Acessibilidade / Reportar erro

Dinâmica comparada: fluxos dos escravizados africanos em São Paulo, Minas Gerais e Maranhão (1804-1848)

Comparative dynamics: flows of enslaved Africans in São Paulo, Minas Gerais and Maranhão (1804-1848)

Dinámica comparada: flujos de africanos esclavizados en São Paulo, Minas Gerais y Maranhão (1804-1848)

Resumo

Analisamos comparativamente informes demográficos de qualidade aceitável acerca dos escravizados nascidos na África para Minas Gerais, São Paulo e Maranhão de 1804 a 1848. As parcelas dos nascidos na África em relação aos escravizados e às razões de sexo de todos os cativos, de acordo com as idades, auxiliaram-nos a remontar a dinâmica retrospectiva da chegada dos africanos às regiões. Supondo certas hipóteses e procedimentos, a partir das coortes etárias, estimamos as proporções de africanos e as razões de sexo da população cativa para os períodos anteriores aos das listas nominativas de habitantes. A dinâmica retrospectiva da introdução de africanos reconstruída mostrou-se bastante correlacionada à história econômica das diferentes regiões estudadas.

Palavras-chave:
Tráfico de escravizados; Africanos; Coortes etárias; Demografia histórica; Economia exportadora

Abstract

We compare the surviving enslaved people present in demographic censuses of acceptable quality for Minas Gerais, São Paulo and Maranhão from 1804 to 1848. The share of those born in Africa in relation to slaves and the sex ratio of all captives according to their ages helped us find the retrospective dynamics of the arrival of Africans to these regions. When using age cohorts, we estimate, assuming certain hypotheses and procedures, the proportions of Africans and the sex ratios of the captive population for periods prior to those of the nominative lists of inhabitants. The retrospective dynamics of the reconstructed introduction of these Africans proved to be closely correlated with the economic history of the different regions analyzed.

Keywords:
Slave trade; Africans; Age cohorts; Historical demography; Export economy

Resumen

Analizamos comparativamente a los sobrevivientes esclavizados presentes en los informes demográficos evaluados como de calidad aceptable para Minas Gerais, São Paulo y Maranhão entre 1804 y 1848. La proporción de los nacidos en África en relación con los esclavizados y la proporción de sexos de todos los cautivos, según las edades, nos ayudaron a trazar la dinámica retrospectiva de la llegada de africanos a estas regiones. Utilizando las cohortes de edad, estimamos, asumiendo ciertas hipótesis y procedimientos, las proporciones de africanos y las proporciones de sexos de la población cautiva para períodos anteriores a las listas nominativas de habitantes. La dinámica retrospectiva de la introducción reconstruida de africanos demostró estar altamente correlacionada con la historia económica de las diferentes regiones estudiadas.

Palabras clave:
Trata de esclavizados; Africanos; Cohortes de edad; Demografía histórica; Economía exportadora

Introdução

Durante mais de três séculos o tráfico atlântico alimentou a demanda de escravizados no Brasil. Tais movimentos demográficos possuem relação forte com as atividades econômicas das regiões. Apesar da existência de dados das viagens da África destinadas aos principais portos brasileiros de desembarque, não conhecemos a distribuição do fluxo de africanos escravizados no interior do território brasileiro.1 1 Ver: https://www.slavevoyages.org/. Os levantamentos de caráter demográfico anteriores ao primeiro recenseamento do Império de 1872 mostram-se bastante limitados a poucos anos e também no espaço. De forma semelhante, os inventários post mortem até o final do século XVIII também são pouco disponíveis para permitir entender a chegada dos escravizados nascidos na África às regiões brasileiras. O objetivo é reconstruir e analisar as tendências do fluxo de entrada dos africanos para as regiões em estudo, por meio da população escravizada remanescente e recenseada em levantamentos demográficos. Apesar de serem os censos datados de um determinado momento, o procedimento utilizado possibilita estimar os períodos de maior ou menor afluxo de entrada de africanos anteriores aos informes censitários. Desse modo, calculamos a participação dos nascidos na África e a razão de sexo do total de cativos para cada faixa etária do arrolamento populacional. A partir dessas razões inferimos as tendências de chegada anteriores aos recenseamentos, supondo que o tráfico atlântico compreendeu principalmente homens jovens e que escravizados africanos e nascidos no Brasil de uma mesma idade apresentavam taxas de mortalidade, migração, fuga e alforria semelhantes. Efetuamos tal análise de forma comparativa de diferentes realidades para as quais se dispõe de informes de caráter censitário, referentes a Minas Gerais, São Paulo e Maranhão.

O tráfico de escravizados constituiu um pilar essencial no dinamismo da economia brasileira. A intensa atividade extrativa de ouro e diamantes na primeira metade do século XVIII povoou rapidamente a região das Minas Gerais, incorporando de modo crescente braços cativos. Esse dinamismo resultou na formação de expressivas aglomerações urbanas, como Vila Rica e Mariana, estimulando a ocupação de outras áreas que apresentavam atividades econômicas mais limitadas, como a capitania de São Paulo. A extração aurífera já mostrava sinais de declínio em meados do século XVIII. Há uma farta literatura sobre Minas Gerais para o final do século XVIII e as primeiras décadas do XIX, analisando as transformações econômicas e populacionais que ocorreram e refutando a ideia de decadência geral da região (HOLANDA, 1985HOLANDA, S. B. Metais e pedras preciosas. In: HOLANDA, S. B. História geral da civilização brasileira: a época colonial. São Paulo: Difel, 1985. Tomo I, v. 2, p. 259-310.; LENHARO, 1979LENHARO, A. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação da política no Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979.; PAIVA, 1996PAIVA, C. A. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1996.; SLENES, 1988SLENES, R. W. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escrava de Minas Gerais no século XIX. Estudos Econômicos, v. 18, n. 3, p. 449-495, set./dez. 1988.; PAULA, 2000PAULA, J. A. de. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.; CARRARA, 2007CARRARA, A. A. Minas e currais. Produção rural e mercado interno de Minas Gerais (1764-1807). Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2007.; MARTINS, 2018aMARTINS, R. B. Crescendo no silêncio: a incrível economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: Icam/ABPHE, 2018a.). Uma das principais questões desse debate consiste na dinâmica demográfica crescente dos cativos por meio do tráfico e da reprodução vegetativa desse contingente (CANO; LUNA, 1984CANO, W.; LUNA, F. V. La reproducción natural de los esclavos en Minas Gerais: una hipótesis. HISLA: Revista Latinoamericana de Historia Económica y Social, Lima, v. 4, p. 129-135, 2º. sem. 1984.; LIBBY, 1988LIBBY, D. C. Transformação e trabalho em uma sociedade escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.). Entretanto, os dados de tráfico interno dos escravizados para Minas Gerais só se encontram disponíveis para o final do período colonial (FRAGOSO; FERREIRA, 2001FRAGOSO, J.; FERREIRA, R. G. Tráfico de escravos, mercadores e fianças. Dois bancos de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Códices 390, 411, 419, 421, 424, 425, 1000 e 1002. Relatório de pesquisa apresentado ao Ipea. Brasília: Ipea, 2001.; MARTINS, 2018b). Outras inferências foram obtidas pela literatura indiretamente mediante fontes, como listas de capitação, inventários e registros de batismo (LUNA; COSTA, 1982; BERGAD, 1999BERGAD, L. W. Slavery and the demographic and economic history of Minas Gerais, Brazil, 1720-1888. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.; LIBBY; BOTELHO, 2004; BRUGGER, 2009BRUGGER, S.; OLIVEIRA, A. de. Os benguelas de São João del Rei: tráfico atlântico, religiosidade e identidades étnicas (séculos XVIII e XIX). Tempo, v. 13, n. 26, p. 177-204, 2009.). Assim, nossa proposta de análise visa complementar essas evidências, que ainda são bastante exíguas em relação ao tempo e ao espaço mineiro.

Na capitania de São Paulo, desenvolveram-se atividades agropecuárias destinadas ao atendimento da demanda gerada pelo mercado interno estimulado pela mineração. Ainda no final do século XVIII, além da pecuária e dos cultivos dedicados ao abastecimento, cresceu a atividade açucareira, que inseria a capitania entre as ofertantes de mercadorias de exportação (PETRONE, 1968PETRONE, M. T. S. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio 1765-1851. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968.; MARCÍLIO, 2000MARCÍLIO, M. L. Crescimento demográfico e evolução agrária paulista (1700-1836). São Paulo: Hucitec, 2000.; BELLOTTO, 2007BELLOTTO, H. L. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo de Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1777). 2. ed. São Paulo: Alameda, 2007.). Ademais, nos primeiros anos do século XIX, a cafeicultura também adentrava em São Paulo, consolidando-se inicialmente no Vale do Paraíba e gradativamente se espalhando pelo chamado Oeste Paulista (MOTTA, 1999MOTTA, J. F. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999.). Nesse caso, a literatura dispõe de poucas evidências acerca da entrada de africanos em São Paulo, principalmente para o conjunto da capitania num período mais amplo (LUNA; KLEIN, 2005LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de 1750 a 1850. São Paulo: Edusp, 2005.; ARAÚJO, 2006ARAÚJO, M. L. V. Os caminhos da riqueza dos paulistanos na primeira metade do oitocentos. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2006.). Destarte, nossa tentativa de estimação da dinâmica de chegada dos africanos pode alargar o entendimento do movimento do tráfico para São Paulo.

