Acessibilidade / Reportar erro

Estrutura social e dinâmica da violência: determinantes sociais dos homicídios intencionais nas microrregiões brasileiras* * Este trabalho baseou-se, em parte, na tese de doutorado de Matheus Boni Bittencourt “Criminalidade violenta e estrutura social: uma análise dos homicídios intencionais no Brasil (1979-2019)”, disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/238398/001140491.pdf?isAllowed=y&sequence=1.

Social structure and dynamics of violence: social determinants of intentional homicides in Brazilian micro-regions

Estructura social y dinámica de la violencia: determinantes sociales de los homicidios dolosos en las microrregiones brasileñas

Resumo

Teorias macrossociológicas da violência criminal predizem que a taxa de crimes violentos, sobretudo homicídios intencionais, aumenta em resposta às estruturas e aos processos sociais que fortalecem as motivações violentas ou enfraquecem os controles sociais da violência. Para testar estas hipóteses, utilizamos diversos modelos de regressão bi e multivariada com dados em painel e variáveis construídas com dados demográficos e de mortalidade, de acordo com a relevância teórica, para verificar se o uso de psicoativos, o acesso a armas de fogo, as estruturas sociodemográficas (crescimento e densidade populacional e proporção de homens jovens) e a prevalência da exclusão socioeconômica aumentam a taxa de homicídios intencionais nas microrregiões brasileiras, entre 1996 e 2019. A maior parte dos resultados corrobora as hipóteses de maneira significativa. Porém, o fator mais poderoso foi a taxa de homicídios do ano anterior, revelando uma tendência endógena de retroalimentação da violência no curto e médio prazos, o que pode levar à acumulação dos efeitos dos fatores estruturais dos homicídios intencionais.

Palavras-chave:
Homicídio; Violência; Determinantes sociais; Fatores sociodemográficos; Análise de regressão

Abstract

Macrosociological theories of criminal violence predict that the rate of violent crimes, especially intentional homicide, increases in response to social structures and processes that strengthen violent motivations or weaken social controls on violence. To test these hypotheses, we used several bivariate and multivariate regression models with panel data and variables constructed with demographic and mortality data, according to theoretical relevance, to verify whether the use of psychoactive substances, access to firearms, sociodemographic structures (population growth and density and proportion of young men), and the prevalence of socioeconomic exclusion increased the rate of intentional homicides in Brazilian microregions between 1996 and 2019. Most of the results significantly support the hypotheses. But the most powerful factor was the previous year’s homicide rate. This reveals an endogenous feedback tendency of violence in the short and medium terms, which can lead to the accumulation of the effects of the structural factors of intentional homicides.

Keywords:
Homicide; Violence; Social determinants; Sociodemographic factors; Regression analysis

Resumen

Las teorías macrosociológicas de la violencia criminal predicen que la tasa de delitos violentos, especialmente la de homicidios dolosos, aumenta en respuesta a estructuras y a procesos sociales que fortalecen las motivaciones violentas o debilitan los controles sociales sobre la violencia. Para probar estas hipótesis, utilizamos varios modelos de regresión bivariados y multivariados con datos de panel y con variables construidas a partir de datos demográficos y de mortalidad, según su relevancia teórica, para verificar si el uso de psicoactivos, el acceso a armas de fuego, las estructuras sociodemográficas (crecimiento y densidad poblacional y proporción de hombres jóvenes) y la prevalencia de la exclusión socioeconómica aumentaron la tasa de homicidios dolosos en las microrregiones brasileñas entre 1996 y 2019. La mayoría de los resultados corroboran significativamente las hipótesis, pero el factor más relevante fue la tasa de homicidios del año anterior. Esto revela una tendencia endógena de retroalimentación de la violencia en el corto y el mediano plazo que puede conducir a la acumulación de los efectos de los factores estructurales de los homicidios dolosos.

Palabras clave:
Homicidio; Violencia; Determinantes sociales; Factores sociodemográficos; Análisis de regresión

Apresentação

Os crimes violentos intencionais abrangem os diversos atos que violam a lei e causam danos físicos ou grave ameaça de maneira direta e intencional contra pessoas, tais como roubo, lesão corporal, rixas, sequestro, maus tratos, letalidade policial, confrontos policiais, linchamentos, tortura e estupro.1 1 O crime violento doloso se aproxima da categoria epidemiológica da agressão, embora inclua também a ameaça ou tentativa, sendo por isso a vitimização por homicídios o efeito mais socialmente visível e mensurável da violência criminal. A vitimização por homicídios intencionais é o produto mais visível da criminalidade violenta. Mas seus danos sociais também incluem sequelas e traumas físicos e psicológicos, perdas econômicas e sentimentos difusos de medo e insegurança (RODRIGUES; BARROS, 2019RODRIGUES, J. S.; BARROS, J. P. P. Familiares de jovens assassinados: uma revisão sistemática de literatura. Revista de Psicologia, v. 10, n. 2, p. 245-262, 2019. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8085859. Acesso em: 23 mar. 2023.
https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
; CERQUEIRA et al., 2019CERQUEIRA, D. R. de C. et al. Atlas da violência 2019. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2019.).

Segundo as teorias sociológicas explicativas da violência, o aumento ou a queda da incidência de crimes violentos, em especial o homicídio intencional, podem ser explicados por mecanismos sociais que operam em níveis individuais, situacionais e sistêmicos. Fatores estruturais formam contextos mais ou menos favoráveis à violência, que não é, então, puramente individual, mas sistêmica e concentrada em grupos mais vulneráveis (ANTUNES; MANASSE, 2022ANTUNES, M. J. L.; MANASSE, M. Social disorganization and strain: macro and micro implications for youth violence. Journal of Research in Crime and Delinquency, v. 59, n. 1, p. 82-127, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1177/00224278211004667. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1177/0022427821100466...
).

Utilizando modelos de regressão simples e múltipla com dados em painel, este artigo enfoca as estruturas e processos sociais que resultam em homicídios intencionais,2 2 “Homicídio intencional” é a expressão mais comum na literatura internacional (ROGERS; PRIDEMORE, 2023). No Brasil, utiliza-se com frequência a expressão “crimes letais intencionais”, reunindo diversas categorias jurídico-penais: homicídio doloso, latrocínio, homicídio com excludente de ilicitude, lesão corporal dolosa seguida de morte (cf. os Anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disponíveis em https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/ (acesso 15/02/2023). Neste trabalho, homicídio intencional e crime letal intencional são tratados como sinônimos. com o objetivo de explicar a variação agregada dos crimes letais intencionais ao longo dos anos e entre grupos de municípios (microrregiões). Nossa hipótese é que a taxa de homicídios intencionais responde a fatores estruturais, que operam por meio de mecanismos sociais que instigam as motivações criminais e violentas ou enfraquecem os controles sociais que inibem o uso da força física nas interações sociais. As estruturas e processos que explicariam o sobe e desce dos homicídios intencionais são a exclusão socioeconômica, a fragmentação social induzida por crescimento e adensamento populacional, a proporção de homens jovens como grupo de risco, a violência incitada pelo uso de psicoativos e pelo tráfico de drogas ilícitas e a difusão das tecnologias da violência. Foram verificados os efeitos estatísticos de algumas proxies sociodemográficas que permitem explicar, parcialmente, a variação dos homicídios intencionais. A análise abrange as microrregiões brasileiras, que são grupos de municípios limítrofes e interligados (IBGE, 1990), para o período de 1996 a 2019. Constatou-se que os determinantes sociais selecionados mostram efeitos estatisticamente significativos e positivos sobre a taxa de homicídios intencionais. No entanto, a maior parte da variância explicada deve-se à taxa de homicídios intencionais do ano anterior. Assim, apesar de responderem aos fatores socioeconômicos e sociodemográficos, os homicídios intencionais tendem à retroalimentação endógena, acumulando e prolongando parcialmente os efeitos dos seus determinantes sociais no tempo.

Teoria sociológica da violência e homicídios

Propriedades estruturais do homicídio intencional

O homicídio intencional é um fenômeno social que, apesar da variedade individual, possui marcantes regularidades sociais (SOARES, 2008SOARES, G. A. D. Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: FGV, 2008.). Quanto à composição, os homicídios intencionais se concentram entre homens jovens, que são os mais frequentes entre as vítimas e os acusados e condenados por crimes violentos, padrão que é secular e mundial (CRUZ et al., 2021CRUZ, J. C. et al. Perfil epidemiológico e caracterização das lesões em vítimas de homicídios: revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 8, e8434, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021...
).

A prevalência generalizada de homens e jovens como autores e vítimas poderia sugerir que bastam as características psicobiológicas da masculinidade e da juventude para explicar esse fato. A tendência, porém, não é homogênea nessa população. Tal fenômeno está ligado ao baixo status socioeconômico e alterna-se no tempo, com proporções variáveis de vitimização masculina/feminina ou jovem/não jovem entre os contextos. A associação entre masculinidade e violência não pode ser explicada só por fatores psicobiológicos. Valores e instituições muito arraigadas e duradouras implicam disposições diversas relativas à violência (PIMENTA, 2014PIMENTA, M. de M. Violência e vulnerabilidade social. In: TAVARES DOS SANTOS, J. V.; MADEIRA, L. M. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014. p. 217-248.).

A juventude é uma categoria sócio-histórica. Trata-se de um período de transição entre a menoridade e a maioridade, mediado por práticas rituais ou institucionais. Nas sociedades tardo-modernas, a maioridade é atingida por meio do trabalho remunerado e estudo formal, o que pode ser problemático quando há fatores de exclusão das oportunidades legítimas de emprego e educação (BITTENCOURT; TEIXEIRA, 2022BITTENCOURT, M. B.; TEIXEIRA, A. N. Estrutura socioeconômica e homicídios intencionais contra jovens nas metrópoles brasileiras. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 827-857, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.43300. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.43...
).

É preciso ainda atentar para o grau de precisão da medida de homicídios intencionais, devido às variações do sub-registro de mortes violentas e da sua intencionalidade (SOUZA; SOUZA; PINTO, 2019SOUZA, T. O. de; SOUZA, E. R. de; PINTO, L. W. Análise da qualidade da informação sobre mortalidade por homicídio a partir dos óbitos com intenção indeterminada. Bahia, Brasil, 2002-2013. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 22, e190005, 2019. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rbepid/2019.v22/e190005/pt/. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielosp.org/article/rbepid/...
; SOARES, 2019SOARES, M.; SABOYA, R. T. de. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, e20170236, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.AO10. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.00...
). Os efeitos das mesmas variáveis podem ser modificados quando se altera a fonte de dados de homicídios, revelando vieses políticos e limitações técnicas na construção dos dados criminais e de mortalidade (ROGERS; PRIDEMORE, 2023ROGERS, M. L.; PRIDEMORE, W. A. A review and analysis of the impact of homicide measurement on cross-national research. Annual Review of Criminology, v. 6, p. 447-470, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-030521-102909. Acesso em: 15 fev. 2023.
https://doi.org/10.1146/annurev-criminol...
). No Brasil, a principal fonte advém da saúde pública, portanto, ordenada pela Classificação Internacional de Doenças e Mortalidade − 10ª Edição (CID-10). Segundo Soares (2008SOARES, G. A. D. Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: FGV, 2008.), o sub-registro de homicídios intencionais é ocultado por duas categorias: mortes por causas mal definidas e desconhecidas, pelas quais sequer sabemos se resultaram de causas internas (naturais) ou externas (violências e acidentes); e mortes violentas por intenção indeterminada, que estão classificadas como causas externas sem informação sobre a intenção do agente causador (se agressão, autoprovocada ou acidental). Escassez de recursos ou sua má gestão, incluindo ocultação intencional de informações criminais, podem contribuir para a subnotificação de homicídios. Na seção de metodologia, apresenta-se um método para a correção do número de homicídios.

