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Nascer e garantir-se no Reino de Deus; Curitiba, séculos XVIII e XIX

Born and guaranteed in the Kingdom of God; Curitiba, 18th and 19th centuries

Nacer e inscribirse en el Reino de Dios; Curitiba, siglos XVIII y XIX

Resumos

A historiografia tem indicado a ausência de informações, nos registros paroquiais arrolados na América portuguesa, a respeito da idade em que as crianças eram batizadas. Trata-se de evidência documental característica até, pelo menos, as primeiras décadas dos oitocentos, o que tem compelido os especialistas brasileiros em Demografia Histórica a considerarem a data do batismo como equivalente à do nascimento. Alguns vigários que exerceram seu ministério na Paróquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, inusitadamente, anotaram esses dados nas atas concernentes aos anos de 1729 a 1763, calando-se novamente até 1836. Acompanhando uma tendência que parece ter se generalizado nas paróquias brasileiras no século XIX, a partir do ano seguinte (1837) a informação tornou-se corriqueira nas atas de catolicidade. Isso permitiu construir uma base de dados comparativa e realizar análises críticas a respeito do intervalo entre o nascimento e a data do batismo, tendo como fundo as disposições da Igreja (Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707). Da mesma forma, é possível realizar algumas inferências relacionadas à importância assumida pelo Sacramento no imaginário da sociedade colonial.

Fontes paroquiais; Idade do batizando; Práticas paroquiais


Historiographers have noted the absence, in parish ledgers in Portuguese America, of the age of children at their time of baptism. This absence was characteristic at least until the early decades of the 19th century, a fact that has led Brazilian researchers in historical demography to consider the date of baptism as equivalent to that of birth. However, some of the pastors at the Parish of Nossa Senhora da Luz de Pinhais de Curitiba did register age at baptism in the parish logs from 1729 to 1763, and after 1836. The inclusion of this information seems to have been general practice in Catholic parishes during the 19th century, at least as of about 1837. A comparative database could thus be set up and critical analyses could be carried out regarding the period between birth and baptism, based on procedures provided in the Constitutions of the Bishopric of Bahia, of 1707. Inferences can also be made on the basis of the importance given to the sacrament of baptism in colonial thinking and practice in general.

Parish sources; Age for baptizing; Parish practices


La historiografía ha indicado la ausencia de información, en los registros parroquiales presentes en la América portuguesa, en lo que se refiere a la edad en la que los niños eran bautizados. Se trata de una evidencia documental característica, hasta por lo menos las primeras décadas del siglo XIX, la que ha forzado a los especialistas brasileños en Demografía Histórica a considerar la fecha del Bautismo como equivalente a la del nacimiento. Algunos vicarios que ejercieron su ministerio en la Parroquia de Nuestra Señora de la Luz dos Pinhais de Curitiba, inusitadamente, anotaron esos datos en las actas referentes al periodo de 1729 a 1763, desapareciendo nuevamente hasta 1836. Siguiendo una tendencia que parece haberse generalizado en las parroquias brasileñas en el siglo XIX, a partir del año siguiente (1837) la información se convirtió en algo rutinario en las actas de catolicidad. Eso permitió construir una base de datos comparativa y realizar los análisis críticos respecto al intervalo entre el nacimiento y la fecha del Bautismo, teniendo como fondo las disposiciones de la Iglesia (Normas fundamentales del Arzobispado de Bahía, 1707). De la misma forma, es posible realizar algunas inferencias relacionadas a la importancia asumida por el Sacramento en el imaginario de la sociedad colonial.

Fuentes parroquiales; Edad del bautizando; Prácticas parroquiales


ARTIGOS

Born and guaranteed in the Kingdom of God; Curitiba, 18th and 19th centuries

Marina Braga CarneiroI; Paula Roberta ChagasII; Sergio Odilon NadalinIII

IGraduanda em História, bolsista de Iniciação Científica, membro do Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses (Cedope), do Departamento de História da UFPR, e do Grupo de Pesquisa "Demografia & História" (UFPR/CNPq)

IIMestranda no Programa de Pós-Graduação em História da UFPR, membro do Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses (Cedope), do Departamento de História da UFPR, e do Grupo de Pesquisa "Demografia & História" (UFPR/CNPq)

IIIProfessor associado, membro do Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses (Cedope), do Departamento de História da UFPR, e pesquisador do CNPq e do Grupo de Pesquisa "Demografia & História" (UFPR/CNPq)

RESUMO

A historiografia tem indicado a ausência de informações, nos registros paroquiais arrolados na América portuguesa, a respeito da idade em que as crianças eram batizadas. Trata-se de evidência documental característica até, pelo menos, as primeiras décadas dos oitocentos, o que tem compelido os especialistas brasileiros em Demografia Histórica a considerarem a data do batismo como equivalente à do nascimento. Alguns vigários que exerceram seu ministério na Paróquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, inusitadamente, anotaram esses dados nas atas concernentes aos anos de 1729 a 1763, calando-se novamente até 1836. Acompanhando uma tendência que parece ter se generalizado nas paróquias brasileiras no século XIX, a partir do ano seguinte (1837) a informação tornou-se corriqueira nas atas de catolicidade. Isso permitiu construir uma base de dados comparativa e realizar análises críticas a respeito do intervalo entre o nascimento e a data do batismo, tendo como fundo as disposições da Igreja (Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707). Da mesma forma, é possível realizar algumas inferências relacionadas à importância assumida pelo Sacramento no imaginário da sociedade colonial.

Palavras-chave: Fontes paroquiais. Idade do batizando. Práticas paroquiais.

RESUMEN

La historiografía ha indicado la ausencia de información, en los registros parroquiales presentes en la América portuguesa, en lo que se refiere a la edad en la que los niños eran bautizados. Se trata de una evidencia documental característica, hasta por lo menos las primeras décadas del siglo XIX, la que ha forzado a los especialistas brasileños en Demografía Histórica a considerar la fecha del Bautismo como equivalente a la del nacimiento. Algunos vicarios que ejercieron su ministerio en la Parroquia de Nuestra Señora de la Luz dos Pinhais de Curitiba, inusitadamente, anotaron esos datos en las actas referentes al periodo de 1729 a 1763, desapareciendo nuevamente hasta 1836. Siguiendo una tendencia que parece haberse generalizado en las parroquias brasileñas en el siglo XIX, a partir del año siguiente (1837) la información se convirtió en algo rutinario en las actas de catolicidad. Eso permitió construir una base de datos comparativa y realizar los análisis críticos respecto al intervalo entre el nacimiento y la fecha del Bautismo, teniendo como fondo las disposiciones de la Iglesia (Normas fundamentales del Arzobispado de Bahía, 1707). De la misma forma, es posible realizar algunas inferencias relacionadas a la importancia asumida por el Sacramento en el imaginario de la sociedad colonial.

Palabras-clave: Fuentes parroquiales. Edad del bautizando. Prácticas parroquiales.

ABSTRACT

Historiographers have noted the absence, in parish ledgers in Portuguese America, of the age of children at their time of baptism. This absence was characteristic at least until the early decades of the 19th century, a fact that has led Brazilian researchers in historical demography to consider the date of baptism as equivalent to that of birth. However, some of the pastors at the Parish of Nossa Senhora da Luz de Pinhais de Curitiba did register age at baptism in the parish logs from 1729 to 1763, and after 1836. The inclusion of this information seems to have been general practice in Catholic parishes during the 19th century, at least as of about 1837. A comparative database could thus be set up and critical analyses could be carried out regarding the period between birth and baptism, based on procedures provided in the Constitutions of the Bishopric of Bahia, of 1707. Inferences can also be made on the basis of the importance given to the sacrament of baptism in colonial thinking and practice in general.

Keywords: Parish sources. Age for baptizing. Parish practices.

Aos catorze dias domes de Novembro de mil e seteCentos e vinte e tres annos em esta Igreia matris de n. Sr.ª da Luz dos Pinhais. Bautizei e pus os Santos Óleos â Florênçia inocente filha de Rozaura Soltr.ª do gentio da terra da admenistrasão de Matias Friz de Abreu forão padrinhos Pedro da Silva Pinto e Izabel.

