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Condições de vida e saúde de professoras da educação básica pública de Minas Gerais provedoras financeiras de suas famílias durante a pandemia de Covid-19

Living and health conditions of public basic education teachers, economic providers for their families during the Covid-19 pandemic, in Minas Gerais

Condiciones de vida y salud de los docentes de educación básica pública en Minas Gerais, proveedores económicos de sus familias durante la pandemia de COVID-19

Resumo

Este artigo busca analisar diferenças nas condições de vida e saúde das professoras principais provedoras do domicílio em comparação às coprovedoras, durante a pandemia de Covid-19. Trata-se de estudo transversal realizado em 2020, por meio de formulário on-line enviado aos professores da rede estadual de Minas Gerais. A variável dependente foi ser ou não a principal provedora da família (principal provedora vs. coprovedora) e as independentes foram agrupadas em sociodemográficas, ocupacionais, situação de saúde e comportamentos. Analisaram-se dados somente das mulheres e estimou-se a regressão logística. Entre as 12.817 professoras participantes, 47,2% declararam-se principais provedoras. Dentre elas, observou-se predomínio de mulheres mais velhas, que viviam sem companheiro(a), com filhos(as) e, no geral, apresentavam características que retrataram pior condição socioeconômica, maior acúmulo de trabalho e comportamentos menos saudáveis. Os resultados permitiram identificar desvantagens nas condições de vida e saúde das professoras principais provedoras financeiras de suas famílias em comparação às coprovedoras.

Palavras-chave:
Mulheres trabalhadoras; Relações familiares; Ensino; Covid-19

Abstract

The objective was to analyze differences in living and health conditions of teachers who are the main providers for their household compared to co-providers during the COVID-19 pandemic. The cross-sectional study was carried out in 2020, through an online form sent to teachers of public schools in the state of Minas Gerais, Brazil. The dependent variable was whether or not they were their family’s main provider (main provider vs. co-provider) and independent variables were grouped into sociodemographic, occupational, health status and behaviors. Only women’s data were analyzed and logistic regression was estimated. Among the 12,817 participating female schoolteachers, 47.2% declared to be the main providers. In this subgroup, there was a predominance of older women, who lived without a partner, with children and, in general, these teachers presented worse socioeconomic conditions, greater accumulation of work and less healthy behaviors. The results of the present study allow to identify disadvantages in living and health conditions of female schoolteachers who are the main financial providers of their families compared to co-providers.

Keywords:
Women working; Family relations; Teaching; COVID-19

Resumen

El objetivo fue analizar las diferencias en las condiciones de vida y salud entre las profesoras que son las principales proveedoras del hogar y las coproveedoras, durante la pandemia de COVID-19. Estudio transversal realizado en 2020, a través de un formulario en línea enviado a profesoras de escuelas públicas del estado de Minas Gerais, Brasil. La variable dependiente fue ser o no la proveedora principal de la familia (proveedora principal versus coproveedora) y las variables independientes se agruparon en sociodemográficas, ocupacionales, sanitarias y conductuales. Solo se analizaron los datos de las mujeres y se estimó una regresión logística. Entre las 12.817 maestras participantes, el 47,2 % se declaró proveedora principal. En este subgrupo predominaron las mujeres mayores, que vivían sin pareja, con hijos y, en general, estas profesoras tenían características que retrataban una peor condición socioeconómica, mayor acumulación de trabajo y conductas menos saludables. Los resultados del presente estudio permiten identificar desventajas en las condiciones de vida y salud de las profesoras de escuela que son las principales proveedoras económicas de sus familias en comparación con las coproveedoras.

Palabras clave:
Mujeres trabajadoras; Relaciones familiares; Enseñanza; COVID-19

Introdução

A representação da família tradicional historicamente instituiu ao homem o papel de provedor da casa e protagonista das atividades econômicas, enquanto à mulher foram atribuídos os cuidados com os(as) filhos(as) e as tarefas domésticas (FLECK; WAGNER, 2003FLECK, A. C.; WAGNER, A. A mulher como a principal provedora do sustento econômico familiar. Psicologia em Estudo, v. 8, num. esp., p. 31-38, 2003.; KURZ; LUZ, 2014KURZ, M.; LUZ, N. S. Divisão sexual do trabalho no Brasil: mulher cuidadora e homem provedor? Cadernos de Gênero e Tecnologia, v. 8, n. 29/30, p. 55-63, 2014.; SOUSA; GUEDES, 2016SOUSA, L. P.; GUEDES, D. R. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados, v. 30, n. 87, p. 123-139, 2016.). Entretanto, essa realidade tem sofrido modificações consideráveis no mundo contemporâneo, com aumento expressivo da participação das mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, entre 1960 e 2018, a participação feminina no mercado de trabalho saltou de 18,5% para 52,9% (TENOURY; MADALOZZO; MARTINS, 2021TENOURY, G. N. C. S.; MADALOZZO, R. C.; MARTINS, S. R. Diferença salarial e taxa de participação no mercado de trabalho brasileiro: uma análise a partir do sexo dos indivíduos. Estudos Econômicos, v. 51, n. 1, p. 33-72, 2021.). Tal situação levou a modificações na configuração dos arranjos familiares, sendo que o papel de provimento financeiro em relação à família passou a ser desempenhado de forma crescente pelas mulheres (CAVENAGHI; ALVES, 2018CAVENAGHI, S.; ALVES, J. E. D. Mulheres chefes de família no Brasil: avanços e desafios. Rio de Janeiro: ENS-CPES, 2018.; LIU; ESTEVE; TREVIÑO, 2017LIU, C.; ESTEVE, A.; TREVIÑO, R. Female-headed households and living conditions in Latin America. World Development, v. 90, p. 311-328, 2017.), como provedoras principais ou coprovedoras (KURZ; LUZ, 2014; MONTALI, 2006MONTALI, L. Provedoras e co-provedoras: mulheres-cônjuge e mulheres-chefe de família sob a precarização do trabalho e o desemprego. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 2, p. 223-245, 2006.).

