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Crises, dinâmicas e complexidades na migração latino-americana contemporânea: uma análise de Vidas en movimiento: migración en América Latina* * A obra Vidas en movimiento: migración en América Latina está disponível em: https://biblioteca-repositorio.clacso.edu.ar/bitstream/CLACSO/169341/1/Vidas-en-movimiento.pdf.

PEDONE, Claudia; GORDONAVA, Alfonso Hinojosa. Vidas en movimiento: migración en América LatinaBuenos Aires: Clacso2022

A migração constitui um elemento fundamental da vida humana e componente originário de, praticamente, todas as sociedades. Embora relevante em toda a história da humanidade, sua dimensão e importância se acentuaram na modernidade devido a inúmeros conflitos ou crises multidimensionais (religiosas, políticas, econômicas, culturais, etc.) que conduziram a diversas correntes migratórias e à ampliação da mobilidade humana em todos os continentes.

Neste século, os fluxos migratórios permanecem como um fenômeno intenso e relevante, tanto pelo crescimento constante dos fluxos migratórios como por seus impactos que afetam diversas dimensões da vida e da sociedade. Nesse sentido, as migrações internacionais, embora constituam um fenômeno multidimensional, parecem revelar uma outra face da globalização e da financeirização do capitalismo contemporâneo e dos novos conflitos internacionais, gerando inúmeros desafios para sua compreensão e o desenvolvimento de políticas adequadas para a superação de suas causas e, principalmente, de seus impactos.

Diante desse cenário, vale observar que as migrações internacionais revelam a condição dramática de inúmeras situações das sociedades contemporâneas, como indicam os fluxos originados na América Latina para os EUA, da África e Ásia para a Europa, assim como outras correntes migratórias intrarregionais.

No caso da América Latina, os fluxos migratórios recentes reproduzem os elementos apontados acima e também se caracterizam pelo crescimento exponencial, por sua relação com as crises econômicas e políticas enquanto fatores fundamentais para seu aprofundamento, como apontam Nejamkis et al. (2021NEJAMKIS, L. et al. (Re)pensando el vínculo entre migración y crisis. Buenos Aires/Guadalajara: Clacso/Calas, 2021.) e Coraza de los Santos e Lastra (2020), e pela emergência de novos temas e desafios que sua dinâmica provoca, conforme demonstra Leyva (2021LEYVA, H. M. Las caravanas centroamericanas: guerras inciviles, migración y crisis del estatuto de refugiado. San José: Universidad de Costa Rica/Calas, 2021.), tanto nos países da região como em seu vizinho do norte, constituindo-se num dos principais temas da agenda regional atual.

Nesse sentido, pode-se destacar que sua relevância e a necessidade de sua compreensão também se relacionam ao desenvolvimento de novas complexidades que estão redefinindo a mobilidade humana na região e que parecem indicar a consolidação de dois corredores migratórios fundamentais (para e na América do Sul e, principalmente, da América Central, passando pelo México, para os EUA), revelando a proliferação de uma dinâmica Sul-Sul combinada com a Sul-Norte e envolvendo temas relacionados a trabalho, refúgio e deslocamentos forçados, bem como a diversos tipos de violência (racismo, discriminações, etc.), ampliação das políticas de securitização (controle, vigilância e deportação massiva), reforço do papel da mulher e de gerações mais jovens e emergência de novas temáticas referentes à migração, como aquelas abordadas no livro Vidas en movimiento: migración em América Latina.

Além disso, o crescimento das migrações latino-americanas está, sem dúvida, associado a duas crises fundamentais que assolam a região: por um lado, a persistente crise econômica (e seus inúmeros efeitos nos planos social e político) que tem caracterizado a errante economia regional, destacadamente de alguns países da América Central e Caribe (El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Haiti, entre outros) e da América do Sul (como a Venezuela); por outro e de forma conjuntural, o agravamento da pandemia de Covid-19 e seus efeitos na região, que acabaram aprofundando a crise econômica de alguns países, além de impulsionar o fechamento de fronteiras e a migração irregular.