O Vigr. Gr. Mendes Barbuba

[b 01-4 029 a]

Aos tres dias domes de dezembro de mil eseteCentos e vinte etres annos em esta Igreia matris de N. Sr.ª da Lux. bautizei epus os Santos Oleos â Veronica inocente filha de Ventura Solteira do gentio da terra da admenistrasão de Diogo da Costa Roza nasceo aos vinte eseis de novembro. forão padrinhos João Pais e Paula Friz.' Molher dosobre d.º Diogo da Costa pesoas de mim Reconhecidas.

O Vigr. Gr. Mendes Barbuda

[b 01-4 029 v]1 1 Do acervo digitalizado do Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, Cedope, do Departamento de História da UFPR.

Introdução

A historiografia tem indicado a ausência de informações, nos registros paroquiais arrolados na América portuguesa, sobre a idade em que as crianças eram batizadas. Trata-se de evidência documental característica até, pelo menos, as primeiras décadas dos oitocentos, o que tem compelido os especialistas brasileiros em Demografia Histórica a considerarem a data do Batismo como equivalente à do nascimento. 2 2 Ver, por exemplo, a reconstituição de famílias e os estudos de fecundidade da população curitibana realizada por Ana Maria de Oliveira Burmester (1981), para a segunda metade do século XVIII.

Pelo que se sabe, em alguns momentos ou esporadicamente, esses dados foram anotados pelos vigários e, ao que parece, em função de admoestações de "visitadores".3 3 Kátia Campos (2007, p. 27-28) mostrou isso concretamente, em relação à Freguesia de N. Sr.ª da Conceição do Antônio Dias, nas Minas Gerais. Em discussões a respeito dessas questões da presente pesquisa, essa probabilidade foi fortalecida por Carlos Bacellar e Iraci Costa, que assinalaram algumas coincidências entre a melhoria, mesmo que passageira, da qualidade dos registros e as referidas inspeções. É fato que as Constituições do Arcebispado da Bahia não exigiam, no modelo divulgado,4 4 Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Tít. 20, p. 29. a inclusão deste dado como conteúdo das atas. Porém, tendo em vista as ameaças e os perigos que assombravam as crianças recém-nascidas e, sem dúvida, considerando as representações que se faziam em torno do batismo nas sociedade tradicionais, as mesmas Constituições exigiam que as crianças fossem batizadas até o oitavo dia de nascimento, estipulando penas pecuniárias para os desobedientes.5 5 As normas do Concílio de Trento determinavam que o batismo deveria ser realizado o mais cedo possível, sendo que cada diocese deveria fixar os prazos admissíveis. Foi assim que a monarquia francesa, por exemplo, restringiu o prazo para as 24 horas após o nascimento, sob pena de pesadas multas (GOURDON, 2006, p. 20). Tudo indica que, na América portuguesa, os "prazos admissíveis" estenderam-se para os oito dias, possivelmente em função das distâncias a serem percorridas pelos paroquianos (Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Título XI, p. 14). Dada a pobreza quase generalizada da sociedade colonial, as multas pareciam pesadas: avalia-se que com dez tostões mencionados no texto legal era possível, em Curitiba, adquirir 8 a 10 quilos de farinha de mandioca (CHAGAS, 2007, p. 8-9).

Em Curitiba, provavelmente em função de uma dessas visitações, os anos de nascimento dos batizandos passaram a ser anotados, com muita descontinuidade, a partir de 1723, e de forma mais significativa de 1729 a 1763. Depois disso, somente de 1837 em diante, acompanhando uma tendência que parece ter se generalizado nas paróquias brasileiras no século XIX.

Tendo em vista a atuação dos diversos vigários que estiveram à frente da Paróquia nos setecentos e, depois, no século XIX, e com base em alguns estudos amostrais anteriores (GALVÃO; NADALIN, 2004, p. 9-13; NADALIN, 2007),6 6 Os exercícios de quantificação apresentados nos trabalhos em referência foram realizados a partir de uma dupla seleção: além do fato de evidenciar somente os batismos de crianças "ilegítimas", as análises construídas fundamentaram-se em dados obtidos numa amostra de um ano por década. construiu-se uma base de dados comparativa, com o objetivo de realizar análises a respeito do intervalo entre o nascimento e a data do batismo, no âmbito de um estudo crítico dos registros paroquiais (GALVÃO; NADALIN, 2000; 2003; 2004).7 7 Observamos ainda que, já em 1994, Iraci del Nero da Costa havia sido contundente ao demandar pela crítica da documentação paroquial. Esta também é a preocupação dos projetos desenvolvidos pelos membros do Grupo de Pesquisa "Demografia & História", cf. objetivos da linha de pesquisa "Registros de eventos vitais para o estudo da história da população brasileira: identificação, inventário e crítica documental". Ver: < http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0103606I5VSA6C >.

O que foi mencionado explica o primeiro recorte cronológico (1729). Tendo em vista que na maior parte dos oitocentos a informação é usual nas atas de batismo, decidimos encerrar o estudo em 1869, analisando dois períodos (1837-1849 e 1850-1869), como que assinalando, a partir da segunda metade do século XIX, as profundas mudanças institucionais e estruturais que viriam.

A referência à data de nascimento nos registros de batismo

A epígrafe que abre este artigo transcreve dois documentos encontrados no Livro 1 de Batismos: o primeiro no anverso e o segundo no verso da folha 29, com intervalo de 19 dias, mas registrados um após o outro pelo mesmo vigário, Gregório Mendes Barbuda.8 8 Arquivo da Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Livro 1, caderno 1.2, destinado a "servos e cativos". Ver relação dos livros de batismo em Nadalin (2007, p. 432). A documentação também testemunha a visita do padre José Rodrigues França, que deixou várias anotações nos livros em referência, entre a quais destaca-se a recomendação de que as atas incluíssem, além de outras informações, a data de nascimento do batizando - tanto para os "brancos" e livres quanto para os "escravos".9 9 V. do em vizita. Recommendamos m. do ao R. do Vigr.º oCuidado q.' deve ter Com os asCentos dos bautizados de maneira q.' lhe não passem alguas e q.' Visto lhe não Suceda: fará antes de Bautizar os asCentos na forma Seguinte: F. filho de F. n. al detal parte ede sua molher F. n. al de tal, nasceo aos tantos detal mês e anno por mim Vigr.º; ou p. lo P. e F. de Licença minha, e Logo lhe pus os Sntos óleos. Forão padrinhos [fuao] n. al detal parte, e F. filha ou mulher de F. ep.ª Constar fis este termo dia mês eera aSCima. O Vigr.º F. aSCIm Secloservará daqui endiante, [enclestudo] Se escreverá per extenço enão per algarismos ou [?], eesta mesma forma digo clareza SecloServe Com os dos escravos deClarando Se deq. m São os escravos, ainda os mesmos padrinhos. V.ª de N. S. ra da Lus aos 15 de 9. bro de 1723. (assina:) O Viz. or Joseph Roiz.' França.

O batismo de Florência, em 14 de novembro de 1723, coincide aparentemente com o início da visitação, sendo que o registro segue o modelo até então observado pelos vigários. De fato, a primeira anotação do padre França data de 13 de novembro de 1723 e a recomendação mencionada ocorreu em 15 de novembro. Já no batismo de Verônica, que se segue na epígrafe, o Vigário parece obedecer à indicação do visitante, mas logo simplifica novamente a redação das atas, "esquecendo-se" da admoestação do padre visitador.10 10 Por exemplo, no caderno [1.2] do Livro 1, as três primeiras atas de 1724 contêm o dia do nascimento da criança; logo seguem-se 18 registros sem as datas e, ainda nesse ano, observam-se três documentos com a informação, sendo um referente a uma criança batizada por ocasião de visitação. Em 1725 não foram levantadas atas com a informação. No ano seguinte, anotam-se 12 registros sem este dado e duas atas, na mesma data de 29 de abril, contendo a informação. Seu substituto, Antonio de Sampaio Maciel, entra em cena em 1727 e até 1729 procede da mesma forma. Ainda nesse último ano, as primeiras treze atas não contêm a data de nascimento do batizando.