Enfim, os homicídios intencionais compõem um fenômeno coletivo, dotado de regularidades e variações que, a princípio, permitem uma explicação sociológica estrutural, remetendo os padrões estatísticos a estruturas e processos sociais. Veremos a seguir quais fatores contribuem para compreendê-lo em seu contexto.

Drogas e armas

O consumo de substâncias psicoativas, particularmente o uso e tráfico das ilícitas (maconha, cocaína, crack, sintéticas, etc.), tem sido associado à violência criminal na sociedade brasileira contemporânea. Distingue-se entre a violência ligada ao uso compulsivo, protagonizada por usuários mórbidos, que pode ocorrer sob efeito da droga ou como meio para adquiri-la, e a violência para controlar, explorar ou reprimir o tráfico de drogas, praticada por traficantes e, às vezes, policiais (SAPORI, 2020SAPORI, L. F. Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, v. 63, n. 4, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.223. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4....
; GOLDSTEIN, 1985GOLDSTEIN, P. J. The drugs/violence nexus: a tripartite conceptual framework. Journal of Drug Issues, v. 15, n. 4, p. 493-506, 1985. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/002204268501500406. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
).

Umas seriam violências espontâneas e expressivas cometidas sob efeito de emoções exacerbadas e autocontrole reduzido pelo uso de grandes quantidades do psicoativo, ou crimes instrumentais motivados pela compulsão e dependência das substâncias (SAPORI, 2020SAPORI, L. F. Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, v. 63, n. 4, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.223. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4....
). Outras estariam ligadas à dinâmica dos mercados ilícitos de drogas e políticas repressivas para combatê-los. A violência armada é usada como instrumento de controle hierárquico e territorial do próprio tráfico de drogas, atingindo, muitas vezes, usuários, policiais e terceiros não envolvidos. Enquanto a violência ligada ao uso é interpessoal e espontânea e aquela usada para sustentar o consumo compulsivo é patrimonial, a violência ligada ao tráfico de drogas é comparável ao “estado da natureza” hobbesiano. A exclusão da legalidade pela proibição e criminalização cria situações de domínio pela força armada, paradoxalmente, por ação do próprio Estado. E não raro envolve policiais ou militares que usam força em excesso para reprimir o comércio e uso das substâncias ilícitas, ou mesmo para obter uma parte do butim, extraindo propinas de traficantes em troca de proteção, eventualmente matando os criminosos ou sendo mortos pelos mesmos, quando o acordo é rompido (SERRANO-LÓPEZ, 2020SERRANO-LÓPEZ, M. Violencia y corrupción como estratégias de maximización en mercados ilegales: el caso de la coca. Cuadernos de Economía, v. 39, n. 81, p. 949-974, 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-47722020000300949&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 13 nov. 2021.
http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=...
; MISSE, 2019MISSE, M. The puzzle of social accumulation of violence in Brazil: some remarks. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, p. 177-182, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.31389/jied.32. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://doi.org/10.31389/jied.32...
).

Mesmo arriscado, devido à repressão estatal e às disputas violentas, o tráfico é visto como uma alternativa de renda vantajosa para jovens de classe baixa, se comparado ao mercado de trabalho restrito, precário e instável ao qual estarão limitados. O segmento do tráfico no qual os jovens pobres mais se engajam é o mais vulnerável aos homicídios intencionais e a outras violências (RATTON; DAUDELIN, 2017RATTON, J. L.; DAUDELIN, J. Mercado de drogas, guerra e paz no Recife. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 115-134, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMWj73b4Q6sYR9z/abstract/?lang=pt. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMW...
).

Quanto à influência das armas de fogo sobre a violência, a hipótese de autodefesa privada sugere que a grande presença de armas entre a população pode dissuadir crimes contra o patrimônio e conexos. A tese inversa é a de que o armamento privado propicia mais violência interpessoal, suicida ou acidental, pois as armas são menos um meio de defesa individual do que tecnologias da violência (CURRIE, 2015CURRIE, E. The market economy and crime. In: CULLEN, F. T.; WILCOX, P. (Ed.). The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, 2015. p. 424-439.). Armas compradas legalmente podem ser utilizadas em crimes. Em situações de conflito interpessoal, a arma torna mais fácil e letal uma resposta violenta de uma parte, transformando um desentendimento de menor importância ou um crime patrimonial em um assassinato. A posse de arma de fogo aumenta a letalidade da violência e a chance de uma interação social se tornar violenta (BRAGA et al., 2021BRAGA, A. A. et al. Firearm instrumentality: do guns make violent situations more lethal? Annual Review of Criminology, v. 4, p. 147-164, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-061020-021528. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1146/annurev-criminol...
).

Armas e munições adquiridas legalmente, mas depois furtadas, roubadas ou vendidas ilegalmente, podem ser usadas em outros crimes. A profusão de armas e munições, que podem ser roubadas, furtadas ou contrabandeadas, reduz o custo de atividades violentas dos grupos criminosos, como as gangues de traficantes (BACULI et al., 2021BACULI, A. L. et al. Uma nota sobre homicídios e a entrada de armas legais nas regiões brasileiras. Revista Brasileira de Economia, v. 75, n. 1, p. 1-14, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5935/0034-7140.20210001. Acesso em 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.5935/0034-7140.202100...
; COOK; POLLACK; WHITE, 2019COOK, P. J.; POLLACK, H. A.; WHITE, K. The last link: from gun acquisition to criminal use. Journal of Urban Health, v. 96, n. 5, p. 784-791, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007%2Fs11524-019-00358-0. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1007%2Fs11524-019-003...
). O problema de medir a prevalência de armas em uma população recebeu numerosas respostas. A proporção de suicídios cometidos com armas de fogo é a proxy mais comum, e será empregada nesse trabalho (HEPBURN; HEMENWAY, 2004HEPBURN, L. M.; HEMENWAY, D. Firearm availability and homicide: a review of the literature. Aggression and Violent Behavior, v. 9, n. 4, p. 417-440, 2004. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1359178903000442. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
; CERQUEIRA, 2014).

Drogas e armas são fatores mais diretamente ligados às situações violentas e levariam, como motivadores e meios imediatos, à produção de homicídios intencionais. No entanto, há determinantes contextuais mais amplos, cujos efeitos seriam menos diretos, mas não necessariamente menos impactantes, como os sociodemográficos e socioeconômicos.

Fatores sociodemográficos

Fatores demográficos têm sido associados à violência criminal por argumentos teóricos e análises empíricas (SOUTH; MESSNER, 2000SOUTH, S. J.; MESSNER, S. F. Crime and demography: multiple linkages, reciprocal relations. Annual Review of Sociology, v. 26, n. 1, p. 83-106, 2000. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev.soc.26.1.83. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.annualreviews.org/doi/abs/10...
). O crescimento, densidade e composição da população passam por processos e estruturas sociais e, por isso, seus possíveis efeitos devem ser interpretados como fatores sociais entrelaçados à estrutura e dinâmica populacional (ANSON; BARTL; KULCZYCKI, 2019ANSON, J.; BARTL, W.; KULCZYCKI, A. Roots and fruits of population growth and social structures: demographic and sociological vistas. In: ANSON, J.; BARTL, W.; KULCZYCKI, A. Studies in the sociology of population. Springer, Cham, 2019. p. 1-24.).

No contexto brasileiro, o crescimento populacional é causado, de maneira combinada, pela alta taxa de fecundidade e a migração das áreas mais pobres e rurais para as mais urbanas e ricas, ligando o processo às desigualdades econômicas regionais (TAVARES; PEREIRA NETO, 2020TAVARES, J. M. da S.; PEREIRA NETO, C. Aspectos do crescimento populacional: estimativas e uso de indicadores sociodemográficos. Formação, v. 27, n. 50, p. 3-36, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.33081/formacao.v27i50.5928. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.33081/formacao.v27i50...
). Porém, as condições adversas encontradas pelos migrantes levaram-nos ao trabalho informal e a se instalarem em áreas menos valorizadas. Via de regra, são as piores localizações, irregulares, informais, muitas vezes construídas pelos próprios moradores, e desprovidas de serviços e equipamentos coletivos, sendo, por isso, mais acessíveis para os residentes e imigrantes pobres. Ao lado das piores condições materiais coletivas, estes bairros concentram indivíduos e famílias em situação econômica mais vulnerável, em comparação com os locais mais valorizados, mais bem estruturados e localizados da cidade (CARVALHO, 2020CARVALHO, I. M. M. Segregação, vulnerabilidade e desigualdades sociais e urbanas. Civitas − Revista de Ciências Sociais, v. 20, n. 2, p. 270-286, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2020.2.28393. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2020....
). Em tais condições, as oportunidades legítimas são escassas, os controles sociais e comunitários são frágeis e a formação de gangues armadas pode ser uma via factível de acesso a dinheiro, prestígio e proteção (DANTAS, 2022DANTAS, R. F. Violência e vulnerabilidades urbanas: teoria da ambiência restritiva. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 1, p. 277-302, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.40294. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.40...
). Dessa maneira, o crescimento populacional acelerado, originado nas desigualdades regionais e de classe, contribuiria para a formação de contextos urbanos altamente vulneráveis à violência criminal ao favorecer, ao mesmo tempo, a fragmentação social e a concentração de desvantagens socioeconômicas nas periferias e assentamentos informais das microrregiões e municípios.