Já para o Maranhão, dispomos dos desembarques de africanos no porto de São Luís, que concentrava a distribuição para a capitania. A importação de grande número de escravizados decorreu da expansão da produção de arroz e principalmente de algodão para a exportação nas décadas finais do século XVIII e iniciais do seguinte, atendendo à demanda crescente da indústria inglesa (PEREIRA, 2018PEREIRA, T. A. Z. The rise of the Brazilian cotton trade in Britain during the Industrial Revolution. Jounal of Latin American Studies, v. 50, p. 919-949, 2018.). A tendência de chegada da população escravizada acompanhou paralelamente o crescimento da exportação e a produção de bens destinados ao mercado interno (ASSUNÇÃO, 2015ASSUNÇÃO, M. R. De caboclos a bem-te-vis: formação do campesinato numa sociedade escravista, Maranhão (1800-1850). 2. ed. São Paulo: Annablume, 2015.; MOTA; BARROSO, 2017MOTA, A. da S.; CUNHA, M. F. da. No âmago da africanização: pessoas negras e de cor nos mapas populacionais do Maranhão colonial (1798-1821). Revista Brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 3, p. 465-484, set./dez. 2017.; MOTA; CUNHA, 2017). Apesar de uma retração das exportações no início dos oitocentos, posteriormente o comércio exterior recuperou-se nos anos anteriores ao momento da Independência (LAGO, 2001LAGO, A. B. P. do. Estatística histórico-geográfico da província do Maranhão. São Paulo: Siciliano, 2001.). O fluxo de chegada dos escravizados africanos passou a ser notadamente menor a partir da década de 1820, não obstante o patamar das exportações ter se mantido (SILVA, 2008SILVA, D. B. D. da. The Atlantic slave trade to Maranhão, 1680-1846: volume, routes and organisation. Slavery & Abolition, v. 29, n. 4, p. 477-501, 2008. DOI:10.1080/01440390802486507.
https://doi.org/10.1080/0144039080248650...
). No caso maranhense, a disponibilidade do número de africanos desembarcados via tráfico atlântico permitiu o confronto com os resultados da nossa proposta de estimar a dinâmica de introdução dos oriundos da África por meio de arrolamentos populacionais.

O presente artigo divide-se em três partes. A primeira abarca as fontes compulsadas e uma avaliação crítica dos documentos, principalmente por meio da análise dos informes das idades dos escravizados. Ainda nessa seção, é abordada a metodologia empregada para o estudo dos levantamentos demográficos das regiões consideradas, salientando os pressupostos e procedimentos utilizados. A partir dos levantamentos nominativos, apresentam-se, na segunda parte do artigo, as participações dos africanos no total dos escravizados e a razão de sexo conforme suas idades, apontando os diferentes resultados alcançados para o afluxo do tráfico. Por fim, estima-se a maior ou menor chegada de africanos, para períodos pretéritos ao arrolamento demográfico. Tal exercício fundamenta-se na população escravizada remanescente africana e nascida no Brasil, de acordo com suas idades nos levantamentos demográficos, comparando as regiões em estudo.

Fontes e metodologia

As listas nominativas de habitantes constituem um corpo documental ímpar para a história demográfica e econômica brasileira. Os arrolamentos populacionais retratam nominalmente as pessoas moradoras de uma determinada região, seja homem ou mulher, livre ou escravizada, apresentando informações a respeito da idade e da origem. Derivadas de finalidades militares e fiscais, essas fontes tornaram-se mais frequentes a partir do governo pombalino até os primeiros anos logo após a Independência. Assim, elas representam o mais amplo levantamento demográfico antes do primeiro censo do Império de 1872/74. As regiões retratadas foram principalmente São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Bahia, ocorrendo de forma mais pontual para outras capitanias ou, mais tarde, províncias. Tais documentos encontram-se depositados nos respectivos arquivos públicos estaduais.

Para o presente estudo são necessárias informações demográficas da origem e das idades dos escravizados. Para tanto, lançou-se mão de dois conjuntos de listas nominativas de habitantes para a capitania e depois província de São Paulo de 1804 e 1829 e outro conjunto de listagens para Minas Gerais na década de 1830.2 2 As listas nominativas mineiras da década de 1830 estão depositadas no Arquivo Público Mineiro e disponibilizadas gentilmente no formato digital pelo Cedeplar da UFMG no site da instituição: Poplin Minas 1830 (http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/poplin-minas-1830/). De modo semelhante, as listas de São Paulo estão depositadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo. Adicionalmente, foi utilizado um levantamento de caráter censitário para Vila Rica e seus arredores de 1804 e arrolamentos dos escravizados de algumas localidades maranhenses de 1848 (MATHIAS, 1969MATHIAS, H. G. Um recenseamento na Capitania de Minas Gerais: Vila Rica -1804. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça/Arquivo Nacional, 1969.).3 3 As informações demográficas do Maranhão encontram-se depositadas no Arquivo Público do Estado do Maranhão, referentes às localidades de Cortes, Codó, Caxias, Tutóia e Vargem Grande. Os mapas e relações de escravizados foram produzidos em função da Lei provincial n. 236, de 20 de agosto de 1847, num contexto turbulento posterior à revolta da Balaiada. A população relacionada nesses documentos chegou a um expressivo contingente de 171 mil escravizados para a província de Minas Gerais na década de 1830 e a 53 mil para a província de São Paulo em 1829.4 4 As listas nominativas de São Paulo de 1804 e 1829 detinham, respectivamente, 12.632 e 22.695 escravizados sem informação de origem e idade, que não foram considerados na análise (ver LUNA; KLEIN, 2004). A razão de sexo de todos os escravizados arrolados mostrou-se muito semelhante à dos que dispunham de informe de origem e idade, atingindo 119 e 118 para 1804, respectivamente, e patamar idêntico para 1829 (153). A participação de crianças em 1829 alcançou 29,0% para a totalidade dos escravizados e 29,4% para os que apresentavam origem e idade. Para Minas Gerais na década de 1830, não havia informação de idade para 6.919 cativos. Em 1804, Vila Rica detinha 3 mil cativos e a capitania de São Paulo 32 mil.5 5 O arrolamento de Vila Rica registrava 2.881 escravizados sem informação de origem e idade, que não foram considerados nessa pesquisa. Para as localidades em estudo do Maranhão, os escravizados somavam 6 mil pessoas.6 6 O contingente cativo arrolado mostrou-se maior também para o Maranhão em 1848, atingindo quase 12.000 pessoas (ver MARCONDES, 2005). A razão de sexo para a totalidade do contingente chegou a 112, enquanto em nossa amostra de localidades com informe de origem e idade alcançou 108. Assim, esses preciosos corpos documentais registram um expressivo contingente submetido à escravidão.

Esses documentos possuem informações que permitem conhecer a origem do escravizado, mesmo que seja apenas uma designação genérica do local de nascimento: África ou Brasil. Como já utilizado por outros estudos, a cor foi uma referência complementar para a definição da origem do africano, como para as listas de Minas Gerais na década de 1830.7 7 Se considerados apenas os nascidos na África, chega-se a um total de quase 26.000 africanos para Minas Gerais na década de 1830, enquanto se for incluída a cor preta essa soma alcança 72.000. A razão de sexo dos nascidos na África atingiu 267 e para o segundo caso 156. No primeiro recorte, a participação de pessoas de 20 a 29 anos no total dos africanos correspondeu a 32,6%, enquanto no segundo chegou a 33,2%. Assim, a mudança de procedimento para definir o africano produziu maior impacto na razão de sexo do que na distribuição etária. Ademais, o sexo foi designado a partir dos nomes dos escravizados. A historiografia já evidenciou que desembarcavam mais homens jovens no Brasil. Desse modo, os grandes volumes do tráfico de africanos produziam a alteração do perfil demográfico da população escravizada, gerando um desequilíbrio numérico a favor do sexo masculino (KLEIN, 1978KLEIN, H. S. The middle passage: comparative studies in the Atlantic slave trade. Princeton: Princeton University Press, 1978., cap. 2, 3 e 4, 2010). A maior razão de sexo demonstra a intensidade do tráfico para as regiões em questão. Por exemplo, essa razão chegou a 119 em São Paulo em 1804 e cresceu para 153 em 1829, em função da maior imigração forçada para a região. Já para Vila Rica, esse indicador alcançou 194 em 1804 e, para Minas Gerais, atingiu 156 na década de 1830 (BERGAD, 2004BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.).8 8 Bergad (2004) verificou uma razão de sexo de 170 entre 1830 e 1839, baseado em inventários post mortem de localidades auríferas mineiras. A análise da razão de sexo de acordo com as idades dos cativos permite conhecer os períodos de maior ou menor afluxo de africanos, supondo que chegaram jovens ao Brasil.

As idades consistem numa informação crucial para a análise aqui desenvolvida. Para avaliar essa informação nos documentos compulsados, testamos a frequência de determinados dígitos finais das idades, especialmente o dígito 0 que era muito anotado naquela época. A partir da discussão e resultados já efetuados por Costa e Nozoe (1992COSTA, I. D. N. da; NOZOE, N. H. Sobre a questão das idades em alguns documentos dos séculos XVIII e XIX. Revista do IEB, São Paulo, v. 34, p. 175-182, 1992.), calculamos, para os escravizados de 20 a 69 anos, a participação do dígito final 0 e os índices de Whipple e Myers. A qualidade do informe etário definiu-se pela maior proximidade do padrão ideal de distribuição, no qual cada dígito final detinha a frequência mais perto de um décimo do total. Desse modo, os menores valores para a participação do dígito final 0 e para os referidos índices apontam resultados mais próximos do esperado.

Os resultados das idades dos escravizados apresentados na Tabela 1 demonstram uma concentração maior no dígito 0 para o levantamento de Vila Rica em 1804, diminuindo sua frequência para o Maranhão em 1848 e mais ainda para Minas Gerais na década de 1830. Ademais, as menores participações do dígito 0 ocorreram entre as idades dos escravizados de São Paulo em 1829 e, principalmente, 1804. Por fim, ressaltamos que os resultados da avaliação das idades para os africanos mostraram indicadores de menor qualidade se comparados aos dos escravizados como um todo.

TABELA 1
Qualidade da informação das idades para os escravos de 20 a 69 anos, segundo origem Minas Gerais, Vila Rica, São Paulo e Maranhão - 1804-1848

Os índices de Whipple e Myers calculados na Tabela 1 apontam resultados assemelhados, ressaltando menores desigualdades da distribuição dos dígitos finais das idades em São Paulo, especialmente em 1804. Para as demais regiões, houve uma diferenciação da província de Minas Gerais em relação às localidades do Maranhão e, principalmente, à Vila Rica, que possuía dados de idades de menor qualificação. Assim, os informes etários para os dois conjuntos demográficos de São Paulo e o de Minas Gerais na década de 1830 demonstram-se mais próximos aos resultados esperados. Apesar das diferenças entre os levantamentos demográficos das regiões em estudo, há um corpo documental expressivo e mais qualificado, principalmente para São Paulo e Minas Gerais nos anos 1830.9 9 Como será visto adiante, isso nos fez utilizar dados até a faixa etária de 80 anos para São Paulo e Minas Gerais e de 70 anos para o Maranhão e Vila Rica.

