Acessibilidade / Reportar erro

Seguro-desemprego e formalidade no mercado de trabalho brasileiro

Seguro de desempleo y formalidad en el mercado de trabajo brasileño

Unemployment benefits and formality in the Brazilian labor market

Resumos

Este trabalho analisa a relação entre seguro-desemprego e emprego formal no mercado de trabalho brasileiro. A hipótese central é de que o recebimento deste benefício tem efeito negativo sobre a formalidade do trabalho no período posterior ao seu recebimento. São usados dados da PNAD (1999-2009). Para avaliar o efeito do seguro-desemprego sobre o mercado de trabalho brasileiro, foram estimados modelos de regressão logística. A variável dependente indica a formalidade no trabalho principal. Além de uma série de variáveis independentes (ano da pesquisa, região de residência, situação censitária, sexo, raça, idade e escolaridade), os modelos contêm uma variável de avaliação de política pública (seguro-desemprego) e variáveis para analisar a tendência desta política pública no decorrer do tempo. O recebimento do benefício do seguro-desemprego apresenta efeito negativo de 42% sobre a formalidade no trabalho principal no momento posterior ao recebimento do benefício. A análise dos termos interativos permite indicar que reajustes dos valores do benefício, realizados desde 1999, não causaram efeitos relevantes na formalização do trabalho.

Seguro-desemprego; Emprego formal; Mercado de trabalho; Avaliação de políticas públicas; Brasil


Este trabajo analiza la relación entre seguro de desempleo y empleo formal en el mercado de trabajo brasileño. La hipótesis central es que la recepción de dicho beneficio ocasiona un efecto negativo sobre la formalidad del trabajo en el periodo posterior a su recepción. Se utilizan datos de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - (1999-2009). Para evaluar el efecto del seguro de desempleo sobre el mercado de trabajo brasileño se estimaron modelos de regresión logística. La variable dependiente indica la formalidad en el trabajo principal. Además de una serie de variables independientes (año de la encuesta, región de residencia, situación censitaria, sexo, raza, edad y escolaridad), los modelos contienen una variable de evaluación de política pública (seguro de desempleo) y variables para analizar la tendencia de esta política pública con el paso del tiempo. La recepción del beneficio del seguro de desempleo presenta un efecto negativo de 42% sobre la formalidad en el trabajo principal en el momento posterior a la recepción del beneficio. El análisis de los términos interactivos permite indicar que los reajustes de los valores del beneficio, realizados desde 1999, no causaron efectos relevantes en la formalización del trabajo.

Seguro de desempleo; Empleo formal; Mercado de trabajo; Evaluación de políticas públicas; Brasil


The authors analyze the relationship between unemployment benefits and formal employment in the Brazilian labor market. The central hypothesis is that the receipt of such benefits has a negative impact on levels of formal employment, after benefits have been received. The data were extracted from the Brazilian Household Surveys between 1999 and 2009. Logistic regression models were estimated in order to evaluate the effect of unemployment benefits on the Brazilian labor market. The dependent variable is the occurrence of formal employment for workers. In addition to a set of independent variables (survey year, region of residence, census area, gender, race, age and education), the models include a public policy evaluation variable (unemployment benefits), as well as variables to analyze the trend of this public policy over time. After having received unemployment benefits, the occurrence of formal employment among workers falls by 42%. The analysis of interactive terms indicates that increases in the real values of the benefits, applied since 1999, have not caused significant effects on the dependent variable.

Unemployment benefits; Formal employment; Labor market; Evaluation of public policies; Brazil


ARTIGOS

Seguro-desemprego e formalidade no mercado de trabalho brasileiro* * Esta pesquisa recebeu auxílio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC), pelo Programa Cátedras Ipea/Capes para o Desenvolvimento (001/2010). Versão preliminar deste trabalho foi apresentada no XV Congresso Brasileiro de Sociologia, ocorrido de 26 a 29 de julho de 2011 em Curitiba, sob auxílio financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Unemployment benefits and formality in the Brazilian labor market

Seguro de desempleo y formalidad en el mercado de trabajo brasileño

Aline Nogueira Menezes MourãoI; Mariana Eugenio AlmeidaII; Ernesto Friedrich de Lima AmaralIII

IMestranda na University of Ottawa, bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (alinenmmourao@gmail.com)

IIMestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro - FJP, analista do Observatório do Trabalho na Secretaria de Estado de Trabalho e Emprego de Minas Gerais (mariana.almeida88@gmail.com)

IIIDoutor em Sociologia/Demografia pela Universidade do Texas em Austin, professor adjunto no Departamento de Ciência Política (DCP) da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (eflamaral@gmail.com)

RESUMO

Este trabalho analisa a relação entre seguro-desemprego e emprego formal no mercado de trabalho brasileiro. A hipótese central é de que o recebimento deste benefício tem efeito negativo sobre a formalidade do trabalho no período posterior ao seu recebimento. São usados dados da PNAD (1999-2009). Para avaliar o efeito do seguro-desemprego sobre o mercado de trabalho brasileiro, foram estimados modelos de regressão logística. A variável dependente indica a formalidade no trabalho principal. Além de uma série de variáveis independentes (ano da pesquisa, região de residência, situação censitária, sexo, raça, idade e escolaridade), os modelos contêm uma variável de avaliação de política pública (seguro-desemprego) e variáveis para analisar a tendência desta política pública no decorrer do tempo. O recebimento do benefício do seguro-desemprego apresenta efeito negativo de 42% sobre a formalidade no trabalho principal no momento posterior ao recebimento do benefício. A análise dos termos interativos permite indicar que reajustes dos valores do benefício, realizados desde 1999, não causaram efeitos relevantes na formalização do trabalho.

Palavras-chave: Seguro-desemprego. Emprego formal. Mercado de trabalho. Avaliação de políticas públicas. Brasil.