O crescimento acumulado da população poderia impactar a violência criminal por outra via, a do adensamento da população:

As densidades populacionais [...] por um lado, podem facilitar aos agressores identificar e acessar seus alvos; por outro, a vigilância natural tende a ser maior em áreas mais densas. Além disso, maiores densidades tendem a aumentar exponencialmente a quantidade de contatos não planejados entre vítimas e criminosos potenciais, o que teria como efeito um aumento na taxa de crimes. (SOARES; SABOYA, 2019SOARES, M.; SABOYA, R. T. de. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, e20170236, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.AO10. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.00...
, p. 12)

A densidade populacional poderia aumentar os crimes, incluindo os homicídios, devido à maior circulação de pessoas e riquezas móveis, gerando encontros não intencionais entre ofensores e vítimas possíveis. E também por dificultar a identificação de ofensores, muitas vezes desconhecidos das vítimas e testemunhas, já que o interconhecimento entre a maioria dos moradores é inviável. Além das explicações de tipo utilitarista e ecológico, existem interpretações culturais que predizem a associação entre crescimento e densidade demográficos e violência criminal. A vida urbana favoreceria valores socioculturais individualistas e modernos, que enfraquecem os controles comunitários tradicionais, levando à fragmentação social, devido ao desconhecimento e distanciamento interpessoal entre os moradores urbanos e à heterogeneidade das suas origens e situações, em um cotidiano regido por temporalidades abstratas e mecânicas (AGUIAR, 2022AGUIAR, M. M. Invisibilidade relativa: as grandes cidades de Simmel a partir de Howard Woolston e Robert Park. Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares, v. 24, n. 1, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.12957/irei.2022.68335. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.12957/irei.2022.68335...
; KUBRIN; MIODUSZEWSKI, 2019KUBRIN, C. E.; MIODUSZEWSKI, M. D. Social disorganization theory: past, present and future. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Springer, Cham, 2019. p. 197-211.). Hodiernamente, o nexo entre densidade ou crescimento populacional e homicídios intencionais tem sido concebido pela mediação do sistema socioeconômico de produção do espaço, que estaria na origem das ecologias urbanas mais propícias à violência (LYNCH; BOGGESS, 2016LYNCH, M. J.; BOGGESS, L. N. A radical grounding for social disorganization theory: a political economic investigation of the causes of poverty, inequality and crime in urban areas. Radical Criminology, n. 6, p. 11-69, 2016. Disponível em: http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/52/html. Acesso em: 21 set. 2021.
http://journal.radicalcriminology.org/in...
).

O processo histórico-econômico de formação das metrópoles brasileiras é marcado pela dominância de interesses empresariais que promovem a mercantilização da cidade, levando ao crescimento da fragmentação e desigualdades socioespaciais, em função, por um lado, da autossegregação dos ricos e, por outro, da segregação dos mais pobres, que são empurrados, pelo custo da moradia, para as áreas desvalorizadas e autoconstrução informal, formando contextos favoráveis à violência criminal:

Admite-se que a fragmentação do tecido urbano seja produto da desigualdade que caracteriza a própria estrutura social capitalista; que, por sua vez, reproduz e aprofunda esta característica, em um círculo perverso próprio das sociedades capitalistas de mercado em que são elevados os riscos sociais para a população. (RODRIGUES, 2013RODRIGUES, A. L. Ingovernabilidade metropolitana e segregação espacial: receita para a explosão da violência. In: FURTADO, B. A.; KRAUSE, C.; FRANÇA, K. C. B. de. Território metropolitano, políticas municipais. Brasília: Ipea, 2013. p. 53-82., p. 62)

Dessa maneira, o processo de metropolização predominante no Brasil é caracterizado pelos “efeitos da segregação [que] isolam grandes contingentes populacionais e produzem idênticos resultados corrosivos nas estruturas das relações de convivência em comunidades territoriais, interferindo sobre a sociabilidade produzida” (RODRIGUES, 2013RODRIGUES, A. L. Ingovernabilidade metropolitana e segregação espacial: receita para a explosão da violência. In: FURTADO, B. A.; KRAUSE, C.; FRANÇA, K. C. B. de. Território metropolitano, políticas municipais. Brasília: Ipea, 2013. p. 53-82., p. 57). Desse modo, os fatores sociodemográficos estão entrelaçados aos socioeconômicos. Apesar da possível associação entre densidade e crescimento demográficos pela ecologia de oportunidades criminais, é provável que, no Brasil e países similares, seus resultados expressem os modelos econômicos subjacentes ao processo de metropolização.

Exclusão socioeconômica

Se os processos de crescimento e adensamento demográficos, que dão origem às grandes metrópoles, teriam exacerbado os mecanismos geradores da criminalidade violenta graças à segregação social, é preciso levar em conta a prevalência local das desvantagens socioeconômicas. As tradições teóricas da anomia, desorganização e tensão sociais predizem que a um maior nível de privação absoluta ou relativa concentradas associam-se mais violência criminal e homicídios intencionais (ANTUNES; MANASSE, 2022ANTUNES, M. J. L.; MANASSE, M. Social disorganization and strain: macro and micro implications for youth violence. Journal of Research in Crime and Delinquency, v. 59, n. 1, p. 82-127, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1177/00224278211004667. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1177/0022427821100466...
; AGNEW; BREZINA, 2019AGNEW, R.; BREZINA, T. General strain theory. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. p. 145-160. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_8.
https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-...
; AGNEW, 2016; KUBRIN; WO, 2016KUBRIN, C. E.; WO, J. C. Social disorganization theory’s greatest challenge: linking structural characteristics to crime in socially disorganized communities. In: PIQUERO, A. (Ed). The handbook of criminological theory. Wiley & Sons; Blackwell, 2016. p. 121-136.).

Esta relação seria explicada, às vezes, pelo mecanismo do controle social informal: áreas urbanas nas quais há maior concentração de privação absoluta (individual e coletiva) possuem maior dificuldade de construir laços de reciprocidade, confiança e convivência, essenciais para o controle e apoio sociais em relação aos jovens moradores (LYNCH; BOGGESS, 2016LYNCH, M. J.; BOGGESS, L. N. A radical grounding for social disorganization theory: a political economic investigation of the causes of poverty, inequality and crime in urban areas. Radical Criminology, n. 6, p. 11-69, 2016. Disponível em: http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/52/html. Acesso em: 21 set. 2021.
http://journal.radicalcriminology.org/in...
; PRIDEMORE; JONES, 2019JONES, R. W.; PRIDEMORE, W. A. Toward an integrated multilevel theory of crime at place: routine activities, social disorganization, and the law of crime concentration. Journal of Quantitative Criminology, v. 35, n. 3, p. 543-572, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-6. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-...
). Noutra perspectiva, se todas as classes sociais se veem exortadas a perseguir o sucesso e consumo como meta de vida, as oportunidades legítimas para triunfar na sociedade de mercado são desiguais. O sentimento de frustração e injustiça gerado por esta situação leva muitos a optarem por meios ilícitos ou violentos para obter o sucesso individual, e outros rejeitam fins e meios legítimos da ordem estabelecida em prol do escapismo, como o abuso de álcool e drogas ilícitas, ou da rebelião (AGNEW; BREZINA, 2019AGNEW, R.; BREZINA, T. General strain theory. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. p. 145-160. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_8.
https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-...
; AGNEW, 2016; CURRIE, 2015CURRIE, E. The market economy and crime. In: CULLEN, F. T.; WILCOX, P. (Ed.). The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, 2015. p. 424-439.). Estas perspectivas podem ser vistas como complementares para a explicação da violência (ANTUNES; MANASSE, 2022ANTUNES, M. J. L.; MANASSE, M. Social disorganization and strain: macro and micro implications for youth violence. Journal of Research in Crime and Delinquency, v. 59, n. 1, p. 82-127, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1177/00224278211004667. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1177/0022427821100466...
).

Mas como medir a conexão das exclusões socioeconômicas com os homicídios, comparar seus efeitos relativos entre si e tirar conclusões que permitam decidir por uma teoria ou outra, ou integrar ambas? Indicadores de privação absoluta e relativa estão fortemente correlacionados entre si. Sua prevalência está ligada a um contexto institucional amplo, não sendo redutível à renda individual ou familiar. Separáveis formalmente, a desigualdade e a pobreza, como o acesso à renda e a bens coletivos, se sobrepõem na realidade.

A moralidade infantil seria uma proxy para a pobreza absoluta, não só monetária, mas de condições concretas de vida, estando correlacionada à taxa de homicídios (PRIDEMORE, 2008PRIDEMORE, W. A. A methodological addition to the cross national empirical literature on social structure and homicide: a first test of the poverty homicide thesis. Criminology, v. 46, n. 1, p. 133-154, 2008. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2008.00106.x. Acesso em: 27 out. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
, 2011). No entanto, a mortalidade infantil seria tão ou mais ligada à pobreza quanto à desigualdade, tanto de acesso à renda familiar quanto a serviços públicos e redes de apoio. Assim, a conexão entre bem-estar material e nível de renda depende do contexto institucional mais amplo. Em vez da pobreza, é mais adequado o conceito de “exclusão socioeconômica”, categoria que está ligada às privações tanto absolutas quanto relativas, tanto individuais quanto coletivas, tanto de renda monetária quanto de serviços públicos e comunitários. Dessa perspectiva, a taxa de mortalidade infantil não seria um indicador apenas de pobreza absoluta, mas também capturaria aspectos das condições adversas de vida sofridas por camadas socialmente marginalizadas: a pressão da competição por sobrevivência em situações de escassez, a fragilidade dos laços sociais, a discriminação social e a privação de apoio social e de oportunidades legítimas. A exclusão socioeconômica teria efeitos sobre os homicídios intencionais como mediadora desta estrutura social, inclusive desigualdades sociais multidimensionais, e não apenas de renda (MESSNER; RAFFALOVICH; SUTTON, 2010MESSNER, S. F.; RAFFALOVICH, L. E.; SUTTON, G. M. Poverty, infant mortality, and homicide rates in cross-national perspective: assessments of criterion and construct validity. Criminology, v. 48, n. 2, p. 509-537, 2010. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2010.00194.x. Acesso em: 27 out. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
). Mais recentemente, o uso da mortalidade infantil como proxy da exclusão socioeconômica social foi aventada como possível mediadora do impacto do neoliberalismo econômico sobre os homicídios intencionais (MCLEAN et al., 2019MCLEAN, C. et al. Exploring the relationship between neoliberalism and homicide: a cross-national perspective. International Journal of Sociology, v. 49, n. 1, p 53-76, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00207659.2018.1560981. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1080/00207659.2018.15...
), reforçando o argumento de que o nexo se dá pelo contexto institucional.

Alguns estudos sociológicos e econômicos sobre a saúde coletiva reforçam esta caracterização da mortalidade infantil como proxy e expressão da exclusão socioeconômica, ao observarem seus múltiplos determinantes (CONLEY; SPRINGER, 2001CONLEY, D.; SPRINGER, K. W. Welfare state and infant mortality. American Journal of Sociology, v. 107, n. 3, p. 768-807, 2001. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/338781. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.journals.uchicago.edu/doi/ab...
; SILVA et al., 2019; BRAZ; RAIHER, 2022BRAZ, S. G. C.; RAIHER, A. P. Redução da mortalidade infantil e cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4 no Brasil. Economía, Sociedad y Territorio, v. 22, n. 68, p. 265-295, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.22136/est20221672. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.22136/est20221672...
). Conley e Springer (2001CONLEY, D.; SPRINGER, K. W. Welfare state and infant mortality. American Journal of Sociology, v. 107, n. 3, p. 768-807, 2001. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/338781. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.journals.uchicago.edu/doi/ab...
), ao analisarem a mortalidade infantil entre os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), obtiveram resultados robustos de redução da mortalidade infantil por efeitos direto e indireto dos gastos públicos em saúde, enquanto o desemprego e a desigualdade econômica provocavam aumento da mortalidade infantil. Este tipo de ação pública protetiva pode ser conectada ao conceito de apoio social (CHOUHY, 2019CHOUHY, C. Social support and crime. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_12.
https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-...
), que seria um poderoso mecanismo inibidor da violência em diversos contextos e grupos sociais, enquanto os efeitos do desemprego e desigualdade se ligam à tensão social (AGNEW; BREZINA, 2019AGNEW, R.; BREZINA, T. General strain theory. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. p. 145-160. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_8.
https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-...
).