Essa avaliação das idades contribuiu para os procedimentos empregados. A desigualdade de participação dos dígitos finais das idades conduziu à necessidade de analisar coortes etárias que compreendam todas as possibilidades desses dígitos, visando reduzir as distorções. Desse modo, optamos pela média móvel de dez anos para construir as faixas etárias que podem retratar melhor a tendência da participação dos africanos na população escravizada das regiões em estudo.10 10 Outras formas de suavização dos dados etários foram utilizadas por Scott (2020). Essa transformação constituiu o primeiro procedimento efetuado nos dados, a fim de analisar retrospectivamente os fluxos da população africana nas décadas anteriores às datas dos arrolamentos demográficos.

Como pressupostos, assumimos, para cada coorte etária, que as taxas de mortalidade, migração, fuga e alforria foram semelhantes entre os escravizados africanos e os nascidos no Brasil. Entretanto, realizamos algumas considerações sobre tais suposições. No referente às alforrias, há evidências de que: a libertação de crioulos superou à dos africanos para certas regiões; em Minas Gerais se alforriou mais comparativamente a São Paulo; e principalmente mais mulheres do que homens obtiveram sua libertação. No primeiro caso, a maior alforria de nascidos no Brasil poderia elevar a participação de africanos entre os cativos, levando a superestimar sua entrada nos momentos pretéritos ao arrolamento (FLORENTINO; GOES, 2017FLORENTINO, M.; GOES, J. R. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2017.; PAIVA, 1995PAIVA, E. F. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo/Belo Horizonte: Annablume/Faculdades Integradas Newton Paiva, 1995.; MONTI, 2016MONTI, C. G. “Por amor a Deus”: o processo de alforria de escravos em Mariana (1750-1779). São Paulo: Annablume, 2016.; LUNA; KLEIN, 2010LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Escravismo no Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.).11 11 Na maior parte do Brasil até 1850, os crioulos conseguiram mais alforrias do que os africanos, porém, para algumas localidades observarmos mais libertos africanos, como no caso do Rio de Janeiro. Como não há evidência disponível para o Brasil, preferimos manter nossa hipótese de igualdade de alforria entre nascidos no Brasil e na África. No segundo caso, a maior manumissão do conjunto da população escravizada para Minas Gerais deve ter alcançado tanto os nascidos no Brasil como na África, atenuando o impacto em nossos indicadores. No terceiro caso, a libertação alcançou mais as mulheres do que os homens, elevando a razão de sexo dos cativos (LUNA; KLEIN, 2004).12 12 Para Minas Gerais na década de 1830, Luna e Klein (2004) verificaram a existência de quase 15.000 forros representando 11% dos escravizados. A razão de sexo dos libertos foi de 94. Deve-se lembrar que nessa época e lugares em estudo a população masculina escravizada superava numericamente a feminina, assim, em termos relativos, a alforria de mulheres era ainda maior. Nas regiões onde a manumissão mostrou-se mais expressiva poderia afetar as razões de sexo dos cativos.

Ainda é necessário considerar as seguintes evidências em relação aos nossos pressupostos: a mortalidade dos africanos recém-chegados ao Brasil nos primeiros anos superava a dos nascidos em terras brasileiras para uma idade idêntica, em virtude de maus tratos e violência desde a captura na África até o transporte para a América, aqui chegando muito debilitados e às vezes doentes; além disso, entre os escravizados fugidos prevaleciam, na primeira metade do século XIX, os homens, porém não existe clara distinção entre africanos e nascidos no Brasil (AMANTINO, 2006AMANTINO, M. Os escravos fugitivos em Minas Gerais e os anúncios do Jornal “O Universal” - 1825 a 1832. Locus: Revista de História, v. 12, n. 2, p. 59-74, 2006.; FLORENTINO; AMANTINO, 2012FLORENTINO, M.; AMANTINO, M. Fugas, quilombos e fujões nas Américas (séculos XVI-XIX). Análise Social, v. 203, n. 157 (2º), p. 236-267, 2012.; COSTA, 2013COSTA, A. C. de R. Fugas de escravos na comarca do Rio das Mortes, primeira metade do século XIX. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), São João del Rei, 2013.; READ; ZIMMERMAN, 2014READ, I. R.; ZIMMERMAN, K. Freedom for too few: slave runaways in the Brazilian empire. Journal of Social History, v. 48, n. 2, p. 404-423, 2014.).13 13 Devemos ressaltar que os volumes de escravizados fugidos representavam, relativamente à sua população, montantes bastante reduzidos. Sabendo-se que esse comportamento divergente aos nossos pressupostos acerca da alforria, mortalidade e fugas ocorria de modo semelhante para as três regiões, efetuamos uma análise comparativa para mitigar os efeitos. Por fim, como demonstra a literatura do tráfico atlântico, salientamos a prevalência, do ponto de vista numérico, dos escravizados homens e jovens. A partir desses pressupostos podemos reconstruir, grosso modo, as tendências dos fluxos passados dos oriundos da África e escravizados, por meio da sua frequência segundo o sexo e suas idades. Contudo, não estimamos os volumes absolutos dessas pessoas, o que necessitaria supor taxas específicas de mortalidade, migração, alforria e fuga.14 14 Uma tentativa de estimar os volumes desembarcados a partir dos escravizados africanos inventariados em Vassouras (RJ) foi efetuada por Heitor Moura Filho (2015), supondo uma mortalidade com expectativa de vida aos 20 anos de 47 anos para homens e 49 para mulheres.

A pirâmide etária possibilita estabelecer coortes para as quais podemos estimar os momentos anteriores de chegada dos africanos ao Brasil, supondo as hipóteses acima. A partir das coortes etárias conseguimos recuar os grupos demográficos a períodos pretéritos, quando seus indivíduos possuíam idades menores e mais próximas ao momento de entrada dos africanos ao Brasil. De um lado, para as coortes mais jovens a representatividade mostra-se maior na lista; de outro, essas idades menores limitam a possibilidade de retroceder no tempo para reconstruir a população em períodos muito anteriores à data do levantamento demográfico. Se ganhamos representatividade com as coortes mais jovens, há a limitação para recuarmos a períodos muito distantes. Contudo, para os mais idosos podemos retroagir a períodos mais pretéritos, apesar da representatividade revelar-se menor à medida do avanço etário, como pode ser visto na Tabela 2.15 15 Os idosos sofrem mais devido à maior incidência acumulada da mortalidade. Como as listas para São Paulo e Minas Gerais revelaram dados etários de melhor qualidade e maior população, consideramos até a faixa de 80 a 89 anos, para essas duas regiões, e até a de 70 a 79 anos, para Vila Rica e Maranhão. Destarte, os sobreviventes escravizados observados nos arrolamentos demográficos derivam das populações passadas de diferentes coortes, marcadas principalmente pela mortalidade, mas também pelo saldo migratório (inclusive do tráfico interno e atlântico), fuga e alforria.

TABELA 2
Distribuição dos escravizados considerando a média móvel de dez anos, segundo faixas etárias Vila Rica, São Paulo, Minas Gerais e Maranhão - 1804-1848 Em porcentagem

A partir das listas nominativas utilizadas, procedemos, para cada uma das idades, o cálculo da razão de sexo e das participações dos africanos. Aceitando as hipóteses e os limites desse procedimento, os resultados demonstram as faixas etárias de maior incidência dos africanos entre a população escrava e, possivelmente, do tráfico. A partir dessa última evidência, estimamos, grosso modo, o período de entrada desses africanos. Para reduzir o efeito das distorções dos dígitos finais, efetuamos a média móvel de dez anos do número de africanos e do total de escravizados para cada idade. Supondo uma idade comum de chegada dos africanos ao Brasil de 20 anos para realizar o procedimento, podemos estimar o momento de entrada deles, dadas as hipóteses mencionadas anteriormente.16 16 Como a evidência da literatura é de que os africanos chegaram principalmente jovens ao Brasil, isto nos fez assumir 20 anos de idade para realizar o procedimento (KLEIN, 1978, cap. 2, 3 e 4, 2010; MARTINS, 2018b). Outra evidência pode ser obtida por meio dos passaportes dos escravizados saídos da corte, em que verificamos a idade de 1.835 cativos (códices 421 e 425 do Arquivo Nacional), para os quais a idade média foi de 20,5 anos. Agradecemos a João Fragoso e Roberto Guedes Ferreira (2001) a disponibilização dessas informações. Por exemplo, ao calcular a média móvel dos escravizados e dos africanos aos 20 anos, consideramos o intervalo de 15 a 24 anos e assim sucessivamente para as demais idades. Por fim, não incluímos as crianças nesse procedimento, pois poderiam distorcer os resultados em função de grandes diferenças de representatividade e de mortalidade entre africanos e nascidos no Brasil.

A partir da média móvel do número de escravizados e de africanos para as idades, estabelecemos as coortes etárias e, por consequência, uma estatística retrospectiva das décadas de maior ou menor entrada dos nascidos na África relativamente aos demais. Por exemplo, calculamos, para o arrolamento de 1829, a média móvel dos africanos e do contingente cativo para cada idade, depois separamos aqueles da coorte de 20 a 29 anos e deduzimos que chegaram na década imediatamente anterior a 1829. Da mesma forma, realizamos o procedimento para as faixas etárias seguintes, a fim de conhecer as décadas de maior ou menor presença de africanos. Se nossas hipóteses e procedimentos são aceitáveis, os africanos presentes em 1829 na faixa etária de 70 a 79 anos foram os sobreviventes na escravidão que possivelmente chegaram na década de 1770 a 1779. Desse modo, utilizamos a participação dos africanos no total dos escravizados por faixa etária e, por consequência, para a possível década de sua chegada, como forma de estimar o fluxo de entrada anterior ao censo. Outrossim, quanto maior o período entre a data do censo e a possível década de chegada dos africanos, menor é a representatividade e maior é a ocorrência dos efeitos das diferenças de mortalidade, alforrias, fugas e migrações entre escravizados nascidos no Brasil e na África, tornando mais difícil a estimativa dos fluxos.

Escravizados, africanos e suas idades

Para Minas Gerais foram contemplados dois momentos distintos: 1804 e a década de 1830. Com relação às datas de realização das listas nominativas de habitantes em consideração neste estudo, notamos em Vila Rica, para 1804, uma maior memória da mineração. De outro lado, na década de 1830, a província já se concentrava principalmente nas atividades voltadas ao mercado interno, que se destinava à corte do Rio de Janeiro e áreas cafeeiras fluminenses e paulistas. Por fim, Minas Gerais começava a participar do processo de expansão da economia cafeeira, que também ocorria no Vale do Paraíba mineiro.