Independentemente do papel de coprovedora ou principal provedora, ainda recai sobre a mulher o predomínio da responsabilidade pelos afazeres domésticos (SOUSA; GUEDES, 2016SOUSA, L. P.; GUEDES, D. R. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados, v. 30, n. 87, p. 123-139, 2016.). Dessa forma, ser a principal provedora de uma família tem o potencial de sobrecarregar física e psicologicamente ainda mais essas mulheres ao assumirem o protagonismo do sustento financeiro de seu domicílio. Mesmo que esse fenômeno possa ser uma decorrência do maior empoderamento das mulheres - no sentido de exercerem sua profissão e terem mais autonomia em suas vidas -, a literatura sugere que a maioria dos domicílios chefiados por elas no Brasil nem sempre está relacionada a uma escolha (CAVENAGHI; ALVES, 2018CAVENAGHI, S.; ALVES, J. E. D. Mulheres chefes de família no Brasil: avanços e desafios. Rio de Janeiro: ENS-CPES, 2018.). Diante do aumento significativo do número de domicílios chefiados por mulheres ao longo dos anos (IBGE, 2014; LIU; ESTEVE; TREVIÑO, 2017LIU, C.; ESTEVE, A.; TREVIÑO, R. Female-headed households and living conditions in Latin America. World Development, v. 90, p. 311-328, 2017.), mais estudos são necessários para compreender o perfil familiar emergente dentro de uma nova dinâmica social, a fim de equalizar eventuais desvantagens para essas mulheres.

A categoria docente caracteriza-se por maior presença feminina e foi especialmente afetada pela pandemia de Covid-19 (CHARCZUK, 2020CHARCZUK, S. B. Sustentar a transferência no ensino remoto: docência em tempos de pandemia. Educação & Realidade, v. 45, n. 4, e109145, 2020.; SOUZA et al., 2021SOUZA, K. R. et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, e00309141, 2021.). A suspensão de aulas presenciais e a adoção do ensino remoto trouxeram a necessidade de elaboração de novos métodos de ensino, novas dinâmicas familiares e possíveis repercussões nas condições de vida e saúde das professoras (ARNTZ et al., 2020ARNTZ, M.; YAHMED, S. B.; BERLINGIERI, F. Working from home and COVID-19: the chances and risks for gender gaps. Intereconomics, v. 55, n. 6, p. 381-386, 2020.; BERTELLI et al., 2021BERTELLI, E.; MOSER, L.; GELINSKI, C. R. O. G. Famílias, mulheres e cuidados: efeitos da pandemia de Covid-19 no estado de Santa Catarina. Oikos: Família e Sociedade em Debate, v. 32, n. 1, p.35-54, 2021.; CHARCZUK, 2020; SOUZA et al., 2021). Diante desse cenário, o presente artigo tem o objetivo de analisar possíveis diferenças nas condições de vida e saúde das professoras principais provedoras financeiras do domicílio em comparação às coprovedoras durante a pandemia de Covid-19.

Metodologia

Trata-se de estudo transversal que analisou dados de um inquérito epidemiológico do tipo websurvey (DE BONI, 2020DE BONI, R. B. Web surveys in the time of COVID-19. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, n. 7, e00155820, 2020.; EYSENBACH, 2004EYSENBACH, G. Improving the quality of web surveys: the Checklist for Reporting Results of Internet E-Surveys (CHERRIES). Journal of Medical Internet Research, v. 6, n. 3, e34, 2004.) denominado “Condições de saúde e trabalho entre professores da rede estadual de ensino de Minas Gerais na pandemia de Covid-19” (ProfSMoc - Etapa Minas Covid). A população do estudo abrangeu aproximadamente 90.000 professores - segundo dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) com base na folha de pagamento de julho de 2020 - em exercício da função docente na educação básica (educação infantil e ensinos fundamental e médio) em 2020, atuantes nas 3.441 escolas públicas estaduais (MINAS GERAIS, 2020).1 1 Por se tratar de websurvey, em que o formulário foi enviado a todos os e-mails institucionais dos professores vinculados à educação básica do estado de Minas Gerais, não foi possível aos pesquisadores ter controle sobre a amostra alcançada. Ainda assim, previamente à coleta de dados, foi estimado cálculo amostral a fim de se identificar o tamanho amostral mínimo necessário para garantir representatividade da população do estudo. O cálculo amostral utilizou fórmula para populações infinitas, considerando prevalência de 50%, com a finalidade de atingir maior tamanho amostral e maior poder de inferência para diferentes variáveis, nível de confiança de 95%, erro de 3%, efeito do desenho por conglomerados (deff) = 2 e, ainda, acréscimo de 20% para compensar possíveis perdas. Assim, a amostra mínima estimada foi de 2.564 professores.

