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Contribuições teóricas para uma demografia dos desastres no Brasil

Theoretical contributions for a demography of disasters in Brazil

Contribuciones teóricas para una Demografía de los desastres en Brasil

Resumo

As mudanças demográficas associadas à complexidade dos problemas ambientais contemporâneos, como as mudanças ambientais globais e os desastres tecnológicos, tornarão cada vez mais perene a (re)produção social dos riscos e desastres a eles associados. O artigo propõe reflexões que posicionem a demografia, particularmente no contexto brasileiro, de forma a incorporar esses desafios aos seus conceitos, teorias e metodologias de análise, consolidando o campo de estudos em demografia dos desastres. O percurso escolhido foi, inicialmente, o de revisitar conceitos presentes em estudos de população e ambiente, como riscos, danos, desastres, vulnerabilidade, adaptação e resiliência. Revisitamos a literatura produzida em demografia dos desastres, enfatizando a relação endógena entre desastres e a composição, distribuição e dinâmica demográfica. Em seguida, propusemos um marco teórico sobre demografia dos desastres, bem como sua operacionalização a partir de sete princípios. Por fim, discutimos como, tanto do ponto vista conceitual, teórico quanto metodológico, a demografia possui um papel fundamental para consolidar uma perspectiva científica que antagonize discursos de “naturalização” dos desastres e, consequentemente, contribua para criar ou aperfeiçoar políticas públicas e mecanismos de gestão e planejamento antes, durante e após os desastres.

Palavras-chave:
Desastres; Impactos; Vulnerabilidade; Adaptação; Demografia dos desastres

Abstract

Demographic changes, associated with the complexity of contemporary environmental problems such as global environmental changes and technological disasters, will make the social (re)production of risks and associated disasters increasingly permanent. The article proposes reflections that position Demography, particularly in the Brazilian context, in order to incorporate these challenges into its concepts, theories, analyses and methodologies, consolidating the field of knowledge in Demography of Disasters. The strategy initially chosen was to revisit concepts in population and environment studies, such as risks, damages, disasters, vulnerability, adaptation and resilience. We reviewed the literature produced on Demography of Disasters, emphasizing the endogenous relationship between disasters and demographic composition, distribution and dynamics. Then, we proposed a theoretical framework on Demography of Disasters, and its operationalization in seven principles. Finally, we discuss how, both from a conceptual and theoretical point of view, as well as from a methodological standpoint, demography plays a fundamental role in consolidating a scientific perspective that antagonizes discourses of “naturalization” of disasters and, consequently, contributes to creating or improving public policies and management and planning before, during and after disasters.

Keywords:
Disasters; Impacts; Vulnerability; Adaptation; Demography of Disasters

Resumen

Los cambios demográficos, asociados a la complejidad de los problemas ambientales contemporáneos como los cambios ambientales globales y los desastres tecnológicos, harán que la (re)producción social de los riesgos y desastres asociados sea cada vez más permanente. El artículo propone reflexiones que posicionan a la Demografía, particularmente en el contexto brasileño, de forma que pueda incorporar estos desafíos en sus conceptos, teorías y metodologías, consolidando el campo de estudios en la Demografía de los desastres. El camino escogido inicialmente fue el el revisitar conceptos en estudios de población y medioambiente, como riesgos, daños, desastres, vulnerabilidad, adaptación y resiliencia. Se revisó la literatura producida sobre Demografía de los desastres, con énfasis en la relación endógena entre los desastres y la composición, distribución y dinámica demográfica. Luego se propuso un marco teórico sobre Demografía de desastres y su operacionalización a partir de siete principios. Finalmente, se discutió cómo, tanto desde el punto de vista conceptual y teórico como desde el de las metodologías de evaluación, la Demografía juega un papel fundamental en la consolidación de una perspectiva científica que antagoniza los discursos de naturalización de los desastres y, en consecuencia, contribuye a crear o mejorar las políticas públicas y los mecanismos de gestión y planificación antes, durante y después de los desastres.

Palabras clave:
Desastres; Impactos; Vulnerabilidad; Adaptación; Demografía de los desastres

Introdução

O marco de surgimento da demografia enquanto disciplina, com o “Ensaio da população” (MALTHUS, 1798), está intimamente relacionado à compreensão da relação entre a dinâmica da população e a dinâmica ambiental. Não obstante, a relação entre população e ambiente, desde os impactos do crescimento e tamanho populacional sobre a oferta de alimentos e a releitura de Malthus pelos neomalthusianos ao longo do século XX, até a sua relação com padrões de produção e consumo, tem sido objeto perene de estudo na disciplina (BARBIERI, 2011BARBIERI, A. F.; CONFALONIERI, U. E. Climate change, migration and health: exploring potential scenarios of population vulnerability in Brazil. In: PIGUET, E.; PECOU, A.; GUCHTENEIRE, P. (ed.). Migration and climate change. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. p. 49-73.).

Entretanto, a complexidade dos problemas ambientais contemporâneos tem gerado desafios em termos da compreensão das dimensões humanas e das respostas a esses processos. A rigor, algumas consequências das transições populacionais em curso, como o envelhecimento populacional resultante da transição demográfica e padrões de mobilidade (ZELINSKY, 1971ZELINSKY, W. The hypothesis of the mobility transition. Geographical Review, v. 61, n. 2, p. 219-249, Apr. 1971.) e de morbimortalidade (OMRAN, 1971OMRAN, A. R. The epidemiologic transition: a theory of the epidemiology of population change. Milbank Memorial Fund Quarterly, v. 49, p. 509-538, 1971.), interagem com as complexas transformações ambientais globais (BARBIERI; PAN, 2022BARBIERI, A. F.; PAN, W. K. Population dynamics and the environment: the demo-climatic transition. In: MAY. J.; GOLDSTEIN, J. (ed.). International handbook of population policy. [S.l.]: Springer, 2022.) e colocam um desafio à demografia: como compreender os danos ou impactos de desastres sobre as populações a partir de conceitos, teorias e instrumentos de análise demográfica?

Uma resposta parte, inicialmente, da compreensão sobre a forma como o conhecimento - e pesquisas sobre desastres1 1 Enquanto autores como Karácsonyi e Taylor (2021) sugerem o termo disaster studies, assumimos o termo pesquisas em desastres, seguindo a observação de Perry (2007) sobre as dificuldades de se consolidar um corpo de conhecimento sobre desastres que supere “uma coleção desconectada de pesquisas descritivas que não podem ser relacionadas através de ferramentas conceituais existentes”. -, construído a partir do diálogo com diversas disciplinas, poderia se articular à demografia na criação de um campo de estudos específico sobre demografia dos desastres. Em particular, teorias e métodos em demografia, ao desvendarem a dinâmica temporal (coortes, períodos, idade) e espacial (vulnerabilidade de lugar) (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2009MARANDOLA JR., E.; HOGAN, D. J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica: implicações metodológicas de uma velha questão. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 26, n. 2, p. 161-181, 2009.) de grupos populacionais, possibilitam compreender as respostas demográficas a desastres em função tanto do desastre em si (pós-desastre) quanto dos atributos intrínsecos da população (pré-desastre) que condicionam a magnitude, intensidade e respostas aos desastres.

Karácsonyi e Taylor (2021KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A. Introduction: conceptualising the demography of disasters. In: KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A.; BIRD, D. (ed.). The demography of disasters: impacts for population and place. Springer, 2021.) posicionam uma demografia dos desastres como a superação de uma perspectiva simplista e unidirecional (e demograficamente centrada) de análise de desastres que privilegia a mensuração de respostas demográficas (por exemplo, emigração ou morbimortalidade) em situações pós-desastre, para uma perspectiva que revele as formas complexas e multifacetadas nas dinâmicas tempo-espaço envolvidas em processos populacionais e desastres. Busca-se, assim, “avançar conhecimentos tanto teóricos quanto práticos em nossa compreensão no papel da demografia no planejamento para a mitigação dos impactos dos desastres” (KARÁCSONYI; TAYLOR, 2021KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A. Introduction: conceptualising the demography of disasters. In: KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A.; BIRD, D. (ed.). The demography of disasters: impacts for population and place. Springer, 2021., p. 3). Por outro lado, Frankenberg, Laurito e Thomas (2015FRANKENBERG, E.; LAURITO, M.; THOMAS, D. Demographic impact of disasters. In: WRIGHT, J. D. (ed.). International encyclopedia of the social & behavioral sciences 2. ed. Elsevier, 2015. p. 101-108.) argumentam que, conquanto os mecanismos e interações articulando processos demográficos sejam claros teoricamente, há ainda poucos estudos que analisem as complexidades temporais e espaciais desses processos.

A pergunta colocada anteriormente nos direciona, como objetivo, a propor uma revisão da literatura que tem aproximado a demografia e as pesquisas em desastres em um campo de estudos sobre demografia dos desastres. O percurso que utilizamos envolve a dedução, a partir da revisão da literatura, de conceitos e princípios que desvendam como os desastres afetam as estruturas sociais e demográficas de uma população e são por ela afetados. Essa revisão nos permitirá, em seguida, discutir uma proposta de marco teórico sobre demografia dos desastres que relacione conceitos e os princípios que os articulam.

Demografia dos desastres: revisitando conceitos

Desastre, dano e risco

A obra de Rachel Carson (Silent spring, 1962CARSON, R. Silent spring. Houghton Mifflin, 1962.) explicitou a necessidade de avaliar a não neutralidade da tecnologia, dos padrões de produção e consumo e do desenvolvimento econômico sobre a dinâmica socioambiental. Tal preocupação somou-se àquelas relacionadas aos impactos do crescimento populacional sobre recursos (objeto de análises neomalthusianas) e foram, nas décadas seguintes, amplificadas pelas mudanças ambientais globais. Estes impactos são percebidos de modo distinto e têm revelado a natureza crescente, e perene, da dimensão de risco das sociedades contemporâneas.

As últimas décadas têm marcado a emergência de vasta literatura sobre desastres, seus impactos sobre populações humanas e o ambiente ou em “sistemas socioambientais”, integrando as dimensões humana e natural. Em que pesem distintas ou nuançadas definições conceituais, inclusive por diferentes olhares disciplinares, a literatura tem proliferado em torno de alguns conceitos-chave, como desastre, risco, vulnerabilidade, resiliência e adaptação.