Silva et al. (2019) analisaram os determinantes socioeconômicos da taxa de mortalidade infantil entre os municípios brasileiros, usando modelos econométricos, da perspectiva teórica da economia da saúde. Os autores concluíram que a mortalidade infantil é elevada pela taxa de fecundidade, densidade domiciliar, analfabetismo e proporção de crianças de famílias de baixa renda, e reduzida pela escolaridade, renda média e acesso a serviços de saneamento básico. Almeida e Szwarcwald (2014ALMEIDA, W. S.; SZWARCWALD, C. L. Mortalidade infantil nos municípios brasileiros: uma proposta de método de estimação. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, p. 331-342, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/NrV7KBxmdjngRhRhQ9RHMHv/?lang=pt&format=html. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/NrV7KBxm...
), também tomando como objeto a variação da taxa de mortalidade infantil entre os municípios brasileiros, concluíram que, controlando estimadores de sub-registro, níveis médios de renda, de acesso e uso de serviços de saúde e de acesso a serviços básicos de eletrificação e saneamento básicos possuem efeitos preventivos, reduzindo a mortalidade infantil no município, enquanto a desigualdade econômica e a pobreza predizem maiores níveis de mortalidade infantil. Braz e Raiher (2022BRAZ, S. G. C.; RAIHER, A. P. Redução da mortalidade infantil e cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4 no Brasil. Economía, Sociedad y Territorio, v. 22, n. 68, p. 265-295, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.22136/est20221672. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.22136/est20221672...
), por sua vez, analisaram a chance de um município atingir metas de redução da mortalidade infantil, constatando, como outros, o impacto da educação, desigualdade e políticas públicas sociais.

Estes resultados condizem com a concepção de exclusão socioeconômica, defendida por Messner, Raffalovich e Sutton (2010MESSNER, S. F.; RAFFALOVICH, L. E.; SUTTON, G. M. Poverty, infant mortality, and homicide rates in cross-national perspective: assessments of criterion and construct validity. Criminology, v. 48, n. 2, p. 509-537, 2010. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2010.00194.x. Acesso em: 27 out. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
), para indicar a possível correlação entre taxas de mortalidade infantil e de homicídios intencionais como vinculada a um contexto institucional socialmente excludente, no qual haveria maior vulnerabilidade social à violência, e menos fatores de proteção. Também teria a vantagem de explicar mais diretamente a concentração da vitimização por homicídios intencionais entre os mais pobres. Enfim, o uso da mortalidade infantil como variável preditiva não se deve a uma hipótese sobre efeitos diretos, nem mediação, mas como proxy da exclusão socioeconômica como preditora do nível de violência criminal letal em um dado contexto social. Muitos dos fatores socioeconômicos que explicam a variação da mortalidade infantil também explicariam a variação dos homicídios intencionais. O efeito da exclusão socioeconômica, medida pela mortalidade infantil, sobre as taxas de homicídios se daria pela sobreposição e concentração de privações absolutas e relativas, levando ao fortalecimento das disposições violentas, especialmente entre os homens e jovens, e ao enfraquecimento dos mecanismos de controle informal, que poderiam inibir os comportamentos criminais e agressivos Em suma, a teoria sociológica da violência postula que o homicídio intencional é um fenômeno social objetivo e complexo. Dotado de regularidades agregadas, apesar da imensa variedade de situações singulares que o provocam, é ao mesmo tempo a expressão e o desfecho mais grave da criminalidade violenta. Explicar a incidência de crimes letais intencionais exige o concurso de múltiplos fatores, atuando por meio de mecanismos sociais que ligam a dinâmica da violência às estruturas socioeconômicas e sociodemográficas.

Metodologia

Extração

Foram utilizados dados populacionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do SIM-Datasus (Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde), codificados segundo a CID-103 3 Disponíveis em: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/; http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx. Acesso em: 15 dez. 2021. e organizados por meio do aplicativo Libreoffice Calc.

Unidade de análise, recorte e estrutura de dados e variáveis

O estudo abrange 558 microrregiões brasileiras, que agrupam municípios limítrofes entre si e economicamente interligados. São unidades socioterritoriais delimitadas pela proximidade espacial e econômica dos municípios que a compõem (IBGE, 1990, p. 10-13). Algumas microrregiões são consideradas metropolitanas. A escolha da microrregião como unidade de análise se dá em função do controle da autocorrelação espacial dos homicídios. Isso tende a ocorrer, principalmente, quando o agrupamento em questão é metropolitano, com características de grande centro urbano (RODRIGUES, 2013RODRIGUES, A. L. Ingovernabilidade metropolitana e segregação espacial: receita para a explosão da violência. In: FURTADO, B. A.; KRAUSE, C.; FRANÇA, K. C. B. de. Território metropolitano, políticas municipais. Brasília: Ipea, 2013. p. 53-82.; SOARES, 2008SOARES, G. A. D. Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: FGV, 2008.; BEATO FILHO et al., 2001BEATO FILHO, C. C. et al. Conglomerados de homicídios e o tráfico de drogas em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de 1995 a 1999. Cadernos de Saúde Pública, v. 17, p. 1163-1171, 2001. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csp/v17n5/6324.pdf. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://www.scielosp.org/article/ssm/con...
). Como a microrregião é, por si mesma, uma agregação por critérios espaciais e econômicos, esta autocorrelação entre indicadores de municípios limítrofes é controlada pela unidade de análise, seja ela um produto da proximidade física, ou da interligação econômica e mobilidade entre os municípios limítrofes.

Os dados históricos abrangem o período de 1996 a 2019, estruturados em painel balanceado (séries temporais equivalentes de diversos cortes transversais). Optou-se por logaritmizar todas as variáveis, para aproximá-las da normalidade, com exceção do crescimento populacional, por ter valores negativos em algumas observações. Resumimos as variáveis no Quadro 1.

QUADRO 1
Descrição e fontes das variáveis

Correção da variável dependente

Para lidar com problemas de sub-registro dos homicídios intencionais, adotou-se o seguinte procedimento: consideramos homicídios intencionais a soma das mortes por agressão, por intervenção legal e operações de guerra, uma fração das mortes violentas por intenção indeterminada igual à proporção entre mortes por agressão e intervenção, suicídios e acidentes, e uma fração das mortes por causas mal definidas igual à proporção entre as mortes por agressão e operações de guerra no conjunto das mortes por causas conhecidas (naturais e violentas). A fórmula usada foi a seguinte:

T x A j H o m i c i d = ( ( H i + ( ( H i / M v i d ) * M v i i ) + ( ( H i / M c c ) * M c i d ) ) * 100000 ) / P o p (1)

Na qual: Hi corresponde a homicídios intencionais (agressões e intervenções legais ou operações de guerra); Mvid são mortes violentas com intenção conhecida (agressões, suicídios, acidentes e intervenções legais ou operações de guerra); Mvii são mortes violentas por intenção indeterminada; Mcc são mortes por causas conhecidas; e Mcid são mortes por causas desconhecidas.

Como selecionamos os óbitos por local de residência da vítima, constatamos numerosas mortes que não estavam alocadas em nenhuma microrregião, mas sim como “ignoradas” para cada estado. O percentual das mesmas variou entre estados e anos, o que poderia gerar viés e, por isso, as distribuímos entre as microrregiões pela proporção da sua população na do estado:

m o r t e s _ t o t a l = m o r t e s _ m i c r o r r e g i ã o + m o r t e s _ l o c a l _ i g n o r a d o * ( p o p u l a ç ã o _ m i c r o r r e g i ã o / p o p u l a ç ã o _ e s t a d u a l ) (2)

Modelos estatísticos

De acordo com a teoria, o efeito esperado de todas as variáveis sobre os homicídios intencionais é positivo e significativo. Utilizamos o aplicativo Gnu Regression, Econometrics and Times-series Library (GRETL) para produzir medidas descritivas e modelos de regressão com dados em painel, empregando mínimos quadrados ordinários (MQO) empilhados bivariados com o efeito de cada variável independente sobre a dependente, mais modelos multivariados MQO empilhados, com e sem defasagem da taxa de homicídios, mais modelos de efeitos fixos, efeitos aleatórios e mínimo desvio absoluto (MDA) multivariados com todas as variáveis explicativas, incluindo a taxa de homicídios do ano anterior, para avaliar a robustez dos resultados, segundo o princípio da pluralidade de modelos.

Resultados

As medidas descritivas na Tabela 1 mostram a grande dispersão das variáveis. Também se observou assimetria na distribuição de algumas delas, de acordo com a diferença entre a média e a mediania. A população e a densidade com média muito maior que a mediania indicam a prevalência de microrregiões pouco populosas, com uma fração muito menor de grandes centros densamente povoados. Em graus diversos, o mesmo se repete com as demais variáveis, exceto a proporção de homens jovens. Os homicídios e suas possíveis covariatas concentram-se em um certo número de microrregiões. As estimativas corrigidas de homicídios intencionais aumentaram em 25,40% a taxa média de homicídios intencionais. Em números absolutos, entre 1996 e 2019, ocorreram oficialmente 1.228.262 assassinatos no país. Com o ajuste, foi acrescentada uma estimativa de 213.472 vítimas, elevando o total para aproximadamente 1.441.734.

TABELA 1
Estatísticas descritivas das variáveis de interesse nas microrregiões brasileiras, anualmente, entre 1996 e 2019

Na Tabela 2, os resultados das regressões bivariadas apontam que os homicídios intencionais aumentaram 0,05% para cada 1% de aumento do consumo de drogas, 0,05% para cada 1% de acréscimo do acesso a armas de fogo, 0,1% para cada 1% de densidade demográfica, 1,8% para cada 1% de crescimento demográfico acumulado nos últimos dez anos, 0,09% para o aumento da exclusão social (mortalidade infantil), 1,4% para cada 1% a mais de homens jovens na população.

TABELA 2
Estimativas MQO bivariadas agrupadas Variável dependente: l_TxAjHomidicios

A Figura 1 demonstra a baixa associação entre as variáveis independentes, o que afasta problemas de colinearidade na regressão múltipla.

