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População, ambiente e mudanças climáticas: reflexões sobre o desenvolvimento do Centro-Oeste brasileiro

RESENHA

População, ambiente e mudanças climáticas: reflexões sobre o desenvolvimento do Centro-Oeste brasileiro

Flávia da Fonseca Feitosa

Pesquisadora colaboradora do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CCST/Inpe)

MARANDOLA JR., Eduardo; D'ANTONA, Álvaro de Oliveira; OJIMA, Ricardo (Orgs.). População, ambiente e desenvolvimento: mudanças climáticas e urbanização no Centro-Oeste. Campinas: Núcleo de Estudos da População - Nepo/Unicamp; Brasília: UNFPA, 2011. 192 p.

Em um momento em que o mundo vivencia simultâneas crises financeiras, sociais e ambientais, o aumento do ceticismo em relação às possibilidades de crescimento sustentável vem ampliando as oportunidades de debate em torno de algumas questões fundamentais: seríamos mesmo capazes de conciliar crescimento com sustentabilidade econômica, ambiental e social? Como planejar a expansão de nossas cidades de forma a garantir justiça social e qualidade de vida para a população? Como superar a pobreza e as desigualdades sem sobrecarregar nosso planeta? Como nos preparar para os novos e incertos desafios impostos pelas mudanças climáticas e ambientais em curso? Quais os limites dos atuais paradigmas de desenvolvimento econômico e urbano? Como precisaríamos transformá-los? Quais seriam as implicações destas mudanças?

Colocando estas e outras questões no centro da discussão, o livro População, ambiente e desenvolvimento: mudanças climáticas e a urbanização no Centro-Oeste reúne contribuições teóricas e metodológicas relevantes ao necessário debate sobre a interface entre população, ambiente e desenvolvimento no contexto das mudanças climáticas e ambientais. Partindo da realidade do Centro-Oeste brasileiro, a obra proporciona um panorama atualizado acerca desta interface em uma região do país onde a forte expansão do agronegócio e as mudanças de uso e cobertura do solo dela decorrentes vêm gerando uma série de impactos negativos ao ambiente e à população.

Organizado por Eduardo Marandola Jr., Álvaro D'Antona e Ricardo Ojima, o livro é uma construção coletiva, de autoria de pesquisadores de distintas instituições e com diferentes formações e trajetórias, que participaram do III Programa de Capacitação em População, Ambiente e Desenvolvimento: mudanças climáticas e urbanização, em Cuiabá (MT), organizado pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Unicamp, e apoiado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Os textos reunidos no livro são introduzidos por Eduardo Marandola Jr., que proporciona uma visão esclarecedora do contexto e conteúdo da publicação e aponta para uma agenda de pesquisa e políticas públicas no campo de população, ambiente e mudanças climáticas. Em seguida, o livro é dividido em duas partes. A primeira, "População, sustentabilidade e mudanças climáticas no Centro-Oeste", é composta por quatro capítulos complementares, que transitam entre distintas escalas, do global ao regional e do regional ao local, para problematizar as inter-relações entre dinâmicas climáticas, populacionais e econômicas no Centro-Oeste.

Explorando a questão sob uma perspectiva climática, Wagner Soares, autor do capítulo "Impactos das mudanças climáticas na região Centro-Oeste do Brasil", apresenta uma introdução à modelagem do clima e cenários climáticos, seguida de projeções do clima futuro para o Centro-Oeste e indicações dos possíveis impactos das mudanças climáticas na região, os quais incluem maior número de eventos extremos de chuva e seca, aumento do risco de queimadas no Pantanal e Cerrado, bem como maior taxa de evaporação e veranicos com ondas de calor.

Sob um enfoque demográfico, o capítulo "Mobilidade e ambiente no contexto das mudanças climáticas", de autoria de César Marques, destaca a relevância da mobilidade espacial da população no debate sobre as mudanças climáticas e sua necessária ressignificação diante da explícita incorporação da dimensão ambiental. Examinando os efeitos das mudanças ambientais globais climáticas sobre a mobilidade, e vice-versa, o autor ressalta aspectos particulares desta relação no Centro-Oeste e aponta para desafios a serem considerados no planejamento da região.