Perry (2007PERRY, R. W. What is a disaster? In: RODRÍGUEZ, H.; QUARANTELLI, E. L.; DYNES, R. R. (org.). Handbook of disaster research. New York: Springer, 2007.) enfatiza a falta de consenso sobre a definição do termo “desastre”, discutindo algumas dezenas de definições para o termo. Concordamos com o autor que, mais do que a busca de certa homogeneidade conceitual, é importante que

[...] cada pesquisador precisa decidir [o que desastre significa]. Isso não é uma tarefa empírica. É preciso definir em questões mais fundamentais tais quais se os desastres são fenômenos sociais, ou são os eventos com os quais eles estão frequentemente associados, ou até mesmo algum processo natural ou tecnológico (PERRY, 2007PERRY, R. W. What is a disaster? In: RODRÍGUEZ, H.; QUARANTELLI, E. L.; DYNES, R. R. (org.). Handbook of disaster research. New York: Springer, 2007., p. 15).

Não buscaremos aqui uma definição unívoca e homogênea de desastre e nem dos conceitos a ele relacionados. Nossa escolha é por uma definição que, necessariamente, incorpore dois fundamentos expostos por Perry (2007PERRY, R. W. What is a disaster? In: RODRÍGUEZ, H.; QUARANTELLI, E. L.; DYNES, R. R. (org.). Handbook of disaster research. New York: Springer, 2007.) sobre os desastres: são fenômenos inerentemente sociais; e estão enraizados na estrutura social. É dessa maneira que Karácsonyi e Taylor (2021KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A. Introduction: conceptualising the demography of disasters. In: KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A.; BIRD, D. (ed.). The demography of disasters: impacts for population and place. Springer, 2021.) argumentam que os fundamentos (ou causas raízes) dos desastres estão internalizados na estruturação e funcionamento da sociedade, incluindo as falhas nas políticas públicas, a injustiça e a exclusão social. Estes “fundamentos sociais do desastre” ajudam a compreender como riscos materializados em desastres ditos “naturais” e tecnológicos têm se tornado uma característica intrínseca das sociedades contemporâneas e de seus padrões de produção e consumo. Modernizar-se, conforme o paradigma hegemônico de “desenvolvimento”, é um processo contínuo, e inevitável, de (re)produção desigual de riscos.

Embora não seja nosso objetivo a discussão dos “desastres” específica de outros campos disciplinares além da demografia, é importante ressaltar que a análise de desastres como objeto de investigação científica já conta com um arcabouço teórico e metodológico bastante desenvolvido em campos correlatos, como na sociologia e, em especial no Brasil, com o grupo coordenado por Valencio et al. (2009VALENCIO, N. et al. Sociologia dos desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos: Rima Editora, 2009. p. 80-95.). Em Sociologia dos desastres, Valencio et al. (2009) apresentam diferentes abordagens que nortearam os estudos sociológicos a partir de três paradigmas: o desastre como um agente externo ameaçador; o desastre como expressão social da vulnerabilidade; e o desastre como um estado de incertezas geradas pelas próprias instituições. De uma relação focada inicialmente no agente externo destrutivo - a natureza como causadora do dano -, o segundo paradigma passa a ver o desastre como um processo de vulnerabilização social, em que suas causas estão relacionadas à forma de organização social. O último paradigma compreende o desastre como um estado de incertezas geradas pelas próprias instituições. Os elementos que definem o que é o desastre não são orientados a partir dos problemas colocados pelas vítimas, mas sim pelas possibilidades de resposta das instituições.

A partir dessa exposição, e alinhado aos seus fundamentos sociais, escolhemos a seguinte definição operacional de desastre: “uma grave perturbação do funcionamento de uma comunidade ou de uma sociedade envolvendo perdas [danos] humanas, materiais, econômicas ou ambientais de grande extensão, cujos impactos excedem a capacidade da comunidade ou da sociedade afetada de arcar com seus próprios recursos” (UNISDR, 2009 apud TOMINAGA; SANTORO; AMARAL, 2009TOMINAGA, L. K.; SANTORO, J.; AMARAL, R. Desastres naturais. São Paulo: Editora Instituto Geológico, 2009.). Entende-se por dano a “medida de perda humana, material ou ambiental, física ou funcional, resultante da ação de uma ameaça sobre um meio exposto” (UNISDR, 2009). A UNISDR (United Nations Office for Disaster Risk Reduction) também define outros conceitos relevantes para a análise de desastres, como risco, vulnerabilidade, exposição, capacidade adaptativa, população afetada, mitigação, preparação, perigo e resiliência. Tais conceitos são polissêmicos e, “ao serem trabalhados nas ciências sociais, podem representar ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade” (VIANA, 2015VIANA, R. de M. A remoção dos desastres e os desastres da remoção: risco, vulnerabilidade e deslocamento forçado em Belo Horizonte. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2015.). Cardona (2004CARDONA, O. D. The need for rethinking the concepts of vulnerability and risk from a holistic perspective: a necessary review and criticism for effective risk management. In: BANKOFF, G.; FRERKS, G.; HILHORTS, D. (ed.). Mapping vulnerability: disasters, development and people. London; Sterling, VA: Earthscan, 2004. p. 37-51.), por exemplo, ressalta que o framework utilizado para compreender e interpretar o conceito de “risco” não apenas sofre alterações ao longo do tempo, como também varia de acordo com a perspectiva disciplinar adotada.

Risco é um conceito intimamente relacionado a desastres. Marandola Jr. (2008) destaca que o conceito foi associado à navegação e prática mercantil, carregando um sentido que poderia se referir tanto a danos como a ganhos. Em seu sentido contemporâneo, prevalece sua dimensão negativa; estar em risco é expor-se a um perigo, um evento que pode causar dano (MARANDOLA JR., 2008MARANDOLA JR., E. Habitar em risco: mobilidade e vulnerabilidade na experiência metropolitana. Tese (Doutorado) − Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Campinas, SP, 2008.). Risco assumiu também o sentido de uma situação, enquanto perigo é o evento, o qualitativo que causa dano (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2006 apud MARANDOLA JR., 2008). Cardona (2004CARDONA, O. D. The need for rethinking the concepts of vulnerability and risk from a holistic perspective: a necessary review and criticism for effective risk management. In: BANKOFF, G.; FRERKS, G.; HILHORTS, D. (ed.). Mapping vulnerability: disasters, development and people. London; Sterling, VA: Earthscan, 2004. p. 37-51.) aponta três aspectos que se destacam nas tentativas de estimativa ou classificação de um risco: a eventualidade, o contexto e as consequências. Segundo Marandola Jr. (2008), este sentido probabilístico de risco implica conhecimento do evento, da sua dinâmica no tempo e no espaço e dos fatores que compõem a matriz causal do perigo. Assim, o risco considera as perdas potenciais do indivíduo ou sistema resultante de uma análise das combinações entre os perigos e vulnerabilidade (SOARES, 2020SOARES, V. C. Demografia dos desastres: um estudo para populações em áreas de risco de rompimento de barragem em Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2020.).

O conceito de risco também carrega um caráter subjetivo, presente em abordagens que consideram a percepção social dos riscos.

O conceito de construção social do risco inclui três variáveis de análise básica: uma social, outra física e uma cognitiva. A primeira refere-se ao processo de aumento da vulnerabilidade da sociedade; a segunda, a intensidade e frequência dos perigos; a terceira faz referência aos mecanismos cognitivos que definem o que a sociedade considera como risco e que, em certa medida, determina a gestão do risco e regeneração da capacidade de resistência (GAMBOA, 2008GAMBOA, F. La construction sociale du risque: l’isthme de Tehuantepec face au phenomene climatique “El Niño”. Tese (Doutorado em Antropologia) − École dês Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS), Paris, 2008., p. 29, tradução nossa).

O caráter global dos riscos foi um dos marcos das teorias de Beck (1994BECK, U.; GUIDDENS, A.; LASH, S. Relexive modernization: politics, tradition and aesthetics in the modern social order. Cambrigde: Polity Press, 1994., 2010) e Beck, Guiddens e Lash (1994): “as sociedades altamente industrializadas enfrentam riscos ambientais e tecnológicos que não são meros efeitos colaterais do progresso, mas centrais e constitutivos destas sociedades” (GUIVANT, 1998GUIVANT, J. A trajetória das análises de risco: da periferia ao centro da teoria social. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n. 46, p. 3-38, 1998., p.19). Esta noção de risco tem sido criticada por considerar apenas a racionalidade técnico-científica e não o poder do capital ou as estruturas de poder e suas corporações que promovem esse sistema em que os riscos são desigualmente distribuídos (ACSELRAD, 2002ACSELRAD, H. Justiça ambiental e construção social do risco. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 5, p. 49-60, jan.-jun. 2002.; TORRES, 2006TORRES, H. A demografia do risco ambiental. In: TORRES, H.; COSTA, H. (org.). População e meio ambiente: debates e desafios. São Paulo: Editora Senac, 2006. p. 53-73.). E é com este último sentido de risco que procuramos dialogar.

“Desastres naturais” e desastres tecnológicos

Uma questão importante na discussão de desastre é a distinção entre desastre tecnológico e desastre natural. Além de uma melhor qualificação do conceito de desastre em si, tal diferenciação redefine a natureza de conceitos como riscos, vulnerabilidades e adaptação, ajudando a refletir sobre os seus fundamentos sociais.

As características associadas a cada tipo de desastre são, muitas vezes, distintas em termos tanto do elemento causador quanto dos impactos sociais e físicos, do tempo de duração e da saúde e bem-estar de indivíduos e comunidades. “Desastres naturais” são percebidos pela população como inevitáveis, sendo muitas vezes interpretados como “atos de Deus”, o que determina comportamento bem distinto daquele observado quando o elemento causador é uma falha humana. Segundo Kroll-Smith e Couch (1992), esse aspecto de controlabilidade é central na determinação de demandas da população e também afeta o sofrimento e a capacidade de recuperação diante do trauma causado pelo desastre.