FIGURA 1
Matriz de correlação entre variáveis explicativas Brasil por microrregião − 1996-2018

Nos modelos de regressão múltipla (Tabela 3), verificou-se que, para cada 1% de aumento da mortalidade por consumo de drogas, o efeito variou de 0,05% a 0,008% de crescimento dos homicídios. A associação entre mortalidade por drogas e por homicídios foi consistente na significância e no sinal entre os modelos.

Encontramos efeitos positivos e significativos da posse de armas de fogo sobre a taxa de homicídios: para cada 1% de aumento da posse de armas de fogo, cresce de 0,03% a 0% a taxa de crimes letais intencionais. A exceção é o modelo de mínimo desvio absoluto (MDA). Este resultado excepcional pode indicar que o nexo entre acesso a armas de fogo e homicídios intencionais é influenciado por observações extremas.

De maneira consistente e significativa, o aumento da densidade populacional também se mostrou um catalisador dos homicídios intencionais. Cada acréscimo de 1% da densidade demográfica acarreta de 0,85% a 0,01% de elevação dos crimes letais intencionais.

No mesmo sentido, o crescimento populacional mostrou efeitos positivos e significativos sobre a taxa de homicídios intencionais em todos os modelos, menos no de MDA. O crescimento populacional teve de 0% a 0,015% de efeito relativo sobre a vitimização por homicídios.

A proporção de homens jovens apresentou o maior efeito isolado: de 1,9% a 0,53% de incremento dos crimes letais intencionais para cada 1% de aumento da preditora. Também foi consistente, no sinal e na significância, na comparação entre os modelos.

TABELA 3
Modelos de regressão multivariados Variável dependente: l_TxAjHomidicios

A exclusão socioeconômica, medida pela mortalidade infantil, causou de -0,02% a 0,054% de aumento dos homicídios. Exceto pelo modelo de efeitos fixos, no qual não foi significativo, exibiu consistência no sinal e significância entre os vários modelos. Só a proxy de exclusão socioeconômica teve o coeficiente aumentado, e não reduzido, pela inclusão da taxa de homicídios do ano anterior. As demais variáveis tiveram redução, mas nenhuma perdeu a significância a 5%. Isso significa que parte dos efeitos da densidade e crescimento demográficos, armas de fogo e consumo de drogas sobre as taxas de homicídios intencionais pode se dar por mediação da própria trajetória da criminalidade violenta, que aparece como autorregressão da variável dependente. A exclusão socioeconômica tornou-se não significativa apenas no modelo de efeitos fixos e, por isso, seu efeito pode ser mediado pelas características individuais estáveis de cada microrregião. Nos modelos de mínimo desvio absoluto, por outro lado, foi o acesso a armas de fogo e o crescimento populacional que perderam a significância, sugerindo que os efeitos significativos destas variáveis, nos demais modelos, tenham sido influenciados por valores extremos.

Por omissão de variáveis importantes ou por imprecisão das medidas, a variância explicada pelo modelo MQO foi relativamente baixa, mesmo mobilizando hipóteses e variáveis complementares. Isto não é de todo surpreendente, tendo em vista que todas as variáveis explicativas são proxies, cujas conexões com os crimes letais dolosos são mediadas por mecanismos e processos não observados diretamente, o que resultaria em um termo de erro maior. Esta questão foi abordada por duas vias: inclusão da taxa de homicídios do ano anterior como variável independente ou considerando cada unidade uma variável binária (efeitos fixos).

Quando incluímos a taxa de homicídios do ano anterior como variável independente, o poder explicativo do modelo MQO passa de 9% para 45%, e o tamanho do efeito das demais variáveis independentes é reduzido, com exceção da exclusão social. O modelo de efeitos fixos chegou a 15% de variância explicada, considerando os efeitos unitários, que mediaram o impacto da exclusão socioeconômica sobre os homicídios. Estes fatores não observados podem se dever a determinantes sociais que não pudemos inserir no modelo por conta da ausência de dados disponíveis para o período, abrangência e unidade visados; ou podem ser atribuídos às especificidades microrregionais estáveis, possíveis mediadoras dos efeitos da exclusão socioeconômica sobre os homicídios. Como o número de unidades supera em dezenas de vezes o de momentos, é preciso considerar o modelo de efeitos fixos com cautela.

Dentre os fatores não captados pelas demais variáveis, que estariam implícitos no efeito da variável dependente defasada, podemos elencar erros de medição tanto nas variáveis dependentes quanto nas preditivas, bem como alguns aspectos dos conceitos explicativos que foram incluídos nos modelos, mas cuja medição é de baixa precisão com os dados disponíveis. Os erros de medida da variável dependente foram parcialmente controlados pelas estimativas corrigidas, mas certamente o nosso método linear e determinístico de correção possui limitações. Assim, a forte tendência autorregressiva das taxas de homicídios pode se dever a erros não aleatórios de medida ou a processos de retroalimentação parcial da violência, pois significa que 65% da taxa de homicídios de um ano se transfere para o ano seguinte, mantendo o resto constante.

Mesmo que os demais fatores causadores dos homicídios intencionais sejam zerados ou neutralizados por mecanismos contrários, haveria a tendência previsível à continuidade parcial e ao declínio gradual. Sem quedas rápidas, a taxa de homicídios mantém, por alguns anos, os efeitos das causas do aumento da violência homicida no passado recente. A violência tende a se prolongar e se acumular no tempo, mediando parcialmente os efeitos das demais variáveis. A única exceção é o indicador de exclusão socioeconômica, que até mesmo aumentou em 7% o seu efeito sobre os homicídios intencionais com a inclusão da variável dependente defasada em um ano.

Os resultados são válidos para a escala microrregional, e muitos indicadores usados neste estudo podem ter efeitos não significativos ou opostos em outras unidades (indivíduo, bairro, município, estado ou província, etc.). Os efeitos de autocorrelação espacial, com possíveis difusões de dinâmicas homicidas entre os municípios, foram em parte isolados pela escolha da microrregião como unidade de análise. Mas é possível que persistam até mesmo entre microrregiões, o que não foi endereçado neste estudo, devido ao foco nos modelos de painel.

O método de correção do número de homicídios foi determinístico-linear, possivelmente não considerando eventuais vieses. Por exemplo, se as mortes violentas por intenção indeterminada tendem a ocultar mais homicídios do que suicídios ou acidentes, algum tipo de sub-registro enviesado pode ter persistido, no sentido de subestimar a fração de homicídios intencionais ocultados pela categoria de mortes violentas por intenção indeterminada. É possível que tal subestimação não seja proporcional e linear. Maior percentual de mortes por intenção indeterminada talvez implique maior proporção de homicídios subnotificados, em comparação com outras mortes. Finalmente, embora tenhamos constatado uma baixa multicolinearidade, é possível que os efeitos das diversas variáveis interajam entre si, exacerbando ou moderando uns aos outros, o que não foi endereçado na presente análise, e exigiria um outro estudo.

Discussão e considerações finais

Em geral, os modelos de regressão simples e múltipla apoiaram as hipóteses, com efeitos significativos sobre a taxa de homicídios intencionais, no sentido previsto pela teoria: todos os fatores contribuíram para o aumento dos homicídios. Porém, também ficou evidente que a criminalidade letal intencional tende a se perpetuar e se acumular no tempo, em relação aos anos imediatamente anteriores ou de maneira permanente em cada contexto microrregional. Os efeitos da prevalência de drogadição, armas de fogo e do crescimento e adensamento demográficos podem ser parcialmente mediados pelo processo de retroalimentação endógena dos homicídios. Em outras palavras, há uma “acumulação social da violência” (MISSE, 2019MISSE, M. The puzzle of social accumulation of violence in Brazil: some remarks. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, p. 177-182, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.31389/jied.32. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://doi.org/10.31389/jied.32...
).

Quanto à questão das drogas, análises qualitativas e mistas, como a de Ratton e Daudelin (2017RATTON, J. L.; DAUDELIN, J. Mercado de drogas, guerra e paz no Recife. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 115-134, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMWj73b4Q6sYR9z/abstract/?lang=pt. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMW...
), ressaltam as especificidades históricas e locais dos mercados ilícitos como determinantes para explicar a prevalência de crimes violentos ligados ao tráfico e uso de drogas (MISSE, 2019MISSE, M. The puzzle of social accumulation of violence in Brazil: some remarks. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, p. 177-182, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.31389/jied.32. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://doi.org/10.31389/jied.32...
). Tais estudos sugerem que o nexo entre a prevalência do uso mórbido de substâncias psicoativas, especialmente as ilegais, pode não predizer sempre o aumento de homicídios intencionais, ao contrário do que previa a ideia de que o tráfico de drogas é controlado pela força das armas, usadas para controlar posses, nichos e subordinados nos mercados ilegais, sem direito de propriedade ou execução de contratos garantidos pelo Estado (SAPORI, 2020SAPORI, L. F. Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, v. 63, n. 4, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.223. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4....
; GOLDSTEIN, 1985GOLDSTEIN, P. J. The drugs/violence nexus: a tripartite conceptual framework. Journal of Drug Issues, v. 15, n. 4, p. 493-506, 1985. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/002204268501500406. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10....
; SERRANO-LÓPEZ, 2020SERRANO-LÓPEZ, M. Violencia y corrupción como estratégias de maximización en mercados ilegales: el caso de la coca. Cuadernos de Economía, v. 39, n. 81, p. 949-974, 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-47722020000300949&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 13 nov. 2021.
http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=...
). Mas nossa análise mostrou que o crescimento do consumo de álcool e drogas ilícitas acarreta aumento dos homicídios. O nexo ocorre pelos efeitos situacionais do uso de drogas, pela violência instrumental dos usuários compulsivos para adquirir drogas, ou pela disputa entre grupos armados pelo controle ou repressão do tráfico de drogas ilícitas (GOLDSTEIN, 1985; SERRANO-LÓPEZ, 2020). As disposições e instrumentos para a violência permeiam os mercados ilícitos de drogas, com participação de traficantes de drogas como autores ou vítimas de homicídios por motivações diversas do controle do tráfico (SAPORI, 2020; RIBEIRO; COUTO, 2014). Os matizes apresentados nestas análises qualitativas (RATTON; DAUDELIN, 2017RATTON, J. L.; DAUDELIN, J. Mercado de drogas, guerra e paz no Recife. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 115-134, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMWj73b4Q6sYR9z/abstract/?lang=pt. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMW...
; MISSE, 2019) podem explicar a alta vulnerabilidade dos pobres à violência ligada ao uso e tráfico de drogas, mostrando in loco a combinação de fatores explicativos dos homicídios, inclusive a tendência de retroalimentação endógena (MISSE, 2019); mas não invalidam a ideia do domínio pela força no tráfico de drogas, apenas matizam os seus mecanismos (SAPORI, 2020).

