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“Se te agarro com outro, te mato! Te mando algumas flores e depois escapo”: cenários da violência contra a mulher na Região Metropolitana do Rio de Janeiro* * O trabalho, que procura dialogar com as tensões entre o campo das políticas públicas e o do direito, traz resultados parciais de projeto de pesquisa intitulado “A condição feminina: a violência de gênero na perspectiva territorial do Estado do Rio de Janeiro”, o qual conta com bolsas de pesquisa e iniciação científica por intermédio do CNPq e Faperj. Agradecemos aos comentários e sugestões das(os) pareceristas.

“If I find you with someone else, I’ll kill you! I’ll send you some flowers and then I’ll escape”: Scenarios of violence against women in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro

«Si te agarro con otro te mato. Te mando algunas flores y después me escapo»: Escenarios de la violencia contra la mujer en la Región Metropolitana e Río de Janeiro

Resumo

O objetivo deste trabalho é, a partir de uma caracterização da violência contra a mulher na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), proceder ao confronto teórico-empírico referente ao tema, considerando a leitura local. Dessa forma, foi cotejada a literatura que consolidasse a pertinência de políticas e leis no tocante à violência, ao passo que se ponderou acerca de estudos de viés quantitativos em seus alcances. Em termos metodológicos, o estudo restringiu-se espacialmente à tabulação dos bancos de dados de violência contra a mulher na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), que foram analisados a partir da literatura sopesada para sustentar ou refutar axiomas indicados sobre violência. Entre os resultados encontrados na RMRJ, alguns ratificam estudos: a violência contra a mulher envolve um agressor de conhecimento da vítima e é praticada em ambiente doméstico ou familiar. Ao mesmo tempo, alguns resultados põem em dúvida certos axiomas, a exemplo de a violência física ser explicitamente preponderante, ou que a violência sexual seja praticada em local não residencial. Outros resultados indicam novos elementos: o tipo da violência se altera de acordo com a idade e escolaridade da vítima, em especial marcadores que fragilizem a mulher. Como limites, destaca-se a necessidade de estudos estratificados que observem as particularidades territoriais.

Palavras-chave:
Violência contra a mulher; Políticas públicas; Região Metropolitana do Rio de Janeiro; Gênero; Violência

Abstract

The objective of this work is to carry out, from a characterization of violence against women in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro (RMRJ), a theoretical-empirical confrontation regarding the issue, considering the local analysis. In this way, we collate literature that consolidates the pertinence of policies and laws regarding violence, while considering studies of quantitative bias in their scope. In methodological terms, we restricted ourselves spatially when tabulating the databases of violence against women in the RMRJ and analyzed them from the weighted literature to support or refute indicated axioms about violence. Among the results found in the RMRJ are some which confirm studies: violence against women involves an aggressor who is aware of the victim and violence is practiced in a domestic or family environment. At the same time, some results call certain axioms into question, such as that physical violence is explicitly predominant, or that sexual violence is practiced in non-residential locations. Other results indicate new elements: that the type of violence changes according to the victim’s age and education, markers that make women particularly weaker. With regard to limitations, we highlight the need for stratified studies that observe territorial particularities.

Keywords:
Violence against women; Public policy; Metropolitan Region of Rio de Janeiro; Genre; Violence

Resumen

El objetivo de este trabajo es, a partir de una caracterización de la violencia contra las mujeres en la Región Metropolitana de Río de Janeiro (RMRJ), contrastar desde lo teórico-empírico el tema, considerando la lectura local. De esta manera, recopilamos literatura que consolida la pertinencia de políticas y leyes en materia de violencia, mientras reflexionamos sobre estudios de sesgo cuantitativo en su alcance. En términos metodológicos, nos restringimos espacialmente al tabular las bases de datos de violencia contra las mujeres en la RMRJ y las analizamos a partir de la literatura ponderada para apoyar o refutar los axiomas indicados sobre la violencia. Entre los resultados encontrados en la RMRJ, algunos estudios confirman que la violencia contra la mujer involucra a un agresor que conoce a la víctima y que la violencia se practica en el ámbito doméstico o familiar. Al mismo tiempo, algunos resultados cuestionan ciertos axiomas, como que la violencia física predomina explícitamente o que la violencia sexual se practica en un lugar no residencial. Otros resultados indican nuevos elementos: que el tipo de violencia cambia según la edad y educación de la víctima, y que en particular, son marcadores que debilitan a las mujeres. Como límites, destacamos la necesidad de estudios estratificados que observen particularidades territoriales.

Palabras clave:
Violencia contra la mujer; Políticas públicas; Región Metropolitana de Río de Janeiro; Género; Violencia

Introdução

O presente trabalho desenvolve estudo analítico e descritivo quanto aos contornos da violência contra a mulher na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), no período de 2014 a 2019, a partir de oito variáveis que delimitam a vítima, o agressor e a violência. Foi realizada tabulação a fim de ponderar o movimento da violência tanto em contexto geral da RMRJ, como em termos dos municípios. Em linhas gerais, o movimento da violência na RMRJ é multifacetado e complexo, a depender de quais variáveis estejam em jogo.

Metodologicamente, partiu-se de bancos de dados obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1 1 Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=2R&uf=33. Acesso em: 29 out. 2021. e ao Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP).2 2 Disponível em: http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/Mulher.html. Acesso em: 29 out. 2021. Enquanto no primeiro se dispõe da razão de gênero via Censo 2010 para delimitar a RMRJ na composição de mulheres, no segundo obtém-se o quantitativo de casos de violência contra a mulher entre 2014 e 2019. Mesmo com certa defasagem, utilizou-se o Censo do IBGE de 2010 para evitar uso de estimativas e ter maior grau de confiabilidade das taxas e médias correspondentes para a razão de gênero. No caso dos dados do ISP, o período 2014-2019 foi atualizado em março de 2020 pelo ISP e optou-se por não incorporar os dados relativos a 2020, tendo em vista que o próprio órgão ainda não os incorporou ao banco de dados - não obstante, considerou-se o Dossiê Mulher 2021 (ISP, 2021), que agrega o período pandêmico, para situar elementos pertinentes.

As variáveis estudadas foram classificadas previamente pelo ISP em seu banco de dados, conforme registro no Boletim de Ocorrência. Foram analisadas as seguintes variáveis em relação à vítima: idade (categorizada nas faixas etárias de 0 a 11, 12 a 17, 18 a 29, 30 a 59 e 60 anos ou mais); cor da pele ou raça (parda, branca, preta, outras); escolaridade (sem instrução, ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo, ensino médio completo, ensino superior completo); e estado civil (casada/vive junto, sem informação, separada, solteira, viúva e sem informação). No que se refere ao agressor, considerou-se, na análise, o vínculo com a vítima (companheiro ou ex, conhecido, pais/padrastos, parente ou nenhuma relação) e, em relação à violência, foram incluídos local da ocorrência (ambiente virtual, estabelecimento comercial, outros locais, residência, via pública), tipo de violência (física, moral, sexual, patrimonial e psicológica) e faixa horária do fato (madrugada - 00h às 05h59, manhã - 06h às 11h59, tarde - 12h às 17h59, noite - 18h às 23h59 e sem informação).

Os dados foram tabulados no Microsoft Excel e no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), para tratamento e análise quali-quanti, e modulados em taxas por 100 mil mulheres, para fins comparativos, tendo em vista que números absolutos de crimes podem causar análises superficiais do aumento/regressão de um crime - dessa forma, para aprofundar, também modularam-se médias das taxas para ordenar leitura agregada dos municípios. Após este processo, foi realizada a estatística descritiva e confrontou-se com a literatura pertinente, no sentido de apontar caminhos para as políticas públicas na RMRJ.

O texto se divide em três seções, além dessa introdução e das considerações finais. Primeiramente, destacam-se pressuposições empíricas e teóricas. Em seguida são delimitados os resultados encontrados e discutidos à luz das pressuposições. Foram observados resultados que se aproximam e se distanciam dos estudos empíricos, todavia, ressalta-se a necessidade de ponderar as características dos municípios, pois determinados contextos estabelecem políticas públicas que se orientam neste processo específico.

Violência contra a mulher: entre a teoria e os dados

A literatura que debate violência contra a mulher é ampla e generalizada, a depender dos vieses que o estudo se orienta ou de suas propostas empíricas. O fato é que a violência constitui produto humano, em sua condição humana de agir no contexto de convenções sociais e conjugada vis-à-vis a justificações morais, sociais, históricas e culturais que permeiam a ação do agressor (GUIMARÃES, 2020GUIMARÃES, M. de N. S. Direitos humanos no cotidiano jurídico: a violência contra a mulher - um estudo comparativo entre as legislações do Brasil e da Argentina. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.). Pensar a violência contra a mulher parte da ideia de violação de direitos humanos (ESPÍNOLA, 2018ESPÍNOLA, C. Dos direitos humanos das mulheres à efetividade da Lei Maria da Penha. Curitiba: Appris, 2018.), como questão pública e política (BRAVO, 2019BRAVO, R. Feminicídio: tipificação, poder e discurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.) e que considere os marcadores sociais em sua delimitação (RODRIGUES, 2016RODRIGUES, M. A. Z. Mulheres, violência e justiça no século XIX. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.).