ABSTRACT

The authors analyze the relationship between unemployment benefits and formal employment in the Brazilian labor market. The central hypothesis is that the receipt of such benefits has a negative impact on levels of formal employment, after benefits have been received. The data were extracted from the Brazilian Household Surveys between 1999 and 2009. Logistic regression models were estimated in order to evaluate the effect of unemployment benefits on the Brazilian labor market. The dependent variable is the occurrence of formal employment for workers. In addition to a set of independent variables (survey year, region of residence, census area, gender, race, age and education), the models include a public policy evaluation variable (unemployment benefits), as well as variables to analyze the trend of this public policy over time. After having received unemployment benefits, the occurrence of formal employment among workers falls by 42%. The analysis of interactive terms indicates that increases in the real values of the benefits, applied since 1999, have not caused significant effects on the dependent variable.

Keywords: Unemployment benefits. Formal employment. Labor market. Evaluation of public policies. Brazil.

RESUMEN

Este trabajo analiza la relación entre seguro de desempleo y empleo formal en el mercado de trabajo brasileño. La hipótesis central es que la recepción de dicho beneficio ocasiona un efecto negativo sobre la formalidad del trabajo en el periodo posterior a su recepción. Se utilizan datos de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - (1999-2009). Para evaluar el efecto del seguro de desempleo sobre el mercado de trabajo brasileño se estimaron modelos de regresión logística. La variable dependiente indica la formalidad en el trabajo principal. Además de una serie de variables independientes (año de la encuesta, región de residencia, situación censitaria, sexo, raza, edad y escolaridad), los modelos contienen una variable de evaluación de política pública (seguro de desempleo) y variables para analizar la tendencia de esta política pública con el paso del tiempo. La recepción del beneficio del seguro de desempleo presenta un efecto negativo de 42% sobre la formalidad en el trabajo principal en el momento posterior a la recepción del beneficio. El análisis de los términos interactivos permite indicar que los reajustes de los valores del beneficio, realizados desde 1999, no causaron efectos relevantes en la formalización del trabajo.

Palabras clave: Seguro de desempleo. Empleo formal. Mercado de trabajo. Evaluación de políticas públicas. Brasil.

Introdução

O mercado de trabalho tem despertado o interesse de estudiosos por apresentar características como desemprego, alta rotatividade e informalidade. A análise da questão da informalidade é fundamental na abordagem do mercado de trabalho brasileiro e é o objeto de estudo deste trabalho. Os altos índices de informalidade e desemprego verificados no Brasil constituem um desafio não apenas para o mercado de trabalho e economia, mas também para o avanço das políticas de proteção social. Nesse contexto, o Programa Seguro-Desemprego surge no Brasil com o objetivo de prover auxílio financeiro temporário a pessoas desempregadas involuntariamente, sem justa causa.

O presente artigo busca analisar a relação da política de seguro-desemprego com a dinâmica do mercado de trabalho, verificando qual o impacto desta política sobre o trabalho formal, no período posterior ao recebimento do benefício. Testa-se a hipótese de que o seguro-desemprego teria um efeito negativo sobre a formalidade do trabalho no período posterior ao seu recebimento. Além disso, em decorrência de peculiaridades do mercado de trabalho brasileiro e do desenho da política de seguro-desemprego no Brasil, há a hipótese de que este efeito não é atenuado com aumentos de cobertura e de valor real do benefício.

Com o objetivo de analisar a política de seguro-desemprego no Brasil, faz-se necessário abordar o cenário no qual esta se insere. Assim, na seção a seguir, apresentam-se o Programa Seguro-Desemprego brasileiro e as tendências de informalidade no país. Posteriormente, são analisados os efeitos dos programas de proteção ao trabalhador, em especial do seguro-desemprego, sobre o mercado de trabalho e expõem-se os dados e a metodologia utilizados neste estudo, bem como os resultados obtidos. Por fim, são apresentadas algumas considerações finais, decorrentes desta análise.

Política de seguro-desemprego e informalidade no Brasil

As políticas de emprego podem ser definidas como um conjunto de medidas que visam alterar, de forma mais ou menos direta, a oferta ou demanda por trabalho. A criação de postos públicos de emprego é exemplo de políticas diretas, enquanto a formação profissional da população constitui uma política de emprego menos direta. Não fazem parte deste arcabouço políticas macroeconômicas ou mudanças na legislação do mercado de trabalho, bem como modificações sobre o salário mínimo (RAMOS, 2003). Nesse contexto, o Programa Seguro-Desemprego brasileiro pode ser considerado uma política de emprego passiva, pois visa amenizar a situação de desemprego e aumentar o bem-estar dos trabalhadores.

A política de seguro-desemprego foi criada em um contexto histórico de bem-estar social, no período posterior à Segunda Guerra Mundial em países desenvolvidos, no qual se buscava o pleno emprego. O desemprego era, portanto, uma condição resultante de problemas particulares ou circunstanciais. No caso brasileiro, o seguro-desemprego foi introduzido em 1986 e possui limitações, já que não foi originalmente pensado para sociedades com altos níveis de desemprego e informalidade (RAMOS, 2003). Este benefício insere-se em um conjunto de políticas de trabalho, renda e emprego, tendo como objetivos o auxílio financeiro temporário a pessoas desempregadas involuntariamente, sem justa causa, bem como a orientação e qualificação profissional de tais indivíduos. O valor do seguro-desemprego é calculado pela média salarial dos últimos três meses e pode variar entre 1,00 e 1,87 salário mínimo, de acordo com a faixa de renda em que a média de salário do trabalhador se encontrava (Lei n. 7.998/1990). Por um lado, o programa é um avanço em termos de benefícios sociais. Por outro, ainda é restrito aos trabalhadores formais, o que constitui um desafio para a proteção social (NETO; ZYLBERSTAJN, 1999).