É nesse momento que retorna a Curitiba um velho personagem, aparentemente revestido de novas funções: o padre Gregório Mendes Barbuda, que deixou registrado no Livro [1.2] quatro atas de batismo, seguindo o modelo sugerido por José Rodrigues França, em 1723, ou seja, incluindo como informação a data de nascimento. Dessa forma, com novos poderes, parecia estar indicando ao novo vigário, Ignacio Lopes, como deveriam ser realizados os assentamentos. Como consequência, inaugurou-se, em 1729, um período de séries contínuas que, quase ininterruptas, se mantêm até 1763. Depois, inexplicavelmente, o padre Manoel Domingues Leytão - que havia iniciado seu trabalho em Curitiba em 1731, mantendo quase sempre o bom hábito de registrar, com sua admirável caligrafia, a data de nascimento do batizando em documentos - deixou de anotar o quesito.11 11 Manoel Domingues Leitão é famoso por ter se mantido como vigário da Matriz em Curitiba durante várias décadas. Em 1731, quando iniciou seu trabalho, manteve de forma exemplar as atas de batismo, casamentos e óbitos, tanto que foi elogiado, no final daquele ano, por um visitador. O capricho na escrita se manteve, mas, inexplicavelmente, o sacerdote, mesmo continuando até 1777 seu trabalho em Curitiba (FEDALTO, s/d, p. 41-46), em 1763 praticamente deixou de incluir as datas de nascimento das crianças.

A situação é diferente nos oitocentos. Observa-se, coerentemente com a melhor organização dos livros, aumento da demanda por batismos, pois a população crescia. No entanto, até o final da década de 1830, os padres e vigários que deixaram seus assentos nos arquivos eclesiásticos curitibanos teimavam em não identificar a data de nascimento do batizando, ou mesmo sua idade. Foi em meados de 1837 que o vigário Antonio Teixeira Camello tomou a iniciativa, possivelmente admoestado por um visitador, de registrar a idade da criança, embora no início não fosse acompanhado nessa iniciativa pelos outros dois padres (Joaquim de Sá Sotto Mayor e João d'Abreu Sá Sotto Mayor) que deixaram suas assinaturas nas atas de batismo da paróquia. Mais para o final do ano, mesmo alternando-se os signatários dos assentamentos, tornou-se corrente a inclusão dessa informação, mesmo com lacunas (Tabela 1).

Tendo em vista as intenções deste artigo, foram considerados suficientes os dados arrolados até 1869. Assim, objetivado o problema, passa-se ao arrolamento dos itens das atas de batismo, utilizando, para este fim, as folhas de "levantamento nominativo abreviado" (Fleury; Henry, 1985, p. 69-75), que contêm dados a respeito das atas de batismos ocorridos na Paróquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, desde o final do século XVII.12 12 As referidas folhas se encontram arquivadas no Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses (Cedope), no Departamento de História da UFPR. De forma complementar, utilizou-se também a documentação paroquial digitalizada, igualmente do acervo do Cedope.

De acordo com a periodização já mencionada e visando a desejada comparação entre os séculos XVIII e XIX, as análises compreendem os seguintes recortes cronológicos: 1729-1739, 1740-1749 e 1750-1763 - numa continuidade que diria respeito à primeira metade dos setecentos - e 1837-1849 e 1850-1869, para finalizar o período. É importante grifar que essas datas assinalam o início das grandes transformações estruturais e institucionais que caracterizam a segunda metade dos oitocentos, prolongando-se pelo menos até a década de 1930.

Uma das sínteses possíveis das distribuições construídas em função do arrolamento detalhado dos dados, considerando-se as distinções entre a população livre (incluindo alforriados) e a cativa (agregando escravos de origem africana e administrados indígenas), está organizada na Tabela 1, que mostra, além das omissões das informações que interessaram particularmente nesta pesquisa, o nome dos vigários que atuaram nos períodos observados. Para o século XVIII, não foi possível calcular a idade de 22 crianças em cada 100 batizados. Tal proporção é um pouco maior do que a detectada para a freguesia do Antonio Dias (Vila Rica), na mesma época (15,0%, entre 1719 e 1768) (COSTA, 1979, p. 64 e 226).

Essas cifras caracterizam a excepcionalidade da menção idade nas atas setecentistas, sendo que a tabela evidencia a melhoria da qualidade das informações no século XIX: as porcentagens de indeterminação, somadas às crianças registradas como inocentes, diminuíram de 22% para 5%, significando uma evolução de quase 17 pontos percentuais (agregando livres e cativos). Para os escravos, o quadro parece indicar que as mudanças mais significativas no aperfeiçoamento das atas de batismo ocorreram a partir dos anos 1850, o que é coerente com a melhoria geral da qualidade da organização e dos assentamentos nos livros paroquiais da paróquia. Observa-se, no entanto, que a situação, no início, ainda era parecida com a dos setecentos, com destaque para a população cativa, agora africana:13 13 A respeito do aumento dos escravos de origem africana em Curitiba, ver Nadalin (2006, p. 273 - tabela 3). A mesma tabela indica o predomínio dos administrados na primeira metade do século XVIII. Sobre as lacunas, refletindo diferenças regionais, ou o poder dos "visitadores" locais, em Vila Rica - num período quase imediatamente anterior -, Iraci Costa (1979, p. 64) calculou 63,8% de omissões desse quesito nas atas de batismo. até o final dos anos 1840, somente 79 registros em cada 100 informavam a idade da criança ao ser batizada.

Também é coerente o fato de que a preocupação em se identificar o batizando com a idade teria sido mais evidente para as crianças livres, em todo o período analisado. Ressalte-se, todavia, que essas distinções diferem de um século para outro: nos setecentos, a diferença na indeterminação da idade para as duas condições sociojurídicas é mínima (3 pontos percentuais),14 14 Ou dois pontos percentuais, dependendo da coluna observada na Tabela 1. Somando-se indeterminados e inocentes, a distinção beneficia os cativos (21,6% contra 22,6%): destes, não se detectaram registros de "inocentes" ou "crianças" nas atas, o que, de certa forma, distorceu o resultado. mas, no século seguinte, a evolução beneficia um pouco as crianças nascidas livres.

Trata-se de números agregados, pois, no que se refere a Curitiba, durante o período assinalado, a situação dos registros muda: era bem favorável na década de 1730 (perto de 8% de omissões, em média) e foi piorando de maneira gradativa, até chegar, nos anos de 1750, à sofrível média de 35,7%. Ou seja, o já mencionado padre Leytão não só deixou de anotar completamente o quesito a partir de 1763, como também diminuiu, de modo gradativo, os cuidados que demonstrara no início do seu ministério.15 15 Nos anos que seguem, esporadicamente observam-se algumas atas que incluem a data de nascimento do batizando. Tais oscilações revelam, sobretudo, que, no período em referência, a qualidade dos registros oscilava muito em função da aplicação e esmero dos vigários.

Práticas de batismo nas sociedades tradicionais

O segundo documento em epígrafe informa que Verônica foi batizada quando completava oito dias de nascimento, exatamente no prazo estipulado pelas Constituições. Sem dúvida, a índia Ventura, mãe da menina, e provavelmente mais as pessoas achegadas, estavam preocupadas com a salvação da criança (e talvez, só talvez, com as sanções prometidas pela Igreja). O fato de que foi constatado um número bastante significativo de crianças batizadas após esse prazo de oito dias constitui a evidência que nos preocupa e que nos fez problematizar de forma mais adequada a pesquisa, desenvolvendo o presente texto.16 16 Este artigo amplia análises comunicadas no texto "Para o mundo e para a eternidade; idade do batismo nas atas paroquiais (Curitiba, séculos XVIII-XIX)" (CHAGAS; NADALIN, 2008).