Em 1804, Vila Rica possuía, segundo a lista, 1.664 africanos submetidos à escravidão, representando 47,9% do total de escravizados.17 17 Bergad (2004) levantou um conjunto extraordinário de dados das escravarias de inventários post mortem para Vila Rica, Mariana, São João e São José Del Rei e Diamantina nos séculos XVIII e XIX. Para a o período de 1795 a 1804, a participação dos africanos no contingente cativo foi de 43,9%, bastante próximo ao do arrolamento de 1804 para Vila Rica. Em termos de perfil etário, a participação dos africanos na população escravizada com até 40 anos de idade chegou a pouco mais de um terço (36,6%).18 18 Não havia informação de idade para 148 africanos e 11 crioulos. Para Vila Rica, a parcela dos africanos com até 40 anos de idade em relação ao total de nascidos na África atingiu 54,7%. Quando analisado o perfil etário em maior detalhe, verifica-se uma crescente participação dos africanos entre os escravizados até 40 anos, conforme mostra o Gráfico 1. Para o restante da população, a parcela dos nascidos na África manteve-se num patamar pouco superior do que a metade do total dos cativos, apresentando oscilação mais intensa, provavelmente pelo reduzido número de escravizados mais idosos.

GRÁFICO 1
Participação dos africanos entre os escravizados, segundo idade Minas Gerais e Vila Rica - 1804-década de 1930

Na década de 1830, a província de Minas Gerais compreendeu um conjunto expressivo de africanos, perfazendo cerca de 72 mil pessoas ou 42,2% dos cativos mineiros.19 19 Para a década de 1830, Bergad (2004) verificou uma participação de africanos no contingente escravizado de 36,8%. O território estudado por ele concentrou-se nas áreas mineradoras, que nessa década se encontravam em declínio relativamente ao restante da província. O perfil etário dos nascidos na África mostrou uma concentração ainda maior nos mais jovens, que representavam 41,6% dos escravizados com até 40 anos de idade, superando o porcentual de 1804.20 20 A participação dos africanos de até 40 anos no total para Minas Gerais chegou a 83,4% na década de 1830. O crescimento da participação dos africanos iniciou-se nas idades mais tenras e se intensificou até atingir mais da metade dos escravizados ao redor de 20 anos, como pode ser observado no Gráfico 1. Para as idades seguintes, a proporção apresentou uma pequena redução, mas mantendo o patamar de metade do total de cativos. Por fim, com relação aos escravizados com mais de 60 anos, a parcela de africanos aumentou novamente.

Apesar de uma proporção um pouco menor de nascidos na África entre os escravizados para Minas Gerais na década de 1830 comparativamente a Vila Rica em 1804, observamos uma concentração maior de africanos mais jovens, salientando um tráfico mais intenso e recente. Isto aponta para um dinamismo maior da economia demandando mão de obra em idade ativa. A participação de africanos na década de 1830 mostrou-se superior a 1804 para aqueles de 12 a 30 anos de idade. De outro lado, para os de 35 até 60 anos as parcelas eram maiores em Vila Rica em 1804. Assim, o tráfico mais intenso para essa última localidade ocorreu, possivelmente, há mais tempo relativamente a 1804 do que para a província de Minas Gerais antes da década de 1830.

Quando analisados os levantamentos paulistas de 1804 e 1829, observamos dois momentos do mesmo processo de expansão da economia, fortalecendo as atividades de mercado interno, bem como o açúcar e, principalmente, o café para exportação. Os africanos em São Paulo somaram quase 11 mil escravizados em 1804 e pouco mais de 30 mil em 1829, representando cerca de um terço dos escravizados no primeiro ano (33,9%) e alcançando mais da metade no segundo (56,7%). A participação dos africanos no contingente escravizado de até 40 anos de idade atingiu 30,9% em 1804 e 56,5% em 1829.21 21 Para São Paulo, a concentração dos africanos com até 40 anos de idade alcançou pelo menos três quartos dos nascidos na África, chegando a 76,2% em 1804 e ainda mais em 1829 (89,4%). O grande crescimento dessa população e de sua proporção demonstra o dinamismo econômico dessa região, sendo que a jovialidade dos africanos evidencia a elevada intensidade do tráfico recente. O aumento da parcela de nascidos na África ocorreu desde as idades mais iniciais até cerca dos 20 anos, atingindo patamares ainda mais elevados em 1829, como é possível observar no Gráfico 2. Se, em 1804, após os 20 anos a participação cresceu ligeiramente, em 1829 notamos uma retração. Desse modo, as duas linhas entrecruzam-se após os 50 anos, não apontando diferenciação das parcelas entre os dois censos a partir dessa idade.

GRÁFICO 2
Participação dos africanos entre os escravizados, segundo idade São Paulo - 1804-1829

Quando comparados os resultados mineiros e paulistas nas primeiras décadas do século XIX, verifica-se que o maior crescimento dos africanos proporcionalmente à população escravizada ocorreu em São Paulo, especialmente nas faixas etárias mais jovens. Desse modo, o tráfico para São Paulo mostrava-se mais intenso e recente em relação ao seu contingente escravizado do que para Minas Gerais, principalmente para a primeira década após a Independência. Embora continuasse a receber escravizados africanos, a proporção desse afluxo mineiro em relação à sua população cativa revelou-se menor do que a paulista.

Após o início das restrições ao tráfico negreiro, o Maranhão sustentou a capacidade produtiva mediante o emprego de grande quantidade de braços importados em anos anteriores e o crescimento vegetativo da população maranhense (RODRIGUES, 2007). Sabe-se que a participação relativa da população escravizada no total dos habitantes em 1838 era ligeiramente superior à livre (51,6%), mas passou a entrar em declínio, decorrente da retração do tráfico, da migração interna, das manumissões e fugas. Os documentos compulsados de algumas localidades do Maranhão em 1848 permitiram conhecer a origem e as idades de 1.487 africanos, que representavam apenas 23,9% do total de escravizados. Entre aqueles com menos de 41 anos, os africanos correspondiam a somente 14,6% do total, porcentual muito inferior aos das outras duas regiões em estudo.22 22 Para o Maranhão, os africanos com até 40 anos representavam 50,2% do total de nascidos na África. Noutros termos, vis-à-vis aos cativos nascidos no Brasil, os escravizados africanos eram mais idosos e a razão de sexo revelava-se superior (145 para os de 15 a 49 anos e 179 para os de 50 anos ou mais).

Apesar das distintas datas de realização dos levantamentos censitários, o Maranhão possuía relativamente a Minas Gerais e São Paulo menores participações de africanos entre os escravizados, como pode ser visto no Gráfico 3. À medida que aumentam as idades, o crescimento dessa proporção ocorre primeiro para São Paulo e, posteriormente, para Minas Gerais. A maior parcela paulista manteve-se até a idade de 40 anos. Para o restante do perfil etário verificamos participações mais elevadas para o Maranhão e comportamentos semelhantes para Minas Gerais e São Paulo. Assim, verifica-se que o tráfico africano foi mais intenso e recente para São Paulo relativamente à sua população cativa, porém proporcionalmente menor para Minas Gerais. Não obstante dados referentes a 1848, o Maranhão apresentou, como mostra o Gráfico 3, um tráfico intenso bem mais pretérito à data do censo, ocorrendo apenas a grande presença de africanos entre os escravizados mais idosos, especialmente após os 50 anos.

GRÁFICO 3
Participação dos africanos entre os escravizados, segundo idade São Paulo, Minas Gerais e Maranhão - 1829-1848

Esses resultados acerca da dinâmica de chegada dos africanos para algumas localidades do Maranhão aproximam-se do movimento do tráfico atlântico de escravizados já conhecido na literatura, conjugado com a expansão inicial e posterior estagnação das exportações entre 1780 e 1850.

Outra evidência da influência do tráfico africano para as regiões em estudo consiste na razão de sexo segundo as idades dos cativos. A chegada jovem e principalmente masculina interfere nessa razão de acordo com a intensidade do fluxo de entrada de africanos relativamente à população submetida à escravidão. O Gráfico 4 mostra as razões de recém-nascidos até os 78 anos para toda a população escravizada das três regiões em estudo. Como esperado, nas idades mais tenras observa-se maior equilíbrio numérico entre os sexos, ou seja, menos impactadas pelo tráfico atlântico. Nota-se que as razões de Minas Gerais e São Paulo crescem à medida que avançam as idades desde o final da primeira década de vida até os 20 e poucos anos, mormente para a área paulista. Esse incremento decorreu da introdução crescente de africanos. Não obstante a data mais recente do levantamento demográfico do Maranhão, tal fato não ocorreu até quase os 50 anos, passando a crescer com oscilações apenas a partir dessa faixa etária e refletindo um dinamismo do tráfico mais antigo do final do século XVIII e início do XIX.

GRÁFICO 4
Razão de sexo dos escravizados africanos, segundo idade São Paulo, Minas Gerais e Maranhão - 1829-1848

Apesar do desequilíbrio numérico a favor dos homens, as razões de sexo de Minas Gerais e São Paulo apresentaram tendência de ligeiro declínio dos 20 e poucos anos até os 50 anos, principalmente para a província paulista. A partir dessa última idade houve novamente uma tendência de crescimento das razões, embora com maior oscilação. Enquanto para São Paulo esse aumento mostrou-se menor e já declinou após os 60 anos, para Minas Gerais a tendência revelou-se continuamente crescente até as faixas mais idosas, apesar de oscilações. Se o tráfico mais recente aponta fluxos de intensidades próximas para as províncias vizinhas, os fluxos mais antigos indicam diferenças marcantes a favor do maior dinamismo de introdução de africanos para a área mineira. Desse modo, a comparação das três realidades regionais pode ser mais facilmente compreendida por meio da estimação dos momentos de maior afluxo de africanos, o que que será analisado na seção seguinte.