Algumas condições para que a pessoa possa receber o seguro-desemprego são: ter recebido salário nos últimos seis meses; ter trabalhado com carteira assinada pelo menos seis meses nos últimos 36 meses; não ter recebido nenhum benefício da Previdência Social de prestação continuada, exceto auxílio-acidente ou pensão por morte; e não ter renda própria para o seu sustento e de seus familiares (AMORIM; GONZALEZ, 2009). O número de parcelas do benefício é estipulado conforme o tempo em que o requerente esteve empregado: três parcelas, quando é comprovado vínculo empregatício por um período de seis a 11 meses; quatro parcelas, quando este tempo é de, no mínimo, 12 e, no máximo, 23 meses; cinco parcelas, quando se comprova ter trabalhado por, no mínimo, 24 meses; e, em casos excepcionais (Lei n. 8.900 de 1994), há o prolongamento do prazo para sete parcelas (NETO; ZYLBERSTAJN, 1999).

Durante a década de 1990, a cobertura de pagamento do seguro-desemprego à população economicamente ativa passou de 4,9% para 6,1% de beneficiários, entre 1990 e 1998. Neste último ano, cerca de 4,4 milhões de trabalhadores receberam o benefício, representando aproximadamente 70% daqueles dispensados do setor formal sem justa causa, em comparação a 39,3% de cobertura em 1990 (CHAHAD, 2000; NETO; ZYLBERSTAJN, 1999). As razões para o crescimento da cobertura do seguro-desemprego neste período foram: incremento do desemprego; maior permissividade dos critérios para o recebimento do benefício; aumento do número de parcelas do seguro-desemprego, pagas em momentos de crise; e elevação do valor do salário mínimo (CHAHAD, 2000).

Entre 2000 e 2009, o número de beneficiários aumentou 70% no país,1 1 Em 1992, foram incluídos os pescadores artesanais impedidos de trabalhar por causa da decretação de defeso, em 2001, as empregadas domésticas (desde que o empregador também recolhesse o FGTS) e, em 2003, os trabalhadores libertados em condição análoga à de escravo (CARDOSO JR. et al., 2006). passando de 453.944 mil, em março de 2000, para 780.125 mil, em março de 2009. Apesar de ter havido aumento expressivo no número de beneficiários no Norte, as Regiões Sul e Sudeste ainda são as que concentram a maior parte deste público. Em 2008, estas duas regiões respondiam por cerca de 70% dos beneficiários do seguro-desemprego, sendo aproximadamente 50% no Sudeste (MARINHO; BALESTRO; WALTER, 2010).

Além do aumento periódico do número de beneficiários do seguro-desemprego, o valor médio real do benefício cresceu desde 2004 (AMORIM; GONZALEZ, 2009). A principal causa seria a política de valorização do salário mínimo, reforçada em 2007, quando foi acordado que o aumento do salário teria caráter permanente até 2023. Como consequência, houve elevação no valor médio real do benefício do seguro-desemprego, passando de R$ 361,40, em 2004, para R$ 599,85, em 2009 (DIEESE, 2011).

Neste contexto, é importante averiguar as tendências de aumento de cobertura do seguro-desemprego e de formalidade no mercado de trabalho brasileiro. Ainda que o sistema de proteção social tenha passado por diversas mudanças e ampliado seu alcance, em especial após a Constituição de 1988, o fenômeno da informalidade do trabalho ainda se apresenta enquanto desafio à economia do país (ULYSSEA, 2005; RAMOS, 2002). A informalidade é um problema estrutural do mercado de trabalho brasileiro e não um aspecto cíclico. A partir de 1990, observou-se elevação significativa no grau de informalidade no Brasil, como consequência do aumento do número de trabalhadores por conta própria e daqueles sem carteira de trabalho assinada. Entre 2000 e 2009, ocorreu queda contínua dos índices de informalidade, acompanhada de significativo crescimento econômico. Mello e Santos (2009) sugerem que essa redução da informalidade estaria relacionada não apenas com a mudança na composição da mão de obra ocupada, mas principalmente com a melhoria na distribuição educacional.

O Gráfico 1 mostra que a cobertura do seguro-desemprego, que se manteve constante de 1992 a 2004, aumentou de 62% para 81%, entre 2004 e 2009. Ao mesmo tempo, houve queda expressiva da informalidade a partir de 2001. Com base nestas tendências, poderia ser levantada a hipótese de que o seguro-desemprego teria um impacto expressivo na redução da informalidade. Porém, é preciso analisar os possíveis efeitos dos programas de proteção ao trabalhador sobre o mercado de trabalho. Há indícios de que tais programas podem causar incentivos adversos (BARROS et al., 2000), como será visto a seguir.


Efeitos dos programas de proteção ao trabalhador sobre o mercado de trabalho

O crescimento de programas de proteção ao trabalhador no Brasil motivou o debate acerca de seus efeitos perversos sobre o mercado de trabalho (BARROS et al., 2000; ULYSSEA, 2005; GONZALEZ et al., 2009). Foram verificadas relações entre a rigidez contratual, a legislação trabalhista e as elevadas taxas de informalidade no mercado de trabalho (BARROS, 1993; ULYSSEA, 2005). Programas como Abono Salarial, Seguro-Desemprego e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além do aviso prévio, podem estar induzindo ao alto grau de informalidade e rotatividade do trabalho. A questão central é que tais políticas podem funcionar como incentivos para que o trabalhador induza sua demissão, já que esta é uma das condições para o recebimento do benefício (BARROS et al., 2000). Em linhas gerais, pode-se dizer que a legislação acaba criando situações favoráveis à demissão, ao aumento da rotatividade e à informalidade do trabalho.