A violência contra a mulher é uma das formas de violência mais contestadas socialmente, seja em seus dados, seja na conceituação (XAVIER, 2019XAVIER, R. R. Feminicídio: análise jurídica e estudo em consonância com a Lei Maria da Penha. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.). Tal processo de descrédito da vítima é destacado por Campos (2020CAMPOS, C. H. de. Criminologia feminista: teoria feminista e crítica às criminologias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.), Mendes (2017MENDES, S. da R. Criminologia feminista: novos paradigmas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017.), Lima (2013LIMA, P. M. F. Violência contra a mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo: Atlas, 2013.), Eluf (2017ELUF, L. N. A paixão no banco dos réus: casos passionais e feminicídio - de Pontes Visgueiro a Mizael Bispo de Souza. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.), Montenegro (2015MONTENEGRO, M. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica. Rio de Janeiro: Revan, 2015.), Villa (2020VILLA, E. N. do R. M. Circuito do feminicídio: o silêncio murado do assassinato de mulheres. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.), Segato (2021SEGATO, R. Crítica à colonialidade em oito ensaios e uma antropologia por demanda. Tradução de Danú Gontijo e Danielli Jatobá. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.) e Severi (2020). É nesse ponto que Freitas e Pinheiro (2013FREITAS, L.; PINHEIRO, V. Violência de gênero, linguagem e direito: Análise de discurso crítica em processos na Lei Maria da Penha. Jundiaí: Paco Editorial, 2013.) sustentam que a invisibilidade da violência contra a mulher não é apenas social e política, mas também jurídica, no sentido tanto da falta de políticas públicas ou leis penais, como quando da existência de ambas. Nessa seara, Morais (2020MORAIS, C. P. Desigualdade de gênero nos Tribunais Superiores no Brasil: análise da neutralidade judicial sob a ótica da pergunta pela mulher. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.) realiza uma crítica a respeito da ótica de gênero incorporada aos instrumentos que procuram captar a violência documentada em determinadas instâncias de Estado e seus mecanismos de combate. Tal como defende Mendes (2017, 2020), a argumentação “feminista” implica não apenas a adjetivação “feminista”, mas também a real construção de um viés analítico que parta da compreensão das desigualdades estruturantes do objeto que se analisa.

Nesse aspecto, construímos argumentação a partir de um filtro no qual o que se decorre é o acesso, pelas vítimas de violência, às delegacias, por intermédio de registros de ocorrência que pautam os bancos de dados. Assim, este filtro já demonstra uma leitura prévia dos operadores do Direito em suas percepções (PASINATO, 2015PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-428, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1808-2432201518. Acesso em: 20 dez. 2021.
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) acerca da conjuntura em que se transcorre uma violência específica em razão de gênero que rebaixa a mulher (BRAVO, 2019BRAVO, R. Feminicídio: tipificação, poder e discurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.; ELUF, 2017ELUF, L. N. A paixão no banco dos réus: casos passionais e feminicídio - de Pontes Visgueiro a Mizael Bispo de Souza. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.; CAMPOS, 2020CAMPOS, C. H. de. Criminologia feminista: teoria feminista e crítica às criminologias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.), afetando sua dignidade e violando direitos humanos (CABETTE, 2020CABETTE, E. L. S. Crimes contra a dignidade sexual: tópicos relevantes. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2020.; ESPÍNOLA, 2018ESPÍNOLA, C. Dos direitos humanos das mulheres à efetividade da Lei Maria da Penha. Curitiba: Appris, 2018.; GUIMARÃES, 2020GUIMARÃES, M. de N. S. Direitos humanos no cotidiano jurídico: a violência contra a mulher - um estudo comparativo entre as legislações do Brasil e da Argentina. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.). Tal filtro contém linguagens e discursos (FREITAS; PINHEIRO, 2013FREITAS, L.; PINHEIRO, V. Violência de gênero, linguagem e direito: Análise de discurso crítica em processos na Lei Maria da Penha. Jundiaí: Paco Editorial, 2013.) de uma criminologia, a priori, direcionada para incluir orientações de vulnerabilidade das mulheres, mas que, em certa medida, ainda se prendem em aspectos essencializantes em definições (LIMA, 2013LIMA, P. M. F. Violência contra a mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo: Atlas, 2013.; MENDES, 2020MENDES, S. da R. Processo penal feminista. São Paulo: Atlas, 2020.; MONTENEGRO, 2015MONTENEGRO, M. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica. Rio de Janeiro: Revan, 2015.; MORAIS, 2020MORAIS, C. P. Desigualdade de gênero nos Tribunais Superiores no Brasil: análise da neutralidade judicial sob a ótica da pergunta pela mulher. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.).

No âmbito brasileiro, apenas com a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha - LMP) a temática da violência contra a mulher assumiu terminologia jurídica clara e direta, delimitando em marcos criminais um fenômeno associado como “inimputável” por pertencer, cultural e historicamente, às dinâmicas das relações sociais. A LMP (BRASIL, 2006) inova ao nomear a violência doméstica e familiar contra a mulher como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art. 5º); afirma que esta violência “constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” (art. 6º); e amplia sua definição para contemplar as violências física, sexual, psicológica, moral e patrimonial (art. 7º). A LMP propõe sistema de proteção às mulheres e que agrega conjunto de políticas públicas em uma proposta de abordagem interdisciplinar (PASINATO, 2015PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-428, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1808-2432201518. Acesso em: 20 dez. 2021.
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; POUGY, 2010POUGY, L. G. Desafios políticos em tempos de Lei Maria da Penha. Revista Katálysis, v. 13, n. 1, p. 76-85, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-49802010000100009. Acesso em: 20 dez. 2021.
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).

Os usos semânticos do termo “violência contra a mulher” são enfrentados por uma definição jurídica no âmbito da LMP. Trata-se, para Bandeira (2004, p. 460), de uma categoria “polissêmica e multicausal”, constituindo-se em “fenômeno social persistente, multiforme e articulado por facetas psicológica, moral e física”. Os cinco tipos de violência previstos na lei são um progresso do ponto de vista conceitual e da tentativa de sensibilizar os operadores do Direito (PASINATO, 2015PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-428, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1808-2432201518. Acesso em: 20 dez. 2021.
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) a partir de intenso trabalho de advocacy para evidenciar a violência contra a mulher como fenômeno que viola direitos, enfrentando a lenta e pontual evolução do Direito (CAMPOS; SEVERI, 2019CAMPOS, C. H. de; SEVERI, F. C. Violência contra mulheres e a crítica jurídica feminista: breve análise da produção acadêmica brasileira. Revista Direito Práxis, v. 10, n. 2, p. 962-990, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/32195. Acesso em: 20 dez. 2021.
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).

Por outro lado, a LMP tem inspirações nos impactos das convenções internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Conferência Mundial de Direitos Humanos, a IV Conferência Mundial da Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres (única legislação internacional específica à violência contra a mulher e a primeira a utilizar este termo). Nesta última, em seu artigo 1º, consta: “entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1994). Entende-se que a violência contra a mulher abrange as violências física, sexual e psicológica (art. 2º). Conseguinte, a LMP se inspira e vai além das inscrições básicas de documentos internacionais.

Almeida (2015ALMEIDA, G. A. de. Direitos humanos e não-violência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.) afirma que toda imputação de um crime que evidencie a condenação de uma violência é ineficaz quando desacompanhada de meios alternativos de transformação e mudança da sociedade. Nesse ponto, Barwinski (2019BARWINSKI, S. L. L. B. Poder, dominação e resistência: Lei Maria da Penha e a justiça de gênero. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.) segue o raciocínio, ao destacar que o foco na questão criminal desalinha medidas que modifiquem bases culturais. Nesse aspecto, Lima (2013LIMA, P. M. F. Violência contra a mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo: Atlas, 2013.) assevera que se deve compreender a violência não apenas pelo lado da vítima, mas também considerando os contornos subjetivos e objetivos do autor do crime, assim como as dinâmicas sociais que permearam a base motivacional e que encontram ressonância na sociedade. É o que Segato (2021SEGATO, R. Crítica à colonialidade em oito ensaios e uma antropologia por demanda. Tradução de Danú Gontijo e Danielli Jatobá. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.) entende por ter em voga as diferenças entre diferenças, em especial quanto a marcadores sociais que hierarquizam, a exemplo da raça e classe e periferia/centro, bem como Vergès (2021VERGÈS, F. Uma teoria feminista da violência. São Paulo: Ubu Editora, 2021.), ao se pensar em uma sociedade pós-violência, ou seja, que não considere a violência centralidade analítica e construtiva de seus arranjos.

Cabette (2020CABETTE, E. L. S. Crimes contra a dignidade sexual: tópicos relevantes. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2020.), Arruda da Silva et al. (2019), Eluf (2017ELUF, L. N. A paixão no banco dos réus: casos passionais e feminicídio - de Pontes Visgueiro a Mizael Bispo de Souza. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.) e Villa (2020VILLA, E. N. do R. M. Circuito do feminicídio: o silêncio murado do assassinato de mulheres. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.) demonstram que a violência contra a mulher é um crime silencioso, marcado por elementos relacionais, espaciais e das dimensões de poder concernentes às lógicas machistas e misóginas que subjugam mulheres. Portanto, ter uma clara dimensão das variáveis envolvidas implica construir cenários adequados do desenvolvimento do crime e permite situar bases para políticas públicas com grau de efetividade superior.

Severi (2018SEVERI, F. C. Lei Maria da Penha e o projeto jurídico feminista brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.) pontua que políticas de combate à violência contra a mulher devem ter em mente o projeto jurídico feminista de criar as condições que permitam a igualdade entre homens e mulheres, de um lado, e a punição de atos violentos que representem ferimento à dignidade, de outro. Isso permite entender que políticas públicas no campo da segurança não devem se restringir à compreensão de como a violência se desenvolve estatística ou territorialmente, mas sim se atentarem para as dinâmicas sociais e políticas características de onde elas se desenvolvem, no sentido de criar ações específicas que observem as fragilidades locais.