O nexo entre armas e violência exibe alguns matizes, pela sensibilidade a observações extremas e possível retroalimentação. A mediação do efeito do acesso às armas de fogo pela taxa de homicídios do ano anterior sugere a existência de uma dinâmica endógena entre armas e violência homicida, mediante o contrabando de armas e munições demandadas por grupos criminosos, compra de armas por cidadãos amedrontados e apoio político à violência policial (MISSE, 2019MISSE, M. The puzzle of social accumulation of violence in Brazil: some remarks. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, p. 177-182, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.31389/jied.32. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://doi.org/10.31389/jied.32...
; COOK; POLLACK; WHITE, 2019COOK, P. J.; POLLACK, H. A.; WHITE, K. The last link: from gun acquisition to criminal use. Journal of Urban Health, v. 96, n. 5, p. 784-791, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007%2Fs11524-019-00358-0. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1007%2Fs11524-019-003...
). Mas a maioria dos modelos apoia a hipótese de que o acesso a armas de fogo pelos moradores de uma localidade a torna mais violenta, por implicar difusão de tecnologias da violência, um fator de facilitação para a prática de homicídios, tanto instrumentais quanto expressivos, contribuindo para aumentar a letalidade da violência interpessoal, bem como facilitar o armamento de grupos criminosos (BRAGA et al., 2021BRAGA, A. A. et al. Firearm instrumentality: do guns make violent situations more lethal? Annual Review of Criminology, v. 4, p. 147-164, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-061020-021528. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1146/annurev-criminol...
; COOK; POLLACK; WHITE, 2019).

A estrutura e dinâmica populacional também se mostraram importantes para explicar as taxas de homicídios. A conexão entre densidade e homicídios se dá pela intensificação da circulação de pessoas e riquezas móveis, aumentando as chances de contatos inesperados entre possíveis agressores e vítimas e gerando ocasiões para crimes aquisitivos, como roubos, tráfico, contrabando e extorsão (SOARES; SABOYA, 2019SOARES, M.; SABOYA, R. T. de. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, e20170236, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.AO10. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.00...
; JONES; PRIDEMORE, 2019JONES, R. W.; PRIDEMORE, W. A. Toward an integrated multilevel theory of crime at place: routine activities, social disorganization, and the law of crime concentration. Journal of Quantitative Criminology, v. 35, n. 3, p. 543-572, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-6. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-...
). Indiretamente, tais oportunidades criminais podem acirrar a disputa violenta pelo controle territorial e hierárquico dos mercados ilícitos, a exemplo do que comentamos anteriormente a respeito do tráfico de drogas (SERRANO-LÓPEZ, 2020SERRANO-LÓPEZ, M. Violencia y corrupción como estratégias de maximización en mercados ilegales: el caso de la coca. Cuadernos de Economía, v. 39, n. 81, p. 949-974, 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-47722020000300949&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 13 nov. 2021.
http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=...
).

Além disso, o controle social informal é prejudicado pelo desconhecimento entre moradores fora dos círculos primários e rotineiros de relações, dificultando a intervigilância e a identificação dos agressores pelas possíveis testemunhas (SOARES; SABOYA, 2019SOARES, M.; SABOYA, R. T. de. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, e20170236, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.AO10. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.00...
; JONES; PRIDEMORE, 2019JONES, R. W.; PRIDEMORE, W. A. Toward an integrated multilevel theory of crime at place: routine activities, social disorganization, and the law of crime concentration. Journal of Quantitative Criminology, v. 35, n. 3, p. 543-572, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-6. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-...
). Ademais, as especificidades históricas da urbanização e metropolização no Brasil (e países similares), marcadas por extrema desigualdade econômica e fragmentação socioespacial, também podem ser relacionadas à violência homicida por meio da densidade populacional. A hipótese da ecologia de oportunidades criminais é reforçada pelos efeitos do crescimento populacional, enquanto a da segregação socioespacial é intensificada pelo impacto da exclusão socioeconômica.

Também ligado ao processo de urbanização, no Brasil do século XX, presenciamos um fenômeno de intenso êxodo rural, com a saída de grandes contingentes empobrecidos das áreas rurais para áreas urbanas mais prósperas, buscando empregos e melhor acesso aos serviços localizados nas metrópoles. Processo este ligado às desigualdades regionais, pois as regiões rurais, pobres e estagnadas, com alta fecundidade, foram a origem de grandes contingentes de emigrados pauperizados, buscando acesso a empregos e serviços nos polos econômicos regionais e nacionais (TAVARES; PEREIRA NETO, 2020TAVARES, J. M. da S.; PEREIRA NETO, C. Aspectos do crescimento populacional: estimativas e uso de indicadores sociodemográficos. Formação, v. 27, n. 50, p. 3-36, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.33081/formacao.v27i50.5928. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.33081/formacao.v27i50...
).

Ao lado da constituição de uma ecologia de oportunidades criminais propiciada pela metrópole (SOARES; SABOYA, 2019SOARES, M.; SABOYA, R. T. de. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, e20170236, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.AO10. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.00...
), o crescimento e adensamento populacional foram governados por macroprocessos de modernização econômica autoritários e profundamente desiguais (CARVALHO, 2020CARVALHO, I. M. M. Segregação, vulnerabilidade e desigualdades sociais e urbanas. Civitas − Revista de Ciências Sociais, v. 20, n. 2, p. 270-286, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2020.2.28393. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2020....
). A estrutura social das áreas mais densamente povoadas e dinâmicas foi marcada por este processo, levando à formação de contextos vulneráveis à violência, com destaque para os homicídios intencionais, por meio da concentração de desvantagens e fragmentação urbana (RODRIGUES, 2013RODRIGUES, A. L. Ingovernabilidade metropolitana e segregação espacial: receita para a explosão da violência. In: FURTADO, B. A.; KRAUSE, C.; FRANÇA, K. C. B. de. Território metropolitano, políticas municipais. Brasília: Ipea, 2013. p. 53-82.). A dinâmica demográfica, por isso, foi profundamente marcada por estruturas e processos sociais (ANSON; BARTL; KULCZYCKI, 2019ANSON, J.; BARTL, W.; KULCZYCKI, A. Roots and fruits of population growth and social structures: demographic and sociological vistas. In: ANSON, J.; BARTL, W.; KULCZYCKI, A. Studies in the sociology of population. Springer, Cham, 2019. p. 1-24.), o que explica o efeito estatístico sobre as taxas de homicídios intencionais.

No mesmo sentido, o efeito da proporção de homens jovens na população não pode ser visto apenas pela ótica das características psicofísicas masculinas e juvenis. É preciso considerar o significado sociocultural da juventude e da masculinidade, que incide por meio de disposições socialmente constituídas para o uso da violência. A masculinidade é associada à força, à coragem e a um tipo específico de “honra masculina”, que pode atuar como motivadora de agressões e conflitos (PIMENTA, 2014PIMENTA, M. de M. Violência e vulnerabilidade social. In: TAVARES DOS SANTOS, J. V.; MADEIRA, L. M. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014. p. 217-248.; PAMPLONA; BARROS, 2021PAMPLONA, R. S.; BARROS, B. W. As masculinidades à brasileira: um balanço das produções sobre o tema nos periódicos científicos. BIB − Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 95, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.17666/bib9505/2021. Acesso em: 27 mar. 2023.
https://doi.org/10.17666/bib9505/2021...
). A juventude é uma época de transições mediadas pelo estudo e trabalho, a partir dos quais o indivíduo busca a autonomia e estima pessoal, que são, muitas vezes, frustradas pela situação de bloqueio de oportunidades legítimas, especialmente para os jovens de baixo status socioeconômico. A adesão a subculturas da violência e a participação em mercados ilícitos podem figurar como alternativas a processos de transição para a maioridade, acesso à renda e a mulheres e respeito que são vedados a uma parcela dos jovens (BITTENCOURT; TEIXEIRA, 2022BITTENCOURT, M. B.; TEIXEIRA, A. N. Estrutura socioeconômica e homicídios intencionais contra jovens nas metrópoles brasileiras. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 827-857, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.43300. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.43...
). É a intersecção entre juventude, masculinidade e baixo status socioeconômico em determinadas condições que explica a vulnerabilidade ativa e passiva dos homens jovens aos crimes violentos.

Tratando-se, agora, dos efeitos da exclusão socioeconômica sobre os homicídios intencionais, pode-se observar que a própria chance desigual de vitimização por homicídios intencionais é uma forma de exclusão. Representa a negação omissiva do próprio direito à vida, à liberdade e à integridade. Sabe-se que entre todas as faixas de gênero e idade são os mais pobres os mais vitimados por violências e os mais punidos por crimes, violentos ou não (CRUZ et al., 2021CRUZ, J. C. et al. Perfil epidemiológico e caracterização das lesões em vítimas de homicídios: revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 8, e8434, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021...
; RIBEIRO; COUTO, 2015RIBEIRO, L. M. L.; COUTO, V. Assis (Coord.). Mensurando o tempo do processo de homicídio doloso em cinco capitais. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2015.). O crescimento e densidade demográficos, muito ligados às desigualdades regionais, favorecem o crime violento ao concentrar desvantagens socioeconômicas nas áreas menos desvalorizadas das microrregiões. E o tráfico de drogas se mostra, muitas vezes, uma oportunidade rentável para jovens pobres, ainda que arriscando a liberdade e a vida. A exclusão socioeconômica produziria violência criminal ao concentrar, em alguns grupos marginalizados, os fatores que instigam as motivações e enfraquecem as inibições para o uso instrumental ou expressivo da violência, resultando no aumento dos homicídios em resposta ao crescimento da exclusão socioeconômica (ANTUNES; MANASSE, 2021).