O seguro-desemprego é um benefício para trabalhadores demitidos sem justa causa e não envolve custos ao empregador. A política de seguro-desemprego foi pensada para possibilitar que o trabalhador desempregado fosse mais seletivo na procura por emprego, uma vez que ampliaria o tempo de busca, o que poderia contribuir para melhorar a qualidade do novo trabalho. Na prática, o trabalhador deixa de receber o benefício no momento em que se insere no segmento formal da economia. Há então um incentivo para que trabalhadores e empregadores estabeleçam relações informais de trabalho durante o período de recebimento do benefício (BARROS et al., 2000). Devido à falta de fiscalização, existe a negociação pela demissão, de modo que o trabalhador receba o benefício do seguro-desemprego, ao mesmo tempo em que trabalha na informalidade (GONZALEZ et al., 2009), ampliando, dessa forma, a informalidade durante o período de recebimento do benefício. De modo geral, os programas de proteção ao trabalhador apresentam efeitos de curto prazo na perda de emprego formal, mas não impedem o aumento da informalidade no longo prazo (NERI, 2007).

Estas análises sobre os efeitos do seguro-desemprego sobre o mercado de trabalho, durante o recebimento do benefício, são importantes para se pensar a criação de mecanismos de fiscalização pelo poder público. Como o seguro-desemprego pode favorecer a informalidade durante o período de elegibilidade do trabalhador, presume-se que um aumento no valor real do benefício acentuaria este efeito, já que incentivaria as negociações informais entre trabalhadores e empregadores. Em 2011, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) anunciou mudanças no formato do programa, entre elas a exigência da passagem do trabalhador por órgãos públicos, como o Sistema Nacional de Empregos (Sine), além de matrícula em cursos de qualificação (MTE, 2011). Desse modo, o trabalhador terá acesso ao benefício do seguro-desemprego somente se não conseguir uma recolocação, o que visa combater as fraudes que incentivam a informalidade.

Além da análise dos efeitos do seguro-desemprego sobre a informalidade, durante o recebimento do benefício, é importante explorar seus efeitos após o término desse período. No presente trabalho, procuramos investigar se o efeito negativo sobre a formalidade permaneceria mesmo após o fim do recebimento do seguro-desemprego. A hipótese que se levanta é de que, com o término das parcelas recebidas, o trabalhador permanecerá em uma ocupação informal (AMORIM; GONZALEZ, 2009). Mais especificamente, o que se quer medir é se o recebimento do seguro-desemprego, após a demissão de um trabalho anterior, diminui a chance de o indivíduo estar no mercado de trabalho formal, em um momento posterior ao recebimento do benefício. Além disso, como a origem do seguro-desemprego baseou-se em um contexto de pleno emprego que não é o caso brasileiro (RAMOS, 2003), há a hipótese de que este efeito negativo do benefício sobre a formalidade continue ocorrendo ao longo dos anos, mesmo com aumentos expressivos de seu valor real e cobertura. Para testar essas hipóteses centrais, é proposta a estimação de modelos econométricos, conforme explicitado na próxima seção.

Dados e metodologia

As bases de dados utilizadas na presente análise são originárias das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) de 1999 a 2009, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por ter sido um ano censitário, não foi realizada tal pesquisa em 2000. Esse período de dez anos foi escolhido para análise, considerando o aumento real do valor médio do seguro-desemprego, a partir de 2004. Assim, é possível analisar o efeito deste benefício sobre a formalidade no mercado de trabalho, após o término do seu recebimento, antes e depois do período inicial de valorização do seguro-desemprego e do salário mínimo. A amostra é constituída de 31.377 observações e distribuída entre 1999 e 2009. O banco inclui indivíduos em idade ativa (entre 15 e 64 anos) que saíram de um emprego no período de até 358 dias antes da realização da entrevista e que não tinham renda proveniente de benefícios, na semana de referência. Esta última condição visa não considerar indivíduos que possam estar recebendo o seguro-desemprego na semana de referência, já que o objetivo é captar o efeito deste benefício sobre a condição de trabalho posterior ao seu recebimento. Entretanto, devido à limitação dos dados disponíveis nas PNADs, há a possibilidade de que indivíduos que estavam recebendo o seguro-desemprego no momento da entrevista façam parte dos dados de nossa análise, o que pode sobrestimar o resultado encontrado.

A fim de avaliar o efeito da política de seguro-desemprego sobre o mercado de trabalho, foram estimados modelos de regressão logística. A variável dependente indica se o entrevistado possuía trabalho principal formal na semana de referência. Esta variável foi construída com informações acerca da posição na ocupação no trabalho principal, bem como sobre contribuição para instituto de previdência. Desse modo, a variável dependente considera trabalhos formais aquelas ocupações com carteira de trabalho assinada, militares, funcionários públicos estatutários, assim como as demais ocupações (conta própria, empregador, trabalhador na produção para o próprio consumo e trabalhador na construção para o próprio uso) se os indivíduos são contribuintes para institutos de previdência.

Variáveis independentes controlam os efeitos de sexo e raça sobre a formalidade no trabalho principal. Como decorrência de sua inserção no mercado de trabalho há mais tempo, levanta-se a hipótese de que os homens têm mais chance de possuírem trabalho formal, em relação às mulheres. Também por questões históricas, os brancos teriam maiores probabilidades de estarem na formalidade, em comparação aos negros (pretos e pardos em conjunto). Os efeitos de idade e escolaridade também são incluídos como variáveis independentes. Com uma maior experiência no mercado de trabalho (tomando idade como proxy) e mais anos de estudo, há a hipótese de que o indivíduo teria mais chance de ter um emprego formal. Também é utilizada informação sobre situação censitária da residência (urbana ou rural), sob a hipótese de que moradores de áreas urbanas possuem maior chance de estarem em um trabalho formal do que residentes de áreas rurais. Além disso, são incluídas variáveis dicotômicas para cada ano da pesquisa (1999 a 2009) e para a região de residência do entrevistado (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste).

Os modelos contêm ainda uma variável de avaliação da política de seguro-desemprego, assim como uma série de variáveis que permitem analisar a tendência de impacto desta política pública sobre a formalidade no trabalho principal, no decorrer do tempo. Tais variáveis consistem em termos interativos entre os anos de realização da pesquisa e a variável de recebimento do benefício de seguro-desemprego.