Em que se sopesem dimensões empíricas de estudos de base municipal, alguns autores consideram fundamentais determinados indicativos no âmbito da violência contra as mulheres. Ressalta-se que não se ambiciona, aqui, comparar os estudos metodologicamente, tendo em vista que não há, no âmbito brasileiro, normativas que pretendam homogeneizar inquéritos e registros policiais para além das classificações usuais das formas de violência na Lei n. 11.340/2006. Portanto, a pretensão é cotejar as interpretações sociodemográficas e parcialmente territoriais, tendo como limite as metodologias empregadas pelas pesquisas.

No estudo de Duffrayer et al. (2021DUFFRAYER, K. M. et al. Perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência no período de 2008 a 2017. Research, Society and Development, v. 10, n. 4, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823. Acesso em: 12 nov. 2021.
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), o perfil sociodemográfico da violência contra a mulher na cidade do Rio de Janeiro indicava mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos (29,1%), de cor parda (35,90%), com ensino médio completo (11,30%), vítimas de violência física (58,9%) em sua residência (53,6%), cuja agressão advém do cônjuge (26,5%) e amigos/conhecidos (14,6%). O fato de a residência ser o local mais associado à violência física e psicológica é evidenciado por Beccheri-Cortez e De Souza (2013). Alguns elementos se repetem em Bozzo et al. (2017BOZZO, A. C. B. et al. Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos notificados em um município do interior paulista. Revista Enfermagem UERJ, v. 25, e11173, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.11173. Acesso em: 12 nov. 2021.
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), em pesquisa sobre violência em um município no interior de São Paulo, a exemplo do vínculo com o cônjuge (46,85%), neste caso, com predominância da violência psicológica/moral (82,23%) - fato que difere de muitas pesquisas sobre o tema -, além de prevalência na faixa de 20 a 39 anos em mulheres brancas (70,81%) com ensino fundamental completo (19,09%). Em Silva et al. (2013SILVA, M. C. M. et al. Caracterização dos casos de violência física, psicológica, sexual e negligências notificados em Recife, Pernambuco, 2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 22, n. 3, p. 403-412, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300005. Acesso em: 12 nov. 2021.
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), cuja análise refere-se a Recife (PE), a faixa etária mais frequente foi a de 20 a 39 anos (36,5%), com 50,9% das vítimas pardas e 24% com ensino fundamental incompleto e a violência física correspondeu à forma mais notificada (49,5%).

O trabalho de Scott e De Oliveira (2018SCOTT, J. B.; DE OLIVEIRA, I. F. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise documental. Revista de Psicologia da IMED, v. 10, n. 2, p. 71-88, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2951. Acesso em: 12 nov. 2021.
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) inova ao inverter a lógica, partindo dos homens agressores para explicar a violência contra a mulher em uma capital da região Nordeste do Brasil. Destacou-se um perfil que englobava homens autores de violência doméstica e familiar entre 31 e 40 anos, brancos, em união estável e com ensino fundamental incompleto, os quais, em sua maioria, praticaram violência física (64,73%). A pesquisa de Lucena et al. (2016LUCENA, K. D. T. de et al. Análise do ciclo da violência doméstica contra a mulher. Journal of Human Growth and Development, v. 26, n. 2, p. 139-146, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119238. Acesso em: 12 nov. 2021.
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), em um município de João Pessoa (PB), estima que 54% das mulheres já sofreram algum tipo de violência, sendo que o agente agressor possui algum grau de relação com a vítima (69,84%) e o ambiente doméstico representa 51,03% do local da violência.

Teofilo et al. (2019TEOFILO, M. M. A. et al. Violência contra mulheres em Niterói, Rio de Janeiro: informações do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (2010-2014). Cadernos Saúde Coletiva, v. 27, n. 4, p. 437-447, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040302X. Acesso em: 12 nov. 2021.
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) observaram na cidade de Niterói (RJ) a predominância da violência física (60,58%), seguida da psicológica (39,41%) e sexual (31,27%). As adolescentes foram as principais vítimas de violência sexual (56,3%) e os atuais e ex-companheiros foram autores em 42,6% das agressões físicas. Já para Deslandes, Gomes e Silva (2000DESLANDES, S.; GOMES, R.; SILVA, C. M. F. P. da. Caracterização dos casos de violência doméstica contra a mulher atendidos em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública, v. 16, n. 1, p. 129-137, 2000. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100013. Acesso em: 12 nov. 2021.
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), em sua pesquisa sobre violência contra a mulher em hospitais públicos de referência situados no município do Rio de Janeiro, o esposo/companheiro/namorado é quem mais agride (69,4%) e a violência física é a mais recorrente (70,4%). Há predomínio da faixa etária de 20 a 29 anos (45,7%), seguida pela de 30 a 39 (28,6%).

Dessa forma, alguns pressupostos fazem parte da conjuntura da violência que deveremos analisar. Em certa medida, os estudos indicam que a violência contra a mulher tem dinâmicas etárias, raciais, territoriais e relacionais que se apresentam territorialmente em manifestações diferenciadas. Portanto, indagar estes movimentos no âmbito territorial no Rio de Janeiro permitirá balizar aspectos sugestivos às políticas públicas.

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro na perspectiva da violência contra a mulher

No âmbito do presente trabalho, destaca-se como território de análise a Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro (RMRJ), delimitada pela Lei Complementar n. 184/2018 e formada por 22 municípios: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Cachoeiras de Macacu, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Queimados, Rio Bonito, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá. De acordo com dados do IBGE, a RMRJ abriga 12.396.694 de habitantes (cerca de 77,5%) da população de 15.989.929 do Estado. Na RMRJ, o contingente populacional de mulheres gira em torno de 6.520.814, correspondente a 52,6%.

Sem embargo, o total de casos registrados de violência contra a mulher entre 2014 e 2019 no Estado do Rio de Janeiro é da ordem de 813.210, sendo que a RMRJ engloba 74,88% ou 608.964 dos casos. Desse total, a composição da violência na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, nesse período, corresponde a: física (34,80% ou 211.908), psicológica (31,93% ou 194.461), moral (24,70% ou 150.399), patrimonial (4,30% ou 26.212) e sexual (4,27% ou 25.984).

A questão da violência contra a mulher não é fenômeno novo no âmbito desta região, todavia, não há estudos suficientes que deem conta da sua disposição territorial. Nesse sentido, nos propomos a realizar em parte tal feito, uma vez que a dinâmica da violência em arranjos socioeconômicos e demográficos demandaria estratificação por delegacias em seu cruzamento, com informações a respeito do “perfil” das vítimas que registram o crime nas delegacias3 3 Nesse sentido, a próxima etapa do desenvolvimento da pesquisa se propõe a observar a disposição territorialmente delimitada da violência por delegacias na cidade do Rio de Janeiro. (em especial, as especializadas no atendimento à mulher) - portanto, esbarramos no limite de considerar como esfera territorial o município dentro da perspectiva da RMRJ.

Adverte-se para o fato de que a descrição de números absolutos pode dissipar atenção real e obscurecer o desenvolvimento do fenômeno. Note-se que, a priori, é possível considerar o município do Rio de Janeiro o mais danoso à mulher, pois registra 306.505 (cerca de 50,33%) do total dos casos do período, seguido de Nova Iguaçu (6,91%), Duque de Caxias (6,81%), São Gonçalo (6,75%), Niterói (4,19%), São João de Meriti (3,70%), Belford Roxo (3,01%), Petrópolis (2,50%), Magé (2,28%) e Maricá (1,68%), que compõem os dez municípios mais violentos, com 88,17% dos casos.

Todavia, isso poderia levar a um erro típico estatístico, no qual o número absoluto desconsidera a dimensão populacional, de forma a parametrizar adequadamente a violência. Se for adotado o parâmetro de taxa de violência por 100 mil mulheres entre 2014 e 2019 e ponderada uma média da taxa no período, Itaguaí, Maricá, Paracambi, Queimados, Japeri, Cachoeiras de Macacu, Magé, Nilópolis, Seropédica e Nova Iguaçu correspondem aos dez municípios mais violentos contra a mulher - Nova Iguaçu, que possui o maior quantitativo de casos absolutos, é o décimo quando se observa a taxa de incidência considerando a população de mulheres.

Convém apontar o comportamento das taxas de violência contra a mulher por 100 mil mulheres na RMRJ: no período 2014-2019 apenas Petrópolis não registrou redução; de 2014 a 2017 todos os municípios da RMRJ tiveram decréscimo das taxas; na virada de 2017 para 2018, a maioria dos municípios, exceto São Gonçalo, apresentaram aumento das taxas; de 2018 para 2019, a maior parte dos municípios da RMRJ teve alta da violência, exceto Macaé, Maricá e Paracambi que registraram queda; o município do Rio de Janeiro (que agrega o maior número de casos) exemplifica o movimento peculiar comparado aos outros municípios, com queda abrupta de quase 35% da taxa de 2014 a 2017 e posterior estabilidade; Itaguaí (20,35%), Tanguá (25,6%) e Japeri (18,41%) apresentaram os maiores aumentos entre 2018 e 2019 (Tabela 1).

