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A poluição na bacia aérea da região metropolitana de Belo Horizonte e sua repercussão na saúde da população

NOTAS DE PESQUISA

A poluição na bacia aérea da região metropolitana de Belo Horizonte e sua repercussão na saúde da população

Antônio Leite Alves Radicchi

Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

A poluição do ar pode ser definida como a liberação na atmosfera de qualquer substância (partículas ou gases) que altere a constituição natural do ar, afetando negativamente espécies animais (sobretudo o homem) e vegetais, ou provocando modificações físico-químicas indesejáveis em espécies minerais.

O exemplo clássico sobre os efeitos da poluição do ar na saúde é o que ocorreu em Londres, em 1952, quando cinco dias de elevadíssimos níveis de poluentes no ar acarretaram, durante semanas, acentuado aumento nas taxas de mortalidade por doenças cardíacas e respiratórias, que permaneceram ainda acima do esperado por vários meses. Estudos realizados em todo o mundo, especialmente nos últimos 50 anos, apontam associações positivas entre a exposição aos contaminantes do ar atmosférico, sobretudo nas áreas urbanas, e os efeitos adversos à saúde (SANTOS, 2007). Os contaminantes provenientes, principalmente, da queima de combustíveis fósseis, em especial o material particulado (PM 10 e PM 2,5µ), o dióxido de enxofre, os óxidos nitrosos, o monóxido de carbono, o chumbo, além do ozônio, são os mais importantes e comprovadamente nocivos. Existem outros contaminantes presentes no ar das cidades, como os compostos orgânicos voláteis e os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, porém seus impactos na saúde não estão devidamente documentados. Materiais particulados ultrafinos e constituintes importantes das partículas, como os metais, estão também envolvidos.

O Quadro 1 sintetiza os principais poluentes, suas fontes, processos de emissão e efeitos ambientais e sanitários.


As crianças, os idosos e os portadores de doenças cardíacas e respiratórias estão entre os grupos mais suscetíveis aos efeitos adversos da contaminação do ar. Para excluir os efeitos do tabagismo e do ambiente de trabalho sobre a saúde, os estudos em crianças são os mais indicados, embora limitados pelo fato de que muitas doenças só se manifestam após décadas de exposição à poluição atmosférica.

Os efeitos na saúde, em termos gerais, vão desde leves, agudos e passageiros distúrbios fisiológicos, até graves, crônicos e prolongados que podem culminar com a morte. Estudos de séries temporais realizados em diferentes populações mais expostas à poluição do ar confirmam um excesso de mortalidade por doenças respiratórias e cardiovasculares (DOMINICI, 2004). As internações hospitalares e os atendimentos de emergência por tais causas aumentam quando há episódios de elevação dos níveis de contaminação do ar. Estudos recentes apontam a associação de poluição do ar e crescimento intrauterino restrito (aquele com peso ao nascimento menor do que o percentil 10 para a idade gestacional), prematuridade e baixo peso ao nascer (POURSAFA; KELISHADI, 2011).

A explicação fisiopatológica para esses efeitos é atribuída à inflamação das vias aéreas através do mecanismo pelo qual a contaminação do ar afeta o sistema respiratório e indiretamente o cardiovascular, com consequente diminuição da função pulmonar e variações do ritmo cardíaco. Para o baixo peso ao nascimento, admite-se que a inalação de partículas aumente a viscosidade sanguínea, o que pode ter efeito adverso na função placentária, reduzindo o crescimento fetal.

O material particulado (PM 10 e 2,5µ), como já mencionado, é um dos principais poluentes responsáveis pelos efeitos nocivos à saúde e consiste numa complexa mistura de materiais advindos, principalmente, da queima do óleo diesel combustível, conhecidos pela sigla DEPs - diesel exhaust particles. Esses materiais são capazes de danificar a mucosa brônquica, aumentando a permeabilidade epitelial e reduzindo a atividade ciliar protetora. Estes efeitos permitem maior contato de alérgenos com o sistema imunológico através da mucosa respiratória, provocando doenças como a asma, a bronquite e a rinite alérgica.