Estimativa da dinâmica de chegada dos africanos por décadas

A partir dos pressupostos e procedimentos mencionados na primeira parte do artigo, as idades dos sobreviventes presentes nos levantamentos demográficos permitiram estimar as tendências das participações dos africanos entre o total dos escravizados e a razão de sexo para as diferentes coortes etárias. Desse modo, podemos verificar o maior ou menor afluxo do tráfico segundo as décadas anteriores ao arrolamento, porém, não é possível quantificar o número de africanos chegados à região. Comparamos nossos resultados com os computados por Bergad (2004BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.) para algumas localidades mineradoras de Minas Gerais desde o século XVIII e por Hawthorne (2010HAWTHORNE, W. From África to Brazil. Culture, identity, and an Atlantic slave trade, 1600-1830. New York: Cambridge University Press, 2010.) para o Maranhão no início do século XIX,23 23 Os dados dos escravos presentes nos inventários utilizados por Hawthorne estão disponíveis em: http://slavebiographies.org/databases.php. fundamentados em outra fonte documental (os inventários post mortem), e com os levantados por Luna (1992LUNA, F. V. Características demográficas dos escravos de São Paulo (1777-1829). Estudos Econômicos, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 443-483, set./dez. 1992.) para localidades de São Paulo do último quartel do século XVIII e o primeiro do XIX, baseados em listas nominativas de habitantes.24 24 Os dados utilizados de Luna (1992) referem-se a 1.605 escravizados para 1777, 635 para 1798, 9.027 para 1816 e 9.998 para 1823. Assim, eles não refletem a totalidade da população submetida à escravidão na capitania e mais tarde província de São Paulo. A diferença da fonte deve interferir nos resultados, pois as listas possuem um caráter censitário e os inventários compreendem as pessoas mais ricas da sociedade, mas não todos os escravistas.25 25 O perfil da escravaria nos inventários deve apontar menor participação de africanos em função de os inventariados serem em geral mais idosos. Já os escravocratas mais jovens recorriam frequentemente ao mercado para expandir seus escravizados. A amostra de Bergad (2004) não seria uma representação adequada da totalidade do território mineiro e os inventários sobreviventes nos cartórios compreenderiam parte da elite mineira. Ver Libby (2001, p. 279-304). Assim, cotejamos os nossos resultados com os já disponíveis na literatura, possibilitando uma melhor avaliação do procedimento utilizado.

Ao aplicarmos os procedimentos adotados nos informes demográficos de 1804, verificamos, no Gráfico 5, uma participação elevada de africanos entre os escravizados para Vila Rica nas décadas de 1745-1774, que se retraiu apenas posteriormente. O declínio ocorreu primeiro de forma gradual de 1775 a 1794 e, de modo mais acentuado, na década 1795-1804. De outro lado, os resultados de Bergad (2004BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.) permitiram observar a tendência de redução dos africanos em Minas Gerais desde a década de 1735-44 até 1795-1804, porém iniciada anteriormente à nossa análise de Vila Rica.26 26 Iraci Costa (1979, p. 48) verificou a tendência do número absoluto dos batismos dos escravos da freguesia de N. S. da Conceição de Vila Rica, que apresentou uma primeira retração entre 1729-38 e 1739-48 e se estabilizou até 1764-73, revelando uma nova retração até o início do século XIX. Libby (2006) apontou, por meio dos batismos de africanos adultos, um declínio absoluto para a freguesia de N. S. do Pilar de Vila Rica desde a década de 1760, chegando aos menores valores na última década do século XVIII e primeira do XIX. Quando se avança para o fim do período em análise e dispondo de mais sobreviventes nessas coortes mais jovens, os patamares de Minas aproximam-se para as duas estimativas. Essa tendência de declínio mostrou-se menos intensa do que a da produção do ouro para Minas Gerais apontada por Noya Pinto (1979), salientando a relevância cada vez maior das atividades econômicas não auríferas.

GRÁFICO 5
Participação dos africanos entre os escravizados e produção de ouro (1) Vila Rica, São Paulo - 1804 e Minas Gerais (2)

São Paulo apresentou inicialmente proporções mais reduzidas de africanos, porém, uma tendência menor de declínio dessa parcela. Ao final do período em 1804, as três curvas em declínio convergiram para um patamar semelhante, que possibilita estimar a retração do tráfico para as duas capitanias. O declínio da extração do ouro na segunda metade do século XVIII pode explicar parcialmente esse resultado, ocorrendo de modo mais acentuado para as localidades mineradoras analisadas e menos para as paulistas. As outras atividades econômicas de São Paulo sustentaram de modo mais intenso o afluxo de africanos.

Como pode ser visto no Gráfico 6, as listas nominativas realizadas na quarta década do século XIX para Minas Gerais corroboram a tendência de declínio do tráfico até a primeira década dessa centúria, como anotado para o levantamento demográfico anterior. Entretanto, a partir da segunda década do século XIX, ocorreu uma divergência dos nossos resultados com relação aos de Bergad, que mantiveram a tendência de declínio para Minas Gerais. Os inventários utilizados pelo autor referem-se a localidades mais voltadas para a extração mineral do que o conjunto da província, o que pode explicar parte da diferença dos resultados.27 27 Libby (2006) afirmou uma recuperação em termos absolutos dos batismos de africanos adultos para cinco localidades da região central de Minas Gerais (Vila Rica, São João, São José, Catas Altas e Santa Luiza) a partir da segunda década do século XIX, mas uma retração a partir da quarta década. O arrolamento mineiro da década de 1830 apontou uma recuperação da participação dos africanos entre os escravizados após 1809. O crescimento da economia mineira ajuda a entender a retomada do tráfico. De outro lado, São Paulo apresentou uma tendência de expansão dos africanos relativamente à população escravizada desde o final do século XVIII, corroborando as informações para a faixa etária dos 20 anos nas listas nominativas para outros anos e localidades levantadas por Luna (1992LUNA, F. V. Características demográficas dos escravos de São Paulo (1777-1829). Estudos Econômicos, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 443-483, set./dez. 1992.). Tal resultado pode ser atribuído à intensificação do tráfico, inclusive migração de outras áreas do território brasileiro.28 28 Os patamares das participações de africanos para São Paulo nos dois gráficos revelaram-se distintos até 1804, bem como para Minas Gerais. Essas divergências dos resultados podem ser decorrentes da entrada de africanos com mais de 20 anos entre os dois censos, elevando as participações de nascidos na África ao final do século XVIII comparativamente às estimativas de 1804. O renascimento agrícola paulista decorreu da expansão açucareira e posteriormente do café, bem como de atividades para o mercado interno.

O desembarque dos africanos incrementava a população desse contingente em todo o Sudeste, ocorrendo mormente pelo porto do Rio de Janeiro. Posteriormente, uma parte desses africanos deslocava-se para Minas Gerais e São Paulo. Essa última região apresentava tendência de crescimento da participação de africanos à medida que diminuíam as idades e se aproximava de 1829. De outro lado, para Minas Gerais ocorreu redução da participação de africanos até o início do século XIX, mas essa tendência se reverteu a partir da década de 1810. Assim, na segunda e terceira décadas do século XIX, os movimentos mostraram-se mais sincrônicos para as duas regiões em estudo, que apresentavam crescimento econômico e demográfico.

GRÁFICO 6
Participação dos africanos entre os escravizados São Paulo, Minas Gerais e Maranhão - 1829-1848

Outra medida para a movimentação dos escravizados pelo território brasileiro consiste nos registros de saída deles da corte, principalmente de africanos. A partir do estudo de Fragoso e Ferreira (2001FRAGOSO, J.; FERREIRA, R. G. Tráfico de escravos, mercadores e fianças. Dois bancos de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Códices 390, 411, 419, 421, 424, 425, 1000 e 1002. Relatório de pesquisa apresentado ao Ipea. Brasília: Ipea, 2001.) sobre as remessas de escravizados do Rio de Janeiro para as províncias de Minas Gerais e São Paulo entre 1824 e 1830, nota-se uma saída de 54 mil pessoas para a primeira e de 19 mil para a segunda. Se fizermos a proporção desses fluxos em relação à população escravizada considerada nos levantamentos de caráter censitário utilizados, observamos um impacto de 31,5% para a província mineira e de 35,9% para a paulista.29 29 De acordo com essa pesquisa, as províncias fluminense e gaúcha receberam 43 mil e 7 mil escravizados entre 1824 e 1830, perfazendo 47,7% e 24,2% da população escrava em 1818, respectivamente. Desse modo, a intensidade do tráfico revelou-se maior para a província fluminense do que a mineira e a paulista, mas essas últimas superavam a gaúcha. Desse modo, com base na proporção de escravizados despachados pela corte e também em nossa estimativa da parcela de africanos para esse período, o movimento do tráfico impactou mais São Paulo do que Minas Gerais.30 30 Devemos lembrar que São Paulo realizava o tráfico diretamente com a África por meio, principalmente, do porto de Santos. Apesar de não constituir a forma principal de introdução dos escravizados em São Paulo, o fluxo direto da África para São Paulo deve ser considerado (MARCONDES; MOTTA, 2017). De toda sorte, as duas províncias apresentavam tendência de expansão econômica e demográfica por meio da introdução cada vez maior dos africanos após a chegada da corte portuguesa.

Para avançarmos na contextualização dos nossos resultados, podemos cotejar com o levantamento demográfico do Maranhão. Como ainda pode ser visto no Gráfico 6, essa última região também apresentou um patamar elevado de africanos ao final do século XVIII e início do XIX, refletindo um intenso tráfico até essa época. Contudo, houve um declínio gradual dos desembarcados africanos, que também pode ser observado por meio das coortes etárias do levantamento demográfico de 1848.31 31 Como o arrolamento do Maranhão refere-se a 1848, não consideramos no Gráfico 6 as duas primeiras faixas etárias de 20 a 39 anos, que tratam dos fluxos das décadas de 1829-38 e 1839-48. Para essas duas décadas a participação de africanos reduziu-se ainda mais, alcançando 35,5% e apenas 9,4%, respectivamente. A estagnação das exportações e os conflitos na província podem explicar a retração do tráfico. A Lei de 7 de novembro de 1831, que proibiu o tráfico atlântico, pode ter apresentado algum efeito no Maranhão, mas conjugada aos fatores já mencionados. Para São Paulo, os dados levantados por Luna (1992) para 1836, referentes a 17.161 escravizados, ainda apontavam elevada participação de africanos na faixa etária dos 20 anos (73,3%) e mesmo para a totalidade dos cativos (55,3%). Nesse caso, não observamos o impacto mais imediato da lei sobre o fluxo de africanos para São Paulo até 1836. Hawthorne (2010HAWTHORNE, W. From África to Brazil. Culture, identity, and an Atlantic slave trade, 1600-1830. New York: Cambridge University Press, 2010.) evidenciou por meio de inventários do Maranhão um patamar próximo de africanos na população escrava nas três primeiras décadas do século XIX, embora a tendência de declínio não fosse tão evidente como vista nos nossos dados. Ademais, podemos corroborar nosso resultado com a comparação entre o número de africanos entrados no Maranhão via tráfico atlântico e a população cativa estimada, já disponíveis na literatura.32 32 A fonte para identificar o desembarque de africanos no Maranhão foi o site https://www.slavevoyages.org/, corrigido por Silva (2008). Estimamos a população cativa maranhense a partir da interpolação geométrica dos informes demográficos de 1798, 1821 e 1838. Fontes: Mota e Cunha (2017, p.470) para o ano 1798, Lago (2001, p. 86-89) para 1821 e Aguiar (1861, mapa 5) para 1861. Assim, verificamos a proporção de desembarcados no contingente escravizado de 45,2% entre 1800 e 1809, mas para 1820 a 1829 essa parcela retraiu-se a somente 11,8%. A redução do tráfico maranhense após a chegada da corte no Brasil decorreu da estagnação das exportações, principalmente do algodão. Essa tendência demográfica e econômica do Maranhão contrastava com a expansão do Sudeste, que incrementava tanto o tráfico como a produção.