A ênfase na idade não é dada somente em função da importância do tema no que se relaciona às práticas e representações que se faziam a respeito do batismo nas sociedades do Antigo Regime, em que se incluiria a sociedade colonial (LAGET, 1982, p. 307-319; GÉLIS, 1984, p. 521-536; GOURDON, 2006; CHAGAS, 2007, p. 1-12). Rito de iniciação (e de passagem) praticado por católicos e diversas denominações cristãs,17 17 "O baptismo é o primeiro de todos os Sacramentos, e a porta por onde se entra na Igreja Catholica, e se faz, o que o recebe, capaz dos mais Sacramentos, sem o qual nem-um dos mais fará nelle o seu effeito"(Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Tit X, p. 12). as referidas representações eram muito profundas, significando não só um sacramento de purificação, mas também uma forma de apresentar a criança para toda a comunidade18 18 É "pelo batismo que uma criança ganha personalidade moral (...) na comunidade em que nasce" ou, mesmo, "personalidade jurídica" (LANNA, 1995, p. 200). e a Deus. Dessa maneira, é pelo batismo que o indivíduo iniciava a vida religiosa. De acordo com o imaginário tradicional, por esse rito - documentado principalmente a partir dos anos que sucederam o Concílio de Trento -, em toda a parte, no Ocidente católico, as práticas do batismo caracterizavam-se por acontecer logo após o nascimento. Dessa forma, o batizando seria protegido contra as forças do mal, pois sem o sopro do Espírito a criança constituiria um refúgio para o diabo (LAGET, 1982, p. 307).19 19 É importante observar como, em certos meios, ainda hoje se veicula a ideia de que "bruxas vêm e tomam o sangue do bebê", de acordo com depoimento colhido por Cláudia Fonseca e Jurema Brites (1988, p. 11). Entre os Terena (e, queremos crer, entre várias populações localizadas mais no interior), se a criança não for batizada, "o saci pode brincar com ela e até levar para o mato, e quando fica doente fica impedida de receber a benção (a cura)." Disponível em: < http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=1697&eid=372 >. Acesso em: out. 2009. A morte rondava a criança20 20 Ver, por exemplo, Svobodny (1994); Sawchuk (2002) e Burmester (1981). e generalizava-se o medo de que o nascituro não recebesse o sacramento da purificação. Impedida de ser sepultada no solo consagrado do cemitério, a alma da criança permaneceria eternamente no "limbo",21 21 O conceito (do latim "limina", "à margem") foi desenvolvido por Tomas de Aquino em meados do século XIII. Sobrepondo-se às discussões a respeito, a maioria dos teólogos acabou por defender a ideia de que os limbos das crianças (porque existiria, também, um limbo para os adultos) constituiriam um lugar "intermediário-definitivo", impossibilitando um julgamento que definisse ou não a entrada no Paraíso (CHAGAS, 2007, p. 3; FINE, 1994, p. 302-5). não podendo consequentemente ascender ao Paraíso.

Associada a vida após a morte com a vida terrena, a cultura popular admitia que o primeiro dos sacramentos também reservava uma proteção, não só porque as palavras sagradas pronunciadas durante a cerimônia do batismo eram uma espécie de benção, sem a qual a criança não poderia viver (LAGET, 1982, p. 307). Concretamente, dessa forma asseguravam-se a saúde da criança e a "sobrevida à primeira e mais difícil fase de sobrevivência" (MARCÍLIO, 1986, p. 202).22 22 A historiografia que menciona e/ou estuda a mortalidade infantil nas sociedades ditas tradicionais é muito rica, mas pouco se diz a propósito da grande possibilidade de incidência do tétano neonatal que, no Brasil, era popularmente conhecido como "mal dos sete dias" (NADALIN, 2004, p. 44, nota 37).

Entretanto, o padre não estava presente na hora do parto, sendo que a elevada mortalidade neonatal exigia medidas extremas, permitindo-se a pessoas presentes batizarem os recém-nascidos em caráter emergencial.23 23 "Em caso de necessidade, qualquer pessoa, ainda que seja mulher, ou infiel, pode validamente administrar esse Sacramento, com tanto, que não falte alguma das cousas essenciaes, e tenhão intenção de fazer, o que faz a Igreja Catholica"(Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Tít. X, p. 13; a esse respeito, ver ainda os títulos XV e XVI, p. 23). Ver também Chagas (2007, p. 4-7) e Laget (1982, p. 308). Essa prática doméstica visava apenas consagrar a criança a Deus; se não morresse, os responsáveis deveriam, num determinado prazo, levá-la à igreja, quando se confirmaria de maneira adequada o sacramento, completando-se o batismo.24 24 "Em os vinte e outo dias do mês de dezembro de mil e setecentos e hum anos pus os sanctos óleos nesta igreja de N. Srª. da Lux da Vila dos Pinhaes de Curitiba a Manoel innocente filho de Thomazia solteira escrava moradora nesta freguezia e escrava de Gaspar Carrasco morador nesta freguezia, foi bautizado em cazo de nececidade fora da igreja por Salvador de Albuquerque morador nesta vila o coal eu examinei a respeito do valor do sacram to. E achei o tinha bem bautizado e por ser verdade fis este q asignei sendo Vigrº. da dita Igrª." (Ata de batismo assinada pelo padre Antonio Lopes, livro 1_4_21v, acervo digitalizado do Cedope.) De acordo com as Constituições, o batismo de urgência deveria contar, se possível, com pelo menos uma testemunha, que iria garantir ao padre mais tarde que o batismo foi, de fato, realizado de acordo com as normas estabelecidas pela Santa Igreja. Em caso de o padre duvidar, ou constatar que o batismo foi mal realizado e a criança tivesse sobrevivido, ele poderia refazê-lo, repetindo a seguinte fórmula: "Si non es batizatus, vel baptizata, Ego te baptizo in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen." (Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Título XV, p. 23). Um batismo, portanto, sub condicionne, que só valeria se Deus não considerasse válido aquele realizado emergencialmente: "Aos ceis dias do Mês de Novembro de mil cete centos e vinte e nove annos nesta igreja Matriz de NoSsa Senhora da Lux dos Pinhais de Curitiba: Baptizei e pus os sanctos óleos sub condicionne por cer baptizada em Caza a Maria innocente e juntamente por julgar estar duvidozo o Sacramento por me diZer o que o fez nam tinha aplicado tudo junto, a forma com a matéria porq e. so depois de acabar de proferir as palavras da forma, lhe viera a ágoa, e nesta forma baptizei a dita Maria innocente filha de Ignacia do gentio da Mina, escrava de Mathias ALvres, nam lhe deram Pay; foi padrinho o dito Mathias Alvres que foi o que a baptizou em Caza, todos moradores nesta Villa. Para constar fis este termo no mesmo mês e era ET supra. Nasceo aos vinte e quatro do Mês de Agosto". (Ata de batismo assinada pelo padre Ignácio Lopez, Livro 01_4_51v). Assim, evidencia-se a associação entre as representações que se fazia do sacramento e a pregação da Igreja no sentido de apressar o batismo - afinal, o título concernente das Constituições advertia sobre o perigo que corriam os recém-nascidos que não haviam passado do estado da culpa para o estado da graça.25 25 Ver a nota 6 e as observações em Nadalin (2004, p. 44-45).

O recorte cronológico proposto, dessa maneira, pretende verificar se houve mudanças significativas de um período para outro, no que se refere ao intervalo entre o nascimento e o batismo das crianças, em Curitiba. No fundo, considerando-se as carências das informações a respeito da questão nas atas de batismo na maioria das paróquias da América portuguesa, também se evidencia uma finalidade prática, qual seja, subsidiar metodologicamente as hipóteses de trabalho que norteariam decisões metodológicas a respeito da identificação da data de batismo como, grosso modo, do nascimento.

Evidentemente, o contexto de Curitiba leva em conta uma população relativamente rarefeita, parte dela vivendo a distâncias que, na época, poderiam ser significativas. Esse fato era ponderado pela existência de algumas capelas nas quais se realizavam batismos, casamentos e se anotavam os sepultamentos - registros depois passados nos livros da paróquia, não sem, muitas vezes, prejuízos para a continuidade das séries documentais. De qualquer forma, mesmo considerando-se as populações mais "urbanas", a situação é diferente das paróquias europeias, de dimensões muito menores do que as do Novo Mundo: lá, a indistinção entre a data de batismo e de nascimento se explica, entre outras razões, pela vigilância dos párocos e das autoridades na exigência do cumprimento das regras de Trento.26 26 Ver a nota 5.

Análise das informações

Como já foi destacado, o comentário concernente à qualidade das informações salienta que elas não são, de todo, satisfatórias, tanto para as crianças batizadas como livres quanto - e principalmente - para os cativos administrados e africanos. Todavia, acreditamos que os dados construídos constituem uma boa amostra do que estava se passando nos setecentos, autorizando que se considerem os períodos demarcados como tendências gerais de uma época que se estende, de diversas formas, até o início do século XIX: esta é a premissa com a qual estamos trabalhando.