A coleta de dados, por meio de formulário on-line enviado para o e-mail institucional de todos os professores, teve o apoio da SEE-MG e ocorreu entre 20 de agosto e 11 de setembro de 2020. Os participantes não foram identificados, garantindo o anonimato. A não participação de robôs (reCAPTCHA) foi controlada para evitar o preenchimento automático. O formulário foi acessado por 16.210 professores(as) e 15.641 aceitaram participar da pesquisa, resultando em uma taxa de recrutamento de 96,5% e taxa de completude de 100% (EYSENBACH, 2004EYSENBACH, G. Improving the quality of web surveys: the Checklist for Reporting Results of Internet E-Surveys (CHERRIES). Journal of Medical Internet Research, v. 6, n. 3, e34, 2004.). Dentre os 15.641 professores participantes do ProfSMoc - Etapa Minas Covid, 81,9% eram mulheres e somente essas foram consideradas nas análises para este estudo.

A variável dependente da pesquisa foi a situação de principal provedora financeira da família. A pergunta que originou a referida variável foi a seguinte: Em sua casa, quem é considerado o principal provedor do sustento de sua família? As opções de resposta: Eu e meu cônjuge, igualmente; Eu mesmo(a); Meu cônjuge ou companheiro(a); Meu filho e/ou minha filha; Meu pai e/ou minha mãe; Não tem um provedor principal; Outra pessoa. A variável foi dicotomizada: as mulheres que responderam “Eu mesmo(a)” compuseram a categoria “sim”. As demais foram agrupadas na categoria “não” (por se tratar de um grupo de trabalhadoras remuneradas, utilizou-se o termo “coprovedoras” para as professoras cujas respostas foram agrupadas nessa categoria).

As variáveis explicativas foram organizadas em três blocos:

  1. características sociodemográficas: idade (até 37 anos; 38 a 43 anos; 44 a 50 anos; 51 anos ou mais), situação conjugal (com companheiro(a); sem companheiro(a)), presença de filhos(as) (não; 1 filho(a); 2 filhos(as); 3 filhos(as) ou mais), renda familiar em salários mínimos (7 SM ou mais; 4 a 6 SM; 1 a 3 SM), possuir plano privado de saúde (sim; não), recebimento de auxílio emergencial do governo por alguém do domicílio durante a pandemia (não; sim), situação do domicílio (próprio; alugado; cedido ou outra condição); número de moradores no domicílio (4 ou mais; 3; 1 ou 2), aumento do trabalho doméstico durante a pandemia (sim; não) e se contou com ajuda de empregado(a) doméstico(a) durante a pandemia (sim; não);

  2. características ocupacionais: jornada de trabalho semanal (até 20 horas; 21 a 39 horas; 40 horas ou mais), vínculo de emprego (contratada/designada; concursada/efetiva), se possuía outro trabalho remunerado (não; sim, outra escola; sim, outra atividade), sobrecarga de trabalho docente durante a pandemia (não; sim) e dificuldades com o trabalho docente remoto (nenhuma ou pouca; moderada ou muita). A sobrecarga de trabalho docente durante a pandemia foi investigada a partir das respostas à questão Durante a pandemia: Trabalhei da mesma forma que costumava; Trabalhei menos do que costumava; Trabalhei mais que costumava; Trabalhei muito mais que costumava. As duas primeiras opções de resposta foram agrupadas em “não” e as duas últimas em “sim”.

  3. situação de saúde e comportamentos durante a pandemia: autoavaliação da qualidade de vida (excelente ou boa; regular, ruim ou péssima), autoavaliação da saúde (excelente ou boa; regular, ruim ou péssima), surgimento de dor nas costas (não; sim), sentimento frequente de tristeza ou ansiedade (não; sim), diagnóstico médico de depressão ou ansiedade (não; sim), uso ou aumento de medicamentos para relaxar (não; sim), acompanhamento psicológico ou psiquiátrico (não, pois não preciso; sim, estou realizando; não, embora precise), automedicação (não; sim), piora da qualidade do sono (não; sim), dificuldades nas atividades do dia a dia (não; sim), alguém a quem recorrer para ajudar (sim; não), medo da Covid-19 (pouco medo; medo moderado; medo excessivo), tabagismo (não; sim), uso de bebidas alcoólicas (sim; não), redução de atividades de lazer (sim; não), prática de atividade física (não; sim), aumento do tempo de uso de computador ou tablet (não; em até 5 horas; 6 horas ou mais) e alimentação (melhor padrão alimentar; pior padrão alimentar).