Ainda podemos comparar a dinâmica das regiões por meio de outro indicador. Como já salientamos antes, a razão de sexo mostra-se sensível à entrada de africanos via tráfico. O Gráfico 7 apresenta as razões segundo as faixas etárias transpostas para as possíveis décadas de introdução dos africanos no Brasil. Minas Gerais apresentou, tanto na nossa estimativa quanto na de Bergad (2004BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.), tendência contínua de declínio, partindo de patamares muito elevados na segunda metade do XVIII. Nas primeiras décadas do século XIX houve uma retração mais suave da razão para Minas Gerais, comparativamente ao final do século anterior. De outro lado, São Paulo mostrou um comportamento distinto, crescendo no início e em maior intensidade ao final do período considerado. Tal tendência corroborou os resultados de Luna (1982LUNA, F. V.; COSTA, I. D. N. da. Minas colonial: economia e sociedade. São Paulo: Livraria Pioneira Editora / Fipe, 1982.) para a faixa etária dos 20 anos, calcados também nas listas nominativas para outros anos e localidades. Na década da Independência, os nossos cálculos apontaram uma razão de sexo para São Paulo superior à de Minas Gerais, que até então se revelava maior do que a paulista. Desse modo, nas primeiras décadas do século XIX, observamos uma convergência das razões de sexo para as duas regiões vizinhas.

Ainda no Gráfico 7, observa-se que o Maranhão revelou tendência de declínio das suas razões de sexo para o intervalo considerado, porém, sempre em patamares mais reduzidos do que as outras regiões. Todavia, os dados dos inventários maranhenses de Hawthorne (2010HAWTHORNE, W. From África to Brazil. Culture, identity, and an Atlantic slave trade, 1600-1830. New York: Cambridge University Press, 2010.) não demonstram o declínio das razões de sexo no início do século XIX, apesar da proximidade dos nossos patamares desse indicador. A estagnação das exportações de algodão no período do Brasil independente condicionou a retração da participação de africanos e da razão de sexo, bem como movimentos do tráfico interno de cativos. Desse modo, o maior equilíbrio numérico entre os sexos favoreceu a capacidade reprodutiva dos escravizados.

GRÁFICO 7
Razões de sexo dos escravizados africanos São Paulo, Minas Gerais e Maranhão - 1829-1848

Os resultados das tendências apontadas tanto pela participação de africanos como pela razão de sexo convergiram para uma dinâmica regional semelhante na década da Independência. Seja qual for o indicador em estudo, as tendências aproximaram-se para uma mesma capitania ou província. Os patamares da proporção de africanos e da razão de sexo para Minas Gerais em meados do século XVIII revelaram-se muito elevados, apontando grande impacto da introdução dos nascidos na África na população cativa. A partir das décadas de 1770 e 1780, observamos um declínio dos indicadores para Minas Gerais. Todavia, as informações levantadas por Bergad (2004BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.) já apontavam retração desde a metade do século XVIII. Assim, nossos resultados salientaram um declínio mais tardio do que os de Bergad, devido à concentração do seu estudo nas áreas mineradoras. Tal retração continuou no início do século XIX, porém, nossos resultados para a participação de africanos demonstraram sua recuperação após a chegada da corte, ao contrário do indicador de Bergad e mais próximo do expressivo despacho de escravizados da corte para Minas Gerais informado por Fragoso e Ferreira (2001FRAGOSO, J.; FERREIRA, R. G. Tráfico de escravos, mercadores e fianças. Dois bancos de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Códices 390, 411, 419, 421, 424, 425, 1000 e 1002. Relatório de pesquisa apresentado ao Ipea. Brasília: Ipea, 2001.).

São Paulo apresentava patamares bem mais reduzidos dos dois indicadores do que os de Minas Gerais na metade do século XVIII, crescendo posteriormente. Todavia, notamos para a área paulista certa estabilidade desses indicadores desde o final daquele século até o início do século XIX, aumentando novamente na segunda e terceira décadas do oitocentos, coerentes com os informes de Luna (1992LUNA, F. V. Características demográficas dos escravos de São Paulo (1777-1829). Estudos Econômicos, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 443-483, set./dez. 1992.). Os patamares alcançados para a participação dos africanos e a razão de sexo na década de 1820 mostraram-se ligeiramente superiores aos das demais províncias. Assim, o impacto da entrada de africanos revelou-se maior nessa província para as primeiras décadas do século XIX. De todo modo, a partir da chegada da corte houve maior convergência da dinâmica de introdução de africanos em São Paulo e Minas Gerais, apontando para movimentos econômicos de expansão.

Considerações finais

As listas nominativas de habitantes da segunda metade do século XVIII e da primeira do século XIX constituem um corpo documental de grande potencial para os estudos históricos, econômicos e demográficos. A riqueza da fonte permite diferentes abordagens pelos pesquisadores. A falta de dados regulares nesse formato nos conduziu a pensar em estratégias alternativas para a análise. Nesse estudo, propomos um caminho para iniciar uma discussão acerca de novos métodos e hipóteses. Assim, tentamos preencher lacunas e propor tendências para a dinâmica demográfica do passado.

Neste trabalho, analisamos, de forma comparativa, os escravizados sobreviventes presentes nos informes demográficos avaliados como de qualidade aceitável para diferentes regiões do território brasileiro referentes à primeira metade do século XIX. A parcela dos nascidos na África em relação aos escravizados e a razão de sexo de todos os cativos de acordo com as idades ajudaram a remontar a dinâmica retrospectiva da chegada dos africanos às regiões. Contudo, para as faixas etárias mais idosas consta um número menor de moradores e, assim, menor capacidade de estimar a proporção de africanos e a razão de sexo entre os escravizados. Ao utilizarmos as coortes etárias estimamos, supondo certas hipóteses e procedimentos, as proporções de africanos e as razões de sexo da população cativa para os períodos anteriores aos das listas nominativas de habitantes. Esse tipo de análise não quantifica em termos absolutos a população anterior, mas reconstrói os movimentos demográficos dos africanos no contingente cativo. Desse modo, a participação dos nascidos na África e a razão de sexo entre os escravizados constituem proxies do tráfico interno de africanos, principalmente para suprir lacunas em períodos anteriores aos dos arrolamentos demográficos, devido à ausência ou precariedade de levantamentos populacionais ou de outras fontes.

A dinâmica retrospectiva da introdução de africanos reconstruída nesse artigo mostrou-se bastante correlacionada à história econômica das diferentes regiões estudadas, seja Minas Gerais, São Paulo ou Maranhão. O perfil etário da presença africana e da razão de sexo para Minas Gerais demonstrou a existência de uma estrutura demográfica marcada pela elevada incidência de escravizados nascidos na África em meados do século XVIII, distinguindo expressivamente em relação ao verificado para São Paulo. Tal estrutura refletiu a pujante economia mineradora de Minas Gerais, contrastando à realidade paulista anterior ao governo de Morgado de Mateus (1765-1775). A partir da década de 1770 e de 1780, verificamos o início da retração dos indicadores para Minas Gerais, revelando-se posterior ao começo do declínio da extração do ouro na capitania. Tal resultado diferiu do evidenciado por Bergad (2004BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.), que apontou o declínio muito anterior a esse período. Por fim, São Paulo não apresentou tendência de retração tão forte quanto Minas Gerais até o final do século XVIII, aproximando os indicadores das duas capitanias.

No Maranhão, os indicadores para a primeira metade do século XIX revelaram uma tendência contínua de declínio, relacionada à estagnação das exportações de algodão. Por outro lado, para Minas Gerais, até o início do século XIX a tendência de declínio dos dois indicadores aqui considerados continuou, porém, a participação de africanos em São Paulo iniciou o crescimento na primeira década do século em patamares superiores aos mineiros. Após a chegada da corte, Minas Gerais acompanhou o aumento da proporção de nascidos na África entre os escravizados. Assim, as duas regiões convergiram para um movimento sincrônico até a década da Independência. Contudo, São Paulo apresentou elevação da razão de sexo até o final do período em estudo, o que não ocorreu para Minas Gerais. O dinamismo demográfico verificado nos indicadores reafirmou o crescimento econômico das duas regiões após a chegada da corte, não apenas da açucareira ou da cafeicultura, mas também para o mercado interno.