A bacia aérea como unidade de controle ambiental

Assim como a água que se distribui no território em forma de bacia (a bacia hidrográfica), também o ar apresenta uma dispersão por uma área geográfica conhecida como bacia aérea. Na região metropolitana de Belo Horizonte, a bacia aérea é conformada pelo cinturão das serras do Curral Del Rei e da Moeda, ao sul, e o complexo do Espinhaço, ao norte. Nesse corredor, onde o vento circula predominantemente no sentido leste-oeste, os poluentes atmosféricos se concentram na região do Barreiro, em Belo Horizonte, na área industrial de Contagem e no centro de Betim.

Essa concentração é resultado da emissão de poluentes por parte de fontes fixas (indústrias) e móveis (veículos automotores) que, dependo do seu nível de concentração, saturam a bacia aérea desse material dada a dificuldade de dispersão. Essa saturação é conhecida como Conceito Bolha (Bubble Concept), que já vem sendo aplicado nos EUA desde 1979 e no Estado de São Paulo desde 1985 (FERLING, 2008). O emprego desse conceito em Minas Gerais, por meio da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), seria um instrumento de controle da poluição atmosférica, ao regular o crescimento e a qualidade da frota veicular e a implantação de empreendimentos industriais de alto impacto na emissão de poluentes.

A situação na região metropolitana de Belo Horizonte

O crescimento da população urbana - fenômeno mundial - é mais acentuado nas periferias das grandes cidades de países em desenvolvimento. Além disso, há o aumento vertiginoso do número de veículos automotores. Estes fatores têm causado maior exposição das pessoas aos contaminantes do ar.

A região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) apresentou, nas últimas décadas, um grande e desordenado crescimento, com incremento expressivo de seu parque veicular, o que tem provocado uma progressiva deterioração da qualidade do ar. Além do aumento do número absoluto de veículos, é preocupante observar o percentual cada vez maior de motocicletas em circulação, uma vez que a emissão de poluentes deste tipo de veículo é, em média, 8 a 20 vezes maior do que a de um automóvel.

Dados do monitoramento ambiental de anos anteriores na RMBH revelam as dimensões do problema, especialmente nos meses de inverno e início da primavera, quando as concentrações diárias do material particulado em suspensão na atmosfera chegam a superar os parâmetros estabelecidos pela legislação. Nesta época do ano, a baixa umidade relativa do ar, a névoa seca, a inversão térmica e, muitas vezes, a baixa velocidade dos ventos ocorrem simultaneamente. A qualidade do ar pode, então, se tornar crítica pela maior dificuldade de dispersão vertical (gradiente térmico) e horizontal (falta de vento) dos poluentes.

Embora a situação de Belo Horizonte não seja alarmante, os níveis considerados toleráveis pela Organização Mundial de Saúde têm sido ultrapassados em alguns pontos da região metropolitana, como em Contagem e Betim principalmente. Mesmo quando os níveis de poluentes atendem aos critérios de qualidade do ar, alguns efeitos podem ser observados nas pessoas mais susceptíveis.

Tabela 1

Evidentemente, toda a população está exposta à poluição atmosférica, mas, como mencionado anteriormente, a parcela mais vulnerável está representada pelos idosos, crianças e doentes crônicos. Considerando-se todas as idades, observa-se que as internações por doenças respiratórias foram a segunda causa de internação em Belo Horizonte durante 2002, superando até mesmo as doenças cardiovasculares. No grupo de crianças com até 14 anos, as causas respiratórias representaram o principal motivo de internação, respondendo por mais de 50% das internações entre crianças de 1 a 4 anos de idade.

Fatores familiares e sociodemográficos também contribuem para o incremento da incidência das doenças respiratórias. Dados de internação hospitalar de residentes na cidade de Belo Horizonte, em 2002, mostram que 18% das crianças de 0 a 5 anos internadas com diagnóstico de pneumonia e/ou bronquite eram moradoras do Barreiro, sabidamente uma região com altos índices de poluição atmosférica.

