dados, a observação de alguma relação direta entre o aumento da absorção e o grau de modernização das ocupações.


Nos dois primeiros períodos analisados, de 1990-1996 e de 1996-2001, as transformações estruturais foram menores. As mudanças mais consideráveis ocorreram de 2001 a 2004, quando se ressalta a queda de 4% nas ocupações da Indústria de Transformação e a elevação muito significativa em Transportes e Comunicações e da categoria Outras ocupações.

As transformações regionais na distribuição do pessoal ocupado

Embora na seção anterior tenha sido verificada a existência de mudanças estruturais significativas da representatividade de ocupações, segundo grupos selecionados, o exame das diferenças regionais nesta distribuição mostra que não aconteceram transformações na concentração regional, como verificado na Tabela 6 e no Gráfico 6.


Em todo o período, as mudanças foram muito pouco significativas, podendo-se considerar que a mesma representatividade regional se repetiu, mostrando que cerca de 43% da população ocupada concentrou-se na Região Sudeste e 28% no Nordeste. Apenas no Norte foi verificado crescimento na participação, passando de 3,3% em 1990 para 7,4% em 2005.

O aspecto qualitativo do trabalho nas diferentes regiões pode ser avaliado, para o período recente, na Tabela 7 e Gráfico 7, que revelam a participação dos ocupados com carteira de trabalho assinada e sua evolução, segundo a região.


Observa-se que, em 1992, as divergências foram muito significativas, pois no Nordeste e no Norte urbano apenas 11,3% e 13,4% dos ocupados, respectivamente, tinham registro em carteira, enquanto no Sudeste a representatividade era superior a 27%. A tendência para o período posterior foi de crescimento desta participação em todas as regiões. As pesquisas da Região Norte incluíram, pela primeira vez em 2004, o levantamento para a zona rural. Dessa forma, a perda da representatividade observada através das informações de 2005 deve-se a esta inclusão e não há possibilidade de comparação com a série anterior. De qualquer maneira, a representatividade dos ocupados com carteira em todas as regiões continua consideravelmente baixa em relação à condição necessária de proteção ao trabalhador.

A Tabela 8 permite a avaliação do grau de diferenciação regional na representatividade dos trabalhadores com carteira assinada, tendo como base a média do país. Os indicadores acima e abaixo da unidade representam respectivamente situações melhores e piores em relação à média nacional.

A Região Sudeste mostra um grau de superioridade em torno de 29% em 2005 em relação à média brasileira, enquanto o Nordeste e o Norte situam-se, respectivamente, em torno de 46% e 40% abaixo desta média e o Sul mostra um diferencial superior considerável de mais de 14%. O aumento da representatividade de trabalhadores com carteira assinada não significou uma convergência do grau de desenvolvimento entre as regiões.

Para detalhar as diferenças na estruturação ocupacional entre as Unidades da Federação, foi elaborado um indicador que recebeu a denominação de Índice Regional de Estruturação Ocupacional (Ireo), visando representar o grau de modernidade ou atraso da estrutura regional. O Ireo é definido como:

Ireo = åR [ (POij x p1) x (POij x p2) ] / POR, onde:

R = UF; PO = número de pessoas ocupadas; i = grupos de anos de estudo; j = faixas de rendimentos médios; p1 = participação da população ocupada na faixa de rendimentos médios; p2 = participação da população ocupada no grupo de anos de estudo; POR = população ocupada total da região.

Os resultados são interpretados de modo que os índices superiores significam estruturas ocupacionais mais desenvolvidas, compostas por um maior percentual de trabalhadores com maior nível de escolaridade e maiores rendimentos médios. A Tabela 9 apresenta estes resultados classificados em ordem decrescente, com base no ano de 2002. Como era esperado, os maiores indicadores são verificados para as regiões do Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro e os menores em Alagoas, Maranhão e Piauí. Uma observação importante está no comportamento temporal destes indicadores, com melhora considerável em todas as regiões entre 1990 e 1996, porém, em 2002, as estruturações sofreram perda de qualidade, conforme apresentado na Tabela.

A Tabela 10 mostra os Quocientes de Diferenciação Regional da Estruturação Ocupacional (QREO), que permitem avaliar o grau de intensidade de diferenciação entre as estruturações ocupacionais, tendo como base a média do país. Este quociente é calculado através da relação:

QREO = IreoR / IreoBR , onde R = UF e BR = Brasil.