Convém destacar que todas as perguntas do bloco 3 referiam-se ao período da pandemia de Covid-19. Utilizou-se um instrumento específico de investigação do medo das pessoas em relação à doença (AHORSU et al., 2020AHORSU, D. K. et al. The fear of COVID-19 scale: development and initial validation. International Journal of Mental Health and Addiction, v. 27, p. 1-9, 2020.) para construir a variável medo da Covid-19. O instrumento é composto por uma escala de 7 itens com opções de respostas do tipo Likert, cujo escore total é obtido a partir da somatória dos itens (7 a 35 pontos), sendo que quanto mais alto for o escore, maior é o medo. A variável foi categorizada de acordo com os tercis como “pouco medo” (7 a 21 pontos), “medo moderado” (22 a 29 pontos) e “medo excessivo” (30 a 35 pontos) (PERES et al., 2021PERES, R. S. et al. Evidências de validade de uma versão brasileira da Fear of COVID-19 Scale. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 8, p. 3255-3264, 2021.).

O aumento do tempo de uso de computador ou tablet foi avaliado considerando a diferença (em horas) entre o tempo despendido no uso desses equipamentos antes e durante a pandemia. A variável “alimentação” foi obtida por meio das respostas às questões que tratavam da frequência semanal de consumo de alimentos marcadores de alimentação saudável (verduras, frutas, feijão e alimentos integrais) e não saudável (presunto, comida congelada, salgadinhos de pacote, chocolate e refrigerante) (BRASIL, 2014) durante a pandemia. As respostas foram consolidadas por meio da análise de cluster, que revelou dois agrupamentos capazes de discriminar padrões comportamentais, um com melhor padrão alimentar e outro com pior padrão alimentar, considerando o consumo de alimentos saudáveis e não saudáveis.

Inicialmente, a análise descritiva estimou as frequências absolutas e relativas das variáveis do estudo. Em seguida, foram realizadas análises bivariadas, por meio da regressão logística, para avaliar associações brutas entre as variáveis selecionadas. Por fim, a análise múltipla estimou as odds ratio (OR) e os respectivos intervalos de confiança a 95% (IC 95%). O nível de significância de 20% (p ≤ 0,20) foi considerado para inserir as variáveis no modelo múltiplo. O modelo final ajustado contou com variáveis associadas ao desfecho investigado ao nível de p ≤ 0,05.

O projeto foi autorizado pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (parecer: 4.200.389, CAAE: 35982220.0.0000.5146). Os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ao acessarem o formulário da pesquisa.

Resultados

Entre as 12.817 professoras participantes, a idade média correspondeu a 43,4 anos (±9,0). A maior parte vivia com companheiro(a), possuía filhos(as) e residia em imóvel próprio com três ou mais moradores; a renda familiar de aproximadamente metade delas encontrava-se na faixa de 1 a 3 salários mínimos (Tabela 1). Dentre as características ocupacionais, 66,8% não tinham outro trabalho remunerado, 80,7% declararam sobrecarga de trabalho docente no período e 64,5% enfrentaram dificuldades em relação ao trabalho docente remoto (Tabela 1).

TABELA 1
Análises descritiva e bivariada das características sociodemográficas e ocupacionais das professoras da educação básica da rede pública estadual (n = 12.817) Estado de Minas Gerais - 2020

Quanto à situação de saúde e comportamentos durante a pandemia, no geral, observaram-se predomínio de autoavaliação positiva da qualidade de vida e da saúde, relatos de dificuldades nas atividades do dia a dia, medo da Covid-19, ausência de hábitos tabagista e etilista e aumento do tempo de uso de computador ou tablet (Tabela 2).

TABELA 2
Análises descritiva e bivariada da situação de saúde e comportamentos das professoras da educação básica da rede pública estadual (n = 12.817) Estado de Minas Gerais - 2020

Do total de respondentes, 47,2% relataram ser as principais provedoras financeiras de suas famílias. As Tabelas 1 e 2 apresentam a análise bivariada, permitindo identificar discrepâncias no perfil das professoras principais provedoras quando comparadas às coprovedoras. Nesse sentido, observaram-se diferenças entre os dois grupos (ao nível de significância de 20%) em todas as variáveis consideradas, exceto sobrecarga de trabalho docente, uso de bebidas alcoólicas e redução de atividades de lazer, durante a pandemia.

No modelo múltiplo ajustado permaneceram variáveis dos três blocos. Em relação às características sociodemográficas, as professoras que se declararam principais provedoras de suas famílias, quando comparadas às coprovedoras, apresentaram maiores chances de serem mais velhas, viverem sem companheiro(a), terem filhos(as), menor renda familiar e não possuírem plano privado de saúde. Ainda, viviam com algum beneficiário do auxílio emergencial pago pelo governo, em domicílios alugados ou cedidos, com menor número de moradores e não contavam com ajuda de empregado(a) doméstico(a) durante a pandemia (Tabela 3).