Gill e Ritchie (2018GILL, D. A.; RITCHIE, L. A. Contributions of technological and natech disaster research to the social science disaster paradigm. In: RODRÍGUEZ, H.; DONNER, W.; TRAINOR, J. E. (ed.). Handbook of disaster research. Cham: Springer, 2018. p. 39-60.) comparam “desastres naturais” e tecnológicos a partir de sete dimensões: etiologia e origens; danos físicos associados; fases do desastre; processos pós-desastre; vulnerabilidade; reações comunitárias; e reações individuais. Apesar de levantar distinções importantes entre tipos de desastres, a classificação proposta por Gill e Ritchie (2018) deve ser analisada criticamente para o caso brasileiro, pois, na visão destes autores, os denominados “desastres naturais” seriam capazes de fazer surgir comunidades “terapêuticas” ou “altruístas” - uma experiência de “utopia pós-desastre” com a formação de uma “comunidade de atingidos” -, enquanto os “desastres tecnológicos” provocariam um trauma coletivo, do qual emergiria uma comunidade corrosiva, com espirais de perda de capital social e uma indefinição coletiva da situação.

A recorrência e intensificação dos desastres no Brasil mostra um cenário diverso deste descrito pelos autores. No caso dos considerados “desastres naturais”, há uma ausência de articulação social e de resistência coletiva. As ações de resposta produzem, no máximo, uma solidariedade comunitária frágil e temporária (como ações de doações de alimentos, dinheiro e itens de necessidade básica), sem formação de uma identidade coletiva de atingidos pela chuva ou seca, por exemplo. “Desastres tecnológicos”, por sua vez, são capazes de produzir uma resposta e uma resistência coletivas e comunitárias mais fortes, expressas, inclusive, na criação de diferentes formas de organizações coletivas (ONGs, movimentos sociais, grupos de trabalho internos aos órgãos públicos, etc.).

Há ainda a classificação proposta por Naik (2009NAIK, A. Migration and natural disasters. In: LACZKO, F.; AGHAZARM, C. (ed.). Migration, environment and climate change: assessing the evidence. Geneva: OIM, 2009. p. 247-317.), elaborada a partir das tipologias criadas por Bates (2002BATES, D. Environmental refugees? Classifying human migrations caused by environmental change. Population and Environment, v. 23, n. 5, p. 465-477, May 2002.) e Richmond (1993) (apud NAIK, 2009NAIK, A. Migration and natural disasters. In: LACZKO, F.; AGHAZARM, C. (ed.). Migration, environment and climate change: assessing the evidence. Geneva: OIM, 2009. p. 247-317.). A operacionalização de cada tipologia revela a complexidade dos processos sociais imbricados no conceito de desastres, já que, normalmente, estes eventos estão relacionados a mais de uma causa.

No entanto, o questionamento mais relevante quanto ao termo “desastres naturais” diz respeito à despolitização implícita no conceito. Autores como Naik (2009NAIK, A. Migration and natural disasters. In: LACZKO, F.; AGHAZARM, C. (ed.). Migration, environment and climate change: assessing the evidence. Geneva: OIM, 2009. p. 247-317.) e Valencio (2011VALENCIO, N.; VALENCIO, A. Os desastres como indícios da vulnerabilidade do Sistema Nacional de Defesa Civil: o caso brasileiro. Territorium, n. 18, p. 147-156, 2011.) questionam se o termo “natural” é o mais apropriado para denominar os desastres relacionados a fenômenos e processos hidrometeorológicos e geomorfológicos que causam danos às populações. “Denominá-los como desastres ‘naturais’ é uma forma de deslegitimar a politização e o controle social na definição do problema e evitar a busca compartilhada de soluções” (VALENCIO; VALENCIO, 2011VALENCIO, N.; VALENCIO, A. Os desastres como indícios da vulnerabilidade do Sistema Nacional de Defesa Civil: o caso brasileiro. Territorium, n. 18, p. 147-156, 2011., p. 25). A confusão entre o evento “natural” causador do desastre e o próprio desastre, este essencialmente social e, portanto, não natural, atrapalha o avanço das políticas públicas na área. “O modo como a comunidade científica classifica e interpreta os desastres influencia as decisões de Estado em relação às interpretações do direito, às reivindicações de vítimas, à orientação de prioridades de proteção e defesa civil e outros serviços públicos” (VALENCIO, 2016, p. 1).

Um aspecto importante a destacar é a tendência, em parte da literatura ou mesmo do poder público e da sociedade em geral, em adotar um discurso de “naturalização” dos desastres; de que seriam inevitáveis, não antecipáveis ou não minimizáveis por meio de ações concretas de adaptação ou mitigação, com o conceito “desastre” sendo evitado ou substituído por “acidente”. Mais do que uma discussão semântica, tal discurso sugere a transferência de responsabilização legal dolosa (desastre) para culposa (acidente), além de constituir uma estratégia de comunicação perante o público.

Vulnerabilidade, resiliência e adaptação

A demografia brasileira tem grande produção envolvendo os conceitos de vulnerabilidade, adaptação (ou capacidade adaptativa) e resiliência (ver, por exemplo, HOGAN; MARANDOLA JR., 2005MARANDOLA JR., E.; HOGAN, D. Vulnerabilidade e riscos: entre geografia e demografia. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 22, n. 1, p. 29-53, 2005.; MARANDOLA JR.; HOGAN, 2005; TORRES, 2006TORRES, H. A demografia do risco ambiental. In: TORRES, H.; COSTA, H. (org.). População e meio ambiente: debates e desafios. São Paulo: Editora Senac, 2006. p. 53-73.; HOGAN, 2009; BARBIERI, 2011BARBIERI, A. F.; CONFALONIERI, U. E. Climate change, migration and health: exploring potential scenarios of population vulnerability in Brazil. In: PIGUET, E.; PECOU, A.; GUCHTENEIRE, P. (ed.). Migration and climate change. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. p. 49-73.; VIANA, 2015VIANA, R. de M. A remoção dos desastres e os desastres da remoção: risco, vulnerabilidade e deslocamento forçado em Belo Horizonte. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2015.; ALVALÁ; BARBIERI, 2017ALVALÁ, R. C. S.; BARBIERI, A. F. Desastres naturais. In: NOBRE, C. A.; MARENGO, J. A. (org.). Mudanças climáticas em rede: um olhar interdisciplinar. São José dos Campos, SP: Inpe, 2017. v. 1, p. 203-230.; MARQUES; SANTOS; 2021MARQUES, C.; SANTOS, F. M. Riscos e adaptação às mudanças ambientais. Revista Ideias, v. 12, e021008, 2021.). Muitos desses estudos partem do conceito de vulnerabilidade proposto por Cutter (1996CUTTER, S. Vulnerability to environmental hazards. Progress in Human Geography, v. 20, n. 4, p. 529-539, 1996.) em pesquisas sobre riscos e perigos, assim como para o desenvolvimento de estratégias de mitigação de ameaças desde o nível local até o internacional (CUTTER, 1996CUTTER, S. Vulnerability to environmental hazards. Progress in Human Geography, v. 20, n. 4, p. 529-539, 1996.). Já o IPCC (2001; apud FÜSSEL, 2007FÜSSEL, H. M. Adaptation planning for climate change: concepts, assessment approaches, and key lessons. Sustain Science, v. 2, p. 265-275, 2007.) define vulnerabilidade considerando a inter-relação entre fatores sociais e ambientais e as suas organizações em, respectivamente, sistemas sociais e sistemas ambientais, e o grau de exposição, sensibilidade e capacidade adaptativa desses sistemas a choques adversos. A vulnerabilidade refere-se à capacidade de uma população ou sistema de prevenir, mitigar ou atenuar as consequências adversas da exposição aos desastres, e a capacidade de responder a eles (BARBIERI et al., 2015). Segundo Wisner et al. (2004WISNER, B.; BLAIKIE, P.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability and disasters. 2 ed. London and New York: Routledge, 2004.), a vulnerabilidade envolve, ainda, uma combinação de fatores que determinam até que ponto a vida e os meios de subsistência são colocados em risco por um evento discreto e identificável (ou série de eventos) na natureza ou na sociedade. Os autores destacam variáveis que podem explicar as variações nas capacidades e impactos, como renda, ocupação, etnia, gênero, idade, status de imigração (legal ou ilegal) e a natureza e extensão das redes sociais.

Para compreender os desastres não devemos conhecer apenas os tipos de perigos que podem afetar as pessoas, mas também os diferentes níveis de vulnerabilidade de grupos populacionais e como são determinados pelos sistemas sociais e de poder (WISNER et al., 2004WISNER, B.; BLAIKIE, P.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability and disasters. 2 ed. London and New York: Routledge, 2004. apud SOARES, 2020SOARES, V. C. Demografia dos desastres: um estudo para populações em áreas de risco de rompimento de barragem em Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2020.). A vulnerabilidade precisa ser compreendida no contexto de sistemas políticos e econômicos que operam em diferentes escalas e que definem como grupos populacionais se diferenciam em relação à saúde, renda, segurança do edifício, localização no trabalho e em casa, etc. A vulnerabilidade pode, ainda, variar gradualmente ao longo do tempo, a partir das variações nas condições socioeconômicas, ambientais ou demográficas (BANKOFF; FRERKS; HILHORST, 2004BANKOFF, G.; FRERKS, G.; HILHORST, D. (ed.). Mapping vulnerability: “disasters, development and people”. [S.l.]: Routledge, 2004.).