TABELA 1
Taxas de violência contra a mulher Região Metropolitana do Rio de Janeiro − 2014-2019

Ao colocarmos as variáveis em jogo, podemos desagregar as taxas por tipo de violência entre 2014 e 2019 em cada município e, a partir daí, delimitar a média da taxa, o que pode demonstrar o alcance municipal. Assim, no período 2014-2019, observam-se os seguintes resultados para as taxas por tipo de violência: no geral, a “ordem” da violência envolve a física, psicológica, moral, sexual e patrimonial (com variações entre estas duas últimas a depender do território); a violência física é a mais preponderante, exceto em Itaguaí, Maricá, Paracambi, Petrópolis e São Gonçalo, onde a violência psicológica se manifesta em maior taxa; apenas as violências sexual e patrimonial apresentam menor variação entre os municípios, quando comparadas às outras três formas; Itaguaí é o único município que registra, entre 2014 e 2019, média da taxa acima de 1.000 em duas formas de violência (psicológica e moral), enquanto outros municípios chegam no máximo à média de 850 em qualquer uma dessas duas formas; Itaguaí tem em quatro das cinco formas de violência as maiores médias em relação aos outros municípios (Tabela 2).

Nesse processo, Itaguaí aparece, em termos de taxas de violência, como a cidade mais vulnerável às mulheres, pois concentra as maiores taxas de violências física, sexual, moral e psicológica, seguida de Maricá, que aparece em segundo lugar de violências moral e psicológica e lidera com a patrimonial, e de Queimados, que é a segunda colocada em violência física e se distribui pelas outras entre terceiro e quinto lugares. O município do Rio de Janeiro, que detém o maior número de casos absolutos, está em 17º lugar na média geral das taxas, sendo que é na violência moral que o município aparece com destaque em 9ª posição. Em suma, a Tabela 2 permite construir uma visão de como os municípios se enquadram no alcance da violência e, portanto, pensar estratégias adequadas às lacunas existentes no município - em alguns, o município pode estar relativamente bem, em outros, nem tanto.

TABELA 2
Taxas de violência contra a mulher e posição do município, por tipo de violência Região Metropolitana do Rio de Janeiro - 2014-2019

No caso da faixa etária, as idades compreendias entre 18 e 29 e 30 e 59 anos são as mais significativas, com 30,82% (185.900) e 53,86% (324.830), respectivamente, do total de casos. Se desconsiderado o item “sem informação”, observa-se na Tabela 3 que: nas violências física, moral, patrimonial e psicológica, as mulheres na faixa etária de 18 a 59 anos representam 30,28%, 21,68%, 3,78% e 28,70%, respectivamente; na violência sexual, a faixa de 0 a 17 anos congrega 2,44%, sendo a maior significância; e mulheres com 60 anos ou mais sofrem com maior incidência violências moral e psicológica. Dessa forma, a juventude da mulher é mais afetada pela violência sexual, sua vida adulta por violência ampla e generalizada e sua maturidade pelas violências moral e psicológica.

Ainda que a violência sexual corresponda a 4,11% do total de casos de violência contra a mulher na RMRJ entre 2014 e 2019 e que crianças e adolescentes remetam a 7,92% das vítimas, há de ser mencionado o valor expressivo de casos de violência sexual cometida nas faixas de 0 a 11 e 12 a 17 anos, com, respectivamente, 7.726 (31,36%) e 6.888 (27,96%), compondo 59,32% no geral para esta forma de violência. Este é um aspecto significativo que destaca o alto grau de vulnerabilidade a que crianças e adolescentes estão sujeitas, notadamente em casa, como será mostrado mais adiante. É preciso, portanto, correlacionar a idade com o local e o vínculo do agressor em que a violência foi cometida, tendo em vista que, quanto mais jovem a vítima, maior é a probabilidade de que a violência seja cometida sexualmente no ambiente doméstico por alguém de proximidade.

TABELA 3
Distribuição dos casos de violência contra a mulher, por faixa etária da mulher, segundo tipos de violência Região Metropolitana do Rio de Janeiro - 2014-2019

Todavia, segundo as faixas etárias, a distribuição por municípios se altera. Considerando os três primeiros colocados, têm-se: Itaguaí, Japeri e Queimados na faixa 0-11 anos; Itaguaí, Paracambi e Queimados na faixa 0-11 anos; Itaguaí, Rio Bonito e Paracambi na faixa 18-29 anos; Itaguaí, Maricá e Paracambi na faixa 30-59 anos; e Maricá, Itaguaí e Paracambi na faixa 60 anos ou mais. Ou seja, ainda que Itaguaí lidere, os municípios se alternam, o que, efetivamente, implica considerar estratégias distintas. A questão de Maricá é um exemplo: é a partir dos 30 anos que o município se destaca nos dados da violência contra a mulher.

Em relação à cor, a violência se distribui da seguinte forma: as mulheres brancas (45,24% ou 275.485), pardas (38,08% ou 231.907) e pretas (14,66% ou 89.285) alcançam 97,98% dos casos, sendo que para 1,79% não há informação e 0,23% foram indicados como “outras” - nesse ponto, é possível levantar a hipótese de que as mulheres negras (pretas e pardas) sejam potencialmente mais violentadas (52,74%) a depender, obviamente, de um escrutínio territorial em cada município da região. Em termos gerais na RMRJ, as mulheres negras apresentam maior grau de acometimento de violência, todavia, a representação populacional precisa ser acompanhada territorialmente para que se observe proporcionalmente este alcance da violência - por isso, o indicativo de hipótese aqui levantada.

Quanto ao cruzamento das formas de violência e da cor na RMRJ, observa-se que: as mulheres brancas (14,50%) e pardas (14,08%) lideram a violência física; as brancas lideram a violência moral (12,33%); na violência psicológica, brancas (14,59%) e pardas (12,19%) estão próximas; na violência sexual, há inflexão, com as pardas (1,74%) liderando, seguidas pelas brancas (1,69%); as mulheres pretas sofrem geralmente 1/3 da violência quando comparadas às brancas e pardas, todavia, são nas violências moral e sexual que as pretas se aproximam das brancas e pardas. Dessa forma, há diferença na cor da violência quando o contorno sexual se explicita. E, novamente, destacamos a necessidade de estratificação populacional para se considerar no peso de cada município esta proporção da violência por tipo e cor.

O fluxo dos municípios se comporta da seguinte maneira entre os três primeiros colocados: as mulheres brancas são mais violentadas em Maricá, Niterói e Petrópolis; as pardas, em Queimados, Paracambi e Maricá; as pretas em Mesquita, Nova Iguaçu e Itaguaí; e registros sem informação derivam de Mesquita, Nova Iguaçu e Itaguaí. Importante notar como a caracterização muda de figura, pois, pela primeira vez, aparecem Niterói, Petrópolis e Mesquita, respectivamente, 11º, 12º e 13º lugares na média geral na Tabela 2. No caso das mulheres brancas, os três primeiros municípios, de acordo com o IBGE, possuem Índice de Desenvolvimento Humano do Censo 2010 de 0,745, 0,837 e 0,745. No caso das mulheres negras, Mesquita e Nova Iguaçu fazem parte da Baixada Fluminense, território que possui fragilidades no âmbito de desenvolvimento social e serviços.

Não se pretende afirmar que a violência contra a mulher seja um fenômeno da pobreza e da precariedade, nem associar as duas à dimensão da cor, mas sim ressaltar a necessidade de recorte interseccional que considere a composição sociodemográfica e desnaturalize a categoria violência como se fosse homogênea (GROSSI, 1994GROSSI, M. P. Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 2, número especial, p. 473-483, 1994. Disponível em: https://miriamgrossi.paginas.ufsc.br/files/2012/03/16179-49803-1-PB.pdf. Acesso em: 20 dez. 2021.
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). Esta é uma possibilidade concreta de se indagar o acesso à delegacia por categorias que necessitam articulação. O sentido de destacarmos a delimitação pela RMRJ é esboçar um quadro geral (ciente do que isso significa), ressaltando, por outro lado, o escrutínio pelo limite municipal, o que é inviável no escopo deste artigo, que se propõe à RMRJ.

No tocante à relação entre autor e vítima, no geral, o companheiro ou ex (46,88% ou 271.166 casos) e o conhecido (10,94% ou 63.302) respondem por uma parcela significativa da violência, não obstante o fato de 21,09% (122.007) dos agressores não possuírem relação com a vítima e parentes/padrastos/pais alcançarem 9,47% dos casos (54.754). Portanto, se ratifica que a violência contra a mulher tem, em sua maior parte, vínculos relacionais ou afetivos de conhecimento da vítima e que, em casos sexuais, a preponderância é a inexistência de vínculos ou conhecimento. No âmbito dos municípios, é possível saber em quais territórios existiria predominância de violência, segundo a relação da mulher com seu agressor: companheiro ou ex − Itaguaí, Maricá e Queimados; um conhecido − Itaguaí, Maricá e Paracambi; sem existir relação − Maricá, Itaguaí e Japeri; pais/padrastos − Itaboraí, Itaguaí e Maricá; e parentes − Itaguaí, Paracambi e Itaboraí. Atenção para o fato que, em Maricá, quanto mais envelhecem, mais as mulheres sofrem alguma violência e, nesse ponto, destaca-se o caráter intrafamiliar. Atenção igualmente para o aparecimento do município de Japeri, que nas análises anteriores ocupava o 4º lugar na média das taxas em geral, sendo o 2º colocado na média de violência sexual (Tabela 2), 2º colocado em violência na faixa de 0-11 anos e 2º colocado na violência em que não há relação entre autor e vítima.

Em relação ao estado civil, as mulheres solteiras (51,50% ou 313.602), casadas ou que vivem junto (31,74% ou 193.261) e as separadas (5,67% ou 34.519) respondem por 91,40% dos casos, sendo que 2,93% são viúvas e para 5,67% não há essa informação. Observa-se que os tipos de violência alcançam diferentes estados civis: na física, predominam solteiras (53,83%) e casadas/vivem junto (31,31%); na sexual, as solteiras concentram 75,59% dos casos; na patrimonial, as solteiras correspondem a 47,67%; na moral, 46,92% são solteiras; e na psicológica, 49,78% são solteiras e 33,33% referem-se a casadas/vivem junto.

