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Fecundidade na adolescência e religião em Belo Horizonte: um primeiro exercício

NOTAS DE PESQUISA

Fecundidade na adolescência e religião em Belo Horizonte: um primeiro exercício* * Projeto de Cooperação Internacional Capes-UT 032/08.

Paula Miranda-RibeiroI; Luciene A. Ferreira de Barros LongoII; Eduardo Luiz Gonçalves Rios-NetoIII; Joseph Earl PotterIV

IProfessora associada do Departamento de Demografia e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar, da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de produtividade do CNPq

IIAnalista socioeconômico do IBGE, doutoranda em demografia no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar, da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista sanduíche (Capes) na University of Texas at Austin

IIIProfessor titular do Departamento de Demografia e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar, da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de produtividade do CNPq

IVProfessor, Population Research Center e Department of Sociology, University of Texas at Austin

O projeto "Fecundidade na adolescência e religião em Belo Horizonte, MG", financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes, por meio de acordo de cooperação internacional, está sendo desenvolvido pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar, da Universidade Federal de Minas Gerais, e a University of Texas at Austin, desde agosto de 2008.

A motivação deste projeto é a constatação de que, desde os anos 1970, o Brasil vem experimentando, por um lado, uma acentuada queda da fecundidade e um rejuvenescimento no seu padrão (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2004) e, por outro, fortes mudanças ligadas à religião, com redução na proporção de católicos (de 92% para 74%) e aumento entre os declarados evangélicos (de 5,2% para 15,6%) (ALVES; NOVELLINO, 2006).

Dados da pesquisa Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Raça/cor - SRSR, realizada pelo Cedeplar em 2002, para Belo Horizonte, indicam que 83,9% do total de mulheres de 15 a 59 anos afirmaram ter sido criadas na religião católica, mas apenas 61,3% delas se declararam católicas no momento da entrevista. Já entre as adolescentes de 15 a 19 anos, 76,9% disseram ter sido criadas na religião católica e 51,7% se declararam católicas, sugerindo importante mudança de filiação religiosa ao longo da vida.

Não são muitos os estudos que buscam verificar, de alguma maneira, a relação entre fecundidade na adolescência e religião no Brasil. Uma revisão da literatura identificou trabalhos de um número reduzido de autores, utilizando quatro fontes de dados: os censos demográficos (POTTER et al., 2005; COSTA et al., 2005; ALVES; NOVELLINO, 2006 e 2008; MCKINNON et al., 2007 e 2008), a PNDS - Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde de 1996 (GUPTA; LEITE, 1999; LEITE et al., 2004; CESARE; VIGNOLI, 2006), a pesquisa GRAVAD - Gravidez na Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil1 1 Realizada em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre, entre outubro de 2001 e janeiro de 2002 (HEILBORN et al., 2006). (AQUINO et al., 2003; MARTINS et al., 2006; MENEZES et al., 2006, entre outros) e a pesquisa SRSR2 2 Realizada em Belo Horizonte e Recife em 2002 (MIRANDA-RIBEIRO; CAETANO, 2004). (FRANÇA, 2008).

Entre esses estudos, o único que trata de fecundidade na adolescência e religião em Belo Horizonte é o de França (2008). A autora afirma que, apesar da ausência de significância no nível de 25% das variáveis de religião na análise bivariada e da sua não inclusão nos modelos multivariados, as jovens de 20 a 24 anos que cresceram em famílias sem religião apresentam as maiores proporções de ocorrência do primeiro filho na adolescência. Já aquelas criadas em famílias afiliadas ao protestantismo histórico3 3 Protestantismo histórico reúne as seguintes denominações: batista, luterano, presbiteriano, metodista e episcopal. registram os menores percentuais de fecundidade até os 19 anos.

Este projeto utiliza dados do censo demográfico de 2000 e da pesquisa SRSR. O primeiro exercício consistiu no cálculo das taxas específicas de fecundidade (TEF) e das taxas de fecundidade total (TFT), ajustadas pelo método P/F de Brass (1974), com dados do censo demográfico de 2000.4 4 Para maiores detalhes, ver Miranda-Ribeiro, Longo e Carvalho (2009).