A vulnerabilidade difere entre grupos populacionais e faz com que grupos tenham uma probabilidade diferencial de permanecer no local ou se afastar em resposta a impactos diretos e indiretos (BLAIKIE et al., 1994BLAIKIE, P.; CANNON, T.; DAVIS, I.; WISNER, B. At risk: natural hazards, people’s vulnerability and disasters. 1 ed. Routledge, 1994.; FOTHERGILL; MAESTAS; DEROUEN, 1999FOTHERGILL, A.; MAESTAS, E.; DEROUEN, J. Race, ethnicity and disasters in the United States: a review of the literature. Disasters, v. 23, n. 2, p. 156-73, 1999.; FOTHERGILL; PEEK, 2004; PAIS; ELLIOTT, 2008PAIS, J. F.; ELLIOTT, J. R. Places as recovery machines: vulnerability and neighborhood change after major hurricanes. Social Forces, v. 86, n. 4, p. 1415-1453, 2008. apud RAKER, 2020RAKER, E. J. Natural hazards, disasters, and demographic change: the case of severe tornadoes in the United States, 1980-2010. Demography, v. 57, n. 2, p. 653-674, 2020.). Nesse sentido, é um conceito vazio se desassociado da compreensão das condições que reproduzem estruturas de desigualdade, pobreza e poder na sociedade. Acselrad (2006ACSELRAD, H. Vulnerabilidade ambiental, processos e relações. In: II ENCONTRO NACIONAL DE PRODUTORES E USUÁRIOS DE INFORMAÇÕES SOCIAIS, ECONÔMICAS E TERRITORIAIS. Anais [...]. Rio de Janeiro: FIBGE, 2006.) discute as condições que configuram a vulnerabilidade a desastres como socialmente construídas e cuja coexistência com a (in)justiça socioambiental é explicada pelas exposições a riscos heterogêneas entre grupos socioeconômica e demograficamente distintos. Ademais, segundo o autor, a maior intensidade e frequência de impactos de desastres não é um fenômeno aleatório, mas sim concentrado social e territorialmente segundo critérios como classe socioeconômica, gênero e raça. Políticas de adaptação que minimizem tais vulnerabilidades requerem mudanças nas relações sociopolíticas desiguais, bem como uma alternância das visões de mundo e paradigmas dentro dos quais a reprodução de desigualdades está cristalizada (ERIKSEN et al., 2021ERIKSEN, S. et al. Adaptation interventions and their effect on vulnerability in developing countries: help, hindrance or irrelevance? World Development, v. 141, article 105383, 2021.). Anazawa, Feitosa e Monteiro (2013ANAZAWA, T. M.; FEITOSA, F. D. F.; MONTEIRO, A. M. V. Vulnerabilidade socioecológica no litoral norte de São Paulo: medidas, superfícies e perfis de ativos. Geografia, v. 38, n. 1, p. 189-208, 2013.) discutem como indivíduos em diferentes situações socioeconômicas e localizados em territórios urbanos com características distintas estão expostos a desfechos como perda de vida ou de sua propriedade em diferentes intensidades.

A discussão anterior reforça a natureza não aleatória, e endógena, entre vulnerabilidade e desastres e o ciclo vicioso que alimenta essa relação. Brito Jr. et al. (2014) abordam a natureza da relação entre os ditos “desastres naturais” e vulnerabilidade ao sugerirem um ciclo de reprodução de condições socioeconômicas entre grupos populacionais distintos e os desastres, sendo ambos condicionados, em um nível macro, pelas estruturas políticas, sociais, estratificação, disponibilidade de recursos, desigualdade, dispersão, densidade, crescimento populacional, degradação ambiental, dentre outros fatores.

O conceito de capacidade adaptativa refere-se aos atributos de um dado território e seus atores (individuais e institucionais) que determinam a capacidade em responder aos impactos de choques externos, como desastres e as mudanças climáticas (ROSENZWEIG et al., 2011ROSENZWEIG, C.; SOLECKI, W.; DEGAETANO, A.; O’GRADY, M.; HASSOL, S.; GRABHORN, P. (ed.). Responding to climate change in New York State: the ClimAID integrated assessment for effective climate change adaptation. Synthesis report. New York: State Energy Research and Development Authority, 2011.; MEHROTRA et al., 2013MEHROTRA, S.; CARMIN, J.; FENECH, A.; FÜNFGELD, H.; LABANE, Y.; LI, J.; ROGGEMA, R.; THOMALLA, F.; ROSENZWEIG, C. Adapting to climate change in cities. In: PALUTIKOF, J.; BOULTER, S. L.; ASH, A. J.; SMITH, M. S.; PARRY, M.; WASCHKA, M.; GUITART, D. (ed.). Climate adaptation futures. Wiley-Blackwell, 2013. p. 311-321.). Uma característica implícita nesse conceito, conectando-o à importância de pensar situações pré e pós-desastres, é o fato de envolver uma preparação, ou “adaptabilidade proativa” no sentido proposto por Giddens (2010GIDDENS, A. A política da mudança climática. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.), a partir da construção de estratégias coletivas ou pessoais de mitigação de condições estruturalmente determinadas de vulnerabilidade.

Outro conceito importante para compreender as consequências dos desastres é a resiliência das populações atingidas: a capacidade de recuperar os níveis de riqueza, produção e recomposição de capitais (físico, natural, social, humano, financeiro) que definem as dimensões de bem-estar de indivíduos e famílias, após a ocorrência de algum choque externo. Gallopín (2006GALLOPÍN, G. C. Linkages between vulnerability, resilience, and adaptive capacity. Global Environmental Change, v. 16, n. 3, p. 293-303, 2006.) ressalta que a resiliência está claramente relacionada à capacidade de resposta que, por sua vez, pode ser considerada um dos componentes da vulnerabilidade. Por outro lado, Logan, Issar e Xu (2016LOGAN, J. R.; ISSAR, S.; XU, Z. Trapped in place? Segmented resilience to hurricanes in the Gulf Coast, 1970-2005. Demography, v. 53, n. 5, p. 1511-1534, 2016.), ao introduzirem o conceito de resiliência segmentada, discutem como a resiliência pode referir-se não apenas à capacidade de sobreviver no local e reconstruir modos de vida, restaurando um estado de equilíbrio após um evento, como também aos recursos que podem ser implantados para apoiar a retirada de zonas de alto risco. Segundo os autores, em algumas situações, a saída é a medida adaptativa mais bem-sucedida ao desastre (BLACK et al. 2011BLACK, R.; ADGER, W. N.; ARNELL, N. W.; DERCON, S.; GEDDES, A.; THOMAS, D. The effect of environmental change on human migration. Global Environmental Change, v. 21, Supplement 1(0), p. S3-S11, 2011. apud LOGAN; ISSAR; XU, 2016LOGAN, J. R.; ISSAR, S.; XU, Z. Trapped in place? Segmented resilience to hurricanes in the Gulf Coast, 1970-2005. Demography, v. 53, n. 5, p. 1511-1534, 2016.).

A segmentação da comunidade em grupos populacionais com vulnerabilidades, resiliências, recursos e capacidades amplamente diferentes é central para lidar com as situações de perigo e eventos catastróficos. Conceitualmente, o desastre é uma combinação dos perigos e da exposição das pessoas e ativos combinados com suas respectivas vulnerabilidades (ROSENZWEIG et al., 2011ROSENZWEIG, C.; SOLECKI, W.; DEGAETANO, A.; O’GRADY, M.; HASSOL, S.; GRABHORN, P. (ed.). Responding to climate change in New York State: the ClimAID integrated assessment for effective climate change adaptation. Synthesis report. New York: State Energy Research and Development Authority, 2011.; MEHROTRA et al., 2013MEHROTRA, S.; CARMIN, J.; FENECH, A.; FÜNFGELD, H.; LABANE, Y.; LI, J.; ROGGEMA, R.; THOMALLA, F.; ROSENZWEIG, C. Adapting to climate change in cities. In: PALUTIKOF, J.; BOULTER, S. L.; ASH, A. J.; SMITH, M. S.; PARRY, M.; WASCHKA, M.; GUITART, D. (ed.). Climate adaptation futures. Wiley-Blackwell, 2013. p. 311-321.). Fatores como urbanização, migração e crescimento populacional aumentam a concentração de pessoas e ativos em áreas de risco, sendo que o maior grau de exposição e vulnerabilidade tanto das pessoas quanto da infraestrutura explica porque nessas áreas os impactos dos desastres são maiores.