Sobre as características ocupacionais, em relação às professoras coprovedoras, as principais provedoras estavam expostas à maior jornada de trabalho semanal, eram concursadas ou efetivas e possuíam emprego remunerado em outra escola. Quanto à situação de saúde e comportamentos durante a pandemia, as professoras que se declararam principais provedoras registraram, em comparação às coprovedoras, pior autoavaliação da qualidade de vida, dificuldades nas atividades do dia a dia, ausência de alguém a quem recorrer para ajudar e medo moderado ou excessivo da Covid-19. E, ainda, não estavam praticando atividades físicas no período, possuíam pior padrão alimentar e haviam aumentado o tempo de uso de computador ou tablet em 6 horas ou mais durante a pandemia (Tabela 3).

TABELA 3
Modelo múltiplo ajustado dos fatores associados a ser a principal provedora de sua família. Professoras da educação básica da rede pública estadual (n = 12.817) Estado de Minas Gerais - 2020

Discussão

Os resultados permitiram identificar e analisar diferenças nas condições de vida e saúde das professoras principais provedoras financeiras de suas famílias em comparação às coprovedoras durante a pandemia. Tais diferenças apresentam-se enfeixadas com desvantagens sociodemográficas, ocupacionais e comportamentais.

Observou-se que praticamente a metade (47,2%) das professoras investigadas eram as principais provedoras de suas famílias. Esse considerável percentual está em sintonia com as transformações socioeconômicas ocorridas nas últimas décadas em diversos países da América Latina, que indicam que o número de mulheres responsáveis financeiramente pelos domicílios vem crescendo a cada ano (LIU; ESTEVE; TREVIÑO, 2017LIU, C.; ESTEVE, A.; TREVIÑO, R. Female-headed households and living conditions in Latin America. World Development, v. 90, p. 311-328, 2017.). No Brasil, em 1980, 10,6% das famílias tinham mulheres como principais responsáveis financeiras, percentual que atingiu 37,3% em 2010 (IBGE, 2014; LIU; ESTEVE; TREVIÑO, 2017). Crescimento semelhante foi verificado no Uruguai, país em que a responsabilidade feminina pelo sustento familiar passou de 14,9% em 1986 para 44,4% em 2011, e também na Costa Rica, onde o percentual de famílias cuja responsabilidade financeira era das mulheres passou de 13,1% para 25,9%, entre 1973 e 2011 (LIU; ESTEVE; TREVIÑO, 2017).

Em consonância com a literatura (CAVENAGHI; ALVES, 2018CAVENAGHI, S.; ALVES, J. E. D. Mulheres chefes de família no Brasil: avanços e desafios. Rio de Janeiro: ENS-CPES, 2018.), houve maior chance de as professoras serem as principais provedoras financeiras de suas famílias com o aumento da idade. Alguns fatores podem influenciar tal situação. Um deles é que maior número de dissoluções conjugais ocorre entre mulheres na faixa etária de 30 a 50 anos (IBGE, 2002), ou seja, entre as mulheres mais velhas há maior possibilidade de tais dissoluções terem ocorrido. Outro fator diz respeito à expectativa de vida mais elevada entre as mulheres do que para os homens (IBGE, 2002), acarretando maior percentual de viuvez entre mulheres. Deve-se considerar, ainda, que a participação crescente das mulheres e sua manutenção no mercado de trabalho, com o tempo, proporcionam estabilidade e independência financeira (COSTA, 2018COSTA, F. A. Mulher, trabalho e família: os impactos do trabalho na subjetividade da mulher e em suas relações familiares. Pretextos, v. 3, n. 6, p. 434-52, 2018.; MONTALI, 2006MONTALI, L. Provedoras e co-provedoras: mulheres-cônjuge e mulheres-chefe de família sob a precarização do trabalho e o desemprego. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 2, p. 223-245, 2006.), permitindo que elas sejam cada vez mais autônomas, tenham a possibilidade de assumir o papel de principais provedoras de suas famílias ou mesmo optem por morarem sozinhas.

Sobre a situação conjugal e a presença de filhos(as), as professoras principais provedoras apresentaram 8,2 vezes a chance de viverem sem companheiro(a) e 3,6 vezes a chance de terem filhos(as) quando comparadas às coprovedoras. Ainda, 69,2% das principais provedoras representavam famílias monoparentais, ou seja, viviam sem companheiro(a) e tinham filhos(as), em comparação com 20,0% das coprovedoras na mesma situação (dados não apresentados anteriormente). No Brasil, a configuração familiar monoparental - com a presença apenas da mãe ou do pai - prevalece entre as famílias chefiadas por mulheres (CAVENAGHI; ALVES, 2018CAVENAGHI, S.; ALVES, J. E. D. Mulheres chefes de família no Brasil: avanços e desafios. Rio de Janeiro: ENS-CPES, 2018.). Em 2010, elas eram responsáveis por 87,4% das famílias monoparentais com filhos(as) (IBGE, 2014), aumentando para 92,0% em 2020 (IBGE, 2021).