As porcentagens calculadas na Tabela 2 demonstram mudanças ocorridas de um século para outro: expressivamente, um aumento do número de batismos, denunciando o crescimento da população curitibana; e, no contexto de uma sociedade escravista, a diminuição relativa do número de cativos comparado à população livre. Como é também possível verificar na Tabela 1, o cerceamento do tráfico africano começava a causar efeitos na sociedade curitibana, principalmente a partir dos anos de 1850. Em outros termos, se os batismos que denunciavam o nascimento de crianças livres aumentaram cerca de 450% dos setecentos para os oitocentos, o número de sacramentos ministrados aos cativos só aumentou em 6,5%.27 27 Os números constituem somente uma indicação. Do século XVIII para o XIX, os limites da paróquia diminuem (da mesma forma que o termo da Vila), mas a população se adensa.

Assim, as informações constituídas salientam que, no século XVIII, as crianças nascidas de mães administradas e escravas de origem africana perfaziam 29%,28 28 Dados amostrais indicam, pelo menos até a metade do século XVIII, que a maioria dos cativos era constituída por administrados, sendo gradativamente substituídos por africanos, presença absoluta no século XIX (NADALIN, 2006, p. 272). diminuindo para quase 12% do total de nascimentos ocorridos no século XIX.

Os Gráficos 1 e 2 apresentam o perfil da distribuição dos intervalos entre o nascimento e o batismo, no período analisado.29 29 Como certos conjuntos de dados apresentam cifras muito pequenas e com a intenção de uma visão mais geral da questão, abstraíram-se as diferenças de gênero e da condição jurídica das crianças. Verificam-se diferenças significativas de um período para outro: o Gráfico 1 indica uma preferência pelo batismo no primeiro mês, enquanto o 2 traduz uma distribuição bem estendida para a direita, pontuando-se momentos bem centrados a partir do nascimento da criança. Os números que sustentaram a construção dessas figuras fazem parte da mesma base da qual se agregaram os intervalos assinalados nas Tabelas 3 e 4: tanto a população livre como os administrados e escravos apresentam a mesma tendência contraditória, confirmando o que revelam os gráficos.



Centrando ainda mais o foco, os Gráficos 3 e 4, para os setecentos, e 5 e 6 , para os oitocentos - destacando o primeiro mês da idade do batizando - mostram um detalhe das diferenças entre as práticas batismais dos séculos XVIII e XIX. As curvas inferidas pelos histogramas são mais enfáticas do que as percentagens calculadas nas Tabelas 3 e 4, tanto que os pais praticamente não distinguiam as meninas dos meninos, pois os quadros apresentam porcentagens muito semelhantes.



Com cuidado, em virtude da pequenez das cifras, tentamos vislumbrar algum padrão diferenciado por gênero entre pais e padrinhos dos meninos e meninas ilegítimos. De um intervalo para outro, as distinções percentuais parecem se equilibrar. Por outro lado, uma primeira observação parece indicar alguma diferença de práticas quando se consideram crianças legítimas e ilegítimas, mas a prudência nos impede de ir mais adiante nas análises. Com efeito, a variação observada, comparando-se as cifras absolutas dos diversos conjuntos e a pequenez dos números de crianças ilegítimas (principalmente entre as livres), pode refletir comportamentos aleatórios.

Assim, são os números agregados, mais consistentes, que parecem indicar satisfatoriamente as notáveis mudanças de um século para outro. Como nos oitocentos as Constituições do Arcebispado da Bahia continuavam em vigência, essas mudanças são ainda mais drásticas se observarmos que, no primeiro período, quase 50% dos responsáveis procuravam atender aos limites impostos pelas disposições da Igreja, batizando as crianças até o oitavo dia de nascimento, proporção que diminuiu para 13% no século XIX. Se alargarmos o foco para o primeiro mês de idade (Tabela 5), independente do sexo e das condições jurídicas, nos setecentos 86% das crianças eram batizadas neste espaço de tempo, porcentagem que reduziu-se significativamente para cerca de 53%, nos oitocentos.30 30 Ainda muito abaixo das mencionadas paróquias francesas, onde praticamente 91% das crianças eram batizadas antes de completarem o primeiro mês de idade (GOURDON, 2006). Em Ubatuba (São Paulo), no início dos oitocentos, os batismos parecem ter sido registrados entre o segundo e o décimo quinto dia, em torno de uma média de 20 dias. Tudo indica uma distribuição parecida à de Curitiba nos anos iniciais de observação ( Tabela 2) (MARCÍLIO, 1986, p, 202). Detalhando por condição jurídica, no primeiro período quase nove, entre dez crianças nascidas livres, eram batizadas no primeiro mês de vida, proporção que diminuía um pouco entre os escravos (entre sete e oito, para dez batizados). É evidente a tendência de tais diferenças se explicarem pela condição jurídica. Entretanto, no século XIX, eram as crianças escravas as "privilegiadas", uma vez que 64% delas eram batizadas até o trigésimo dia, contra 53% das livres.

Nesse momento, os pais e padrinhos procuram a pia batismal para os seus rebentos (tendo, portanto, que convencer o padre a não multá-los) quando a criança completava um, dois, três meses, e assim por diante, sem mencionar a concentração de batismos no 15º, 20º, 45º dia, bem como na data do primeiro aniversário. De todo modo, as transformações que estão sendo analisadas refletem mudanças extraordinárias nas práticas batismais: a distribuição das idades dos batizandos tende definitivamente à direita em virtude da escolha, ano após ano (pois já era levemente vislumbrada no século XVIII), de certas datas que comemoravam idades "redondas".

As Tabelas 6 e 7 organizam números que apontam incisivamente para a questão. Mostrando outra vez que não tem muito sentido analisar em separado práticas batismais distinguindo-se gêneros, é justamente essa prática nova, afinada no século XIX, que levou quase 63% dos pais e padrinhos (contra 14% nos setecentos) a escolher certos momentos para batismos das suas crianças - certos momentos que, ao que tudo indica, eram especiais. Ultrapassados os primeiros oito dias (13% para as crianças livres e praticamente 17% para os escravos), privilegiava-se o dia em que a criança festejava seu primeiro mês de idade (pouco mais de 13% e quase 15%, respectivamente). Outros, embora em menor número, os dois meses, os três meses, e assim por diante. Os dados arrolados também revelam que, quanto mais avançamos no século XIX, maior é o número de crianças batizadas com mais de um ano de idade, com seus pais e padrinhos cravando escolhas no segundo e terceiro ano de idade.31 31 Infelizmente, o espaço não permite que se anexem os dados referentes às diferentes distribuições organizadas pela pesquisa.

Essas análises comprovam-se pelo que dispõe a Tabela 8. De fato, seus números mais consistentes assinalam a tendência do aumento da idade média para batizar as crianças, década após década, no século XIX - enquanto, ao contrário, no século XVIII, tanto para meninos e meninas livres e legítimas, a tendência parece indicar uma concentração na distribuição.

Considerações finais

É importante anotar, inicialmente, uma questão cujas implicações metodológicas dispensam demonstração. Ponderamos, na introdução deste texto, sobre a dificuldade em se obter a informação a respeito da idade do batizando na documentação paroquial do século XVIII. Apesar da importância evidente do problema, do ponto de vista teológico e, mesmo, administrativo, grifamos de novo que, inexplicavelmente, as já mencionadas Constituições do Arcebispado da Bahia não incluíam no modelo de ata proposto a exigência de precisão em relação à idade do batizando, tanto que era bastante usual a utilização da designação "inocente" para as crianças. Em consequência, além dessa anotação, quando muito, os párocos não se sentiam obrigados a registrar a data do nascimento até a aurora dos oitocentos.