Já nos municípios, alguns insights: as casadas/vivem junto sofrem mais violência em Maricá, Queimados e Cachoeiras de Macacu (que aparece pela primeira vez), enquanto as separadas, em Maricá, Paracambi e Cachoeiras de Macacu. Importante notar que Maricá lidera entre casadas/vivem junto e solteiras, além de estar em 2º lugar no tocante à relação de vínculo com companheiro/ex nas violências física, moral e patrimonial, que alcançam mais mulheres brancas e de idade superior (o que vimos nas tabelas anteriores, demonstrando queda na violência física e aumento nas violências moral, patrimonial e psicológica que são direcionadas a mulheres brancas, justamente a ênfase de Maricá nesta cor). Destacamos, nesse caso, Maricá como exemplo por ser muito evidente o cruzamento dos dados, entretanto, são necessários estudos para todos os municípios.

Em relação à escolaridade, as mulheres com ensino médio completo representam 41,62% (229.657) dos casos, seguidas por aquelas com ensino fundamental incompleto (24,87% ou 137.225), ensino fundamental completo (20,85% ou 115.040), ensino superior completo (11,90% ou 65.635) e sem instrução (0,76% ou 4.220). Desconsiderando os casos sem informação, observa-se na Tabela 4 que a escolaridade tem impacto: mulheres com ensino fundamental incompleto e completo sofrem mais violências física (8,06% e 9,40%) e psicológica (6,72% e 7,85%); aquelas com ensino médio completo são atingidas por violências física (13,65%) e psicológica (13,84%) e têm destaque na violência moral (11,34%); mulheres sem instrução são mais alcançadas pela violência sexual (0,26%); e mulheres com ensino superior têm maior representatividade nas violências moral (4,18%) e psicológica (3,94%). Dessa forma, a escolaridade tem implicações, em especial, no sentido de que, até o ensino médio, as mulheres sofrem mais violências física, moral e psicológica, além de concentrar o maior estrato quantitativo, enquanto a partir do ensino médio até o ensino superior, a violência física dá lugar à moral e psicológica e não necessariamente à patrimonial (refutando a ideia de que quanto maior a escolaridade, mais bens e, consequentemente, maior violência patrimonial). Por fim, as mulheres sem instrução estão mais vulneráveis à violência sexual.

TABELA 4
Distribuição dos casos de violência contra a mulher, por escolaridade da mulher, segundo tipos de violência Região Metropolitana do Rio de Janeiro − 2014-2019

Em termos dos municípios da RMRJ, identificam-se aqueles com maior incidência, segundo o grau de escolaridade da mulher: com ensino fundamental incompleto − Queimados, Cachoeiras de Macacu e Paracambi; com ensino fundamental completo − Paracambi, Maricá e Queimados; com ensino médio completo − Maricá, Paracambi e Nilópolis (que aparece pela primeira vez); com ensino superior completo − Niterói, Maricá e Rio de Janeiro (que aparece pela primeira vez); e sem instrução − Cachoeiras de Macacu, Maricá e Magé (que aparece pela primeira vez). É perceptível que a entrada dos municípios de Niterói e Rio de Janeiro (que apresentam índices sociais educacionais superiores à RMRJ) seria no âmbito de mulheres com ensino superior completo - não obstante o fato de as brancas com ensino superior completo serem as que mais sofrem violência nesta combinação (brancas com ensino superior), sendo especificamente os estratos de Maricá, Rio de Janeiro e Niterói. Cachoeiras de Macacu e Queimados se alternam nos graus mais baixos de escolaridade e a entrada de Magé na categoria “sem instrução” permite indagar o impacto da educação no montante da violência.

O local onde ocorre o crime é elemento crítico na análise, como se pode observar na Tabela 5. A residência compõe 61,26% (367.165) dos casos de violência contra a mulher, seguida pela via pública (19,47% ou 116.693) e outros locais (14,46% ou 86.641). Isso ratifica o ambiente doméstico como o mais potencial para a mulher sofrer algum tipo de violência, pois neste espaço a violência física (21,46%) é preponderante, próxima à psicológica (20,30%). Também verificou-se que, nos casos de violência sexual (4,14% do total), a residência é o local onde mais acontece - neste ponto, há de ser considerado o que já demonstramos: a violência sexual atinge mais mulheres jovens, sobretudo de 0 a 11 e de 12 a 17 anos na RMRJ.

Por fim, um dado não explicado em dossiês sobre a violência na RMRJ (ISP, 2021) é o registro de 12 casos de violência “física” em ambiente virtual. Para Schreiber e Antunes (2015SCHREIBER, F. C.; ANTUNES, M. C. Cyberbullying: do virtual ao psicológico. Boletim - Academia Paulista do Saber, v. 35, n. 88, p. 109-125, 2015. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1415-711X2015000100008. Acesso em: 20 dez. 2021.
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), o bullying pode se manifestar em violência física ou não e, no ambiente virtual, existem repercussões físicas e psicológicas - assim, indicamos duas hipóteses: a possibilidade de registros de violência física que tenham sido expostos por ambiente virtual; e uma ameaça física por ambiente virtual.

No que se refere à faixa horária em que o crime ocorreu, observa-se que a violência contra a mulher se distribui sem grande diferença no período da noite (33,92%), tarde (28,72%) e manhã (23,03%). Isso refuta algumas percepções de que certos tipos de crimes são mais propensos a determinados horários. No caso da violência física, há leve concentração no período da noite (13,37%) e divisão entre manhã e tarde (variando entre 6,30% e 8,98%). As violências moral, patrimonial e psicológica são relativamente próximas entre manhã, tarde e noite, com pouco alcance na madrugada. O ponto de inflexão está na violência sexual, a qual possui a distribuição mais regular nos quatro períodos, madrugada (0,98%), manhã (1,15%), tarde (1,09%) e noite (1,00%), ou seja, a violência sexual é aquela que atinge a mulher em qualquer horário do dia ou noite de forma indistinguível na RMRJ.

TABELA 5
Distribuição dos casos de violência contra a mulher, por local de ocorrência, segundo tipos de violência Região Metropolitana do Rio de Janeiro − 2014-2019

Onde a violência alcança

Corrêa et al. (2021CORRÊA, M. D. et al. As vivências interseccionais da violência em um território vulnerável e periférico. Saúde e Sociedade, v. 30, n. 2, e210001, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902021210001. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202121...
) entendem a violência de gênero como “societal” e seu caráter relacional. Dessa forma, considerando sua operacionalidade por “expressões das desigualdades sociais que fecundam também diversamente a classe social, o gênero e a etnia”, seu enfrentamento não pode ser “reduzido ao tratamento dos sujeitos nela implicados” (POUGY, 2010POUGY, L. G. Desafios políticos em tempos de Lei Maria da Penha. Revista Katálysis, v. 13, n. 1, p. 76-85, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-49802010000100009. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/S1414-4980201000...
, p. 77). Para Pasinato (2015PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-428, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1808-2432201518. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1808-2432201518...
), a omissão do Estado e a não responsabilização dos agentes agressores como parte “aceitável” socialmente implicam uma resistência cultural e institucional para reconhecer a violência doméstica e familiar como crime.

A violência doméstica e familiar contra a mulher é apresentada como uma violação de direitos humanos (PASINATO, 2015PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-428, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1808-2432201518. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1808-2432201518...
; FONSECA; RIBEIRO; LEAL, 2012FONSECA, D. H. da; RIBEIRO, C. G.; LEAL, N. S. B. Violência doméstica contra a mulher: realidades e representações sociais. Psicologia & Sociedade, v. 24, n. 2, p. 307-314, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-71822012000200008. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0102-7182201200...
), em que a impunidade é sintoma e causa associada a uma estrutura social que rebaixa mulheres e naturaliza a violência como parte de relações sociais interpretadas como naturalmente desiguais. Tal situação estrutural de desigualdade conjugada em razões de gênero para a violência constitui parte de um continuum de violência que não se resume a casos isolados, indicando um processo que “limita o desenvolvimento livre e saudável de meninas e mulheres” (ONU MULHERES, 2016, p. 20).

A violência contra as mulheres ocorre “motivada pelas expressões de desigualdades baseadas na condição de sexo” (BANDEIRA, 2014BANDEIRA, L. M. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69922014000200008. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0102-6992201400...
), permeando estabilidade de criminalidade específica com base em ideologia sexista (BARSTED, 2012BARSTED, L. L. O avanço Legislativo contra a violência de gênero: a Lei Maria da Penha. Revista EMERJ, v. 15, n. 57 (Edição Especial), p. 90-110, 2012. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista57/revista57_90.pdf. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaeme...
) articulada a uma situação de desvalorização, subalternidade e exploração das mulheres (GROSSI, 1994GROSSI, M. P. Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 2, número especial, p. 473-483, 1994. Disponível em: https://miriamgrossi.paginas.ufsc.br/files/2012/03/16179-49803-1-PB.pdf. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://miriamgrossi.paginas.ufsc.br/fil...
) em que se observa a dificuldade de reconhecimento da violência como crime (PASINATO, 2015PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-428, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1808-2432201518. Acesso em: 20 dez. 2021.
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). Destarte, “tanto violência quanto gênero são categorias historicamente construídas”, bem como a expressão “violência contra a mulher” (GROSSI, 1994, p. 482). Nesse aspecto, a dominação masculina é expressa em violência difusa, “tolerada, e não visibilizada, especialmente, quando ocorre na família” (BARSTED, 2012, p. 91), a qual reduz acesso aos mecanismos de proteção.