Um grupo interdisciplinar do Projeto Manuelzão, composto por médicos, engenheiros, arquiteto e climatologista, denominado Ar & Saúde, em sua maioria professores da Universidade Federal de Minas Gerais, realizou um estudo em 2007 comparando os efeitos da poluição do ar em crianças de 6 a 8 anos residentes nos municípios de Betim e Belo Horizonte. Os resultados apontaram maior prevalência de asma e rinite alérgica nas crianças moradoras em Betim, onde os índices de contaminação do ar são os mais elevados da região metropolitana (RADICCHI et al., 2007).

O controle da qualidade do ar na região metropolitana de Belo Horizonte

Existem nove estações automáticas de controle da qualidade do ar na região metropolitana de Belo Horizonte, situadas no Aeroporto Carlos Prates/Belo Horizonte, na Praça Rui Barbosa/Belo Horizonte, na Avenida Amazonas/Belo Horizonte, na Av. Tancredo Neves/Contagem, na Rodovia Renato Azeredo/Ibirité, no Jardim das Alterosas/Betim, na Cascata/Betim, na Petrovale/Betim e no Centro Administrativo/Betim. Estas estações medem os seguintes poluentes: material particulado, ozônio, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio, além dos parâmetros meteorológicos velocidade e direção dos ventos, temperatura e umidade relativa do ar.

Perspectivas

O ar é vital para a manutenção da vida. Guardadas as devidas diferenças entre metabolismos, pode-se dizer que um ser humano é capaz de permanecer 70 dias sem comida, uns sete dias sem água e não mais que sete minutos sem ar. Assim, trabalhos que se proponham a discutir o problema da qualidade do ar são de fundamental importância.

O controle da poluição do ar representa uma importante oportunidade de prevenir doenças, sobretudo as pulmonares e cardiovasculares, e diminuir a sua mortalidade.

Medidas que reduzam a emissão de poluentes, tais como estímulo ao transporte coletivo - sobretudo implantação de trem metropolitano -, melhoria da qualidade dos combustíveis, substituição por energias menos poluentes (etanol, energia eólica e solar), melhoria dos processos industriais e implantação de filtros eficientes, são fundamentais para melhorar a qualidade do ar e, consequentemente, a qualidade de saúde e vida.

Recebido para publicação em 29/01/2012

Aceito para publicação em 06/02/2012

  • DOMINICI F. Time-series analysis of air pollution and mortality: a statistical review. Res. Rep. Health Eff. Inst, n. 123, p. 3-27, Dec. 2004.
  • FERLING, F. F. Gestão de bacias aéreas como instrumento de gestão ambiental: estudo de caso em projetos de geração de energia no Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado). São Paulo, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2008.
  • RADICCHI, A. L. A.; FILOGONIO, C. J. B.; SCHAWABE, W. K.; RIBEIRO, C. M.; MACEDO, M. I. A. Estudo de prevalência da asma e rinite alérgica em crianças residentes em Belo Horizonte e Betim e sua relação com a poluição do ar. In: 24ş CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL. Anais... Belo Horizonte, 2007.
  • RADICCHI, A. L. A.; SENNA, M. I. B.; CAMARGOS, P. A. M.; SCHAWABE, W. K. Estudo de tendência da asma e rinite alérgica em crianças residentes em duas áreas geográficas com diferentes níveis de poluição do ar, Ibirité/MG. In: 11ş CONGRESSO MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA. Revista Ciência e Saúde Coletiva Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 2006.
  • POURSAFA, P.; KELISHADI, R. What health professionals should know about the health effects of air pollution and climate change on children and pregnant mothers. Iran J. Nurs. Midwifery Res., v. 16, n. 3 p. 257-64, 2011.
  • SANTOS, U. de P. Poluição, aquecimento global e repercussões na saúde. Rev. Assoc. Med. Bras., v. 53, n. 3, jun. 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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