A literatura sobre demografia dos desastres

Os desastres na demografia

A perenidade e a desigualdade socioespacial dos riscos e dos desastres a eles associados têm motivado uma crescente articulação entre a demografia e o campo de pesquisas em desastres. No caso do Brasil, isso tem sido feito desde a década de 1970, com os trabalhos de pesquisadores como Daniel Hogan, e vem ganhando maior impulso a partir do início dos anos 1990, com a criação do Grupo de Trabalho (GT) População e Meio Ambiente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) (SATHLER; MARQUES, 2015SATHLER, D.; MARQUES, C. GT População, Espaço e Ambiente: 25 anos abrindo novas fronteiras do conhecimento. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 32, n. 3, p. 429-431, 2015.; ANAZAWA; BONATTI, 2021ANAZAWA, T.; BONATTI, T. A contribuição de Daniel Hogan para os estudos dos desastres. Idéias, Campinas, SP, v. 12, e021006, 2021.). Os estudos têm focado, em grande parte, os desastres associados aos padrões de produção industrial e atividades minerárias (FRANCO, 1996FRANCO, T. Trabalho industrial e meio ambiente: a experiência do complexo industrial de Camaçari. In: MARTINE, G. (org.). População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996. p. 69-100.; HOGAN, 1996HOGAN, D. J. População, pobreza e poluição em Cubatão, São Paulo. In: MARTINE, G. (org.). População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996. p. 43-67., 2005; ACSELRAD, 2017ACSELRAD, H. Mariana, November, 2015: the political genealogy of a disaster. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, v. 14, n. 2, p. 149-158, 2017.; SOARES, 2020SOARES, V. C. Demografia dos desastres: um estudo para populações em áreas de risco de rompimento de barragem em Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2020.), os desastres urbanos relacionados a eventos hidrometeorológicos e geológicos (VARGAS, 2009VARGAS, D. “Eu fui embora de lá, mas não fui” - a construção social da moradia de risco. In: VALÊNCIO, N. et al. (org.). Sociologia dos desastres: construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos: Rima Editora, 2009. p. 80-95.; CARMO; ANAZAWA; JOHANSEN, 2014CARMO, R. L.; ANAZAWA, T. M.; JOHANSEN, I. C. Seca nas metrópoles: materialização de um desastre anunciado. Water-Gobacit Network, v. 1, n. 1, p. 91-109, 2014.; GUEDES et al., 2015GUEDES, G. R.; SIMÃO, A. B.; DIAS, C. A.; BRAGA, E. O. Risco de adoecimento por exposição às águas do rio Doce: um estudo sobre a percepção da população de Tumiritinga- MG. Cadernos de Saúde Pública, (Online), v. 31, n. 6, p. 1257-1268, 2015.; SANTOS, 2015SANTOS, F. Dinâmica populacional e mudanças ambientais: riscos e adaptação em Ilha Comprida, litoral sul de São Paulo. Tese (Doutorado) − Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2015.; VIANA, 2015VIANA, R. de M. A remoção dos desastres e os desastres da remoção: risco, vulnerabilidade e deslocamento forçado em Belo Horizonte. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2015.; ALVALÁ; BARBIERI, 2017ALVALÁ, R. C. S.; BARBIERI, A. F. Desastres naturais. In: NOBRE, C. A.; MARENGO, J. A. (org.). Mudanças climáticas em rede: um olhar interdisciplinar. São José dos Campos, SP: Inpe, 2017. v. 1, p. 203-230.; MOREIRA, 2022MOREIRA, R. E. “Quem ficou para trás?”: determinantes de vulnerabilidade a desastres e realocação em Belo Horizonte. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2022.), a degradação de condições de vida e de estratégias de sobrevivência rural e urbana associadas às secas (OJIMA, 2013OJIMA, R. Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino: o papel das cidades no processo de adaptação ambiental. Cadernos Metrópole, v. 15, n. 29, p. 35-54, 2013.; ANZAWA, 2015; DA SILVA, 2015DA SILVA, C. Os desastres no Rio de Janeiro: conceitos e dados. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, n. 8, p. 55-72, 2015.; OJIMA; FUSCO, 2017; CORREA; BARBIERI, 2019; COSTA; OJIMA, 2020COSTA, P. V. M.; OJIMA, R. Transposição do rio São Francisco e a vulnerabilidade sociodemográfica: desafios ao bem-estar da população sertaneja. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 55, p. 141-165, 2020.; CORREA, 2022) e as mudanças climáticas (HOGAN; MARANDOLA JR., 2009MARANDOLA JR., E.; HOGAN, D. J. Vulnerabilidade do lugar vs. vulnerabilidade sociodemográfica: implicações metodológicas de uma velha questão. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 26, n. 2, p. 161-181, 2009.; BARBIERI et al, 2010, 2015; BARBIERI, 2011; BARBIERI; CONFALONIERI, 2011; BARBIERI; PAN, 2022).

Em relação aos atributos demográficos, Kelman (2020KELMAN, I. Disaster vulnerability by demographics? The Journal of Population and Sustainability, v. 4, n. 2, p. 17-30, 2020.) sugere que idade, gênero, sexo, incapacidades e condições médicas, etnia, raça, casta, religião, educação, capacidades de comunicação, dentre outros são fundamentais para compreender como a vulnerabilidade é determinada por e para os indivíduos. É nesse sentido que, por exemplo, a mortalidade por desastres e por gênero não deve ser vista como algo intrínseco a questões fisiológicas, genéticas ou capacidade de sobreviver a desastres como inundações, mas sim a construções e papéis de gênero culturalmente criados e reproduzidos na sociedade, que levam a diferentes resultados em termos de vulnerabilidades a desastres. Assim, identificar o impacto que os desastres podem causar nas populações não é tarefa trivial, pois são múltiplos e complexos, inclusive porque as reações das pessoas impactadas podem acelerar mudanças demográficas já em curso ou criarem novos perfis populacionais (KARÁCSONYI; TAYLOR, 2021KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A. Introduction: conceptualising the demography of disasters. In: KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A.; BIRD, D. (ed.). The demography of disasters: impacts for population and place. Springer, 2021.).

A composição etária da população é uma das questões centrais para o dimensionamento dos impactos de desastres. Em particular, os subgrupos etários mais vulneráveis na população, à parte outros fatores que possam se correlacionar com idade para aumentar um dano, como raça e gênero, são aqueles compostos por crianças e idosos. Brito Jr. et al. (2014) sugerem que as crianças e os idosos são os mais afetados por deslizamentos de terras, uma vez que, por questões sociais, permanecem por mais tempo dentro de suas residências; e que homens e meninos são mais vulneráveis em inundações e apresentam sentido de risco menor do que o das mulheres, pelo fato, por exemplo, de se exporem mais para tentarem salvar bens materiais. Os idosos, em particular, apresentam atributos pré-desastre, como carga de morbidade e mobilidade restrita, que são agravantes em situações de pós-desastre.

Há também os danos psicológicos desencadeados principalmente em crianças e idosos, como em casos de ativação de alarmes de emergência, quando o nível de emergência de uma barragem é elevado (SOARES, 2020SOARES, V. C. Demografia dos desastres: um estudo para populações em áreas de risco de rompimento de barragem em Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2020.). Além disso, a necessidade de rápida evacuação coloca os idosos entre os indivíduos mais propensos a morte e ferimentos, e a capacidade de recomporem a vida também é mais limitada do que a dos jovens e adultos. O apego ao lugar de moradia e às relações sociais preestabelecidas no território atingido pelo desastre tornam as ações de reassentamento ou realocação muito mais difíceis e dolorosas para este grupo (VIANA, 2015VIANA, R. de M. A remoção dos desastres e os desastres da remoção: risco, vulnerabilidade e deslocamento forçado em Belo Horizonte. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2015.). Santos (2015SANTOS, F. Dinâmica populacional e mudanças ambientais: riscos e adaptação em Ilha Comprida, litoral sul de São Paulo. Tese (Doutorado) − Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, 2015.) destaca que a forma como a população percebe e enfrenta os perigos está relacionada ao envolvimento das pessoas com o lugar e também por alguns componentes da dinâmica demográfica, como sexo, idade e tempo de residência. Tais características repercutem em suas ações de enfrentamento para lidar com os perigos ambientais com os quais convivem.

Maciel (2022MACIEL, F. L. “Vamos correr da barragem”: violações dos direitos da criança em meio a lama invisível de São Sebastião das Águas Claras, Minas Gerais. Trabalho de Conclusão de Curso - Universidade Federal de Minas Gerais, Curso de graduação em Ciências Socioambientais, Belo Horizonte, 2022.) aponta que quanto mais jovem e imatura for a criança, menor é a percepção de risco e, consequentemente, maiores são a vulnerabilidade e a dependência de outras pessoas para a promoção de sua segurança. Além dos impactos na saúde física e mental, Soares (2020SOARES, V. C. Demografia dos desastres: um estudo para populações em áreas de risco de rompimento de barragem em Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2020.) e Maciel (2022) destacam impactos na educação e no lazer e a perda de vínculos com o espaço físico, com os amigos e animais, principalmente em situações de risco que demandam evacuação de moradias.

Os impactos demográficos mais comuns relatados na literatura são mortes e ferimentos, além de mudanças no padrão e intensidade dos deslocamentos, inclusive da migração de pessoas expostas ao desastre. Raker (2020RAKER, E. J. Natural hazards, disasters, and demographic change: the case of severe tornadoes in the United States, 1980-2010. Demography, v. 57, n. 2, p. 653-674, 2020.) ressalta três hipóteses que refletem a variedade de efeitos dos desastres nos aspectos demográficos. A primeira é a hipótese de equilíbrio, em que, eventualmente, localidades impactadas retornarão ao ponto anterior ao desastre, sem alteração das características demográficas. A segunda é a hipótese de concentração, com os grupos mais vulneráveis, sem recursos para se moverem, ficando presos à localidade impactada, enquanto os mais favorecidos se realocam. Por fim, a hipótese de deslocamento prevê situação inversa, em que os grupos mais vulneráveis são os que se deslocam, enquanto os mais favorecidos, por conta de poupança, seguro ou riqueza, permanecem no local e reconstroem seu patrimônio.

Os desastres também podem ter consequências de longo prazo. Caruso (2017CARUSO, G. D. The legacy of natural disasters: the intergenerational impact of 100 years of disasters in Latin America. Journal of Development Economics, v. 127, p. 209-233, 2017.), em análise de longo prazo dos denominados “desastres naturais” ocorridos na América Latina no século XX, aponta que a fase da vida de maior fragilidade é dos primeiros anos de vida até a idade escolar. As crianças atingidas tendem a acumular menos capital e ativos e a apresentar uma saúde pior na fase adulta. Também foi verificado que os filhos das mulheres que sofreram com “desastres naturais” têm maior chance de realizar trabalho infantil e ter menor instrução.

Outra característica referente à magnitude do impacto demográfico de desastres tem relação com o povoamento da região atingida. Em áreas pouco povoadas, por exemplo, grandes mudanças nas características demográficas podem ser resultantes da decisão de um número relativamente pequeno de pessoas. Essa dinâmica torna ainda mais complicada a tarefa de estimar o impacto de eventos raros (CARSON et al., 2021CARSON, D. B.; CARSON, D. A.; AXELSSON, P.; SKÖLD, P.; SKÖLD, G. Disruptions and diversions: the demographic consequences of natural disasters in sparsely populated areas. In: KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A.; BIRD, D. (ed.). The demography of disasters: impacts for population and place. Cham, Switzerland: Springer, 2021. p. 81-99.).

A literatura também discute a relação específica entre desastres e os componentes da dinâmica demográfica - fecundidade, mortalidade e migração (ou mobilidade espacial, latu sensu). King e Gurtner (2021KING, D.; GURTNER, Y. Land use planning for demographic change after disasters in New Orleans, Christchurch and Innisfail. In: KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A.; BIRD, D. (ed.). The demography of disasters: impacts for population and place. Springer, 2021.) analisaram os impactos dos desastres de New Orleans (Estados Unidos), devastada pelo furacão Katrina em 2005, Christchurch (Nova Zelândia), afetada por terremotos em 2010 e 2011, e Innisfail (Austrália), atingida por dois ciclones de categoria quatro em 2006 e 2011. Os autores identificaram cinco tipos de processos relacionados à emigração: uma experiência anterior ou conhecimento prévio do risco influenciando a intenção de migrar; evacuação (inclusive forçada) antes de o desastre ocorrer; evacuação após o desastre, muitas vezes obrigatória por conta de danos graves; perdas econômicas e de infraestrutura inibindo o retorno e causando evacuação adicional de forma progressiva; e emigração com destino a localidades com mais oportunidades, decorrente da perda de economias e moradias em longo prazo.