A obra é organizada por Claudia Pedone, da Universidade de Buenos Aires (UBA) e integrante dos grupos de trabalho do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) “Migración Sur-Sur” e “Fronteras: Movilidades, Identidades y Comércios”, e Alfonso Hinojosa, da Universidade Mayor de San Andrés (Bolívia), além de contar com a colaboração de pesquisadores da Argentina, Cuba, Guatemala, Honduras, México, Venezuela e República Dominicana. Boa parte dos trabalhos é resultante do programa Becas de Investigación en Migraciones y Movilidad Humana Edelberto Torres Rivas, financiado pelo Clacso.

Embora os trabalhos tratem da migração em toda a América Latina e estejam mesclados em sua organização, é possível constatar que, dentre as novidades da migração latino-americana contemporânea, estão a emergência e a consolidação de dois fluxos migratórios fundamentais que incidem em novos desafios e novas temáticas para sua compreensão.

Por um lado, é tratada a dinâmica migratória na América do Sul, considerando os corredores leste e oeste, em que se destaca o caso venezuelano, que constitui o principal fenômeno e desafio migratório da sub-região neste início de século. Dentre seus traços, encontram-se o crescimento vertiginoso, as mudanças bruscas de estratégias e trajetórias, a deterioração das condições de vida no país e, principalmente, um perfil associado à juventude, tanto em seu protagonismo como na remessa de divisas a seus familiares.

Por outro lado, o trabalho analisa temas e questões referentes ao corredor migratório América Central−México−EUA, indicando que sua compreensão está associada à análise de temas sobre sua amplitude e constância, endurecimento de políticas migratórias (por parte do vizinho do norte) e desaparecimentos, sua alta periculosidade e letalidade (associadas ao coiotismo e narcotráfico), desafios da reinserção educativa (dos que não conseguiram alcançar os EUA), importância das remessas de divisas para as famílias e a economia local e emergência de novos exílios relacionados às crises políticas da região.

A partir desse contexto, a obra desenvolve uma mescla nas análises, envolvendo as dinâmicas citadas acima.

O primeiro trabalho, “Orquídeas al viento: las nuevas generaciones de venezolanos y venezolanas en los procesos migratorios (2014-2020)”, de Luis Bonilla-Molina discute o crescimento vertiginoso da migração venezuelana e, principalmente, seu perfil associado à presença e participação dos jovens (e os efeitos para a sociedade).

A relação entre a migração e a comunidade LGBTIQ+ é analisada no artigo “Ser en el camino: historias de vida de población LGBTIQ+ en condición de movilidad”, de Isabel Messina, mostrando a trajetória de quatro migrantes guatemaltecos e os desafios de sua inserção no destino migratório.

O texto “Desaparición de migrantes en tránsito por Centroamérica-México-Estados Unidos: quiénes son, cómo y por qué son desaparecidos”, de Gabriela Martínez Castillo, aborda o tema dos desaparecidos, identificando seu perfil, as causas e a frágil atuação do Estado mexicano em soluções ou alternativas.

Em “El actual exilio político de nicaragüenses en Costa Rica, Isolda Espinosa Gonzáles discute o atual exílio nicaraguense e aponta sua diversidade e relevância, bem como suas diferenças em relação aos exílios dos anos 1970 e 1980.

Os elementos centrais e as mudanças da política migratória argentina ao longo de todo o século passado e neste novo século são discutidos no artigo “Argentina y la regulación migratoria ¿Criterios razonables o discriminación?”, de Hugo Omar Seleme y María Teresa Piñero. Os autores mostram como tal política continua marcada por um traço de seletividade.

O texto de Aimée Gross Gutiérrez, “Migración, género y cuidados: emigrantes cubanas en el trabajo de cuidado de personas mayores dependientes en dos destinos migratórios”, desenvolve uma análise comparativa do papel das migrantes cubanas, nos EUA e Espanha, no trabalho relacionado ao cuidado de idosos.