A partir da análise de dados sobre municípios localizados em uma das áreas de maior dinamismo econômico do Centro-Oeste, o capítulo "População, desmatamento e produção agrícola temporária na área de influência da BR-163 - Mato Grosso", de Leila Alencar, Lívia Almeida, Wanderlei Pignati e Marta Pignatti, avança no estudo das relações entre desenvolvimento, ambiente e população, ao retratar os impactos da expansão da produção agroindustrial sobre as condições ambientais e de saúde da população.

Complementando esta discussão e finalizando a primeira parte do livro, o texto "População e ambiente no estado do Mato Grosso: diagnóstico e desafios para as políticas públicas" baseia-se na análise das condições de distintos municípios do Mato Grosso para ilustrar dificuldades e potencialidades locais e subsidiar o debate sobre elaboração de políticas públicas municipais que consolidem cidades menos vulneráveis e mais resilientes a transformações climáticas, ambientais, econômicas e sociais que afetam ou podem vir a afetar a região. Escrito por Ricardo Ojima, Amay Porto, André Hippler, Augusto Castilho, Gustavo Guimarães, João de França e Maria Queiroz, este capítulo enfatiza a necessidade de políticas públicas que avancem para além das panaceias, capazes de considerar as especificidades locais resultantes de uma dinâmica econômica que concentra riquezas e exacerba as desigualdades regionais e intramunicipais do Estado.

A segunda parte do livro, "Impactos da urbanização e de mudanças no uso e cobertura da terra nos cenários de mudanças climáticas", destina maior atenção à caracterização dos processos de urbanização e desmatamento na região e suas consequências sobre as alterações no clima, ecossistemas e condições de vida da população. Álvaro D'Antona e Priscila Dal Gallo, no capítulo "Urbanização, agronegócio e mudanças climáticas no Centro-Oeste", alimentam a discussão sobre a centralidade da urbanização no debate população, ambiente e mudanças climáticas. Após uma elucidativa revisão sobre o tópico e uma síntese da situação do Mato Grosso, os autores apresentam o caso de Lucas do Rio Verde, município de grande dinamismo econômico e demográfico. Este estudo, que mostra o empenho do município no enfrentamento de problemas decorrentes do agronegócio e na busca da sustentabilidade, evidencia as profundas dificuldades de conciliação entre as atuais exigências do mercado e a construção de cidades verdadeiramente resilientes.

O capítulo "Fronteira agrícola mato-grossense: urbanização e mudanças no uso e cobertura da terra nos cenários de mudanças climáticas", de Zuleika Arruda, apresenta uma análise histórico-conceitual sobre o processo de urbanização do Mato Grosso, fortemente atrelado à capitalização da agricultura. A autora destaca a complexidade das relações campo-cidade decorrentes da modernidade agrícola na região, assim como impactos e riscos socioambientais oriundos destas relações e que se tornam cada vez mais evidentes em um contexto de mudanças climáticas.

Finalizando o livro, os dois últimos textos apresentam evidências empíricas que fomentam a discussão sobre a influência das ações humanas nas variações climáticas e no aumento de desastres relacionados a eventos naturais. No capítulo "Desmatamentos e variações climáticas na região norte de Mato Grosso: exemplos dos municípios de Vera e Sinop", Gilda Maitelli e Helana Oliveira demonstram, a partir de uma análise de dados quantitativos locais, a existência de forte relação entre a progressão dos desmatamentos e as transformações climáticas na região. Por sua vez, o texto "Desastres naturais no âmbito das (in)certezas das mudanças climáticas: as enchentes urbanas em Cuiabá (MT)", de autoria de Cleusa Zamparoni, apresenta um levantamento das enchentes na capital do de Mato Grosso e revela como as ocorrências destes desastres ditos "naturais" estão cada vez mais relacionadas ao modelo de ocupação e gestão do território urbano.

De forma complementar, as contribuições reunidas no livro alertam para a insustentabilidade e os perigos do desenvolvimento economicista vigente no Centro-Oeste, ilustrando e discutindo sobre os elevados custos que a supremacia do progresso econômico associado à expansão das atividades agroindustriais vem impondo à integridade dos ecossistemas e qualidade de vida da população na região. Buscar alternativas para este desequilibrado embate, cujas consequências tornam-se ainda mais preocupantes e imprevisíveis no atual contexto de transformações climáticas e ambientais, envolve, portanto, para além de ações pontuais, uma profunda reflexão e reconsideração dos modelos de desenvolvimento econômico e de urbanização da região.

Recebido para publicação em 05/01/2012

Aceito para publicação em 03/03/2012

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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