Karácsonyi, Hanaoka e Skryzhevska (2021KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A. Introduction: conceptualising the demography of disasters. In: KARÁCSONYI, D.; TAYLOR, A.; BIRD, D. (ed.). The demography of disasters: impacts for population and place. Springer, 2021.) analisaram os efeitos do reassentamento permanente nas trajetórias demográficas e mudanças espaciais decorrentes dos desastres nucleares de Chernobyl (na época União Soviética, atual Ucrânia), em 1986, e de Fukushima (Japão), em 2011. Em ambos os casos houve grande perda de população nas áreas contaminadas e aceleração da urbanização nas cidades adjacentes. Os autores também identificaram maior mudança nas migrações entre os primeiros 5 a 10 anos pós-desastre, com considerável número de pessoas passando por várias etapas migratórias até estabelecerem residência permanente. Com o tempo, a mobilidade populacional se reduziu e uma diferenciação etária foi observada, com pessoas e famílias mais jovens geralmente iniciando uma nova fase da vida em áreas urbanas fora da região afetada, enquanto os idosos apresentaram maior tendência a retornar para a região original.

Além do impacto na mortalidade e na migração, a fecundidade também pode sofrer alterações. De modo geral, a literatura destaca aumento na fecundidade após a ocorrência de um desastre. Finlay (2009FINLAY, J. E. Fertility response to natural disasters: the case of three high mortality earthquakes. Washington, DC: The World Bank, 2009. (World Bank Policy Research Working Paper, n. 4883).) confirma a hipótese de aumento na fecundidade em resposta à mortalidade infantil, sendo o crescimento superior à reposição das mortes. Como explicação, para além do efeito substituição ex post, são citados os auxílios que as crianças podem prover no rendimento domiciliar. Nandi, Mazumdar e Behrman (2018NANDI, A.; MAZUMDAR, S.; BEHRMAN, J. R. The effect of natural disaster on fertility, birth spacing, and child sex ratio: evidence from a major earthquake in India. Journal of Population Economics, v. 31, n. 1, p. 267-293, 2018.) sugerem aumento da fecundidade após o terremoto em Gujarat (Índia), além de variações consideráveis com relação à região, ao status socioeconômico da família e à idade e escolaridade dos pais.

A temporalidade na demografia dos desastres

Para caracterizar a população atingida por desastres, é importante compreender não apenas as condições imediatamente anteriores ao evento, mas também as tendências de transformações sociais, demográficas, econômicas e ambientais vinculadas aos territórios atingidos. Assumimos aqui, conforme Tierney (2019TIERNEY, K. Disasters: a sociological approach. John Wiley & Sons, 2019.), que os desastres não terminam logo após o fim do evento catastrófico. Eles se mantêm por meio de uma crise aguda na sociedade e nos seus modos de vida, tendo efeitos a médio e longo prazos e podendo levar a sérios níveis de sofrimento social caso vínculos de responsabilidade pública e social sejam quebrados. Como destacado por Slim (1995SLIM, H. The continuing metamorphosis of the humanitarian practitioner: some new colours for an endangered chameleon. Disasters, v. 19, n. 2, p. 110-126, 1995.), os desastres são processos nos quais eventos perigosos representam momentos de catarse ao longo de um continuum, cujas origens estão enterradas no passado e cujos resultados se estendem para o futuro. Frankenberg, Laurito e Thomas (2015FRANKENBERG, E.; LAURITO, M.; THOMAS, D. Demographic impact of disasters. In: WRIGHT, J. D. (ed.). International encyclopedia of the social & behavioral sciences 2. ed. Elsevier, 2015. p. 101-108.) sugerem, ainda, que os impactos de um desastre podem ter uma delimitação espacial e temporal imprecisa, inclusive alcançando escalas de tempo e espaço geográfico mais amplas do que as inicialmente impactadas.

Uma contribuição singular da demografia para a análise dos impactos dos desastres é a partir da decomposição do tempo enquanto categoria analítica, por meio de três dimensões: o tempo calendário, que retrata o contexto histórico ou período em que o evento ocorreu; o contexto do ciclo de vida do indivíduo - a idade -; e o contexto do grupo em que o indivíduo estava inserido - a coorte (VIANA, 2015VIANA, R. de M. A remoção dos desastres e os desastres da remoção: risco, vulnerabilidade e deslocamento forçado em Belo Horizonte. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2015.). Tais dimensões podem ser integradas e compor o arcabouço analítico de diversos modelos de risco e vulnerabilidade, como os dois propostos por Wisner et al. (2004WISNER, B.; BLAIKIE, P.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability and disasters. 2 ed. London and New York: Routledge, 2004.). O primeiro modelo, denominado Pressure and Realease (PAR), analisa a relação entre risco, vulnerabilidade e “desastres naturais” (Figura 1). A dimensão temporal é importante para compreender as relações entre os impactos de um evento perigoso na vida das pessoas e a série de processos sociais que produzem a vulnerabilidade. O risco de desastre pode ser expresso como uma pseudoequação, em que o risco é resultante da interação de duas variáveis (ou forças): o perigo (evento) e a vulnerabilidade.

FIGURA 1
Modelo Pressure and Release (PAR)

A vulnerabilidade tem diferentes tipos de conexões, classificadas em três grupos: as causas profundas (root causes), as pressões dinâmicas (dynamic pressures) e as condições inseguras (unsafe conditions). O primeiro grupo está relacionado aos processos econômicos, demográficos e políticos mais amplos que afetam a alocação e distribuição de recursos entre os diferentes grupos sociais. Segundo Wisner et al. (2004WISNER, B.; BLAIKIE, P.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability and disasters. 2 ed. London and New York: Routledge, 2004., p. 52, tradução nossa), essa conexão é a mais distante em três sentidos diferentes: “espacialmente (proveniente de um centro distante do poder econômico e político); temporalmente (na história passada); e distante no sentido de ser ligado tão profundamente com questões culturais, ideológicas, crenças e relações sociais baseadas na existência cotidiana das pessoas envolvidas que são invisíveis ou dados como certos”.

As pressões dinâmicas são processos e atividades que traduzem os efeitos das causas profundas, tanto temporalmente quanto espacialmente, em condições inseguras. Elas incluem as epidemias, a rápida urbanização, guerras e conflitos violentos, dívida externa, dentre outros (WISNER et al., 2004WISNER, B.; BLAIKIE, P.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability and disasters. 2 ed. London and New York: Routledge, 2004.). Por fim, as condições inseguras representam as formas específicas pelas quais a vulnerabilidade da população pode ser expressa, como a incapacidade das pessoas de disporem de habitações ou locais seguros.

O segundo modelo, denominado Access Model, é uma versão expandida e dinâmica do modelo PAR, focando nas respostas e estratégias, ao longo do tempo, das pessoas e grupos sociais em relação aos desastres: “a importância do tempo para a compreensão dos desastres está relacionada à frequência do evento, ao tempo em que os desastres ocorrem (hora do dia, estação do ano) e às fases do impacto após a ocorrência do desastre” (WISNER et al., 2004WISNER, B.; BLAIKIE, P.; CANNON, T.; DAVIS, I. At risk: natural hazards, people’s vulnerability and disasters. 2 ed. London and New York: Routledge, 2004., p. 107, tradução nossa).

A observação acima remete à importância de se avaliar a temporalidade dos desastres por meio dos conceitos de slow-onset (início gradual) e rapid-onset (início súbito). Kelman (2019KELMAN, I. Axioms and actions for preventing disasters. Progress in Disaster Science, v. 2, 2019.) defende que os desastres são sempre processos slow-onset, enquanto os perigos e eventos catastróficos podem ser considerados rapid-onset. O autor utiliza o exemplo de tsunamis ou terremotos, que podem ocorrer rapidamente e sem avisos ou alertas, mas cujos impactos são resultado de um longo processo de ocupação das áreas impactadas, códigos de construção, desigualdades na distribuição de recursos na sociedade, etc. e cujos efeitos podem se estender por anos após o evento catastrófico. Ou seja, os riscos, e os desastres a eles associados, são socialmente construídos ao longo do tempo.

O rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em janeiro de 2019, é um exemplo deste fenômeno no Brasil. Percebe-se, após a difusão da imagem das câmeras de segurança que captaram o momento exato do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, que, enquanto o rompimento da barragem (o evento catastrófico) acontece em poucos segundos, o desastre, enquanto processo social, era construído há décadas e envolve questões como o método construtivo da barragem, fiscalização, dentre outras. O desastre não se encerrou com o rompimento, e se estende, por exemplo, na procura por corpos de vítimas e pelas consequências socioeconômicas, ambientais e de saúde que persistem por tempo indeterminado.

Uma proposta de marco teórico sobre demografia dos desastres

Acreditamos que a consolidação de uma demografia dos desastres requer utilizar a potencialidade, a nosso ver ainda pouco explorada, de métodos e teorias demográficas no campo de estudos em desastre - particularmente, na compreensão dos mecanismos de retroalimentação (feedbacks) entre dinâmica (temporal e espacial) demográfica ex-ante e ex-post e desastres.

A Figura 2 propõe um marco teórico para avaliar como a estrutura demográfica que emerge da dinâmica demográfica (1) define e é definida pela ocorrência de desastres (2). A natureza dessa inter-relação entre população e desastre é definida por conceitos comuns, presentes em pesquisas sobre demografia e desastres, aqui agrupados no contexto mais amplo das condições de vulnerabilidade socioambientais preexistentes (3) (ver discussão a seguir). A inter-relação entre as três etapas definirá, em última instância, o conjunto de estratégias de adaptação dos indivíduos e das famílias aos desastres (4).