A média brasileira é representada pelo quociente igual à unidade e os resultados acima e abaixo de 1 significam os graus de intensidade respectivamente superiores ou inferiores à média. Observe-se, inicialmente, que o Distrito Federal apresenta a estruturação mais vantajosa, correspondente a melhores salários e níveis de escolaridade, que se situam quase 130% acima da média em 2002. Os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro mostram também considerável intensidade acima da base do país, em cerca de mais de 50% e 40%, respectivamente. Acima da média brasileira situam-se poucas regiões, além das citadas, ou seja, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Para efeito analítico, os quocientes foram agrupados em quatro níveis: (a) Alto, com indicadores entre 0 e 30% superiores à média, englobando as regiões acima mencionadas; (b) Médio Alto, cujas intensidades situam-se entre 0,1% e 20% abaixo da média; (c) Médio Baixo, com resultados entre 21% e 40% abaixo da média, incluindo os Estados do Amazonas, Pará, Rio Grande do Norte e Sergipe; e (d) Baixo, com indicadores entre 41% e 70% abaixo, agrupando os demais Estados do Nordeste e o Tocantins.

Dessa forma, observou-se que os Estados que pertencem a cada um dos quatro níveis acima determinados são os mesmos correspondentes a quatro grupos hierarquizados de forma decrescente, tendo como base a variável renda per capita, mostrando a forte relação entre o nível de estruturação ocupacional e o nível de desenvolvimento regional (KON, 2004).

Considerações finais

O processo de aceleração das mudanças tecnológicas no mundo que permitiu a difusão da globalização mundial – ocorrida desde os anos 80 e mais intensamente na década de 90 – tornou necessário que os países se preparassem para o dinamismo das trocas internacionais que começava a se instaurar. O processo de reestruturação produtiva que se ampliou primeiramente nos países desenvolvidos, difundindo-se não tão rapidamente para os em desenvolvimento, resultou e foi resultado destas transformações tecnológicas, nas condições de mercado então vigentes e nas características das empresas, que tinham como objetivo restaurar a competitividade industrial.

No caso específico do Brasil, além de enfrentar os impactos destas transformações mundiais, a distribuição ocupacional sofreu, nos últimos anos, os reflexos dos problemas macro e microeconômicos estruturais e conjunturais pelos quais vem passando o país, que exigiram políticas públicas restritivas voltadas para a estabilização. A estas questões associaram-se os novos requisitos exigidos para a contratação da mão-de-obra, tendo em vista os renovados processos produtivos e organizacionais, bem como os impactos da situação de aumento da competitividade e mundialização das economias.

Este estudo visou contribuir com subsídios para a análise recente das transformações no perfil da distribuição ocupacional do trabalhador brasileiro, segundo a segmentação setorial e grupos ocupacionais específicos. Os resultados empíricos apontam para as constatações iniciais de que o Brasil apresenta evolução semelhante aos demais países do grupo classificado pelo Banco Mundial como de Renda Média Alta, no que se refere à tendência à reestruturação ocupacional relacionada às taxas relativamente mais elevadas de crescimento de trabalhadores no setor Terciário, quando comparados a países de Renda Alta (KON, 2004), porém com características qualitativamente diferentes destes últimos, tendo em vista menor modernização e produtividade.

Desde os últimos anos da década de 90, a população brasileira ocupada nos setores Primário e Secundário vem decrescendo anualmente, e a elevação considerável de trabalhadores no setor Terciário vem se dando em taxas superiores às do produto setorial gerado, resultando em decrescente produtividade do trabalho. Por sua vez, a distribuição de trabalhadores em ocupações específicas no país também veio sofrendo mudanças consideráveis, a partir dos anos 90. Estas favoreceram maior concentração de trabalhadores em ocupações de Transportes e Comunicações e naquelas técnicas, científicas e assemelhadas, que apresentam trabalhadores mais qualificados e melhores condições de trabalho, mas também da Construção Civil e de Outras ocupações (pessoais, sociais, etc.), que têm um caráter global de baixa relação capital/trabalho e baixa remuneração. Estas transformações refletem as mudanças organizacionais traduzidas na reengenharia (diminuição de trabalhadores administrativos), mas também decréscimo no setor da Indústria de Transformação, em um período atribulado da conjuntura nacional.

Apesar destas transformações ocupacionais constatadas, a análise das mudanças regionais na distribuição do trabalho revela que, entre as regiões, não houve alterações significativas, permanecendo as consideráveis disparidades regionais em todo o período. Dessa forma, as mudanças estruturais foram intra e não inter-regionais.

Recebido para publicação em 25/08/2006.

Aceito para publicação em 06/11/2006.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jan 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2006
  • Aceito
    06 Nov 2006
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