Entre os fatores sistêmicos de exclusão socioeconômica, podemos indicar o desemprego, a baixa renda e a desigualdade econômica, enquanto o acesso à educação e o apoio social público (serviços de saúde e assistência, por exemplo) seriam fatores protetivos, com impactos esperados de aumentar ou reduzir os homicídios intencionais, respectivamente (CHOUHY, 2019CHOUHY, C. Social support and crime. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_12.
https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-...
; AGNEW; BREZINA, 2019AGNEW, R.; BREZINA, T. General strain theory. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. p. 145-160. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_8.
https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-...
). Ora, efeitos similares dos mesmos fatores sobre a mortalidade infantil foram identificados de maneira significativa, tanto internacionalmente quanto no Brasil (ALMEIDA; SZWARCWALD, 2014ALMEIDA, W. S.; SZWARCWALD, C. L. Mortalidade infantil nos municípios brasileiros: uma proposta de método de estimação. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, p. 331-342, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/NrV7KBxmdjngRhRhQ9RHMHv/?lang=pt&format=html. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/NrV7KBxm...
; GARCIA; SANTANA, 2011GARCIA, L. P.; SANTANA, L. R. Evolução das desigualdades socioeconômicas na mortalidade infantil no Brasil, 1993-2008. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, p. 3717-3728, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/5StGp3rjrhp9wKcMgFby5xf/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.scielo.br/j/csc/a/5StGp3rjrh...
; CONLEY; SPRINGER, 2001CONLEY, D.; SPRINGER, K. W. Welfare state and infant mortality. American Journal of Sociology, v. 107, n. 3, p. 768-807, 2001. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/338781. Acesso em: 27 out. 2021.
https://www.journals.uchicago.edu/doi/ab...
; BRAZ; RAIHER, 2022BRAZ, S. G. C.; RAIHER, A. P. Redução da mortalidade infantil e cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4 no Brasil. Economía, Sociedad y Territorio, v. 22, n. 68, p. 265-295, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.22136/est20221672. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.22136/est20221672...
). Além das causas em comum, a mortalidade infantil mostra grande sensibilidade estatística às variações dos seus determinantes socioeconômicos e, principalmente, à sobreposição de privações absolutas e relativas, individuais e coletivas, expressando um contexto de exclusão institucionalizada. Logo, a mortalidade infantil poderia servir como um indicador da exclusão socioeconômica, sendo esperado um efeito positivo e significativo sobre a taxa de homicídios intencionais (MESSNER; RAFFALOVICH; SUTTON, 2010MESSNER, S. F.; RAFFALOVICH, L. E.; SUTTON, G. M. Poverty, infant mortality, and homicide rates in cross-national perspective: assessments of criterion and construct validity. Criminology, v. 48, n. 2, p. 509-537, 2010. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2010.00194.x. Acesso em: 27 out. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
; PRIDEMORE, 2008PRIDEMORE, W. A. A methodological addition to the cross national empirical literature on social structure and homicide: a first test of the poverty homicide thesis. Criminology, v. 46, n. 1, p. 133-154, 2008. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2008.00106.x. Acesso em: 27 out. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
, 2011; MCLEAN et al., 2019MCLEAN, C. et al. Exploring the relationship between neoliberalism and homicide: a cross-national perspective. International Journal of Sociology, v. 49, n. 1, p 53-76, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00207659.2018.1560981. Acesso em: 13 fev. 2023.
https://doi.org/10.1080/00207659.2018.15...
).

Os resultados empíricos que obtivemos corroboram estas hipóteses, apesar de o modelo de efeitos fixos sugerir que os impactos da exclusão socioeconômica são mediados por especificidades estáveis de cada microrregião. Por outro lado, foi a única variável explicativa cujo coeficiente não foi reduzido (e na verdade aumentou) pela adição da taxa de homicídios do ano anterior como variável explicativa. Estas evidências convergem com o fato, amplamente documentado, de que a vitimização por homicídios intencionais se concentra nas camadas socioeconomicamente marginalizadas, em todas as faixas de gênero e idade (CRUZ et al., 2021CRUZ, J. C. et al. Perfil epidemiológico e caracterização das lesões em vítimas de homicídios: revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 8, e8434, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021...
). O mesmo padrão é replicado pela seletividade policial e penal das investigações e julgamentos criminais, inclusive dos crimes contra a vida, que são mais raramente resolvidos quando vitimam os pobres, que também são mais frequentemente acusados e punidos por crimes, violentos ou não (RIBEIRO; COUTO, 2015RIBEIRO, L. M. L.; COUTO, V. Assis (Coord.). Mensurando o tempo do processo de homicídio doloso em cinco capitais. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2015.; AZEVEDO; SINHORETTO; SILVESTRE, 2021). A concentração de desvantagens socioeconômicas, a escassez de apoios sociais organizados e a tolerância judiciária-policial às violências sofridas por integrantes destas camadas socioeconômicas caminham juntas e sugerem uma exclusão sistêmica não só de oportunidades econômicas, mas também do próprio direito à vida (MISSE, 2019MISSE, M. The puzzle of social accumulation of violence in Brazil: some remarks. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, p. 177-182, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.31389/jied.32. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://doi.org/10.31389/jied.32...
).

Pode-se dizer que os processos de crescimento dos homicídios intencionais (e da criminalidade violenta), determinados por múltiplos fatores socioestruturais, se acumulam e perduram pela constituição de disposições violentas. Estas perpassam a formação de subculturas violentas e grupos armados locais, processos de disputa territorial, ciclos de retaliação, disputas violentas e cumplicidades interessadas na exploração dos mercados ilícitos, como o tráfico de drogas, roubo e receptação, corrupção, extorsão, assassinato por encomenda, contrabando de armas de fogo, etc.

O conceito de “acumulação social da violência”, formulado e defendido por Misse (2019MISSE, M. The puzzle of social accumulation of violence in Brazil: some remarks. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, p. 177-182, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.31389/jied.32. Acesso em: 17 ago. 2021.
https://doi.org/10.31389/jied.32...
, 2010), sugere que a dinâmica da criminalidade violenta tende a se retroalimentar ao longo do tempo, devido ao entrelaçamento entre os mercados de “mercadorias políticas” (corrupção ativa e passiva, extorsão e proteção) e de mercadorias econômicas ilegais. Seu crescimento excede o impacto direto das suas próprias causas estruturais, pois o uso da violência nos mercados ilícitos não é apenas para fins econômicos, de controle do negócio. As armas são meios de exercício do poder em conflitos diversos, inclusive simbólicos. Homicídios por motivos expressivos, como vingança, desentendimento, possessividade ou machismo, também são sofridos e cometidos por traficantes e usuários de drogas ilícitas. Trata-se de um processo de difusão da violência pelos mercados ilícitos (SAPORI, 2020SAPORI, L. F. Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, v. 63, n. 4, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.223. Acesso em: 01 dez. 2022.
https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4....
). A própria capacidade estatal de controle formal da violência ilegal, mediante a investigação e punição dos crimes contra a vida, pode acabar sobrecarregada pelo seu aumento dos homicídios e outros crimes violentos. Mesmo quando os determinantes sociais da violência são reduzidos, é provável que sejam necessários alguns anos para que o controle e retribuição dos homicídios pelo Estado sejam restabelecidos pela prisão dos homicidas e apreensão de armas e munições ilegais.

Dentre as limitações deste estudo, podemos indicar que se trata de uma análise abrangente, levando à perda de detalhamento. Isso explica as divergências pontuais com a literatura qualitativa recente sobre o tráfico de drogas, por exemplo, que vem enfatizando as especificidades históricas e locais dos grupos armados e mercados ilícitos. As proxies usadas têm ligação aproximativa e indireta com os conceitos que visavam, de acordo com argumentos teóricos ou estudos prévios, explicar por meio de quais processos sociais as variáveis explicativas se associam aos homicídios intencionais. Medidas mais diretas exigiriam grandes surveys.

Alguns resultados podem ter significado ambivalente, ou específico do contexto nacional. Indicadores de densidade e crescimento demográficos, por exemplo, podem ser vistos pela ótica da ecologia de oportunidades criminais favorecida pelo adensamento. Ou podem ser interpretados como resultado do domínio de interesses corporativos e especulativos, levando à urbanização desigual e fragmentária, formando contextos vulneráveis à violência. Da mesma forma, os efeitos da exclusão socioeconômica podem se dever tanto à motivação criminal quanto à erosão dos controles comunitários. Impactos do consumo de psicoativos podem incluir violências espontâneas ou instrumentais, ligadas ao consumo ou ao tráfico de drogas. E a autorregressão da própria taxa de homicídios exige uma explicação que leve em conta fatores endógenos à violência criminal, que se retroalimentam por anos. Modelar estes processos endógenos e sua conexão com os fatores exógenos é um desafio para futuros estudos sobre homicídios e outras violências.