O fato é que, na violência contra a mulher, está impregnado um padrão de “domesticidade” em que pesa a clara relevância da Lei Maria da Penha, pois, para Bandeira (2015), a violência contra a mulher não se permeia mais pelos crimes de honra, todavia, suas bases em hierarquias e papéis na ordem social não foram enfrentados e não há ruptura significativa destas estruturas estabelecidas, as quais, inclusive, operam no interior dos espaços domésticos. Assim, as relações sociais no espaço doméstico e conjugais sublimam as violências, com destaque para a violência sexual. Partindo da unidade doméstica, as bases territoriais da violência são parte de um processo em que aspectos periféricos se coadunam a mecanismos de subordinação e subjugação próprios de um território (CORRÊA et al., 2021CORRÊA, M. D. et al. As vivências interseccionais da violência em um território vulnerável e periférico. Saúde e Sociedade, v. 30, n. 2, e210001, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902021210001. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202121...
) - neste ponto, podemos observar as implicações e ênfases de determinadas formas de violência que precisam ser analisadas de acordo com as estruturas territoriais, ainda mais em espaços periféricos negligenciados ou em situação de vulnerabilidade social.

Para Paula Miura et al. (2018MIURA, P. O. et al. Violência doméstica ou violência intrafamiliar: análise dos termos. Psicologia & Sociedade, v. 30, e179670, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30179670. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v3...
), é preciso observar a diferença entre violência doméstica (VD) e violência intrafamiliar (VI), tendo em vista que a Lei Maria da Penha (LMP) denota significados distintos, ainda que, em termos de pesquisas, exista uma certa confusão ou sinônimos entre os termos, sendo que VD geralmente associa-se à violência contra a mulher e VI tem mais relação com violências contra crianças e adolescentes. De acordo com o artigo 5º, incisos I e II, da LMP, as violências doméstica e familiar têm duas possibilidades: no âmbito da unidade doméstica (o que delimita caráter territorial e espacial), com ou sem vínculo familiar - como o inciso afirma, este espaço “de convívio permanente de pessoas” não significa necessariamente a residência da vítima ou do agressor; e no âmbito da família (entendida como uma comunidade, por laços consanguíneos, associativos ou afetivos), que alcança as relações sociais. Estas definições legais, de caráter sociológico, implicam leitura tanto da vítima quando do agente policial que registra o fato quanto ao “local” da violência - uma vez que as relações sociais e esta unidade doméstica podem conjecturar que a violência ocorreu no espaço residencial.

Os contornos da violência contra a mulher não comportam uma conjuntura facilitada à explicação sem que se considere a multifacetada complexidade do tema. Inúmeras variáveis podem ser construídas para identificar perfis, trajetórias, alcances e limites que permitam a construção de políticas públicas adequadas ao combate de um crime que se desenvolve, em alguns aspectos, de forma ligeiramente homogênea e, em outros, nem tanto. Portanto, convém delimitar alguns pontos no confronto de estudos já desenvolvidos.

Em relação à vítima, observou-se que na RMRJ as faixas etárias de 18 a 29 e 30 a 59 anos são as mais significativas na violência contra a mulher em geral, o que remete parcialmente aos estudos de Silva et al. (2013SILVA, M. C. M. et al. Caracterização dos casos de violência física, psicológica, sexual e negligências notificados em Recife, Pernambuco, 2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 22, n. 3, p. 403-412, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300005. Acesso em: 12 nov. 2021.
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013...
), Duffrayer et al. (2021DUFFRAYER, K. M. et al. Perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência no período de 2008 a 2017. Research, Society and Development, v. 10, n. 4, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823...
), Bozzo et al. (2017BOZZO, A. C. B. et al. Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos notificados em um município do interior paulista. Revista Enfermagem UERJ, v. 25, e11173, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.11173. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.111...
), Deslandes, Gomes e Silva (2000DESLANDES, S.; GOMES, R.; SILVA, C. M. F. P. da. Caracterização dos casos de violência doméstica contra a mulher atendidos em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública, v. 16, n. 1, p. 129-137, 2000. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100013. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200000...
) e Scott e De Oliveira (2018SCOTT, J. B.; DE OLIVEIRA, I. F. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise documental. Revista de Psicologia da IMED, v. 10, n. 2, p. 71-88, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2951. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018....
) - parcialmente porque para estes autores a ênfase recai entre 20 e 39 anos, o que não desloca o entendimento de que na vida adulta da mulher (20 a 59 anos) esta é violentada generalizadamente. Todavia, os dados na RMRJ também indicam que a faixa de 0 a 17 anos é aquela que mais sofre violência sexual, o que vai ao encontro dos resultados de Teofilo et al. (2019TEOFILO, M. M. A. et al. Violência contra mulheres em Niterói, Rio de Janeiro: informações do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (2010-2014). Cadernos Saúde Coletiva, v. 27, n. 4, p. 437-447, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040302X. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.1590/1414-462X2019000...
) e, em parte, de Silva et al. (2013), que identificam outras formas de violência neste grupo etário. Na presente pesquisa verificou-se que, na RMRJ, quanto mais a mulher envelhece, há tendência de a violência deslocar da física para a psicológica e moral, fato que não foi observado nos estudos.

Na questão da cor, as mulheres brancas, pardas e as pretas são, nesta ordem, as mais violentadas no quadro geral da RMRJ. Tal destaque é ratificado por Bozzo et al. (2017BOZZO, A. C. B. et al. Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos notificados em um município do interior paulista. Revista Enfermagem UERJ, v. 25, e11173, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.11173. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.111...
) e Scott e De Oliveira (2018SCOTT, J. B.; DE OLIVEIRA, I. F. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise documental. Revista de Psicologia da IMED, v. 10, n. 2, p. 71-88, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2951. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018....
). Todavia, se for utilizada a categoria “negras” (pretas e pardas), as mulheres negras aglutinariam numericamente maiores números de violência do que as brancas. Na RMRJ, as mulheres pardas estão ligeiramente atrás das brancas, o que difere de estudos de Silva et al. (2013SILVA, M. C. M. et al. Caracterização dos casos de violência física, psicológica, sexual e negligências notificados em Recife, Pernambuco, 2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 22, n. 3, p. 403-412, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300005. Acesso em: 12 nov. 2021.
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013...
) e Duffrayer et al. (2021DUFFRAYER, K. M. et al. Perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência no período de 2008 a 2017. Research, Society and Development, v. 10, n. 4, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823...
), que identificaram mais pardas. Por outro lado, no cruzamento dos dados da RMRJ, observou-se que mulheres brancas e pardas se alternam na liderança no tocante às violências física, moral, psicológica e patrimonial e que as mulheres pretas sofrem 1/3 da violência em relação às brancas e pardas, sendo que nas violências moral e sexual elas se aproximam das brancas e pardas - esta questão do cruzamento da cor e tipo de violência não é observada em estudos. A população feminina não é um conjunto abstrato e, por isso, há de se “desnaturalizar” a categoria violência como se fosse homogênea (GROSSI, 1994GROSSI, M. P. Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil. Revista Estudos Feministas, v. 2, número especial, p. 473-483, 1994. Disponível em: https://miriamgrossi.paginas.ufsc.br/files/2012/03/16179-49803-1-PB.pdf. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://miriamgrossi.paginas.ufsc.br/fil...
), pois a violência é desigual e se orienta conforme marcadores que fragilizam as vítimas em sua capacidade de denúncia e de ruptura do ciclo da violência (MOROSKOSKI et al., 2021MOROSKOSKI, M. et al. Aumento da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo: uma análise de tendência. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, Supl. 3, p. 4993-5002, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.3.02602020. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232021261...
).

Quanto ao estado civil, solteiras, casadas ou que vivem junto e as separadas são as mais violentadas nesta ordem na RMRJ, o que difere dos estudos de Scott e De Oliveira (2018SCOTT, J. B.; DE OLIVEIRA, I. F. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise documental. Revista de Psicologia da IMED, v. 10, n. 2, p. 71-88, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2951. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018....
) e Deslandes, Gomes e Silva (2000DESLANDES, S.; GOMES, R.; SILVA, C. M. F. P. da. Caracterização dos casos de violência doméstica contra a mulher atendidos em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública, v. 16, n. 1, p. 129-137, 2000. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100013. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200000...
), que dão ênfase à união estável ou casamento, entretanto, os dados se aproximam de Lucena et al. (2016LUCENA, K. D. T. de et al. Análise do ciclo da violência doméstica contra a mulher. Journal of Human Growth and Development, v. 26, n. 2, p. 139-146, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119238. Acesso em: 12 nov. 2021.
http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119238...
) e Teofilo et al. (2019TEOFILO, M. M. A. et al. Violência contra mulheres em Niterói, Rio de Janeiro: informações do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (2010-2014). Cadernos Saúde Coletiva, v. 27, n. 4, p. 437-447, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040302X. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.1590/1414-462X2019000...
) ao agregarmos a dimensão de ex-companheiros ou atuais. Por outro lado, também identificamos que, na RMRJ, as mulheres solteiras são mais violentadas física e sexualmente (neste último, alcançando 75,59%) - este aspecto não é evidenciado em estudos e é necessário considerar que, como a faixa etária que mais sofre violência sexual é a de 0 a 17 anos, pressupõe-se o estado civil “solteira”. No tocante à relação entre autor e vítima, no geral, o companheiro ou ex e o conhecido são os que mais agridem, o que é percebido nos estudos de Bozzo et al. (2017BOZZO, A. C. B. et al. Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos notificados em um município do interior paulista. Revista Enfermagem UERJ, v. 25, e11173, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.11173. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.111...
), Silva et al. (2013) e Duffrayer et al. (2021DUFFRAYER, K. M. et al. Perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência no período de 2008 a 2017. Research, Society and Development, v. 10, n. 4, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823. Acesso em: 12 nov. 2021.
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) - este último, inclusive, remete a algo encontrado na RMRJ, que é a preponderância da inexistência de vínculos ou conhecimento nos casos de violência sexual.