Já o estudo “El antihéroe ambiguo y necessário: narrativas y aproximaciones al coyotaje desde América Latina”, de Amparo Marroquín Parducci, traz uma abordagem sobre o coiote (ou guia e traficante, dentre outros nomes), procurando analisar as diversas facetas da atuação destes atores fundamentais da migração irregular a partir de El Salvador para os EUA.

No artigo “¿Invasión o convivencia? Relaciones y percepciones entre mujeres dominicanas y migrantes haitianas más allá del prejuicio, la ideología del antagonismo y la violencia de Estado”, Tahira Vargas García e Matías Bosch Carcuro discutem as percepções, discursos e práticas da interação cotidiana entre mulheres haitianas e dominicanas, procurando descontruir o discurso anti-haitiano e a ideologia do antagonismo predominante na República Dominicana.

O trabalho de Dora Suyapa Díaz Quintero y Diana Claudeth Sabillón Zelaya, intitulado “Política de educación reconstructiva: una necesidad sentida y prescriptiva para la inserción integral de la niñez, adolescencia y familias migrantes, caso Honduras”, analisa a experiência e os desafios da migração de retorno em Honduras, abordando a reinserção escolar de crianças retornadas da área rural do país e a necessidade de desenvolvimento de políticas públicas efetivas para tratar de tal fenômeno.

Por fim, o artigo “La migración garífuna hondureña y el despojo territorial”, de Juan Vicente Iborra Mallent, discute a migração garífuna (afrodescendentes) em Honduras, analisando como o despojo territorial e a ausência de políticas fomentam a migração de tal grupo, bem como os impactos desse processo na vida social da comunidade.

Da leitura desta obra resulta um retrato panorâmico e abrangente das migrações latino-americanas contemporâneas, permitindo a compreensão de questões tradicionais associadas a este fenômeno, tais como a crise econômica e os corredores migratórios na América do Sul e América Central e Caribe, e, principalmente, das novas complexidades e temáticas relacionadas ao atual fluxo migratório envolvendo a predominância de jovens, violências e discriminações, o crescimento da migração irregular, os diversos tipos de violência e de políticas de securitização e os novos exílios e deslocamentos forçados. Embora contemple temas fundamentais do debate contemporâneo sobre as migrações internacionais, é possível constatar a ausência de alguns tópicos e enfoques ou estudos de caso de outros países da região que poderiam enriquecer, ainda mais, o trabalho.

De toda forma, constitui-se numa obra instigante e atual sobre o fenômeno migratório latino-americano, além de fornecer uma visão crítica de suas causas, dinâmica e efeitos e, principalmente, contemplar uma análise que, além do rigor científico, desenvolve um conhecimento situado, desde uma epistemologia Sul-Sul, e demonstra uma sensibilidade humana fundamental, pois, como assinala o título, mais do que migrantes trata-se de vidas (e sonhos) em movimento.

Referências

  • CORAZA DE LOS SANTOS, E.; LASTRA, S. Miradas a las migraciones, las fronteras y los exílios. Buenos Aires: Clacso, 2020.
  • LEYVA, H. M. Las caravanas centroamericanas: guerras inciviles, migración y crisis del estatuto de refugiado. San José: Universidad de Costa Rica/Calas, 2021.
  • NEJAMKIS, L. et al. (Re)pensando el vínculo entre migración y crisis. Buenos Aires/Guadalajara: Clacso/Calas, 2021.
  • PEDONE, C.; GORDONAVA, A. H. Vidas en movimiento: migración en América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2022.
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    A obra Vidas en movimiento: migración en América Latina está disponível em: https://biblioteca-repositorio.clacso.edu.ar/bitstream/CLACSO/169341/1/Vidas-en-movimiento.pdf.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2022
  • Aceito
    19 Jul 2022
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