Os indicadores de região geográfica são apresentados como R1 a R5, tendo o Nordeste (R1) como referência. Informação de idade foi categorizada em quatro grupos (15 a 24, 25 a 34, 35 a 49 e 50 a 64 anos) e de escolaridade também em quatro grupos (0 a 4, 5 a 8, 9 a 11 e 12 ou mais anos de estudo), originando 16 grupos de idade-escolaridade (G11 a G44), sendo que o primeiro foi tomado como referência. Há ainda um vetor com identificação de ano da pesquisa (θt,), sendo que 1999 é a referência. As demais categorias de referência são áreas rurais, homens, negros e não beneficiários de seguro-desemprego. A análise estatística inferencial foi realizada com base na seguinte equação:

Pr(Y=1|B) = P

log[P/(1-P)] = β0 + (β1 R2 + ... + β4 R5 ) + β5 (situação censitária) + β6 (sexo) + β7 (raça) + (β8 G12 + ...+ β22 G44 ) + β23 (seguro-desemprego) + (β24-32 seguro-desemprego*θt ) + θt + εi

Os dados da PNAD utilizados neste artigo são aqueles provenientes da reponderação de 2008. Mais especificamente, o IBGE elaborou os resultados da PNAD de 2008, utilizando como variável independente para expansão da amostra os dados da revisão da projeção da população brasileira do mesmo ano. Para permitir a comparabilidade com os anos anteriores, o IBGE recalculou os pesos para as PNADs de 2001 a 2007.

As tabelas com estatísticas descritivas e com modelos de regressão, apresentadas neste artigo, levaram em consideração a estrutura do plano amostral da PNAD (SILVA; PESSOA; LILA, 2002). Foram consideradas a variável de estrato de município autorrepresentativo e não autorrepresentativo (v4617) e a variável de unidade primária de amostragem (v4618), que estão disponíveis no banco de domicílios. Tais informações foram agregadas ao banco de pessoas, o qual possui o peso da pessoa (v4729). Alguns estratos têm somente uma unidade primária de amostragem. O programa computacional STATA apresenta diferentes métodos para lidar com este tipo de problema. Foi utilizado o método que especifica a média de tal tipo de estrato como sendo a média geral, em vez da média do próprio estrato. Este conjunto de informações foi utilizado para considerar o plano amostral complexo da PNAD no programa computacional STATA.2 2 O comando utilizado no programa computacional STATA para levar em conta o plano amostral complexo da PNAD nos modelos de regressão foi: svyset [pweight=v4729], strata(v4617) psu(v4618) singleunit(centered).

Resultados

A distribuição dos indivíduos por categorias de cada variável utilizada neste estudo é ilustrada pela Tabela 1. No que se refere às regiões do país, observa-se que, em todos os anos analisados, o Sudeste representa a maioria da amostra, sendo a menor porcentagem observada em 1999 (48,4%) e a maior em 2007 (54,8%). Em seguida, aparecem Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Norte, mantendo-se este padrão ao longo dos anos. A situação censitária de maior predominância, em todos os anos, foi a urbana, crescendo de 88,5% (1999) a 92,2% (2009). Em relação ao sexo, há predominância de homens em todos os anos, com redução de 70,5%, em 1999, para 65,1%, em 2009. Também se verifica maior percentual de indivíduos brancos em relação aos negros, com exceção de 2009.

Nesta análise foram selecionados os indivíduos de 15 a 64 anos, representando a população em idade ativa. Há uma estabilidade na distribuição da população por grupos etários, ao longo dos anos. Em 2009, a maior parte dos indivíduos tinha entre 25 e 34 anos (37,6%). Aqueles com idade entre 15 e 24 anos representam cerca de um terço das informações, seguidos pelos de 35 a 49 anos (27,1%) e de 50 a 64 anos (6,2%).

Quanto à escolaridade, o percentual de indivíduos analfabetos ou com até quatro anos de estudo diminuiu de 31,4%, em 1999, para 15,8%, em 2009. Também se verificou redução na proporção de indivíduos com 5 a 8 anos de estudo: de 30,6% para 23,0%, no mesmo período. O oposto ocorreu nas demais categorias de escolaridade: entre 1999 e 2009, a participação de indivíduos com 9 a 11 anos de estudo aumentou de 28,9% para 45,9%; e a daqueles com 12 anos ou mais de estudo cresceu de 9,2% para 15,3%. No que se refere à distribuição dos indivíduos nos grupos de idade e escolaridade (dados não exibidos), houve diminuição do percentual daqueles com baixa escolaridade (0 a 4 anos de estudo) e aumento do daqueles no ensino médio (9 a 11 anos) ou superior (12 anos ou mais), em todos os grupos de idade. Em suma, há evidência de melhoria da escolaridade da população no decorrer do tempo.

Quanto ao recebimento do seguro-desemprego, após sair do último emprego, observa-se estabilidade no período analisado. Em todos os anos, cerca de metade dos indivíduos recebeu o benefício. Já no que diz respeito à formalidade no trabalho principal, verifica-se um aumento ao longo dos anos: em 1999, 64,0% dos indivíduos possuíam trabalho formal, passando para 73,9%, em 2009.

Os dados sobre formalidade do trabalho principal, segundo variáveis de interesse, entre 1999 e 2009, são apresentados na Tabela 2. Os percentuais de formalidade, nas regiões do país, variavam de 50,4%, no Nordeste, a 69,0%, no Sul, em 1999, e de 64,7%, no Nordeste, a 76,5%, no Sudeste, em 2009. Indivíduos residentes em áreas urbanas apresentavam maior percentual de formalidade no trabalho principal, quando comparados aos moradores em área rural, em todos os anos. Em 1999, áreas urbanas apresentavam 65,6% de formalidade no trabalho, enquanto as rurais contavam com 51,7%. Em 2009, estes percentuais alcançaram 74,6% e 65,8%, respectivamente.