As principais provedoras tiveram chances aumentadas de relatarem menor renda familiar, não possuírem plano privado de saúde, residirem em moradia alugada, cedida ou outra condição e não contarem com empregado(a) doméstico(a) em suas casas durante a pandemia. É esperado que a menor disponibilidade de recursos financeiros possa limitar o acesso a bens e serviços (MARTINS; ARAÚJO; VIEIRA, 2019MARTINS, M. F. D.; ARAÚJO, T. M.; VIEIRA, J. S. Trabalho docente e saúde das professoras da educação infantil. Educação, v. 44, e36, 2019.). As circunstâncias socioeconômicas das famílias das principais provedoras corroboram o resultado que identificou maior chance de auxílio emergencial pago pelo governo durante a pandemia destinado a um dos domiciliados. Conforme já relatado por Moura et al. (2016MOURA, R. G.; LOPES, P. L.; SILVEIRA, R. C. Gênero e família: a mulher brasileira chefe de família. Que mulher é esta? Cadernos UniFOA, n. 32, p. 55-66, 2016.), constatou-se que o número de famílias que têm mulheres como principais provedoras do domicílio vem crescendo, sem sinalizar melhoria das condições de vida, havendo desvantagem socioeconômica para esse perfil familiar. Além disso, sabe-se que a pandemia de Covid-19 acentuou as desigualdades sociais no Brasil ao atingir de forma mais impactante grupos mais vulneráveis (MATTA et al., 2021MATTA, G. C. et al. (ed.). Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia [Internet]. Rio de Janeiro: Observatório Covid 19; Editora Fiocruz, 2021. Disponível em: https://books.scielo.org/id/r3hc2/pdf/matta-9786557080320.pdf. Acesso em: 13 set. 2022.
https://books.scielo.org/id/r3hc2/pdf/ma...
).

Observou-se maior chance de as professoras principais provedoras residirem em domicílios com menor número de moradores, embora com maiores chances de possuírem maior número de filhos(as). Não é possível avançar muito em tais interpretações, porém, há que se considerar a possibilidade de que, devido ao pior padrão socioeconômico, tais mulheres tenham dificuldade em residir com todos(as) os(as) filhos(as). Como se trata de um perfil de mulheres mais velhas, outra hipótese é de que os(as) filhos(as), também mais velhos(as), já teriam formado seus próprios núcleos familiares. O delineamento e os resultados do presente estudo não permitem aprofundar essa análise.

Em comparação às coprovedoras, as principais provedoras apresentaram chances aumentadas de jornadas de trabalho mais extensas (21 a 39 horas semanais ou acima de 40 horas semanais) e de trabalharem em outra escola. O trabalho em dois ou três turnos na mesma escola ou em escolas diferentes faz parte do cotidiano docente. Anteriormente, outros estudos identificaram jornadas de trabalho prolongadas e multiemprego na categoria de professores da educação infantil (MARTINS; ARAÚJO; VIEIRA, 2019MARTINS, M. F. D.; ARAÚJO, T. M.; VIEIRA, J. S. Trabalho docente e saúde das professoras da educação infantil. Educação, v. 44, e36, 2019.) e da educação básica no Brasil (ASSUNÇÃO; ABREU, 2019ASSUNÇÃO, A. A.; ABREU, M. N. S. Pressão laboral, saúde e condições de trabalho dos professores da Educação Básica no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, Supl. 1, e00169517, 2019.). A maior jornada de trabalho observada entre as principais provedoras parece representar a busca por mais rendimentos, já que recai sobre essas mulheres a responsabilidade de garantir a maior parte ou mesmo a totalidade do provimento financeiro de suas famílias.

Quanto ao vínculo de emprego, as professoras principais provedoras de suas famílias apresentaram chance mais elevada de serem concursadas/efetivas. O papel de principal provedor financeiro pode ser atribuído tanto ao único responsável pela renda familiar quanto àquele responsável pela maior parte da renda (MARRI; WAJNMAN, 2007MARRI, I. G.; WAJNMAN, S. Esposas como principais provedoras de renda familiar. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 24, n. 1, p. 19-35, 2007.). Nesse sentido, o tipo de contrato de emprego mostra-se relevante e, provavelmente, a estabilidade garantida pelo vínculo pode fomentar maior autonomia nas decisões sobre o arranjo familiar.