FIGURA 2
Marco teórico para a análise da relação entre desastres e dinâmica demográfica

As respostas demográficas (1) representam como os componentes da dinâmica demográfica respondem aos desastres ou são condições subjacentes para o nível e intensidade dos desastres. Tais respostas assumirão especificidades e um potencial agravo (ou minimização) dos impactos conforme o tamanho da população, o seu estágio nas transições populacionais e suas condições socioambientais preexistentes.

Os tipos de desastres (2) podem ser definidos de acordo com a sua relação tempo-magnitude: um evento de início súbito (inundações ou rompimento de barragens) e outro gradual (seca e degradação do solo). O tempo-magnitude do evento é fundamental para definir a resposta sociodemográfica de um domicílio e seus indivíduos, ruptura ou a emergência de estruturas demográficas, que dependem também da percepção social sobre a severidade do evento.

As condições de vulnerabilidade socioambientais preexistentes (3) dependem de arranjos e características contextuais e institucionais (BLACK et al., 2011BLACK, R.; ADGER, W. N.; ARNELL, N. W.; DERCON, S.; GEDDES, A.; THOMAS, D. The effect of environmental change on human migration. Global Environmental Change, v. 21, Supplement 1(0), p. S3-S11, 2011.; ADGER; ADAMS, 2013ADGER, W. N.; ADAMS, H. Migration as an adaptation strategy to environmental change. In: OECD /UNESCO (org.). World social science report 2013: changing global environments. OECD Publishing, 2013. p. 261-264.). Autores como Leighton (2011LEIGHTON, M. Climate change and social vulnerability: improving global protection of forced migrants and displaced persons. Bonn, Germany: InterSecTions − UNU-EHS, 2011. (Publication Series of UNU-EHS, n. 9/2021).) e Warner et al. (2011WARNER, K.; AFIFI, T.; SHERBININ, A.; ADAMO, S.; EHRHART, C. Climate change, migration and health: exploring potential scenarios of population vulnerability in Brazil. In: PIGUET, É.; PÉCOUD, A.; GUCHTENEIRE, P. de (ed.). Migration and climate change. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. p. 188-222.) sugerem que impactos ambientais como secas, degradação do solo e desertificação não são, normalmente, a causa única da mobilidade populacional como uma estratégia adaptativa envolvendo uma diversidade de fatores individuais, domiciliares e contextuais. Frankenberg, Laurito e Thomas (2015FRANKENBERG, E.; LAURITO, M.; THOMAS, D. Demographic impact of disasters. In: WRIGHT, J. D. (ed.). International encyclopedia of the social & behavioral sciences 2. ed. Elsevier, 2015. p. 101-108.) ressaltam que as respostas dos três componentes da dinâmica demográfica dependem não apenas da natureza dos desastres, mas também das políticas e programas implementados antes e depois dos desastres.

A adaptação das estratégias domiciliares e individuais (4) refere-se à resposta disponível e factível aos desastres, diante da natureza destes e da estrutura demográfica. A forma de adaptação irá, ex-post, afetar as condições socioambientais subjacentes. Os programas de transferência de renda são um exemplo importante de atuação institucional e econômica que, combinados a alternativas de adaptação, têm impactado positivamente a capacidade adaptativa de populações atingidas por desastres (VANWEY et al., 2012VANWEY, L. K. et al. The ecology of capital: shifting capital portfolios, context-specific returns to capital, and the link to general household wellbeing in frontier regions. In: CREWS-MEYER, K. (ed.). The politics and ecologies of health. 2012.; OJIMA, 2013OJIMA, R. Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino: o papel das cidades no processo de adaptação ambiental. Cadernos Metrópole, v. 15, n. 29, p. 35-54, 2013.; BARBIERI et al., 2016BARBIERI, A. F.; GUEDES, G. R.; SANTOS, R.; FONSECA, D. Deforestation from below: how can farm household demographic dynamics explain long term land use changes in the Amazon? Washington D.C.: Population Association of America, 2016.). No caso do Nordeste brasileiro, por exemplo, políticas de transferência de renda têm minimizado os impactos de eventos climáticos nos níveis domiciliares e comunitários (QUEIROZ; BARBIERI; CONFALONIERI, 2017QUEIROZ, B. L.; BARBIERI, A. F.; CONFALONIERI, U. E. Mudanças climáticas, dinâmica demográfica e saúde: desafios para o planejamento e as políticas públicas no Brasil. Revista Política e Planejamento Regional, v. 3, n. 1, p. 93-116, 2017.) e aumentado a resiliência local (BARBIERI; CONFALONIERI, 2011; KURIAKOSE et al., 2013KURIAKOSE, A. T.; HELTBERG, R.; WISEMAN, W.; COSTELLA, C.; CIPRYK, R.; CORNELIUS, S. Climate responsive social protection. Development Policy Review, v. 3, n. 2, p. 19-34, 2013.).

A validação do marco teórico envolve a definição de sete princípios que articulam conceitos centrais em demografia e pesquisas em desastres: multidimensionalidade de processos que definem as respostas populacionais ao desastre; heterogeneidade populacional; diferentes territorialidades que definirão distintas populações expostas aos desastres; temporalidade envolvida nos processos anteriores; percepção dos riscos e danos pela própria população que condicionará um determinado tipo de resposta; mensuração; e, por fim, é importante avaliar como a combinação dos seis princípios anteriores permite inferências para políticas de adaptação e a construção de capacidades de planejamento. Esses princípios são detalhados a seguir.

Multidimensionalidade

A discussão anterior sobre vulnerabilidade permite concluir sobre a necessidade de compreender a articulação de uma diversidade de dimensões: sociais, econômicas, demográficas, políticas, culturais, dentre outros (BLACK et al., 2011BLACK, R.; ADGER, W. N.; ARNELL, N. W.; DERCON, S.; GEDDES, A.; THOMAS, D. The effect of environmental change on human migration. Global Environmental Change, v. 21, Supplement 1(0), p. S3-S11, 2011.). Compreender a articulação e sinergia entre várias dimensões é condição necessária para quantificar e qualificar as estruturas de vulnerabilidade existentes pré e pós-desastre. Segundo Marandola Jr. e Hogan (2009HOGAN, D. J.; MARANDOLA JR., E. (org.). População e mudança climática: dimensões humanas das mudanças ambientais globais. Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População (Nepo/Unicamp), 2009.), por exemplo, a vulnerabilidade envolve as qualidades intrínsecas (do lugar, das pessoas, da comunidade, dos grupos demográficos, definidas em várias dimensões) e os recursos disponíveis (na forma de ativos) que podem ser acionados nas situações de necessidade ou emergência.

Heterogeneidade populacional

Em determinado território, um único desastre pode implicar diversos níveis de danos. Em outras palavras, o nível do impacto e do dano não é um atributo homogêneo na população, podendo haver assimetrias importantes mesmo em grupos populacionais com características aparentemente homogêneas, seja pela sua localização (ribeirinha, urbana, etc.), seja por atributos (idade, gênero, raça, renda, etc.). Torres (2006TORRES, H. A demografia do risco ambiental. In: TORRES, H.; COSTA, H. (org.). População e meio ambiente: debates e desafios. São Paulo: Editora Senac, 2006. p. 53-73.), por exemplo, sugere que o papel da demografia estaria na identificação da população sujeita ao risco e dos graus de vulnerabilidade que atuam sobre essa população, observando como determinados riscos, mesmo distribuídos homogeneamente, afetam grupos populacionais em diferentes graus. Ademais, pelo fato de grupos distintos terem diferentes articulações políticas e capacidades organizacionais, uma busca ativa e a inclusão desses grupos em processos de decisão participativa são fundamentais na negociação para mediar, mitigar e compensar os impactos de desastres.

Territorialidade

A Figura 3 delineia elementos para avaliação de impactos em função da articulação entre tipos de desastres, características populacionais e o contexto. A intensidade do impacto de um desastre sobre a população é contingente à relação identitária com o território e os conflitos que emergem da interação com contextos social, econômico e de poder (político), os quais se inserem em múltiplas escalas (locais, regionais, nacionais, globais). Esses elementos sugerem que a definição da territorialidade na qual a relação entre a dinâmica demográfica e um desastre se materializa é fundamental para delimitar a validade externa de avaliações empíricas e evitar falácias ecológicas ou individualísticas na avaliação dos impactos (BARBIERI, 2007BARBIERI, A. F. Mobilidade populacional, meio ambiente e uso da terra em áreas de fronteira: uma abordagem multiescalar. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 24, n. 2, p. 225-246, 2007.). Ademais, e em consonância com a discussão sobre a temporalidade dos desastres (retomada abaixo), definir a vulnerabilidade a desastres requer compreender o processo histórico que levou à configuração desses contextos.

FIGURA 3
Elementos territoriais e contextuais definidores de situações de vulnerabilidade populacional a desastres

Temporalidade

Discutimos anteriormente como a temporalidade dos processos demográficos (como os recortes por período, idade, coorte) interagem com as características de um desastre para determinar a magnitude dos impactos e danos. Abordamos ainda as dimensões e temporalidades de risco, inclusive demográficas, no modelo PAR.

Araújo (2012ARAÚJO, S. Administração de desastres: conceitos e tecnologias. 3 ed. [S.l.]: Sygma, 2012. Disponível em: http://www.defesacivil.pr.gov.br/sites/defesa-civil/arquivos_restritos/files/documento/2018-12/AdministracaodeDesastres.pdf. Acesso em: 21 mar. 2022.
http://www.defesacivil.pr.gov.br/sites/d...
) propõe três fases de um desastre. A primeira envolve ações de prevenção e mitigação (redução da vulnerabilidade e/ou do risco), preparo e alerta da população, que estão relacionadas de maneira mais ampla às políticas sociais, urbanas e econômicas do território. Durante o desastre, a resposta é imediata e emergencial e visa resgatar e proteger a vida e a integridade das pessoas. Já a fase pós-desastre engloba ações de reabilitação e reconstrução, que buscam restaurar a infraestrutura afetada, restabelecer os serviços vitais e os sistemas de abastecimento e revitalizar a economia.