Os percentuais de formalidade no trabalho são semelhantes para mulheres e homens e apresentam aumento ao longo da série temporal, passando, respectivamente, de 67,1% para 75,0% e de 62,7% para 73,3%, entre 1999 e 2009. A análise da formalidade no trabalho por cor ou raça dos indivíduos indica que este percentual é maior entre os brancos em todos os anos, bem como é crescente durante o período: 66,8% entre os brancos e 59,9% entre os negros, em 1999; e 75,7% e 72,2%, respectivamente, em 2009.

A formalidade no trabalho principal, segundo grupos etários, em geral é maior entre as pessoas de 15 a 24 anos de idade. Neste grupo, a proporção aumentou de 68,0%, em 1999, para 75,8%, em 2009. Esta tendência de aumento é observada em todos os grupos de idade. A formalidade no trabalho tende a diminuir à medida que aumenta a idade do indivíduo. Os menores percentuais foram observados entre as pessoas de 50 a 64 anos.

Quando analisada a formalidade no trabalho principal, segundo grupos de escolaridade, observa-se que os maiores valores estão entre as pessoas com 12 ou mais anos de estudo: 76,4%, contra 57,6% para indivíduos com zero a quatro anos de estudo, em 1999; e 83,0% e 62,1%, respectivamente, em 2009.

Ao se considerar a informação sobre o recebimento ou não do seguro-desemprego quando as pessoas são demitidas do último trabalho, verifica-se, para todos os anos, que os percentuais de formalidade no trabalho principal atual são maiores entre aqueles que não receberam o benefício, passando de 69,8%, em 1999, para 79,6%, em 2009. Entre os indivíduos que receberam o seguro-desemprego, o percentual de formalidade aumentou de 58,5% para 68,2%, no mesmo período.

Após a análise das estatísticas descritivas, foram estimados modelos de regressão logística, com o objetivo de verificar os fatores que influenciaram a formalidade no mercado de trabalho nos últimos anos. Os modelos foram construídos de forma progressiva, com a inclusão de diferentes variáveis de um modelo para outro. Os resultados das regressões estão organizados na Tabela 3, que apresenta as razões de chances, significâncias estatísticas e exponenciais dos erros-padrão dos coeficientes dos três modelos estimados. O primeiro modelo inclui as seguintes variáveis independentes: ano, região geográfica, situação censitária, sexo, raça e grupos de idade e escolaridade. O segundo modelo adiciona a variável sobre recebimento do benefício do seguro-desemprego. O último modelo acrescenta termos interativos, que visam captar a tendência de impacto da política de seguro-desemprego sobre a posse de carteira de trabalho, ao longo dos anos analisados.

Quanto aos indicadores de ano da pesquisa no modelo 1, verifica-se que somente 2002 não possui significância estatística de no mínimo 90%. Em comparação com 1999 e mantendo as demais variáveis constantes, todos os anos possuem maiores chances de ter indivíduos com trabalho formal. Tais resultados corroboram as análises de outros estudos que apontam uma queda significativa dos índices de informalidade na última década (IPEADATA, 2011). A formalidade pode ter sido favorecida pelo crescimento econômico nacional, pela mudança na composição da mão de obra ocupada e pela melhoria na distribuição educacional (MELLO; SANTOS, 2009).

As razões de chances de ter um trabalho formal por região geográfica do país indicam maiores valores para Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Norte, quando comparados ao Nordeste, mantendo as demais variáveis constantes. Todos estes coeficientes apresentaram significância estatística de no mínimo 99%. O modelo 1 indica que moradores de áreas urbanas apresentam maiores chances de ter um trabalho formal, em relação aos moradores de áreas rurais, com significância estatística. As mulheres possuem menos chance de se encontrarem em trabalho formal do que os homens, mantendo as demais variáveis constantes. Os brancos apresentam chance um pouco superior aos negros de estarem em trabalho formal, mas sem significância estatística.

Ainda no modelo 1, foram adicionadas variáveis binárias de grupos de idade e escolaridade, tomando os indivíduos de 15 a 24 anos e 0 a 4 anos de estudo como categoria de referência. De forma geral, levando-se em conta cada grupo etário, a chance de estar no mercado de trabalho formal aumenta com a escolaridade. Considerando-se os grupos de 0-4, 5-8 e 12 anos ou mais de escolaridade, a chance de estar na formalidade aumenta entre os grupos etários de 15-24 a 25-34 anos e, em seguida, diminui nos demais grupos etários. Entre aqueles de 9 a 11 anos de escolaridade, a chance de estar em trabalho formal diminui com a idade.

O modelo 2 apresenta todas as variáveis do modelo anterior, além da inclusão da variável que indica o recebimento do benefício do seguro-desemprego. Os efeitos dos coeficientes e sua significância estatística permanecem os mesmos para as variáveis independentes incluídas anteriormente (ano, região, situação censitária, sexo, raça, idade e escolaridade). Apenas a magnitude destes coeficientes é alterada, mas não há alteração dos padrões verificados anteriormente. A variável da política de seguro-desemprego indica que o recebimento deste benefício, após sair do trabalho anterior, diminui em 45% a chance de o indivíduo estar na formalidade no trabalho principal da semana de referência. Esse resultado corrobora a hipótese de que, após o término do recebimento das parcelas do benefício e do período que permaneceu sem renda de trabalho, o trabalhador tende a procurar uma ocupação informal (AMORIM; GONZALEZ, 2009).