De fato, a partir da tese pioneira de Maria Luiza Marcílio (1972),32 32 Pelo menos para o período 1740 a 1809, o conteúdo das atas de batismo não inclui data do nascimento ou idade do batizando. A autora, embora estenda suas análises até 1850, não mencionou eventual alteração na documentação a este respeito (MARCILIO, 1972, p. 85-86; 161 e seguintes). várias pesquisas mostraram que este dado não era preocupação dos padres que redigiam as atas batismais.33 33 Sem nenhuma intenção crítica, parece que também não era preocupação dos pesquisadores. Ou, talvez melhor: conformados com o fato de que os registros dos setecentos omitiam quase sistematicamente tal informação, tomaram a data de batismo como a do nascimento. Quando muito, eles informavam esporadicamente a data do nascimento dos meninos e das meninas, existindo indicações de que, em algumas paróquias, a qualidade da documentação teria melhorado durante o desenrolar do século XVIII. Provavelmente, isso resultava das visitas de prelados que, em nome dos respectivos bispos, tratavam de sanar a questão, instando os vigários a completarem a informação. Assim é que, fruto ou não das reclamações dos bispos dirigidas aos párocos para aprimorar as informações contidas nas atas, a partir de certo momento, localizado ainda na primeira metade do século XIX, a informação sobre a idade do batizando torna-se corrente.

No que se refere em especial à paróquia em análise, graças ao capricho de alguns vigários, acreditamos ter conseguido encaminhar uma solução para o problema. Verificando pequenas diferenças creditadas ao aleatório na idade dos batizandos livres e cativos, legítimos e ilegítimos,34 34 Cabe sempre lembrar que é entre as crianças ilegítimas - e aqui nos referimos em especial às atas que registram o pai como incógnito - que se encontram as mães mais pobres, geralmente desqualificadas socialmente porque bastardas, forras e/ou mulatas. Ver Nadalin (2006, p. 274-9). do sexo masculino e feminino, as distinções anotadas não mudam uma conclusão clara e evidente: tudo se passava, nos setecentos, como se parte das famílias entendesse que "baptizadas até os oito dias depois de nascidas", como dispunha as Constituições, significava batizar no oitavo dia.

Observamos que as indistinções mencionadas parecem apontar, simplesmente, que pais católicos, obedecendo aos preceitos da Igreja e das suas tradições, não fariam distinções entre seus filhos. Não privilegiavam meninos em detrimento das meninas, ainda que se espere que os primeiros fossem socialmente priorizados (COURTWRIGHT, 1990). Do mesmo modo, a ausência de diferença nas práticas batismais poderia ser explicada considerando-se questões de status e honra: as mães ilegítimas e cativas, tanto administradas como escravas, tenderiam a batizar seus filhos também precocemente, tentando se igualar às mães socialmente privilegiadas (PILCHER, 2001).

No que diz respeito aos nossos objetivos em contribuir para a crítica da documentação paroquial, consideramos que o intervalo de um mês ocorrido nos batismos da maioria das crianças permitiria que se tomasse a data de batismo como a de nascimento, tranquilizando os demógrafos em relação às decisões tomadas. Ou seja, para essa época, considerar a data de batismo como a de nascimento não deverá distorcer os resultados - desde que, naturalmente, os comportamentos batismais curitibanos constituam uma amostra convincente da sociedade colonial, o que ainda precisaria ser testado. Naturalmente, uma questão permanece: justamente quando a documentação omite novamente a idade da criança, mudanças importantes parecem ocorrer e só por volta do segundo quartel do século XIX é que se generaliza, e não apenas em Curitiba, a prática das anotações da data de nascimento nas atas de batismo.

As mudanças mencionadas constituem uma boa deixa para que desviemos nossa atenção para as cerimônias de batismo, proteladas, ao que tudo indica, pelos responsáveis. No século XVIII, apesar da evidente concentração nos primeiros dias, como foi observado, não poucas crianças foram batizadas com mais de oito dias, mais de 30 dias, e assim por diante. Quanto aos oitocentos, nem é preciso frisar: quando considerados os anos próximos a 1840, verifica-se que o desenho formado pela distribuição dos intervalos entre o nascimento e o batismo muda de forma extraordinária, acentuando-se no tempo cada vez mais para a direita. As cifras levantadas indicam comportamentos concernentes ao batismo bastante diferentes em relação aos setecentos, igual para os dois sexos, para as crianças legítimas e ilegítimas e para livres e escravos. Em outros termos, parte dos pais e/ou responsáveis pelos batismos das crianças aguardava a oportunidade certa para batizar seus filhos, quase sempre em "idades redondas".

Porém, as duas distribuições referem-se a crianças sobreviventes. De fato, é necessário ter em conta que, na época, para cada mil nascidos vivos, cerca de 200 crianças faleciam antes de completar um ano35 35 Ana Maria Burmester (1981, p. 278-283) calculou, para a segunda metade do século XVIII, que, para cada mil nascidos, morriam em Curitiba, antes de completarem seu primeiro ano de idade, de 190 a 214 crianças. e parcela importante dos óbitos ocorria no primeiro mês de vida, sendo que muitas crianças perecidas não tiveram seus batismos homologados pela Igreja, nem foram registradas no livro dos óbitos. É provável que todas as crianças falecidas tenham recebido o sacramento sub condicionne, conforme dispunham as Constituições; porém, não é possível saber se algumas que passaram por este ritual doméstico tiveram seu batismo renovado na igreja e, portanto, registrado de maneira apropriada. Pelo que pudemos observar, os registros de óbitos das crianças que faleciam em tenra idade não mencionavam eventuais batismos sob condição, embora acreditemos que as pessoas que assistiam ao parto não deveriam deixar de batizar os recém-nascidos em perigo, ao menor sinal de vida.36 36 Grifando os estudos de fecundidade, chamamos a atenção para a necessidade de avaliarmos, de alguma maneira, os nascimentos que se perderam e não foram recuperados pelos registros de sepultamentos, tal como fez Louis Henry (1980, p. 75-81) para os ondoyés décédés na França.

De qualquer forma, as distribuições observadas nos colocam um problema e tanto: como é possível entender que, em nome de um motivo seja qual fosse, pais e padrinhos que viviam cercados de demônios, espíritos maléficos, bruxos e feiticeiras, mas devidamente amparados pela Divina Providência após o batismo, sujeitassem suas crianças a tal risco? Não era só o limbo e tudo o que significava. Tratava-se da possibilidade de a criança viver, tanto no mundo em que acabaram de ingressar como na eternidade.

Imaginemos mamãe e papai no início da segunda metade do século XVIII, em Curitiba. Ela acabara de parir a criança e, fraca ou não, provavelmente estava de resguardo, guardando o leito como mandava a tradição. Tendo em vista as distâncias, as crianças não tinham condições de serem levadas ao padre; pelo menos, não com tenra idade. Por que então não batizá-la de urgência, já que a Igreja facultava essa possibilidade? Afinal, quem poderia realmente assegurar que a criança não corria perigo?

Nossa hipótese é de que, do século XVIII para o XIX, essa prática do batismo doméstico, de um mal necessário, extrapolou gradativamente os limites impostos pelas Constituições do Arcebispado da Bahia. Ainda em 1915, as Constituições Ecllesiasticas do Brasil externavam a inconformidade da Igreja, condenando "o intolerável abuso dos pais que, à espera de padrinhos ou por outros pretextos, demoram meses o batismo dos filhos".37 37 Constituições Eclesiásticas (no texto está sem acento) do Brasil, art. 158 (grifo no original), a pud Fonseca e Brites (1988, p. 6).

Leia-se: demora meses o batismo na igreja, pois a criança já tinha sido batizada em casa. Aqui e ali, hoje em dia, têm-se notícias de batizados domésticos realizados por famílias católicas praticantes, com ou sem o conhecimento do padre (ou da Igreja); batizados em casa logo após o nascimento, para dar conta dos perigos que rondam as crianças.

Assim, crianças saudáveis são submetidas pela família e pelos padrinhos escolhidos para a ocasião a ritos, entremeando práticas aprendidas na Igreja (o Pai Nosso, Ave Maria, o sinal da cruz, a presença do Espírito através da luz da vela etc.) com crenças populares e "benzimentos" (ramo de arruda, ramo verde, broto de laranjeira; água, sal; novamente a vela, mas com conotação mágica, etc.). Batismo esse que tranquilizaria a família da criança quanto ao propósito de levá-la à pia batismal mais tarde, independente do que lhes dissessem os confessores a respeito da validade ou legitimidade da cerimônia doméstica. Prática costumeira que ampliaria o número de padrinhos, pois dois são escolhidos para cada uma das cerimônias.38 38 Ver, a esse respeito, o estudo de Fonseca e Brites (1988).