No que se refere à escolaridade, na RMRJ, as mulheres com ensinos médio completo, fundamental incompleto, fundamental completo, superior completo e sem instrução são as mais violentadas nesta ordem, o que difere parcialmente dos estudos de Scott e De Oliveira (2018SCOTT, J. B.; DE OLIVEIRA, I. F. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise documental. Revista de Psicologia da IMED, v. 10, n. 2, p. 71-88, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2951. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018....
) e Bozzo et al. (2017BOZZO, A. C. B. et al. Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos notificados em um município do interior paulista. Revista Enfermagem UERJ, v. 25, e11173, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.11173. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.111...
), cuja ênfase recai no ensino fundamental, mas ratifica os resultados de Duffrayer et al. (2021DUFFRAYER, K. M. et al. Perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência no período de 2008 a 2017. Research, Society and Development, v. 10, n. 4, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823. Acesso em: 12 nov. 2021.
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), que também identificaram predominância do ensino médio completo. Todavia, para a RMRJ, o cruzamento dos dados mostrou que escolaridade tem implicações: até o ensino médio, as mulheres sofrem mais violência física, moral e psicológica e, a partir do ensino médio completo, a violência física dá lugar à moral e psicológica - e não necessariamente à patrimonial, em uma possível lógica de que com melhores condições de vida, este tipo de violência se manifestaria. Por fim, mulheres sem instrução estão mais vulneráveis à violência sexual. No âmbito da violência por parceiro íntimo, as menores escolaridade e renda, bem como exposição à violência durante a infância e discriminação racial, potencializam a violência física, enquanto redes de apoio, inserção no mercado de trabalho e na comunidade implicam redução da violência - o que nos impõe a pensar na dimensão da dependência que reduz o potencial de denúncia (MOROSKOSKI et al., 2021MOROSKOSKI, M. et al. Aumento da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo: uma análise de tendência. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, Supl. 3, p. 4993-5002, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.3.02602020. Acesso em: 20 dez. 2021.
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).

Quanto ao local de ocorrência, a residência compõe 61,26% dos casos de violência contra a mulher, seguida pela via pública (19,47%), o que vai ao encontro dos estudos de Duffrayer et al. (2021DUFFRAYER, K. M. et al. Perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência no período de 2008 a 2017. Research, Society and Development, v. 10, n. 4, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823...
), Lucena et al. (2016LUCENA, K. D. T. de et al. Análise do ciclo da violência doméstica contra a mulher. Journal of Human Growth and Development, v. 26, n. 2, p. 139-146, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119238. Acesso em: 12 nov. 2021.
http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119238...
) e Beccheri-Cortez e De Souza (2013). Além disso, verificou-se que, na RMRJ, a residência é o local onde mais ocorre os casos de violência sexual - fato que pode refutar a noção de que esse tipo de crime é cometido fora do domicílio. Há de ser considerado que a violência sexual alcança mais mulheres jovens, sobretudo de 0 a 11 anos e de 12 a 17 anos, na RMRJ, logo, são violentadas em casa.

A família que violaria é a mesma que deveria proteger nos casos de violência contra crianças e adolescentes de 0 a 17 anos (MIURA et al., 2018MIURA, P. O. et al. Violência doméstica ou violência intrafamiliar: análise dos termos. Psicologia & Sociedade, v. 30, e179670, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30179670. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v3...
). Como entendem Platt et al. (2018PLATT, V. B. et al. Violência sexual contra crianças: autores, vítimas e consequências. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 4, p. 1019-1031, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018234.11362016. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1413-81232018234...
), a tradicional “barreira privada” entre as esferas doméstica e pública tem impactos em políticas de prevenção à violência intrafamiliar. Santos et al. (2018SANTOS, M. de J. et al. Caracterização da violência sexual contra crianças e adolescentes na escola - Brasil, 2010-2014. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 27, n. 2, e2017059, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742018000200010. Acesso em: 20 dez. 2021.
http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742018...
) reforçam a ideia de que o ambiente intrafamiliar pode conter mecanismos de redução da denúncia, seja ameaças pelo agressor ou negação por eventuais pessoas que saibam do fato, uma vez que a unidade doméstica pode facilitar a reincidência da violência, ainda mais quando o agente agressor é parte das relações intrafamiliares ou tem acesso à unidade doméstica (interpretado à luz da LMP).

Quanto ao tipo da violência na RMRJ, entre 2014 e 2019, a ordem encontrada é: física (34,80%), psicológica (31,93%), moral (24,70%), patrimonial (4,30%) e sexual (4,27%). Estes resultados diferem parcialmente dos estudos de Silva et al. (2013SILVA, M. C. M. et al. Caracterização dos casos de violência física, psicológica, sexual e negligências notificados em Recife, Pernambuco, 2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 22, n. 3, p. 403-412, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300005. Acesso em: 12 nov. 2021.
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013...
), Duffrayer et al. (2021DUFFRAYER, K. M. et al. Perfil sociodemográfico de mulheres vítimas de violência no período de 2008 a 2017. Research, Society and Development, v. 10, n. 4, p. 1-12, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.13823...
), Bozzo et al. (2017BOZZO, A. C. B. et al. Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos notificados em um município do interior paulista. Revista Enfermagem UERJ, v. 25, e11173, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.11173. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.12957/reuerj.2017.111...
), Scott e De Oliveira (2018SCOTT, J. B.; DE OLIVEIRA, I. F. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise documental. Revista de Psicologia da IMED, v. 10, n. 2, p. 71-88, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2951. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018....
), Teofilo et al. (2019TEOFILO, M. M. A. et al. Violência contra mulheres em Niterói, Rio de Janeiro: informações do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (2010-2014). Cadernos Saúde Coletiva, v. 27, n. 4, p. 437-447, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1414-462X201900040302X. Acesso em: 12 nov. 2021.
https://doi.org/10.1590/1414-462X2019000...
) e Deslandes, Gomes e Silva (2000DESLANDES, S.; GOMES, R.; SILVA, C. M. F. P. da. Caracterização dos casos de violência doméstica contra a mulher atendidos em dois hospitais públicos do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública, v. 16, n. 1, p. 129-137, 2000. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000100013. Acesso em: 12 nov. 2021.
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) apenas no tocante ao quantitativo, pois, mesmo que os estudos ratifiquem a violência física como predominante seguida da psicológica (como na RMRJ), os valores são significativamente diferentes.

Por outro lado, há importante crescimento da violência psicológica ao longo do período estudado e este fato não implica diminuição da violência no geral, mas sim que a violência psicológica vem se mostrando enfática na estrutura de dominação. Para Fonseca, Ribeiro e Leal (2012FONSECA, D. H. da; RIBEIRO, C. G.; LEAL, N. S. B. Violência doméstica contra a mulher: realidades e representações sociais. Psicologia & Sociedade, v. 24, n. 2, p. 307-314, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-71822012000200008. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/S0102-7182201200...
), a violência psicológica ou emocional é a mais encontrada e perdura durante todo o ciclo de violência, transformando-se em feição crônica e estabilizada. Para os autores, a violência nas relações conjugais pela incidência de ciúmes, poder e históricos familiares que tornam o ambiente doméstico um possível espaço de manifestação violenta coloca este processo em que a violência produz e se reproduz em contextos sociais que reforçam outras esferas da vida.

Por último, algo não encontrado nos estudos e que destacamos como relevante refere-se à faixa horária em que o crime ocorreu. No âmbito da RMRJ, a violência contra a mulher se distribui sem grande diferença no período da noite (33,92%), tarde (28,72%) e manhã (23,03%), mas isso não significa que a violência se desenvolva do mesmo modo, pelo contrário. A violência física predomina levemente no período da noite (13,37%) e acontece na mesma proporção pela manhã e tarde. As violências moral, patrimonial e psicológica são próximas entre manhã, tarde e noite e pouco significativas na madrugada. O desvio está na violência sexual, a qual possui a distribuição mais regular nos quatro períodos: madrugada (0,98%), manhã (1,15%), tarde (1,09%) e noite (1,00%), ou seja, a violência sexual é aquela que atinge a mulher em qualquer horário do dia ou noite de forma indistinguível na RMRJ.

Encontramos dados que indicam o aumento (em menor grau de expressão) dos chamados crimes em ambientes virtuais, que agregam violência psicológica e moral. Para Schreiber e Antunes (2015SCHREIBER, F. C.; ANTUNES, M. C. Cyberbullying: do virtual ao psicológico. Boletim - Academia Paulista do Saber, v. 35, n. 88, p. 109-125, 2015. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1415-711X2015000100008. Acesso em: 20 dez. 2021.
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), o desenvolvimento tecnológico refinou as formas de violência, oportunizando mais um “espaço” de ação, em que as perspectivas de intimidação e humilhação da violência no meio virtual agregam novas formas para além do elemento físico, mas capazes de causar danos igualmente potenciais no mundo “real”. A diferença é que esta forma virtual de violência não tem “espaço” e a vítima é intimidade em qualquer lugar. Como destacado pelo Instituto de Segurança Pública, os crimes virtuais denotam ressentimento por parte do agressor, seja por conta de um relacionamento amoroso ou tentativa de um, de tal forma que a violência psicológica e moral por intermédio do ambiente virtual se apresenta mediante um continuum pré e pós-violência em sua forma direta no mundo “real” (ISP, 2021).