O Gráfico 1 revela diferenças tanto no padrão quanto no nível da fecundidade por idade, segundo a religião. Com relação ao padrão, a moda da curva é distinta para as diferentes denominações religiosas. Entre as protestantes históricas, o padrão da fecundidade é mais jovem e atinge o pico entre os 20 e 24 anos, ao passo que, para as sem religião e as católicas, a moda se dá no grupo quinquenal seguinte. As pentecostais5 5 Pentecostais são as fiéis da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus. apresentam padrão e nível da fecundidade bastante distintos das mulheres de outras religiões e chama a atenção o elevado nível da fecundidade até os 29 anos.


No que diz respeito à fecundidade na adolescência, as mulheres de 15 a 19 anos sem religião são as que apresentam taxa mais elevada, seguidas de perto pelas pentecostais. Apesar da proximidade em termos do nível neste intervalo etário, é provável que haja diferenças entre as adolescentes desses dois grupos, pois é possível que a fecundidade das pentecostais seja marital e que as sem religião tenham filho em uniões informais, ou ainda fora da união. As TEFs das adolescentes católicas e protestantes, por sua vez, são muito próximas e se situam em níveis mais baixos - cerca de metade da fecundidade das pentecostais e das sem religião.

Em relação ao nível da fecundidade, a TFT ajustada para Belo Horizonte, em 2000, era de 1,88 filho por mulher. O recorte por religião revela grandes variações que vão desde uma fecundidade bastante abaixo do nível de reposição para as católicas (1,84) e sobretudo para as protestantes históricas (1,59), passando para uma taxa logo abaixo do nível de reposição entre as sem religião (2,01) e chegando a um nível bem acima da reposição entre as pentecostais (2,52).

Os resultados deste primeiro exercício indicam que a fecundidade das mulheres de Belo Horizonte varia segundo a religião não apenas entre as mulheres de 15 a 19 anos, mas também nos dois grupos etários subsequentes. Trabalhos futuros investigarão a religião como fator associado à fecundidade na adolescência, bem como a relação entre casamento, fecundidade e religião.

Referências

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_________. A dinâmica das filiações religiosas no Rio de Janeiro: 1991-2000. Um recorte por educação, cor, geração e gênero. In: II ENCONTRO INTERNACIONAL POLÍTICA E FEMINISMO, 2008. Anais Enfoques feministas e os desafios contemporâneos. Belo Horizonte: Redefem, v.1, 2008, p. 120-150.

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Recebido para publicação em 05/05/2009.

Aceito para publicação em 07/07/2009.

  • ALVES, J. E. D.; NOVELLINO, M. S. F. A dinâmica das filiações religiosas no Rio de Janeiro: 1991-2000. Um recorte por educação, cor, geração e gênero. In: PATARRA, N.; AJARA, C.; SOUTO, J. (Orgs.). O Rio de Janeiro continua sendo... Rio de Janeiro: Ence/IBGE, 2006, p. 275-307.
  • _________. A dinâmica das filiações religiosas no Rio de Janeiro: 1991-2000. Um recorte por educação, cor, geração e gênero. In: II ENCONTRO INTERNACIONAL POLÍTICA E FEMINISMO, 2008. Anais Enfoques feministas e os desafios contemporâneos Belo Horizonte: Redefem, v.1, 2008, p. 120-150.
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  • *
    Projeto de Cooperação Internacional Capes-UT 032/08.
  • 1
    Realizada em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre, entre outubro de 2001 e janeiro de 2002 (HEILBORN et al., 2006).
  • 2
    Realizada em Belo Horizonte e Recife em 2002 (MIRANDA-RIBEIRO; CAETANO, 2004).
  • 3
    Protestantismo histórico reúne as seguintes denominações: batista, luterano, presbiteriano, metodista e episcopal.
  • 4
    Para maiores detalhes, ver Miranda-Ribeiro, Longo e Carvalho (2009).
  • 5
    Pentecostais são as fiéis da Assembleia de Deus e da Igreja Universal do Reino de Deus.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009
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