Historicizando essas práticas e inserindo-as nas durações, é muito provável que os hábitos concernentes desde há tempos tenham passado de geração em geração. O que se pode aventar, concretamente, é que, no início dos oitocentos, eles constituiriam um pretexto fundamentado e legitimado por crenças costumeiras que liberavam centenas de pais e padrinhos do medo que poderia constrangê-los. De qualquer maneira, se a morte ocorresse, a criança estaria salva do limbo. Se não ocorresse - essa era, finalmente, a esperança -, ela seria levada à pia batismal, num dia especialmente selecionado e segundo rito da Igreja.

Recebido para publicaçãp em 03/03/2010

Aceito para publicação em 23/04/2010

Anexo

Tabela 1 - Clique para ampliar

Tabela 2 - Clique para ampliar

Tabela 3 - Clique para ampliar

Tabela 4 - Clique para ampliar

Tabela 5 - Clique para ampliar

Tabela 6 - Clique para ampliar

Tabela 7 - Clique para ampliar

Tabela 8 - Clique para ampliar

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  • MARCÍLIO, M. L. La ville de São Paulo; peuplement et population (1750-1850). Rouen: Université de Rouen, 1972.
  • _________. Caiçara: terra e população. São Paulo: Paulinas/Cedhal, 1986.
  • MONTEIRO, J. M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
  • NADALIN, S. O. Pus os santos óleos a Francisco innocente, pater incognitus. Bastardia e ilegitimidade: murmúrios dos testemunhos paroquiais durante os séculos XVIII e XIX. Curitiba, Projeto de Pesquisa, Universidade Federal do Paraná, 1999 (inédito).
  • _________. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas, Abep, 2004.
  • _________. Mães solteiras e categorias de ilegitimidade na sociedade colonial dos séculos XVIII e XIX. NW Noroeste. Revista de História. Congresso Internacional de História; Território, culturas e poderes. Actas, Núcleo de Estudos Históricos, da Universidade do Minho, v. 1, p. 265-282, 2006.
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  • NADALIN, S. O.; GALVÃO, R. Arquivos paroquiais e bastardia: mães solteiras na sociedade setecentista. In: XIV ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais... Caxambu-MG, Associação Brasileira de Estudos Populacionais - Abep, 2004. Disponível em: <http://abep.org.br>
  • PILCHER, J. Book review of Johnson, L. e Rivera, S. (eds.) The faces of Honor: sex, shame and violence in colonial America. Journal of Family History, v. 25, n. 1, 2001.
  • SAWCHUK, L. A matter of privilege: infant mortality in the garrison town of Gibraltar, 1870-1899. Journal of History Family, v. 27, n. 4, 2002.
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  • VIDE, D. S. M. da. Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia Brasília: Senado Federal, 2007.
  • Nascer e garantir-se no Reino de Deus; Curitiba, séculos XVIII e XIX