No tocante à qualidade de vida, as principais provedoras apresentaram maior chance de autoavaliação negativa em comparação às coprovedoras. As alterações socioeconômicas e o distanciamento social advindos da pandemia geraram, na população em geral, repercussões psíquicas e psicossociais significativas, referentes principalmente aos sentimentos de isolamento e incapacidade (LIMA et al., 2021LIMA, C. A. et al. Redução da renda familiar dos professores da educação básica de Minas Gerais na pandemia da Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, n. 1, e00329160, 2021.; OZAMIZ-ETXEBARRIA et al., 2021OZAMIZ-ETXEBARRIA, N. et al. Prevalence of anxiety, depression, and stress among teachers during the COVID-19 pandemic: a rapid systematic review with meta-analysis. Brain Sciences, v. 11, 1172, 2021.). Entretanto, os impactos da pandemia de Covid-19 foram mais pronunciados entre as mulheres, especialmente em consequência da sobrecarga do trabalho não remunerado (PIMENTA et al., 2021PIMENTA, D. N. Leituras de gênero sobre a Covid-19 no Brasil. In: MATTA, G.C. et al. (ed.) Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia [Internet]. Rio de Janeiro: Observatório Covid 19; Editora Fiocruz, 2021. Disponível em: https://books.scielo.org/id/r3hc2/pdf/matta-9786557080320.pdf. Acesso em 13 set. 2022.
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). Para as principais provedoras, somam-se, ainda, possíveis pressões em decorrência da posição que ocupam em relação ao sustento das famílias.

Quando comparadas às coprovedoras, as principais provedoras apresentaram maiores chances de relatarem dificuldades nas atividades de rotina e ausência de alguém a quem recorrer para ajudar na administração da casa, na educação dos(as) filhos(as) e demais afazeres do dia a dia. O trabalho remoto imposto pela pandemia de Covid-19 acabou por eliminar a divisão entre o trabalho dentro do domicílio e fora dele, e a sala de casa tornou-se sala de aula para mães e filhos(as). A necessidade de aprender uma nova forma de ensinar, o trabalho doméstico - aumentado devido ao maior tempo de permanência em casa e aos cuidados sanitários em relação ao risco de infecção -, o acompanhamento escolar dos(as) filhos(as) e, em muitos casos, a ausência de auxílio de outro adulto geraram maior sobrecarga na rotina dessas mulheres (ARAÚJO; LUA, 2021ARAÚJO, T. M.; LUA, I. O trabalho mudou-se para casa: trabalho remoto no contexto da pandemia de Covid-19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 46, e27, 2021.; LEMOS; BARBOSA; MONZATO, 2020LEMOS, A. H.; BARBOSA, A.; MONZATO, P. Mulheres em home office durante a pandemia da Covid-19 e as configurações do conflito trabalho-família. Revista de Administração de Empresas, v. 60, n. 6, p. 388-399, 2020.; SOUZA et al., 2021SOUZA, K. R. et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, e00309141, 2021.).

Também foram registradas, para as professoras principais provedoras da família, chances maiores de não praticarem atividade física, terem pior padrão alimentar e relatarem aumento do tempo de tela (computadores e tablets) em 6 horas ou mais. O distanciamento social em decorrência da pandemia de Covid-19 favoreceu o comportamento sedentário e o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, condições sabidamente prejudiciais à saúde (BHUTANI; COOPER, 2020BHUTANI, S.; COOPER, J. A. COVID-19 related home confinement in adults: weight gain risks and opportunities. Obesity, v. 28, n. 9, p. 1576-1577, 2020.; MALTA et al., 2020MALTA, D. C. et al. A pandemia da Covid-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29, n. 4, e2020407, 2020.; PEÇANHA et al., 2020PEÇANHA, T. et al. Social isolation during the COVID-19 pandemic can increase physical inactivity and the global burden of cardiovascular disease. American Journal of Physiology-Heart and Circulatory Physiology, v. 318, n. 6, p. 1441-1446, 2020.). No caso das professoras principais provedoras, em comparação às coprovedoras, a adoção desses comportamentos pode estar associada à maior jornada de trabalho e às responsabilidades atribuídas a elas (ASSUNÇÃO; CLARO, 2022ASSUNÇÃO, A. A.; CLARO, R. M. Characteristics of work and employment related to leisure-time physical activity: results of the National Health Survey, Brazil, 2013. Annals of Work Exposures and Health, v. 66, n. 1, p. 102-112, 2022.; SOUSA; GUEDES, 2016SOUSA, L. P.; GUEDES, D. R. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados, v. 30, n. 87, p. 123-139, 2016.; SOUZA et al., 2021SOUZA, K. R. et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, e00309141, 2021.).

O medo moderado ou excessivo em relação à Covid-19 foi maior entre as professoras principais provedoras da família em comparação às coprovedoras. Estudos realizados no Brasil e no exterior demonstram elevada frequência de sentimentos de frustação e solidão devido ao distanciamento social em função da pandemia, além do medo de infecção (BARROS et al., 2020BARROS, M. B. A. et al. Relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de Covid-19. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 29, n. 4, e2020427, 2020.; BROOKS et al., 2020BROOKS, S. K. et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, v. 395, n. 10227, p. 912-920, 2020.; OZAMIZ-ETXEBARRIA et al., 2021OZAMIZ-ETXEBARRIA, N. et al. Prevalence of anxiety, depression, and stress among teachers during the COVID-19 pandemic: a rapid systematic review with meta-analysis. Brain Sciences, v. 11, 1172, 2021.; SMITH; LIM, 2020SMITH, B. J.; LIM, M. H. How the COVID-19 pandemic is focusing attention on loneliness and social isolation. Public Health Research & Practice, v. 30, n. 2, e3022008, 2020.). Para as professoras, o fato de serem as principais provedoras financeiras de suas famílias pode ter potencializado o sentimento de medo do contágio para si mesmas e suas famílias, por receio de um afastamento mais longo que pudesse significar perda no salário ou de algum benefício relevante.