Em seguida, foi estimado o modelo 3, que inclui a variável de recebimento do benefício do seguro-desemprego, assim como termos interativos desta variável com os anos das pesquisas. O intuito é captar a tendência de impacto deste benefício sobre a formalidade do trabalho, no decorrer do tempo. Em relação aos modelos 1 e 2, não há mudança significativa na magnitude dos coeficientes das demais variáveis independentes. O coeficiente da variável de seguro-desemprego sofre pequena variação, indicando que o recebimento deste benefício diminui em aproximadamente 42% a chance de o indivíduo estar no mercado formal de trabalho. Os termos interativos entre ano e seguro-desemprego não apresentaram significância estatística, além de possuírem razões de chance próximas de uma unidade. O teste de qui-quadrado da razão de verossimilhança entre o modelos 2 e 3 não foi estatisticamente significativo, indicando que os termos interativos inseridos no último modelo não possuem impacto significativo em conjunto, o que corrobora os resultados do modelo 2. Estas estimativas confirmam a hipótese de que o seguro-desemprego continua com efeitos negativos sobre a formalidade no mercado de trabalho, mesmo com aumento de cobertura verificado a partir de 2004. Esta limitação do seguro-desemprego pode ser decorrência do fato de esta política não ter sido originalmente criada para um contexto econômico com altos índices de desemprego e informalidade, como é o caso do Brasil (RAMOS, 2003).

Como forma de verificar se os efeitos das diversas variáveis independentes sobre a formalidade no trabalho principal variaram entre 1999 e 2009, foram estimados modelos de regressão para cada ano (Tabelas 4 e 5). Em vez de incluir vários termos interativos entre os anos das pesquisas e as variáveis independentes, os modelos estimados separadamente ilustram de forma direta e parcimoniosa o impacto de região de residência, situação censitária, sexo, raça, grupos de idade-escolaridade e recebimento do seguro-desemprego sobre a formalidade no trabalho principal, em cada ano. Os resultados encontrados corroboram as estimativas anteriores para todas as variáveis independentes. Além disto, o efeito negativo do seguro-desemprego sobre a formalidade do trabalho não se altera ao longo dos anos, sendo de 39,8% em 1999 e de 44,7% em 2009, com um pico de 52,7% em 2004.

Considerações finais

Apesar de exercer efeito positivo sobre a renda do indivíduo beneficiado, a política de seguro-desemprego possui limitações. O recebimento deste benefício, após a dispensa de um trabalho anterior, apresenta efeito negativo de 42% e estatisticamente significante sobre a formalidade no trabalho principal atual. Há indícios para confirmar a hipótese de que, após o término do recebimento do seguro-desemprego, o trabalhador se direciona a uma ocupação informal (AMORIM; GONZALEZ, 2009). Como visto anteriormente, o seguro--desemprego não impede que o indivíduo recorra ao mercado informal durante o período de recebimento do benefício, como forma de complementar sua renda. Os resultados da presente análise sugerem que estes indivíduos continuam na informalidade, mesmo após o recebimento do seguro-desemprego.

Estimou-se ainda que o efeito do seguro-desemprego sobre a formalidade independe de aumentos de cobertura e de valores reais do benefício, o que pode ser uma consequência do fato de que esta política não considera as peculiaridades do mercado de trabalho brasileiro (RAMOS, 2003). Há a possibilidade de que o aumento do valor do benefício possa representar um incentivo às fraudes durante o período de recebimento (BARROS et al., 2000; GONZALEZ et al., 2009; NERI, 2007). Os resultados de nosso estudo procuram referir-se ao efeito do seguro-desemprego sobre a formalidade no trabalho principal no momento posterior ao recebimento do benefício, o qual não apresentou mudanças no período de 1999 a 2009.

É importante ressaltar as limitações que este estudo apresenta. Os dados da PNAD não mostram se o indivíduo estava recebendo o seguro-desemprego no momento da entrevista. Foi realizada uma tentativa de eliminar estes indivíduos, considerando-se apenas aqueles que declararam não possuir renda proveniente de quaisquer benefícios. Entretanto, é possível que indivíduos que estivessem recebendo o seguro-desemprego, no momento da entrevista, estejam incluídos na amostra, o que pode estar sobrestimando o efeito negativo deste benefício sobre a formalidade do trabalho.

Considera-se que as evidências encontradas neste estudo têm relevância e devem ser testadas em análises posteriores, com a utilização de informações mais detalhadas sobre as características de trabalho dos indivíduos. Se fosse disponibilizada a informação sobre recebimento do seguro-desemprego no momento da entrevista, ou mesmo o valor deste benefício naquele instante, haveria a estimação de efeitos mais robustos do seguro- -desemprego sobre a formalidade no trabalho principal, por parte de modelos econométricos. Outra forma de melhor entender o efeito do seguro-desemprego sobre a formalidade no trabalho principal conseguido após o término do benefício seria utilizar informações sobre trabalho anterior e posterior ao recebimento do benefício. Desse modo, seria possível verificar se há um perfil diferenciado entre os trabalhadores que recebem ou não recebem o seguro. É possível ainda investigar os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para melhor averiguar os efeitos do seguro-desemprego sobre os trabalhadores, sabendo-se que estes dados se restringem ao mercado de trabalho formal.

A despeito das limitações encontradas neste trabalho, é possível pensar em possibilidades de adaptar o seguro-desemprego para a especificidade do mercado de trabalho brasileiro. Seria primordial realizar a integração de programas sociais direcionados à proteção do desempregado (CHAHAD, 2000). Políticas de recolocação da mão de obra e de formação de recursos humanos deveriam fazer parte do programa de seguro-desemprego, levando em conta o perfil do trabalhador. Estas ações teriam como consequência um mercado de trabalho mais estruturado, o que aumentaria as possibilidades de impactos positivos desta política de emprego. Seria ainda importante pensar na possibilidade de implementar políticas públicas para a oferta direta de emprego, bem como para disponibilizar benefícios aos trabalhadores do mercado informal.