    Nacer e inscribirse en el Reino de Dios; Curitiba, siglos XVIII y XIX
  • 1
    Do acervo digitalizado do Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses, Cedope, do Departamento de História da UFPR.
  • 2
    Ver, por exemplo, a reconstituição de famílias e os estudos de fecundidade da população curitibana realizada por Ana Maria de Oliveira Burmester (1981), para a segunda metade do século XVIII.
  • 3
    Kátia Campos (2007, p. 27-28) mostrou isso concretamente, em relação à Freguesia de N. Sr.ª da Conceição do Antônio Dias, nas Minas Gerais. Em discussões a respeito dessas questões da presente pesquisa, essa probabilidade foi fortalecida por Carlos Bacellar e Iraci Costa, que assinalaram algumas coincidências entre a melhoria, mesmo que passageira, da qualidade dos registros e as referidas inspeções.
  • 4
    Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Tít. 20, p. 29.
  • 5
    As normas do Concílio de Trento determinavam que o batismo deveria ser realizado o mais cedo possível, sendo que cada diocese deveria fixar os prazos admissíveis. Foi assim que a monarquia francesa, por exemplo, restringiu o prazo para as 24 horas após o nascimento, sob pena de pesadas multas (GOURDON, 2006, p. 20). Tudo indica que, na América portuguesa, os "prazos admissíveis" estenderam-se para os oito dias, possivelmente em função das distâncias a serem percorridas pelos paroquianos (Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Título XI, p. 14). Dada a pobreza quase generalizada da sociedade colonial, as multas pareciam pesadas: avalia-se que com dez tostões mencionados no texto legal era possível, em Curitiba, adquirir 8 a 10 quilos de farinha de mandioca (CHAGAS, 2007, p. 8-9).
  • 6
    Os exercícios de quantificação apresentados nos trabalhos em referência foram realizados a partir de uma dupla seleção: além do fato de evidenciar somente os batismos de crianças "ilegítimas", as análises construídas fundamentaram-se em dados obtidos numa amostra de um ano por década.
  • 7
    Observamos ainda que, já em 1994, Iraci del Nero da Costa havia sido contundente ao demandar pela crítica da documentação paroquial. Esta também é a preocupação dos projetos desenvolvidos pelos membros do Grupo de Pesquisa "Demografia & História", cf. objetivos da linha de pesquisa "Registros de eventos vitais para o estudo da história da população brasileira: identificação, inventário e crítica documental". Ver: <
  • 8
    Arquivo da Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Livro 1, caderno 1.2, destinado a "servos e cativos". Ver relação dos livros de batismo em Nadalin (2007, p. 432).
  • 9
    V.
    do em vizita. Recommendamos m.
    do ao R.
    do Vigr.º oCuidado q.' deve ter Com os asCentos dos bautizados de maneira q.' lhe não passem alguas e q.' Visto lhe não Suceda: fará antes de Bautizar os asCentos na forma Seguinte: F. filho de F. n.
    al detal parte ede sua molher F. n.
    al de tal, nasceo aos tantos detal mês e anno por mim Vigr.º; ou p.
    lo P.
    e F. de Licença minha, e Logo lhe pus os Sntos óleos. Forão padrinhos [fuao] n.
    al detal parte, e F. filha ou mulher de F. ep.ª Constar fis este termo dia mês eera aSCima. O Vigr.º F. aSCIm Secloservará daqui endiante, [enclestudo] Se escreverá per extenço enão per algarismos ou [?], eesta mesma forma digo clareza SecloServe Com os dos escravos deClarando Se deq.
    m São os escravos, ainda os mesmos padrinhos. V.ª de N. S.
    ra da Lus aos 15 de 9.
    bro de 1723. (assina:) O Viz.
    or Joseph Roiz.' França.
  • 10
    Por exemplo, no caderno [1.2] do Livro 1, as três primeiras atas de 1724 contêm o dia do nascimento da criança; logo seguem-se 18 registros sem as datas e, ainda nesse ano, observam-se três documentos com a informação, sendo um referente a uma criança batizada por ocasião de visitação. Em 1725 não foram levantadas atas com a informação. No ano seguinte, anotam-se 12 registros sem este dado e duas atas, na mesma data de 29 de abril, contendo a informação.
  • 11
    Manoel Domingues Leitão é famoso por ter se mantido como vigário da Matriz em Curitiba durante várias décadas. Em 1731, quando iniciou seu trabalho, manteve de forma exemplar as atas de batismo, casamentos e óbitos, tanto que foi elogiado, no final daquele ano, por um visitador. O capricho na escrita se manteve, mas, inexplicavelmente, o sacerdote, mesmo continuando até 1777 seu trabalho em Curitiba (FEDALTO, s/d, p. 41-46), em 1763 praticamente deixou de incluir as datas de nascimento das crianças.
  • 12
    As referidas folhas se encontram arquivadas no Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses (Cedope), no Departamento de História da UFPR.
  • 13
    A respeito do aumento dos escravos de origem africana em Curitiba, ver Nadalin (2006, p. 273 -
    tabela 3). A mesma tabela indica o predomínio dos administrados na primeira metade do século XVIII. Sobre as lacunas, refletindo diferenças regionais, ou o poder dos "visitadores" locais, em Vila Rica - num período quase imediatamente anterior -, Iraci Costa (1979, p. 64) calculou 63,8% de omissões desse quesito nas atas de batismo.
  • 14
    Ou dois pontos percentuais, dependendo da coluna observada na
    Tabela 1. Somando-se indeterminados e inocentes, a distinção beneficia os cativos (21,6% contra 22,6%): destes, não se detectaram registros de "inocentes" ou "crianças" nas atas, o que, de certa forma, distorceu o resultado.
  • 15
    Nos anos que seguem, esporadicamente observam-se algumas atas que incluem a data de nascimento do batizando.
  • 16
    Este artigo amplia análises comunicadas no texto "Para o mundo e para a eternidade; idade do batismo nas atas paroquiais (Curitiba, séculos XVIII-XIX)" (CHAGAS; NADALIN, 2008).
  • 17
    "O baptismo é o primeiro de todos os Sacramentos, e a porta por onde se entra na Igreja Catholica, e se faz, o que o recebe, capaz dos mais Sacramentos, sem o qual nem-um dos mais fará nelle o seu effeito"(Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Tit X, p. 12).
  • 18
    É "pelo batismo que uma criança ganha personalidade moral (...) na comunidade em que nasce" ou, mesmo, "personalidade jurídica" (LANNA, 1995, p. 200).
  • 19
    É importante observar como, em certos meios, ainda hoje se veicula a ideia de que "bruxas vêm e tomam o sangue do bebê", de acordo com depoimento colhido por Cláudia Fonseca e Jurema Brites (1988, p. 11). Entre os Terena (e, queremos crer, entre várias populações localizadas mais no interior), se a criança não for batizada, "o saci pode brincar com ela e até levar para o mato, e quando fica doente fica impedida de receber a benção (a cura)." Disponível em: <
  • 20
    Ver, por exemplo, Svobodny (1994); Sawchuk (2002) e Burmester (1981).
  • 21
    O conceito (do latim "limina", "à margem") foi desenvolvido por Tomas de Aquino em meados do século XIII. Sobrepondo-se às discussões a respeito, a maioria dos teólogos acabou por defender a ideia de que os limbos das crianças (porque existiria, também, um limbo para os adultos) constituiriam um lugar "intermediário-definitivo", impossibilitando um julgamento que definisse ou não a entrada no Paraíso (CHAGAS, 2007, p. 3; FINE, 1994, p. 302-5).
  • 22
    A historiografia que menciona e/ou estuda a mortalidade infantil nas sociedades ditas tradicionais é muito rica, mas pouco se diz a propósito da grande possibilidade de incidência do tétano neonatal que, no Brasil, era popularmente conhecido como "mal dos sete dias" (NADALIN, 2004, p. 44, nota 37).
  • 23
    "Em caso de necessidade, qualquer pessoa, ainda que seja mulher, ou infiel, pode validamente administrar esse Sacramento, com tanto, que não falte alguma das cousas essenciaes, e tenhão intenção de fazer, o que faz a Igreja Catholica"(Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Tít. X, p. 13; a esse respeito, ver ainda os títulos XV e XVI, p. 23). Ver também Chagas (2007, p. 4-7) e Laget (1982, p. 308).
  • 24
    "Em os vinte e outo dias do mês de dezembro de mil e setecentos e hum anos pus os sanctos óleos nesta igreja de N. Srª. da Lux da Vila dos Pinhaes de Curitiba a Manoel innocente filho de Thomazia solteira escrava moradora nesta freguezia e escrava de Gaspar Carrasco morador nesta freguezia, foi bautizado em cazo de nececidade fora da igreja por Salvador de Albuquerque morador nesta vila o coal eu examinei a respeito do valor do sacram
    to. E achei o tinha bem bautizado e por ser verdade fis este q asignei sendo Vigrº. da dita Igrª." (Ata de batismo assinada pelo padre Antonio Lopes, livro 1_4_21v, acervo digitalizado do Cedope.) De acordo com as Constituições, o batismo de urgência deveria contar, se possível, com pelo menos uma testemunha, que iria garantir ao padre mais tarde que o batismo foi, de fato, realizado de acordo com as normas estabelecidas pela Santa Igreja. Em caso de o padre duvidar, ou constatar que o batismo foi mal realizado e a criança tivesse sobrevivido, ele poderia
    refazê-lo, repetindo a seguinte fórmula: "Si non es batizatus, vel baptizata, Ego te baptizo in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen." (Constituições do Arcebispado da Bahia, 1707, Título XV, p. 23). Um batismo, portanto,
    sub condicionne, que só valeria se Deus não considerasse válido aquele realizado emergencialmente: "Aos ceis dias do Mês de Novembro de mil cete centos e vinte e nove annos nesta igreja Matriz de NoSsa Senhora da Lux dos Pinhais de Curitiba: Baptizei e pus os sanctos óleos
    sub condicionne por cer baptizada em Caza a Maria innocente e juntamente por julgar estar duvidozo o Sacramento por me diZer o que o fez nam tinha aplicado tudo junto, a forma com a matéria porq
    e. so depois de acabar de proferir as palavras da forma, lhe viera a ágoa, e nesta forma baptizei a dita Maria innocente filha de Ignacia do gentio da Mina, escrava de Mathias ALvres, nam lhe deram Pay; foi padrinho o dito Mathias Alvres que foi o que a baptizou em Caza, todos moradores nesta Villa. Para constar fis este termo no mesmo mês e era ET supra. Nasceo aos vinte e quatro do Mês de Agosto". (Ata de batismo assinada pelo padre Ignácio Lopez, Livro 01_4_51v).
  • 25
    Ver a nota 6 e as observações em Nadalin (2004, p. 44-45).
  • 26
    Ver a nota 5.
  • 27
    Os números constituem somente uma indicação. Do século XVIII para o XIX, os limites da paróquia diminuem (da mesma forma que o termo da Vila), mas a população se adensa.
  • 28
    Dados amostrais indicam, pelo menos até a metade do século XVIII, que a maioria dos cativos era constituída por administrados, sendo gradativamente substituídos por africanos, presença absoluta no século XIX (NADALIN, 2006, p. 272).
  • 29
    Como certos conjuntos de dados apresentam cifras muito pequenas e com a intenção de uma visão mais geral da questão, abstraíram-se as diferenças de gênero e da condição jurídica das crianças.
  • 30
    Ainda muito abaixo das mencionadas paróquias francesas, onde praticamente 91% das crianças eram batizadas antes de completarem o primeiro mês de idade (GOURDON, 2006). Em Ubatuba (São Paulo), no início dos oitocentos, os batismos parecem ter sido registrados entre o segundo e o décimo quinto dia, em torno de uma média de 20 dias. Tudo indica uma distribuição parecida à de Curitiba nos anos iniciais de observação (
    Tabela 2) (MARCÍLIO, 1986, p, 202).
  • 31
    Infelizmente, o espaço não permite que se anexem os dados referentes às diferentes distribuições organizadas pela pesquisa.
  • 32
    Pelo menos para o período 1740 a 1809, o conteúdo das atas de batismo não inclui data do nascimento ou idade do batizando. A autora, embora estenda suas análises até 1850, não mencionou eventual alteração na documentação a este respeito (MARCILIO, 1972, p. 85-86; 161 e seguintes).
  • 33
    Sem nenhuma intenção crítica, parece que também não era preocupação dos pesquisadores. Ou, talvez melhor: conformados com o fato de que os registros dos setecentos omitiam quase sistematicamente tal informação, tomaram a data de batismo como a do nascimento.
  • 34
    Cabe sempre lembrar que é entre as crianças ilegítimas - e aqui nos referimos em especial às atas que registram o pai como incógnito - que se encontram as mães mais pobres, geralmente desqualificadas socialmente porque bastardas, forras e/ou mulatas. Ver Nadalin (2006, p. 274-9).
  • 35
    Ana Maria Burmester (1981, p. 278-283) calculou, para a segunda metade do século XVIII, que, para cada mil nascidos, morriam em Curitiba, antes de completarem seu primeiro ano de idade, de 190 a 214 crianças.
  • 36
    Grifando os estudos de fecundidade, chamamos a atenção para a necessidade de avaliarmos, de alguma maneira, os nascimentos que se perderam e não foram recuperados pelos registros de sepultamentos, tal como fez Louis Henry (1980, p. 75-81) para os
    ondoyés décédés na França.
  • 37
    Constituições Eclesiásticas (no texto está sem acento) do Brasil, art. 158 (grifo no original), a
    pud Fonseca e Brites (1988, p. 6).
  • 38
    Ver, a esse respeito, o estudo de Fonseca e Brites (1988).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      03 Mar 2010
    • Aceito
      23 Abr 2010
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