É importante considerar algumas limitações do presente estudo. As pesquisas do tipo websurvey pressupõem a imprescindibilidade de acesso à internet para participação, o que revela certa margem de seleção ou restrição. Por outro lado, o referido tipo de pesquisa também apresenta diversas vantagens, tais como o maior alcance do estudo colhido digitalmente, com relação ao contingente populacional e à abrangência geográfica, trazendo robustez à amostra. Além disso, a coleta de dados a distância torna a pesquisa mais cômoda para o entrevistado e mais segura, sobretudo em razão do contexto de pandemia, no qual o distanciamento social é uma das principais medidas de enfrentamento à Covid-19. Por fim, tem-se a rapidez no planejamento, bem como na publicação dos resultados, já que os dados são colhidos digitalmente e com rigor metodológico (DE BONI, 2020DE BONI, R. B. Web surveys in the time of COVID-19. Cadernos de Saúde Pública, v. 36, n. 7, e00155820, 2020.).

Os resultados alcançados cumpriram o objetivo do estudo e podem contribuir para o debate acerca do papel da mulher nas novas configurações familiares e o papel do trabalho remunerado como fonte de realização pessoal (MOURA; LOPES; SILVEIRA, 2016MOURA, R. G.; LOPES, P. L.; SILVEIRA, R. C. Gênero e família: a mulher brasileira chefe de família. Que mulher é esta? Cadernos UniFOA, n. 32, p. 55-66, 2016.). O propósito não é sugerir que acumular os papéis de provedora e cuidadora seja necessariamente negativo ou um indício de autoexploração, uma vez que tal situação pode representar um fator de maior autonomia para a mulher, ampliação de suas redes sociais e possibilidades de mudanças nas relações de gênero (BARTHOLO; PASSOS; FONTOURA, 2019BARTHOLO, L.; PASSOS, L.; FONTOURA, N. Bolsa Família, autonomia feminina e equidade de gênero: o que indicam as pesquisas nacionais? Cadernos Pagu, v. 55, e195525, 2019.).

Conclusão

A categoria docente, com predominância de mulheres, acompanha mudanças no perfil demográfico e nos arranjos familiares ocorridas na população em geral. Os resultados do presente estudo permitiram identificar desvantagens nas condições de vida e saúde das professoras principais provedoras financeiras de suas famílias em comparação às coprovedoras. Quase a metade das professoras estava na situação de principais provedoras. Elas eram predominantemente mais velhas, viviam sem companheiro(a), com filhos(as) e, no geral, apresentavam características que retrataram pior condição socioeconômica, maior acúmulo de trabalho e comportamentos menos saudáveis.

Espera-se que, ao se lançar luz sobre esse perfil familiar, seja possível elaborar políticas e ações que amenizem as desvantagens nas condições de vida e saúde dessas professoras e de suas famílias. Tais resultados alertam para a necessidade de um acompanhamento cuidadoso por parte do poder público - no caso específico, da Secretaria de Estado de Educação - e demais agentes interessados pelo mundo do trabalho, abrindo oportunidades de novos estudos para verificar possíveis repercussões de diferentes arranjos familiares para a vida e a saúde de seus integrantes.

Agradecimentos

Às professoras e aos professores do estado de Minas Gerais por participarem do Projeto ProfSMoc - Etapa Minas Covid, ao apoio da Unimontes e da SEE-MG e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão de bolsas.

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  • Financiamento

    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) − Processo APQ-00901-22, aprovado pelo Edital 001/2022 − Demanda Universal.
  • 1
    Por se tratar de websurvey, em que o formulário foi enviado a todos os e-mails institucionais dos professores vinculados à educação básica do estado de Minas Gerais, não foi possível aos pesquisadores ter controle sobre a amostra alcançada. Ainda assim, previamente à coleta de dados, foi estimado cálculo amostral a fim de se identificar o tamanho amostral mínimo necessário para garantir representatividade da população do estudo. O cálculo amostral utilizou fórmula para populações infinitas, considerando prevalência de 50%, com a finalidade de atingir maior tamanho amostral e maior poder de inferência para diferentes variáveis, nível de confiança de 95%, erro de 3%, efeito do desenho por conglomerados (deff) = 2 e, ainda, acréscimo de 20% para compensar possíveis perdas. Assim, a amostra mínima estimada foi de 2.564 professores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2022
  • Aceito
    08 Out 2022
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