Considera-se que os resultados obtidos são de extrema importância para análise da política de seguro-desemprego no contexto do mercado de trabalho brasileiro. Entretanto, faz-se necessária uma avaliação mais ampliada do Programa de Seguro-Desemprego brasileiro, que considere não apenas a transferência monetária, mas também outras medidas de inserção no mercado de trabalho. É preciso analisar, além da cobertura, a articulação com outras medidas de inclusão, tendo em vista a maior eficácia na busca por emprego (MORETTO, 2007). É importante que trabalhos futuros considerem se o indivíduo, além do benefício monetário, contou com alguma forma de profissionalização, qualificação ou encaminhamento para postos de trabalho. Assim, seria possível avaliar se ações diversas e articuladas do programa apresentam resultados mais eficientes na inserção do trabalhador no mercado formal.

Recebido para publicação em 11/05/2011

Aceito para publicação em 20/09/2011

  • AMORIM, B.; GONZALEZ, R. O seguro-desemprego como resposta à crise no emprego: alcance e limites. Boletim Mercado de Trabalho, Ipea, n. 40, Nota Técnica, p. 43-49, 2009.
  • BARROS, R. P. The informal labor market in Brazil. 1993. Mimeografado.
  • BARROS, R. P.; CORSEUIL, C. H.; FOGUEL, M. Os incentivos adversos e a focalização dos programas de proteção ao trabalhador no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, Ipea, n. 22, 2000.
  • BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. MTE mantém planejamento para a fiscalização do seguro-desemprego. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/portal-mte/includes/include/mte-mantem-planejamento-para-a-fiscalizacao-do-seguro-desemprego.htm>. Acesso em: 01 ago. 2011.
  • BRASIL. Presidência da República. Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990.
  • ______. Lei nº 8.900, de 30 de junho de 1994.
  • CARDOSO JR., J. C.; GONZALEZ, R.; STIVALI, M.; AMORIM, B.; VAZ, F. Políticas de emprego, trabalho e renda no Brasil: desafios à montagem de um sistema público, integrado e participativo. Ipea, 2006 (Texto para discussão, n. 1237).
  • CHAHAD, J. O seguro-desemprego no contexto do sistema público de emprego e o seu papel no combate à pobreza no caso brasileiro. In: HENRIQUES, R. (Org.). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, 2000, p. 561-588.
  • DIEESE. Política de valorização do salário mínimo: considerações sobre o valor a vigorar a partir de 1ş de janeiro de 2011. DIEESE 50 Anos. São Paulo, Nota técnica 93, 2011, p. 1-11.
  • ______. O Programa do Seguro-desemprego: desafios para um permanente aperfeiçoamento. DIEESE 50 Anos. São Paulo, Nota técnica 95, 2011, p. 1-18. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/assinante/download.do?arquivo=notatecnica/notaTec95seguroDesemprego.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2011.
  • GONZALEZ, R.; GALIZA, M.; AMORIM, B.; VAZ, F.; PARREIRAS, L. Regulação das relações de trabalho no Brasil: o marco constitucional e a dinâmica pós-constituinte. Políticas sociais - acompanhamento e análise - vinte anos da Constituição Federal, Brasília, Ipea, edição especial, n. 17, v. 2, 2009.
  • IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 23 abr. 2011.
    » link
  • MARINHO, D.; BALESTRO, M.; WALTER, M. (Orgs.). Políticas públicas de emprego no Brasil: avaliação externa do Programa Seguro-Desemprego. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, Universidade de Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/seg_desemp/avaliacao_externa_sd.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2011.
  • MELLO, R. F.; SANTOS, D. D. Aceleração educacional e a queda recente da informalidade. Boletim Mercado de Trabalho, Ipea, n. 39, p. 27-34, 2009.
  • MORETTO, A. J. O sistema público de emprego no Brasil: uma construção inacabada. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, 2007.
  • NERI, M. Informalidade. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, F. (Orgs.). Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.
  • NETO, G.; ZYLBERSTAJN, H. O seguro-desemprego e o perfil dos segurados no Brasil: 1986-1998. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA. Anais... Belém: Anpec, v. 3, 1999, p. 1903-1922.
  • RAMOS, C. Políticas de geração de emprego e renda: justificativas teóricas, contexto histórico e experiência brasileira. Brasília: Universidade de Brasília, 2003 (Texto para discussão n. 277).
  • RAMOS, L. A evolução da informalidade no Brasil metropolitano: 1991-2001. Ipea, 2002 (Texto para discussão n. 914).
  • SILVA, P. L. N.; PESSOA, D. G. C.; LILA, M. F. Análise estatística de dados da PNAD: incorporando a estrutura do plano amostral. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n. 4, p. 659-670, 2002.
  • ULYSSEA, G. Informalidade no mercado de trabalho brasileiro: uma resenha da literatura. Ipea, 2005 (Texto para discussão n. 1070).
  • *
    Esta pesquisa recebeu auxílio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC), pelo Programa Cátedras Ipea/Capes para o Desenvolvimento (001/2010). Versão preliminar deste trabalho foi apresentada no XV Congresso Brasileiro de Sociologia, ocorrido de 26 a 29 de julho de 2011 em Curitiba, sob auxílio financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
  • 1
    Em 1992, foram incluídos os pescadores artesanais impedidos de trabalhar por causa da decretação de defeso, em 2001, as empregadas domésticas (desde que o empregador também recolhesse o FGTS) e, em 2003, os trabalhadores libertados em condição análoga à de escravo (CARDOSO JR. et al., 2006).
  • 2
    O comando utilizado no programa computacional STATA para levar em conta o plano amostral complexo da PNAD nos modelos de regressão foi: svyset [pweight=v4729], strata(v4617) psu(v4618) singleunit(centered).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      11 Maio 2011
    • Aceito
      20 Set 2011
    Associação Brasileira de Estudos Populacionais Rua André Cavalcanti, 106, sala 502., CEP 20231-050, Fone: 55 31 3409 7166 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editor@rebep.org.br