Apesar de fontes e metodologias distintas, reafirmamos a historiografia com os nossos resultados. Em que pesem o volume de fontes demográficas e o espaço estudado por Bergad (2004BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.), não verificamos a retração da participação de africanos na segunda e terceira décadas do século XIX para Minas Gerais. Nessa época, tal indicador para Minas Gerais aproximou-se da tendência de crescimento salientada por Roberto Martins (2018), Douglas Libby (1988LIBBY, D. C. Transformação e trabalho em uma sociedade escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.) e Fragoso e Guedes Ferreira (2001FRAGOSO, J.; FERREIRA, R. G. Tráfico de escravos, mercadores e fianças. Dois bancos de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Códices 390, 411, 419, 421, 424, 425, 1000 e 1002. Relatório de pesquisa apresentado ao Ipea. Brasília: Ipea, 2001.), com base em fontes específicas e quantificações próprias. Contudo, a retração da razão de sexo para Minas Gerais ao final do período em análise coaduna com os estudos de Cano e Luna (1984CANO, W.; LUNA, F. V. La reproducción natural de los esclavos en Minas Gerais: una hipótesis. HISLA: Revista Latinoamericana de Historia Económica y Social, Lima, v. 4, p. 129-135, 2º. sem. 1984.) e Libby (2004) sobre a capacidade reprodutiva dos escravizados. A dinâmica apontada para São Paulo acompanhou a destacada por Luna e Klein (2005), bem como o resultado para o Maranhão e a sua estagnação das exportações. Os resultados do nosso método aplicado a diferentes realidades regionais forneceram tendências históricas bastante compatíveis às da historiografia.

Referências

  • AGUIAR, F. P. S. Relatório apresentado a Assembleia Legislativa Provincial pelo excelentíssimo senhor presidente da província, major Francisco Primo de Sousa Aguiar, no dia 3 de julho de 1861, acompanhado do relatório com que foi transmitida a administração da mesma província. São Luís: Tipografia Constitucional de I. J. Ferreira, 1861.
  • AMANTINO, M. Os escravos fugitivos em Minas Gerais e os anúncios do Jornal “O Universal” - 1825 a 1832. Locus: Revista de História, v. 12, n. 2, p. 59-74, 2006.
  • ARAÚJO, M. L. V. Os caminhos da riqueza dos paulistanos na primeira metade do oitocentos. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2006.
  • ASSUNÇÃO, M. R. De caboclos a bem-te-vis: formação do campesinato numa sociedade escravista, Maranhão (1800-1850). 2. ed. São Paulo: Annablume, 2015.
  • BELLOTTO, H. L. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo de Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1777). 2. ed. São Paulo: Alameda, 2007.
  • BERGAD, L. W. Slavery and the demographic and economic history of Minas Gerais, Brazil, 1720-1888. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
  • BERGAD, L. W. Escravidão e história econômica: demografia de Minas Gerais, 1720-1888. Bauru: Edusc, 2004.
  • BRUGGER, S.; OLIVEIRA, A. de. Os benguelas de São João del Rei: tráfico atlântico, religiosidade e identidades étnicas (séculos XVIII e XIX). Tempo, v. 13, n. 26, p. 177-204, 2009.
  • CARRARA, A. A. Minas e currais. Produção rural e mercado interno de Minas Gerais (1764-1807). Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2007.
  • CANO, W.; LUNA, F. V. La reproducción natural de los esclavos en Minas Gerais: una hipótesis. HISLA: Revista Latinoamericana de Historia Económica y Social, Lima, v. 4, p. 129-135, 2º. sem. 1984.
  • COSTA, A. C. de R. Fugas de escravos na comarca do Rio das Mortes, primeira metade do século XIX. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), São João del Rei, 2013.
  • COSTA, I. D. N. da. Vila Rica: população (1719-1826). São Paulo: IPE-USP, 1979.
  • COSTA, I. D. N. da. As populações das Minas Gerais no século XVIII: um estudo de demografia histórica. Revista Crítica Histórica, ano II, n. 4, p. 176-197, dez. 2011.
  • COSTA, I. D. N. da; NOZOE, N. H. Sobre a questão das idades em alguns documentos dos séculos XVIII e XIX. Revista do IEB, São Paulo, v. 34, p. 175-182, 1992.
  • FLORENTINO, M.; AMANTINO, M. Fugas, quilombos e fujões nas Américas (séculos XVI-XIX). Análise Social, v. 203, n. 157 (2º), p. 236-267, 2012.
  • FLORENTINO, M.; GOES, J. R. A paz nas senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
  • FRAGOSO, J.; FERREIRA, R. G. Tráfico de escravos, mercadores e fianças. Dois bancos de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças). Códices 390, 411, 419, 421, 424, 425, 1000 e 1002. Relatório de pesquisa apresentado ao Ipea. Brasília: Ipea, 2001.
  • HAWTHORNE, W. From África to Brazil. Culture, identity, and an Atlantic slave trade, 1600-1830. New York: Cambridge University Press, 2010.
  • HOLANDA, S. B. Metais e pedras preciosas. In: HOLANDA, S. B. História geral da civilização brasileira: a época colonial. São Paulo: Difel, 1985. Tomo I, v. 2, p. 259-310.
  • KLEIN, H. S. The middle passage: comparative studies in the Atlantic slave trade. Princeton: Princeton University Press, 1978.
  • KLEIN, H. S. The Atlantic slave trade. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2010.
  • LAGO, A. B. P. do. Estatística histórico-geográfico da província do Maranhão. São Paulo: Siciliano, 2001.
  • LENHARO, A. As tropas da moderação: o abastecimento da corte na formação da política no Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979.
  • LIBBY, D. C. Transformação e trabalho em uma sociedade escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.
  • LIBBY, D. C. Minas na mira dos brasilianistas: reflexões sobre os trabalhos de Higgins e Bergad. In: BOTELHO, T. R. (org.). História quantitativa e serial: um balanço. Belo Horizonte: ANPUH-MG, 2001. p. 279-304.
  • LIBBY, D. C. O tráfico negreiro e as populações escravas das Minas Gerais c. 1720 - c. 1850. LASA 2006: Decentering Latin American Studies. San Juan, Puerto Rico: March 2006.
  • LIBBY, D. C.; BOTELHO, T. R. Filhos de Deus: batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810. Varia História, Belo Horizonte, n. 31, p. 69-96, jan. 2004.
  • LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Slave economy and society in Minas Gerais and São Paulo, Brazil in 1830. Journal of Latin American Studies, v. 36, n. 1, p. 1-28, Feb. 2004.
  • LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de 1750 a 1850. São Paulo: Edusp, 2005.
  • LUNA, F. V.; COSTA, I. D. N. da. Minas colonial: economia e sociedade. São Paulo: Livraria Pioneira Editora / Fipe, 1982.
  • LUNA, F. V. Características demográficas dos escravos de São Paulo (1777-1829). Estudos Econômicos, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 443-483, set./dez. 1992.
  • LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Escravismo no Brasil. São Paulo: Edusp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.
  • MARCÍLIO, M. L. Crescimento demográfico e evolução agrária paulista (1700-1836). São Paulo: Hucitec, 2000.
  • MARCONDES, R. L. Posse de cativos no interior do Maranhão (1848). Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, Recife, v. 61, p. 169-186, 2005.
  • MARCONDES, R. L.; MOTTA, J. F. As viagens do Conceição Esperança: tráfico de escravos entre São Paulo e Moçambique (1820-1822). Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, Campinas, v. 25, n. 2, p. 27-56, 2017.
  • MARTINS, R. B. Crescendo no silêncio: a incrível economia escravista de Minas Gerais no século XIX. Belo Horizonte: Icam/ABPHE, 2018a.
  • MARTINS, R. B. Navegar não é preciso - Os mineiros e o tráfico de escravos nos séculos XVIII e XIX. Belo Horizonte: Face/UFMG, 2018b. Mimeografado.
  • MATHIAS, H. G. Um recenseamento na Capitania de Minas Gerais: Vila Rica -1804. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça/Arquivo Nacional, 1969.
  • MONTI, C. G. “Por amor a Deus”: o processo de alforria de escravos em Mariana (1750-1779). São Paulo: Annablume, 2016.
  • MOTA, A. da S.; BARROSO, D. S. Economia e demografia da escravidão no Maranhão e no Grão-Pará: uma análise comparativa da estrutura da posse de cativos (1785-1850). Revista de História, n. 176, p. 1-41, 2017.
  • MOTA, A. da S.; CUNHA, M. F. da. No âmago da africanização: pessoas negras e de cor nos mapas populacionais do Maranhão colonial (1798-1821). Revista Brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 3, p. 465-484, set./dez. 2017.
  • MOTTA, J. F. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em Bananal (1801-1829). São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999.
  • MOURA FILHO, H. Tirando leite de pedra: o tráfico africano estimado a partir de dados etários. In: MUAZE, M.; SALLES, R. (org.). O Vale do Paraíba e o Império do Brasil nos quadros da segunda escravidão. Rio de Janeiro: Faperj/7 Letras, 2015. p. 259-301.
  • NOYA PINTO, V. Ouro brasileiro e comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo/Brasília: Companhia Editora Nacional/INL, 1979.
  • PAIVA, C. A. População e economia nas Minas Gerais do século XIX. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1996.
  • PAIVA, E. F. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência através dos testamentos. São Paulo/Belo Horizonte: Annablume/Faculdades Integradas Newton Paiva, 1995.
  • PAULA, J. A. de. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
  • PEREIRA, T. A. Z. The rise of the Brazilian cotton trade in Britain during the Industrial Revolution. Jounal of Latin American Studies, v. 50, p. 919-949, 2018.
  • PETRONE, M. T. S. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e declínio 1765-1851. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968.
  • READ, I. R.; ZIMMERMAN, K. Freedom for too few: slave runaways in the Brazilian empire. Journal of Social History, v. 48, n. 2, p. 404-423, 2014.
  • RODRIGUES, J. “Neste tráfico não há lugar reservado”: traficantes portugueses no comércio de africanos para o Brasil entre 1818 e 1828. História, v. 36, p. 1-18, 2017.
  • SCOTT, D. Livres e escravos: população e mortalidade na Madre de Deus de Porto Alegre (1772-1872). Tese (Doutorado em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2020.
  • SILVA, D. B. D. da. The Atlantic slave trade to Maranhão, 1680-1846: volume, routes and organisation. Slavery & Abolition, v. 29, n. 4, p. 477-501, 2008. DOI:10.1080/01440390802486507.
    » https://doi.org/10.1080/01440390802486507.
  • SLENES, R. W. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escrava de Minas Gerais no século XIX. Estudos Econômicos, v. 18, n. 3, p. 449-495, set./dez. 1988.
  • Fontes