Por fim, verificou-se relativa “estabilidade” dos dados, ainda que de fato a violência tenha diminuído entre 2014 e 2017, voltando a crescer após este período. Os desafios implicados orientam, primeiramente, na interpretação da violência doméstica e conjugal como um problema de segurança pública que demanda compreender as imbricações entre o público e o privado (PASINATO, 2011PASINATO, W. “Femicídios” e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos Pagu, v. 37, p. 219-246, 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-83332011000200008. Acesso em: 20 dez. 2021.
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), com a atenção de atribuir políticas públicas de proteção, prevenção e assistência e deslocar o foco criminalizante, ainda que a dimensão penal seja importante no processo (POUGY, 2010POUGY, L. G. Desafios políticos em tempos de Lei Maria da Penha. Revista Katálysis, v. 13, n. 1, p. 76-85, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-49802010000100009. Acesso em: 20 dez. 2021.
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). Para Martins (2020MARTINS, F. Feminismos criminológicos e “tecnopolíticas”: novos ‘quadros’ para violência de gênero. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 3, e6303, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n363035. Acesso em: 20 dez. 2021.
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), as políticas públicas de combate à violência contra a mulher se respaldam unicamente na esfera punitiva em caráter meramente operacional, deslocando o enfrentamento dos sentidos de violência, as negações e afirmações, as tensões e deslocamentos que aproximariam a violência contra a mulher de uma questão “criminal”, o que as torna uma “tecnopolítica” que não rompe com as estruturas tradicionais que engendram a violência.

Há de ser considerado que a LMP contém mecanismos que engendram uma leitura da violência no âmbito dos registros do Estado - os inquéritos policiais e seus boletins denotam isso. Assim, o inquérito derivado da letra da lei encontra respaldo na interpretação do operador quanto à aplicabilidade de determinado instrumento jurídico (MONTENEGRO, 2015MONTENEGRO, M. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica. Rio de Janeiro: Revan, 2015.; MORAIS, 2020MORAIS, C. P. Desigualdade de gênero nos Tribunais Superiores no Brasil: análise da neutralidade judicial sob a ótica da pergunta pela mulher. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.). Este registro jurídico contém linguagens e discursos que delimitam formas interpretativas e descritivas do fenômeno da violência contra a mulher que podem encontrar ressonância em aspectos político-institucionais que os amplifiquem ou criem resistências (RODRIGUES, 2016RODRIGUES, M. A. Z. Mulheres, violência e justiça no século XIX. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.; SEVERI, 2018SEVERI, F. C. Lei Maria da Penha e o projeto jurídico feminista brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.). Isso significa que, a partir do momento em que se registra o espaço doméstico como local “preferencial” da violência e se evidencia que esta é cometida por agressores com vínculos afetivo, matrimonial ou por agregação, se delimita uma construção de linguagem da violência que contorna uma dada “realidade” - e tal cenário é disputado em suas concepções políticas posteriores como projetos (VERGÈS, 2021VERGÈS, F. Uma teoria feminista da violência. São Paulo: Ubu Editora, 2021.; VILLA, 2020VILLA, E. N. do R. M. Circuito do feminicídio: o silêncio murado do assassinato de mulheres. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.).

Dessa forma, a crítica à interpretação da família, das relações familiares e dos espaços conjugais, a partir dos dados derivados via LMP, precisa estar acompanhada de recortes desnaturalizados da violência, ou seja, que enfrentem os contextos ampliados das relações de violência em seus marcadores e complexidades sociais, econômicas e territoriais. Trata- -se de afastar, portanto, concepções estanques que limitem a violência contra a mulher a cenas e queixas associadas a cumplicidades ou agência enviesada de manutenção das relações hierarquizadas de poder, como indica a leitura de Gregori (1993GREGORI, M. F. Cenas e queixas: um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.). É preciso não se resumir ao que os dados “dizem”, mas sim agregar e avançar nas conjunturas em que estes dados são delimitados em sua captura e posterior leitura.

Pasinato (2015PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-428, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1808-2432201518. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://doi.org/10.1590/1808-2432201518...
, 2011) argumenta que o operador do Direito deveria compreender as categorias de violência em conjunto, avançando na análise de gênero e poder em dinâmicas de poder e recusando determinismos biológicos, e ponderar as relações transversais na sociedade. Para tanto, Pougy (2010POUGY, L. G. Desafios políticos em tempos de Lei Maria da Penha. Revista Katálysis, v. 13, n. 1, p. 76-85, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-49802010000100009. Acesso em: 20 dez. 2021.
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) advoga que existem nas ações do Estado uma noção de família como codificação de uma visão de mundo da classe dominante em que a legislação pouco alcança. E como destacado pela ONU Mulheres (2020), a violência compõe fatores estruturais e circunstanciais que demandam atenção para políticas públicas capazes de construir meios de denúncia à disposição e redes de apoio com o objetivo de “revitalizar a condição cidadã das mulheres em situação de violação de direitos” (POUGY, 2010POUGY, L. G. Desafios políticos em tempos de Lei Maria da Penha. Revista Katálysis, v. 13, n. 1, p. 76-85, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-49802010000100009. Acesso em: 20 dez. 2021.
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, p. 80).

Considerações finais

O presente trabalho procurou realizar argumentação analítica e descritiva quanto ao desenvolvimento da violência contra a mulher na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), no período de 2014 a 2019, a partir de oito variáveis que delimitam a vítima, o agressor e a violência. Foi construída tabulação a fim de ponderar o movimento da violência tanto em contexto geral da RMRJ quanto em termos dos municípios. Defendeu-se a ideia de que é preciso considerar as particularidades dos municípios, tendo em vista que determinados contextos exigem políticas públicas que se orientem neste processo específico.

Em linhas gerais, o movimento da violência na RMRJ é multifacetado e complexo, dependendo de quais variáveis estejam em jogo. Todavia, alguns elementos típicos observados em pesquisas sobre o tema indicam uma oscilação comum. As violências física, psicológica e moral disputam espaço como as mais predominantes, em especial a primeira. Nestas formas de violência, o agressor geralmente é conhecido, pois há relação de vínculo com a vítima, seja um atual ou ex-companheiro, namorado ou em união estável. Ainda assim, evidenciamos a necessidade de um olhar estratificado, pois, em casos sexuais, a preponderância é a inexistência de vínculos ou conhecimento.

Também foi observado um dado comum aos levantamentos empíricos: a violência acontece na residência em quase dois terços dos casos, entretanto, identificou-se que, nos casos de violência sexual, a residência também é o local predominante. Isso pode ser explicado pelo fato de que, entre os 0 e 17 anos, predomina a violência sexual, sendo que, à medida que envelhece, a mulher sai da violência sexual para a física e psicológica e, na maturidade, alcança a moral e a patrimonial. Mesmo assim, a violência sexual é aquela que atinge a mulher em qualquer horário do dia ou da noite, de forma indistinguível na RMRJ.

A violência atinge as mulheres de forma diferenciada. Mulheres com até o ensino médio estão no centro das violências física, moral e psicológica e, a partir do ensino médio completo, as violências moral e psicológica assumem o lugar na centralidade. Neste aspecto são necessários estudos que meçam as correlações e percepções das violências moral e psicológica, tendo em vista que tanto a escolaridade quanto a idade convergem para estas violências, sobretudo em relação às mulheres brancas. Registrou-se o fato de que mulheres sem instrução estão mais vulneráveis à violência sexual.

Divergimos empiricamente de alguns levantamentos em determinados pontos. Observou-se que as mulheres pardas estão ligeiramente atrás das brancas e que as pretas sofrem 1/3 da violência em relação às brancas e pardas, mas quando se destacam as violências moral e sexual elas se aproximam das brancas e pardas. Em outro prisma, as mulheres solteiras são mais violentadas física e sexualmente (em especial se consideramos os dados sobre a faixa de 0 a 17 anos, no âmbito sexual). Por fim, ao contrário de outras pesquisas, verificou-se que as violências física, psicológica e moral, na RMRJ, estão quase próximas, enquanto outros estudos evidenciam a violência física muito à frente.

Por fim, destaca-se como necessidade futura a análise de dados estratificados no âmbito municipal que considerem as discrepâncias socioeconômicas e de desenvolvimento, uma vez que, como limite, alguns aspectos específicos e significativos aos municípios foram encontrados. Enfatiza-se que os dados são derivados de uma leitura, pelo Estado, de como estas violências ocorrem e que, portanto, dependem da observação do operador do Direito em seus limites e perspectivas - o que traz um desafio teórico-político ao feminismo no tocante à violência contra a mulher.

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  • *
    O trabalho, que procura dialogar com as tensões entre o campo das políticas públicas e o do direito, traz resultados parciais de projeto de pesquisa intitulado “A condição feminina: a violência de gênero na perspectiva territorial do Estado do Rio de Janeiro”, o qual conta com bolsas de pesquisa e iniciação científica por intermédio do CNPq e Faperj. Agradecemos aos comentários e sugestões das(os) pareceristas.
  • 1
    Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=2R&uf=33. Acesso em: 29 out. 2021.
  • 2
    Disponível em: http://www.ispvisualizacao.rj.gov.br/Mulher.html. Acesso em: 29 out. 2021.
  • 3
    Nesse sentido, a próxima etapa do desenvolvimento da pesquisa se propõe a observar a disposição territorialmente delimitada da violência por delegacias na cidade do Rio de Janeiro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2021
  • Aceito
    18 Jan 2022
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