É importante considerar também a possibilidade de ocorrência cumulativa de dois ou mais desastres sobre o mesmo território. A temporalidade do desastre também pode ser prolongada, caso a resposta institucional seja insuficiente ou demorada, e perdurar além do término do evento em si. Para as famílias de pessoas desaparecidas, por exemplo, os ciclos de esperança, angústia, desespero e ansiedade são renovados a cada notícia sobre o avanço das buscas pelos corpos e a ausência de resultados positivos. A experiência prévia de outros desastres e processos de reparação de populações atingidas também é importante para minimizar os impactos e danos, dando, inclusive, maior agilidade às respostas institucionais. A responsabilização (civil e/ou penal) pelo desastre e suas vítimas, bem como os registros e ações de preservação da memória, pode ajudar a reduzir o medo e a dor do esquecimento social que comumente atinge o sentido de identidade e pertencimento das comunidades ao longo do tempo.

Percepção social do risco e dos danos

O impacto dos desastres é contingente à percepção social do risco e dos danos entre os diferentes grupos sociais e segundo suas características demográficas. Marandola Jr. (2008) destaca que a percepção dos grupos afetados influenciará na preparação e reação quando o perigo ocorrer, podendo potencializar ou mitigar os danos. Soares (2020SOARES, V. C. Demografia dos desastres: um estudo para populações em áreas de risco de rompimento de barragem em Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2020.), em um estudo sobre atingidos por barragens, corrobora com as seguintes hipóteses apresentadas por Terpstra e Lindell (2012TERPSTRA, T.; LINDELL, M. K. Citizens’ perceptions of flood hazard adjustments: an application of the protective action decision model. Environment and Behavior, v. 45, n. 8, p. 993-1018, 2012.): a percepção do risco atua como um importante preditor das intenções de adoção de ajustes diante de um risco, ou seja, existe uma relação entre a percepção do risco e a adoção de medidas de ajuste ao mesmo; e estar ou não dentro da área de risco influencia a percepção do risco.

O conceito de coorte, muito utilizado na demografia, permite distinguir diferenças na percepção do risco entre as gerações, por exemplo. A resistência em deixar o lugar de moradia, em geral maior entre a população idosa, pode ser compreendida como uma percepção de que outros riscos e as perdas associados à remoção podem ser muito maiores para este grupo do que para os jovens. A aparente irracionalidade de uma decisão de permanecer em uma área de risco indica, na verdade, formas alternativas de ver e categorizar o mundo, que conformam vivências e percepções diferenciadas do risco.

Segundo Cardona (2004CARDONA, O. D. The need for rethinking the concepts of vulnerability and risk from a holistic perspective: a necessary review and criticism for effective risk management. In: BANKOFF, G.; FRERKS, G.; HILHORTS, D. (ed.). Mapping vulnerability: disasters, development and people. London; Sterling, VA: Earthscan, 2004. p. 37-51.), é cada vez mais reconhecida a necessidade de estudos sobre a percepção individual e coletiva dos riscos que considerem características culturais, desenvolvimento e organização das corporações que favorecem ou dificultam as ações de prevenção e mitigação. De fato, a leitura da vulnerabilidade por profissionais como geógrafos, hidrologistas, engenheiros e técnicos pode ser muito diferente da leitura ou representatividade feita por pessoas em geral, pela população exposta ou mesmo pelas autoridades que dominam o processo de decisão sobre ações mitigadoras.

Segundo Soares (2020SOARES, V. C. Demografia dos desastres: um estudo para populações em áreas de risco de rompimento de barragem em Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Belo Horizonte, 2020.), é possível se reconhecer como atingido por um desastre, ainda que não tenha sido afetado diretamente pelo evento principal. No caso de comunidades atingidas por barragens, por exemplo, não é necessário que haja o rompimento da barragem para que ocorram impactos ambientais, econômicos, sociais e remoção de moradores.

Mensuração

O fato de cada desastre envolver temporalidades, dimensões, contingências contextuais e territoriais, percepções e impactos em populações heterogêneas torna complexa a tarefa de sua mensuração em situações pré e pós-desastre. Frankenberg, Laurito e Thomas (2015FRANKENBERG, E.; LAURITO, M.; THOMAS, D. Demographic impact of disasters. In: WRIGHT, J. D. (ed.). International encyclopedia of the social & behavioral sciences 2. ed. Elsevier, 2015. p. 101-108.) sugerem que uma das dificuldades para a consolidação de uma demografia dos desastres é a ainda incipiente disponibilidade de dados e informações (e a nosso ver, estratégias empíricas de análise) que permitam uma análise integrativa de processos demográficos e desastres. De forma geral, fontes de dados secundárias não permitem uma análise abrangente e precisa das condições subjacentes e dos impactos de desastres sobre a população, sendo necessárias pesquisas específicas envolvendo, por exemplo, métodos mistos (mixed methods) combinando inquéritos amostrais, análise de redes sociais e métodos qualitativos.

A Figura 4 propõe uma estratégia mista que combina, em quatro etapas, estratégias de mensuração para a análise de conceitos e princípios relevantes na relação entre desastres e a dinâmica demográfica. Após a ocorrência do desastre, é feita, na etapa 1, uma ampla revisão da literatura, tanto de fontes científicas quanto não científicas (relatórios técnicos públicos, publicações na imprensa) sobre o desastre e/ou sobre desastres de características mais próximas possíveis. Esta etapa guiará as duas seguintes, envolvendo: a identificação e mensuração das características da população impactada (pré e pós-desastre) a partir de todas as fontes de dados secundárias disponíveis (etapa 2); e a complementação das duas etapas anteriores por meio de pesquisas qualitativas que captem nuances e questões anteriormente não respondidas ou inapropriadas para métodos quantitativos, como análise de percepção de riscos (etapa 3). Em seu conjunto, essas três etapas validam e fornecem uma primeira aproximação sobre as dimensões pertinentes de impacto. São, assim, levantadas hipóteses e identificadas questões a serem mensuradas na etapa seguinte: aplicação de um questionário para coleta de informações quantitativas (etapa 4). Independentemente das características deste questionário, por exemplo, se amostral ou censitário, sua construção e aplicação derivam da triangulação das evidências geradas nas três etapas anteriores.

FIGURA 4
Etapas de obtenção de evidências empíricas e de construção dos instrumentos de avaliação de impactos de desastres

Políticas de adaptação e construção de capacidades de planejamento

A validação científica das causas e consequências dos desastres, tanto antes quanto após a ocorrência do evento em si, deve ser parte sine qua non de políticas públicas e capacidades de planejamento territorial voltadas para a prevenção e gestão de desastres e a construção de capacidade adaptativa. Não se deve limitar apenas à estruturação de sistemas eficazes de alertas de eventos extremos conectados a estruturas locais de gestão, como as defesas civis municipais, mas também incluir o reordenamento da infraestrutura e assentamentos urbanos para populações e territórios específicos, bem como políticas de redução de pobreza e vulnerabilidade populacional. Nesse sentido, a Figura 5 descreve os passos fundamentais para a identificação, caracterização e focalização dos grupos populacionais nos territórios impactados por desastres. Tal caracterização requer a compreensão da forma de inserção territorial de grupos populacionais heterogêneos em seus atributos, especialmente em termos de vulnerabilidade, em contextos e antes e pós-desastres.

FIGURA 5
Identificação e caracterização de territórios e populações impactados por desastres visando políticas de adaptação e planejamento territorial

Conclusão

Iniciamos o artigo com a questão: como compreender os danos ou impactos de desastres sobre as populações a partir de conceitos, teorias e instrumentos de análise demográfica? O percurso escolhido para a resposta foi, inicialmente, o de revisitar e reinterpretar conceitos que fazem a interface entre estudos de população e ambiente e de desastres, como riscos, danos, desastres, vulnerabilidade, adaptação e resiliência. Revisitamos, ainda, a literatura produzida nessa interface entre demografia e desastres, procurando enfatizar a relação endógena entre ambas. Por fim, e com base nos dois passos anteriores, propusemos e discutimos um marco teórico sobre demografia dos desastres e sua validação a partir de sete princípios.

Além da dimensão territorial, reforçamos a importância da dimensão temporal não apenas do desastre em si, mas também da resposta institucional e coletiva ao desastre. Isto implica a necessidade de um constante monitoramento e avaliação das políticas públicas produzidas como resposta ou prevenção ao desastre. A complexidade das interações entre os sistemas ambientais e humanos e os “desastres naturais” e tecnológicos, expressas pela discussão sobre multidimensionalidade, heterogeneidade da população, temporalidade, territorialidade e percepção social do risco e do dano, reforça o caráter dinâmico do desastre, seus fundamentos sociais e os efeitos das respostas institucionais (ou de sua ausência), as quais, muitas vezes, são elas mesmas produtoras de novos desastres.

As mudanças demográficas nas próximas décadas, em interação com as mudanças ambientais e a intensificação de processos de produção e consumo geradores de impactos socioambientais, ampliarão antigas e novas vulnerabilidades nas populações (BARBIERI; PAN, 2022BARBIERI, A. F.; PAN, W. K. Population dynamics and the environment: the demo-climatic transition. In: MAY. J.; GOLDSTEIN, J. (ed.). International handbook of population policy. [S.l.]: Springer, 2022.). Tanto do ponto vista conceitual e teórico quanto da construção de metodologias de avaliação dos impactos e danos de desastres, a demografia possui papel fundamental para consolidar uma perspectiva científica que antagonize discursos (em grande parte enraizados no poder público e no imaginário coletivo) de “naturalização” dos desastres e, consequentemente, contribua para criar ou aperfeiçoar políticas públicas e mecanismos de gestão e planejamento de pré e pós-desastres.

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    Enquanto autores como Karácsonyi e Taylor (2021) sugerem o termo disaster studies, assumimos o termo pesquisas em desastres, seguindo a observação de Perry (2007) sobre as dificuldades de se consolidar um corpo de conhecimento sobre desastres que supere “uma coleção desconectada de pesquisas descritivas que não podem ser relacionadas através de ferramentas conceituais existentes”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2022
  • Aceito
    07 Out 2022
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