    Arquivo Público Mineiro. As listas nominativas mineiras da década de 1830 estão depositadas no Arquivo Público Mineiro e disponibilizadas gentilmente no formato digital pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no site da instituição: Poplin Minas 1830 (http://www.nphed. cedeplar.ufmg.br/poplin-minas-1830/). De modo semelhante, as listas de São Paulo estão depositadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo. As informações demográficas do Maranhão encontram-se depositadas no Arquivo Público do Estado do Maranhão, referentes às localidades de Cortes, Codó, Caxias, Tutóia e Vargem Grande.
  • 1
    Ver: https://www.slavevoyages.org/.
  • 2
    As listas nominativas mineiras da década de 1830 estão depositadas no Arquivo Público Mineiro e disponibilizadas gentilmente no formato digital pelo Cedeplar da UFMG no site da instituição: Poplin Minas 1830 (http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/poplin-minas-1830/). De modo semelhante, as listas de São Paulo estão depositadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
  • 3
    As informações demográficas do Maranhão encontram-se depositadas no Arquivo Público do Estado do Maranhão, referentes às localidades de Cortes, Codó, Caxias, Tutóia e Vargem Grande. Os mapas e relações de escravizados foram produzidos em função da Lei provincial n. 236, de 20 de agosto de 1847, num contexto turbulento posterior à revolta da Balaiada.
  • 4
    As listas nominativas de São Paulo de 1804 e 1829 detinham, respectivamente, 12.632 e 22.695 escravizados sem informação de origem e idade, que não foram considerados na análise (ver LUNA; KLEIN, 2004). A razão de sexo de todos os escravizados arrolados mostrou-se muito semelhante à dos que dispunham de informe de origem e idade, atingindo 119 e 118 para 1804, respectivamente, e patamar idêntico para 1829 (153). A participação de crianças em 1829 alcançou 29,0% para a totalidade dos escravizados e 29,4% para os que apresentavam origem e idade. Para Minas Gerais na década de 1830, não havia informação de idade para 6.919 cativos.
  • 5
    O arrolamento de Vila Rica registrava 2.881 escravizados sem informação de origem e idade, que não foram considerados nessa pesquisa.
  • 6
    O contingente cativo arrolado mostrou-se maior também para o Maranhão em 1848, atingindo quase 12.000 pessoas (ver MARCONDES, 2005). A razão de sexo para a totalidade do contingente chegou a 112, enquanto em nossa amostra de localidades com informe de origem e idade alcançou 108.
  • 7
    Se considerados apenas os nascidos na África, chega-se a um total de quase 26.000 africanos para Minas Gerais na década de 1830, enquanto se for incluída a cor preta essa soma alcança 72.000. A razão de sexo dos nascidos na África atingiu 267 e para o segundo caso 156. No primeiro recorte, a participação de pessoas de 20 a 29 anos no total dos africanos correspondeu a 32,6%, enquanto no segundo chegou a 33,2%. Assim, a mudança de procedimento para definir o africano produziu maior impacto na razão de sexo do que na distribuição etária.
  • 8
    Bergad (2004) verificou uma razão de sexo de 170 entre 1830 e 1839, baseado em inventários post mortem de localidades auríferas mineiras.
  • 9
    Como será visto adiante, isso nos fez utilizar dados até a faixa etária de 80 anos para São Paulo e Minas Gerais e de 70 anos para o Maranhão e Vila Rica.
  • 10
    Outras formas de suavização dos dados etários foram utilizadas por Scott (2020).
  • 11
    Na maior parte do Brasil até 1850, os crioulos conseguiram mais alforrias do que os africanos, porém, para algumas localidades observarmos mais libertos africanos, como no caso do Rio de Janeiro. Como não há evidência disponível para o Brasil, preferimos manter nossa hipótese de igualdade de alforria entre nascidos no Brasil e na África.
  • 12
    Para Minas Gerais na década de 1830, Luna e Klein (2004) verificaram a existência de quase 15.000 forros representando 11% dos escravizados. A razão de sexo dos libertos foi de 94.
  • 13
    Devemos ressaltar que os volumes de escravizados fugidos representavam, relativamente à sua população, montantes bastante reduzidos.
  • 14
    Uma tentativa de estimar os volumes desembarcados a partir dos escravizados africanos inventariados em Vassouras (RJ) foi efetuada por Heitor Moura Filho (2015), supondo uma mortalidade com expectativa de vida aos 20 anos de 47 anos para homens e 49 para mulheres.
  • 15
    Os idosos sofrem mais devido à maior incidência acumulada da mortalidade.
  • 16
    Como a evidência da literatura é de que os africanos chegaram principalmente jovens ao Brasil, isto nos fez assumir 20 anos de idade para realizar o procedimento (KLEIN, 1978, cap. 2, 3 e 4, 2010; MARTINS, 2018b). Outra evidência pode ser obtida por meio dos passaportes dos escravizados saídos da corte, em que verificamos a idade de 1.835 cativos (códices 421 e 425 do Arquivo Nacional), para os quais a idade média foi de 20,5 anos. Agradecemos a João Fragoso e Roberto Guedes Ferreira (2001) a disponibilização dessas informações.
  • 17
    Bergad (2004) levantou um conjunto extraordinário de dados das escravarias de inventários post mortem para Vila Rica, Mariana, São João e São José Del Rei e Diamantina nos séculos XVIII e XIX. Para a o período de 1795 a 1804, a participação dos africanos no contingente cativo foi de 43,9%, bastante próximo ao do arrolamento de 1804 para Vila Rica.
  • 18
    Não havia informação de idade para 148 africanos e 11 crioulos. Para Vila Rica, a parcela dos africanos com até 40 anos de idade em relação ao total de nascidos na África atingiu 54,7%.
  • 19
    Para a década de 1830, Bergad (2004) verificou uma participação de africanos no contingente escravizado de 36,8%. O território estudado por ele concentrou-se nas áreas mineradoras, que nessa década se encontravam em declínio relativamente ao restante da província.
  • 20
    A participação dos africanos de até 40 anos no total para Minas Gerais chegou a 83,4% na década de 1830.
  • 21
    Para São Paulo, a concentração dos africanos com até 40 anos de idade alcançou pelo menos três quartos dos nascidos na África, chegando a 76,2% em 1804 e ainda mais em 1829 (89,4%).
  • 22
    Para o Maranhão, os africanos com até 40 anos representavam 50,2% do total de nascidos na África.
  • 23
    Os dados dos escravos presentes nos inventários utilizados por Hawthorne estão disponíveis em: http://slavebiographies.org/databases.php.
  • 24
    Os dados utilizados de Luna (1992) referem-se a 1.605 escravizados para 1777, 635 para 1798, 9.027 para 1816 e 9.998 para 1823. Assim, eles não refletem a totalidade da população submetida à escravidão na capitania e mais tarde província de São Paulo.
  • 25
    O perfil da escravaria nos inventários deve apontar menor participação de africanos em função de os inventariados serem em geral mais idosos. Já os escravocratas mais jovens recorriam frequentemente ao mercado para expandir seus escravizados. A amostra de Bergad (2004) não seria uma representação adequada da totalidade do território mineiro e os inventários sobreviventes nos cartórios compreenderiam parte da elite mineira. Ver Libby (2001, p. 279-304).
  • 26
    Iraci Costa (1979, p. 48) verificou a tendência do número absoluto dos batismos dos escravos da freguesia de N. S. da Conceição de Vila Rica, que apresentou uma primeira retração entre 1729-38 e 1739-48 e se estabilizou até 1764-73, revelando uma nova retração até o início do século XIX. Libby (2006) apontou, por meio dos batismos de africanos adultos, um declínio absoluto para a freguesia de N. S. do Pilar de Vila Rica desde a década de 1760, chegando aos menores valores na última década do século XVIII e primeira do XIX.
  • 27
    Libby (2006) afirmou uma recuperação em termos absolutos dos batismos de africanos adultos para cinco localidades da região central de Minas Gerais (Vila Rica, São João, São José, Catas Altas e Santa Luiza) a partir da segunda década do século XIX, mas uma retração a partir da quarta década.
  • 28
    Os patamares das participações de africanos para São Paulo nos dois gráficos revelaram-se distintos até 1804, bem como para Minas Gerais. Essas divergências dos resultados podem ser decorrentes da entrada de africanos com mais de 20 anos entre os dois censos, elevando as participações de nascidos na África ao final do século XVIII comparativamente às estimativas de 1804.
  • 29
    De acordo com essa pesquisa, as províncias fluminense e gaúcha receberam 43 mil e 7 mil escravizados entre 1824 e 1830, perfazendo 47,7% e 24,2% da população escrava em 1818, respectivamente. Desse modo, a intensidade do tráfico revelou-se maior para a província fluminense do que a mineira e a paulista, mas essas últimas superavam a gaúcha.
  • 30
    Devemos lembrar que São Paulo realizava o tráfico diretamente com a África por meio, principalmente, do porto de Santos. Apesar de não constituir a forma principal de introdução dos escravizados em São Paulo, o fluxo direto da África para São Paulo deve ser considerado (MARCONDES; MOTTA, 2017).
  • 31
    Como o arrolamento do Maranhão refere-se a 1848, não consideramos no Gráfico 6 as duas primeiras faixas etárias de 20 a 39 anos, que tratam dos fluxos das décadas de 1829-38 e 1839-48. Para essas duas décadas a participação de africanos reduziu-se ainda mais, alcançando 35,5% e apenas 9,4%, respectivamente. A estagnação das exportações e os conflitos na província podem explicar a retração do tráfico. A Lei de 7 de novembro de 1831, que proibiu o tráfico atlântico, pode ter apresentado algum efeito no Maranhão, mas conjugada aos fatores já mencionados. Para São Paulo, os dados levantados por Luna (1992) para 1836, referentes a 17.161 escravizados, ainda apontavam elevada participação de africanos na faixa etária dos 20 anos (73,3%) e mesmo para a totalidade dos cativos (55,3%). Nesse caso, não observamos o impacto mais imediato da lei sobre o fluxo de africanos para São Paulo até 1836.
  • 32
    A fonte para identificar o desembarque de africanos no Maranhão foi o site https://www.slavevoyages.org/, corrigido por Silva (2008). Estimamos a população cativa maranhense a partir da interpolação geométrica dos informes demográficos de 1798, 1821 e 1838. Fontes: Mota e Cunha (2017, p.470) para o ano 1798, Lago (2001, p. 86-89) para 1821 e Aguiar (1861, mapa 5) para 1861.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2021
  • Aceito
    20 Mar 2022
Associação Brasileira de Estudos Populacionais Rua André Cavalcanti, 106, sala 502., CEP 20231-050, Fone: 55 31 3409 7166 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editor@rebep.org.br