Referências

  • AGNEW, R. Strain, economic status, and crime. In: PIQUERO, A. (Ed). The handbook of criminological theory. Wiley & Sons; Blackwell, 2016. p. 209-229.
  • CONLEY, D.; SPRINGER, K. W. Welfare state and infant mortality. American Journal of Sociology, v. 107, n. 3, p. 768-807, 2001. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/338781 Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.1086/338781
  • AGNEW, R.; BREZINA, T. General strain theory. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. p. 145-160. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_8
    » https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_8
  • AGUIAR, M. M. Invisibilidade relativa: as grandes cidades de Simmel a partir de Howard Woolston e Robert Park. Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares, v. 24, n. 1, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.12957/irei.2022.68335 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.12957/irei.2022.68335
  • ALMEIDA, W. S.; SZWARCWALD, C. L. Mortalidade infantil nos municípios brasileiros: uma proposta de método de estimação. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 14, p. 331-342, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/NrV7KBxmdjngRhRhQ9RHMHv/?lang=pt&format=html Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/NrV7KBxmdjngRhRhQ9RHMHv/?lang=pt&format=html
  • ANSON, J.; BARTL, W.; KULCZYCKI, A. Roots and fruits of population growth and social structures: demographic and sociological vistas. In: ANSON, J.; BARTL, W.; KULCZYCKI, A. Studies in the sociology of population. Springer, Cham, 2019. p. 1-24.
  • ANTUNES, M. J. L.; MANASSE, M. Social disorganization and strain: macro and micro implications for youth violence. Journal of Research in Crime and Delinquency, v. 59, n. 1, p. 82-127, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1177/00224278211004667 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.1177/00224278211004667
  • AZEVEDO, R. G. de; SINHORETTO, J.; SILVESTRE, G. Encarceramento e desencarceramento no Brasil: a audiência de custódia como espaço de disputa. Sociologias, ano. 24, n. 59, p. 264-294, 2022. Disponível: em: https://doi.org/10.1590/15174522-103835 Acesso em: 27 mar. 2023.
    » https://doi.org/10.1590/15174522-103835
  • BACULI, A. L. et al. Uma nota sobre homicídios e a entrada de armas legais nas regiões brasileiras. Revista Brasileira de Economia, v. 75, n. 1, p. 1-14, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5935/0034-7140.20210001 Acesso em 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.5935/0034-7140.20210001
  • BEATO FILHO, C. C. et al. Conglomerados de homicídios e o tráfico de drogas em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de 1995 a 1999. Cadernos de Saúde Pública, v. 17, p. 1163-1171, 2001. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csp/v17n5/6324.pdf Acesso em: 17 ago. 2021.
    » https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csp/v17n5/6324.pdf
  • BITTENCOURT, M. B.; TEIXEIRA, A. N. Estrutura socioeconômica e homicídios intencionais contra jovens nas metrópoles brasileiras. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 3, p. 827-857, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.43300 Acesso em: 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n3.43300
  • BRAGA, A. A. et al. Firearm instrumentality: do guns make violent situations more lethal? Annual Review of Criminology, v. 4, p. 147-164, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-061020-021528 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-061020-021528
  • BRAZ, S. G. C.; RAIHER, A. P. Redução da mortalidade infantil e cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4 no Brasil. Economía, Sociedad y Territorio, v. 22, n. 68, p. 265-295, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.22136/est20221672 Acesso em: 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.22136/est20221672
  • CARVALHO, I. M. M. Segregação, vulnerabilidade e desigualdades sociais e urbanas. Civitas − Revista de Ciências Sociais, v. 20, n. 2, p. 270-286, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.15448/1984-7289.2020.2.28393 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.15448/1984-7289.2020.2.28393
  • CERQUEIRA, D. R. de C. et al. Atlas da violência 2019. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2019.
  • CHOUHY, C. Social support and crime. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Handbooks of sociology and social research. Springer, Cham, 2019. https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_12.
    » https://doi.org/10.1007/978-3-030-20779-3_12.
  • COOK, P. J.; POLLACK, H. A.; WHITE, K. The last link: from gun acquisition to criminal use. Journal of Urban Health, v. 96, n. 5, p. 784-791, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007%2Fs11524-019-00358-0 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.1007%2Fs11524-019-00358-0
  • CRUZ, J. C. et al. Perfil epidemiológico e caracterização das lesões em vítimas de homicídios: revisão narrativa. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 13, n. 8, e8434, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021 Acesso em: 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.25248/reas.e8434.2021
  • CURRIE, E. The market economy and crime. In: CULLEN, F. T.; WILCOX, P. (Ed.). The Oxford handbook of criminological theory. Oxford: Oxford University Press, 2015. p. 424-439.
  • DANTAS, R. F. Violência e vulnerabilidades urbanas: teoria da ambiência restritiva. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 15, n. 1, p. 277-302, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.40294 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.4322/dilemas.v15n1.40294
  • GARCIA, L. P.; SANTANA, L. R. Evolução das desigualdades socioeconômicas na mortalidade infantil no Brasil, 1993-2008. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, p. 3717-3728, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/5StGp3rjrhp9wKcMgFby5xf/?format=pdf⟨=pt Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://www.scielo.br/j/csc/a/5StGp3rjrhp9wKcMgFby5xf/?format=pdf⟨=pt
  • GOLDSTEIN, P. J. The drugs/violence nexus: a tripartite conceptual framework. Journal of Drug Issues, v. 15, n. 4, p. 493-506, 1985. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/002204268501500406 Acesso em: 17 ago. 2021.
    » https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/002204268501500406
  • HEPBURN, L. M.; HEMENWAY, D. Firearm availability and homicide: a review of the literature. Aggression and Violent Behavior, v. 9, n. 4, p. 417-440, 2004. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1359178903000442 Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1359178903000442
  • IBGE − Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Divisão do Brasil em mesorregiões e microrregiões geográficas. Rio de Janeiro: IBGE, 1990. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=22269&view=detalhes Acesso em: 01 jun. 2022.
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=22269&view=detalhes
  • JONES, R. W.; PRIDEMORE, W. A. Toward an integrated multilevel theory of crime at place: routine activities, social disorganization, and the law of crime concentration. Journal of Quantitative Criminology, v. 35, n. 3, p. 543-572, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-6 Acesso em: 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.1007/s10940-018-9397-6
  • KUBRIN, C. E.; MIODUSZEWSKI, M. D. Social disorganization theory: past, present and future. In: KROHN, M.; HENDRIX, N.; PENLY HALL, G.; LIZOTTE, A. (Ed.). Handbook on crime and deviance. Springer, Cham, 2019. p. 197-211.
  • KUBRIN, C. E.; WO, J. C. Social disorganization theory’s greatest challenge: linking structural characteristics to crime in socially disorganized communities. In: PIQUERO, A. (Ed). The handbook of criminological theory. Wiley & Sons; Blackwell, 2016. p. 121-136.
  • LYNCH, M. J.; BOGGESS, L. N. A radical grounding for social disorganization theory: a political economic investigation of the causes of poverty, inequality and crime in urban areas. Radical Criminology, n. 6, p. 11-69, 2016. Disponível em: http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/52/html Acesso em: 21 set. 2021.
    » http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/52/html
  • MCLEAN, C. et al. Exploring the relationship between neoliberalism and homicide: a cross-national perspective. International Journal of Sociology, v. 49, n. 1, p 53-76, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00207659.2018.1560981 Acesso em: 13 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.1080/00207659.2018.1560981
  • MESSNER, S. F.; RAFFALOVICH, L. E.; SUTTON, G. M. Poverty, infant mortality, and homicide rates in cross-national perspective: assessments of criterion and construct validity. Criminology, v. 48, n. 2, p. 509-537, 2010. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2010.00194.x Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2010.00194.x
  • MISSE, M. The puzzle of social accumulation of violence in Brazil: some remarks. Journal of Illicit Economies and Development, v. 1, n. 2, p. 177-182, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.31389/jied.32 Acesso em: 17 ago. 2021.
    » https://doi.org/10.31389/jied.32
  • MISSE, M. La acumulación social de la violencia en Río de Janeiro y en Brasil: algunas reflexiones. Co-herencia, v. 7, n. 13, p. 19-40, 2010. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1794-58872010000200002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 07 jan. 2018.
    » http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1794-58872010000200002&lng=en&nrm=iso.
  • PAMPLONA, R. S.; BARROS, B. W. As masculinidades à brasileira: um balanço das produções sobre o tema nos periódicos científicos. BIB − Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 95, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.17666/bib9505/2021 Acesso em: 27 mar. 2023.
    » https://doi.org/10.17666/bib9505/2021
  • PIMENTA, M. de M. Violência e vulnerabilidade social. In: TAVARES DOS SANTOS, J. V.; MADEIRA, L. M. Segurança cidadã. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014. p. 217-248.
  • PRIDEMORE, W. A. Poverty matters: a reassessment of the inequality-homicide relationship in cross-national studies. The British Journal of Criminology, v. 51, n. 5, p. 739-772, 2011. Disponível em: https://academic.oup.com/bjc/article-abstract/51/5/739/515897 Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://academic.oup.com/bjc/article-abstract/51/5/739/515897
  • PRIDEMORE, W. A. A methodological addition to the cross national empirical literature on social structure and homicide: a first test of the poverty homicide thesis. Criminology, v. 46, n. 1, p. 133-154, 2008. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2008.00106.x Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1745-9125.2008.00106.x
  • RATTON, J. L.; DAUDELIN, J. Mercado de drogas, guerra e paz no Recife. Tempo Social, v. 29, n. 2, p. 115-134, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMWj73b4Q6sYR9z/abstract/?lang=pt Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://www.scielo.br/j/ts/a/JhdgztMLwMWj73b4Q6sYR9z/abstract/?lang=pt
  • RIBEIRO, L. M. L.; COUTO, V. Assis (Coord.). Mensurando o tempo do processo de homicídio doloso em cinco capitais. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2015.
  • RODRIGUES, A. L. Ingovernabilidade metropolitana e segregação espacial: receita para a explosão da violência. In: FURTADO, B. A.; KRAUSE, C.; FRANÇA, K. C. B. de. Território metropolitano, políticas municipais. Brasília: Ipea, 2013. p. 53-82.
  • RODRIGUES, J. S.; BARROS, J. P. P. Familiares de jovens assassinados: uma revisão sistemática de literatura. Revista de Psicologia, v. 10, n. 2, p. 245-262, 2019. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8085859 Acesso em: 23 mar. 2023.
    » https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8085859
  • ROGERS, M. L.; PRIDEMORE, W. A. A review and analysis of the impact of homicide measurement on cross-national research. Annual Review of Criminology, v. 6, p. 447-470, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-030521-102909 Acesso em: 15 fev. 2023.
    » https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-030521-102909
  • SAPORI, L. F. Mercado das drogas ilícitas e homicídios no Brasil: um estudo comparativo das cidades de Belo Horizonte (MG) e Maceió (AL). Dados, v. 63, n. 4, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.223 Acesso em: 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.223
  • SERRANO-LÓPEZ, M. Violencia y corrupción como estratégias de maximización en mercados ilegales: el caso de la coca. Cuadernos de Economía, v. 39, n. 81, p. 949-974, 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-47722020000300949&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em: 13 nov. 2021.
    » http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S0121-47722020000300949&script=sci_abstract&tlng=pt
  • SOARES, A. M. et al. Melhoria da classificação das causas externas inespecíficas de mortalidade baseada na investigação do óbito no Brasil em 2017. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 22, supl. 3, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1980-549720190011.supl.3 Acesso em: 29 jun. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/1980-549720190011.supl.3
  • SOARES, G. A. D. Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
  • SOARES, M.; SABOYA, R. T. de. Fatores espaciais da ocorrência criminal: modelo estruturador para a análise de evidências empíricas. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 11, e20170236, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.AO10 Acesso em: 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.AO10
  • SOUTH, S. J.; MESSNER, S. F. Crime and demography: multiple linkages, reciprocal relations. Annual Review of Sociology, v. 26, n. 1, p. 83-106, 2000. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev.soc.26.1.83 Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev.soc.26.1.83
  • SOUZA, T. O. de; SOUZA, E. R. de; PINTO, L. W. Análise da qualidade da informação sobre mortalidade por homicídio a partir dos óbitos com intenção indeterminada. Bahia, Brasil, 2002-2013. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 22, e190005, 2019. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rbepid/2019.v22/e190005/pt/. Acesso em: 27 out. 2021.
    » https://www.scielosp.org/article/rbepid/2019.v22/e190005/pt
  • TAVARES, J. M. da S.; PEREIRA NETO, C. Aspectos do crescimento populacional: estimativas e uso de indicadores sociodemográficos. Formação, v. 27, n. 50, p. 3-36, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.33081/formacao.v27i50.5928 Acesso em: 01 dez. 2022.
    » https://doi.org/10.33081/formacao.v27i50.5928
  • *
    Este trabalho baseou-se, em parte, na tese de doutorado de Matheus Boni Bittencourt “Criminalidade violenta e estrutura social: uma análise dos homicídios intencionais no Brasil (1979-2019)”, disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/238398/001140491.pdf?isAllowed=y&sequence=1.
  • 1
    O crime violento doloso se aproxima da categoria epidemiológica da agressão, embora inclua também a ameaça ou tentativa, sendo por isso a vitimização por homicídios o efeito mais socialmente visível e mensurável da violência criminal.
  • 2
    “Homicídio intencional” é a expressão mais comum na literatura internacional (ROGERS; PRIDEMORE, 2023ROGERS, M. L.; PRIDEMORE, W. A. A review and analysis of the impact of homicide measurement on cross-national research. Annual Review of Criminology, v. 6, p. 447-470, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-criminol-030521-102909. Acesso em: 15 fev. 2023.
    https://doi.org/10.1146/annurev-criminol...
    ). No Brasil, utiliza-se com frequência a expressão “crimes letais intencionais”, reunindo diversas categorias jurídico-penais: homicídio doloso, latrocínio, homicídio com excludente de ilicitude, lesão corporal dolosa seguida de morte (cf. os Anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, disponíveis em https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/ (acesso 15/02/2023). Neste trabalho, homicídio intencional e crime letal intencional são tratados como sinônimos.
  • 3

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2022
  • Aceito
    31 Mar 2023
Associação Brasileira de Estudos Populacionais Rua André Cavalcanti, 106, sala 502., CEP 20231-050, Fone: 55 31 3409 7166 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: editor@rebep.org.br