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Cobrança de água medida - tema atual: uma opinião vinda da Inglaterra

OPINIÃO/OPINION

Cobrança de água medida — tema atual — uma opinião vinda da Inglaterra

Szachna Eliasz Cynamon

Professor Titular da Escola Nacional de Saúde Pública — Fiocruz

A cobrança do fornecimento de água através da medida do consumo é uma discussão que continua na ordem do dia.

Está provado ser a quantidade de água fornecida e consumida pela população fator de importância fundamental para a manutenção e promoção da saúde, colocando-se em importância ao lado da própria qualidade de água fornecida e consumida pela mesma.

Situa-se, deste modo, ao lado dos aspectos sociais de componente indispensável à qualidade de vida, sobretudo a necessidade de a Saúde Pública estar presente e atenta à discussão do problema tarifário da água e de um dos seus componentes, a medição da água através do uso de hidrômetros.

O preço factível da água fornecida ao consumidor tem, indiscutivelmente, importância sanitária genérica decorrente de diversos fatores que vão desde a viabilidade de se dispor de água em razoável quantidade e com qualidade aceitável, até o estímulo ou desestímulo ao uso de um mínimo suportável, de acordo com o preço e a dificuldade de obtenção da água.

De uma forma resumida, o preço da água é resultante de duas parcelas principais: a primeira é uma decorrência da amortização do custo de investimento e a segunda resulta do rateio do custo operacional. A discussão de ambos os aspectos interessam fundamentalmente à saúde pública.

Para reduzir preço, é preciso reduzir custos, gastos, e reduzir custos e gastos nas parcelas que compõem as partes.

Abordamos, em outras ocasiões, as maneiras tanto de reduzir investimentos, como de reduzir custos operacionais.

No momento que se retoma, em boa hora, a discussão do problema de saneamento, pretendemos nos ater neste artigo a um item importante, que é o da forma de cobrança do serviço prestado ao consumidor. Deixamos para outras oportunidades a discussão dos investimentos, nos seus aspectos técnicos e de custo de capital, no que diz respeito ao investimento e às diversas formas operativas que influem também nos custos, para nos determos na forma de cobrança ao consumidor.

Assim, por exemplo e de modo resumido, existem diversas modalidades de cobrança da água fornecida.

1. A chamada torneira livre, em que o consumidor paga mensalmente uma quantia fixa (variável com a inflação), que é estabelecida em função de diversos critérios, tais como, por exemplo, a área construída do imóvel, o valor venal do imóvel, uma fração do IPTU ou o número de torneiras etc, mas, uma vez estabelecida a taxa, ela é constante.

O sistema tem como vantagem o baixo custo de investimento, já que, na ligação domiciliar, não se inclui nenhum aparelho ou instrumento extra. Também o custo operacional é baixo, porque não requer medições e a extração das contas é simples, podendo inclusive ser feita pela emissão de um carne anual (em BTN etc).

Tem como desvantagem o fato de levar ao e estimular o desperdício de água, quando, pela falta de interesse, não se consertam as torneiras, caixas de descargas e bóias vazando ou mesmo deixando torneiras abertas, ou usando indevidamente água muitas vezes cara, para acabar com a poeira das ruas, lavagem de calçadas, de carros etc.

2. A cobrança através da instalação de limitadores de fornecimento de água, o mais simples conhecido sendo a pena d'água, que visam disciplinar o consumo.

A pena d'água estabelece um limite máximo de entrada de água no domicílio, e o consumidor tem que se ater a ele; para aproveitar o máximo de água, o consumidor deve ter uma caixa d'água que acumule os excessos instantâneos não gastos.

A pena d'água tem como vantagens ser um dispositivo barato, um simples registro de macho que resulta em baixo custo operativo, já que, como no caso anterior, a taxa é fixa por pena d'água. Tem como mérito, ainda, a redução do desperdício de água.

As desvantagens decorrem de problemas de pressão provocados na rede, mas que também podem ser contornados de alguma maneira.

Do ponto de vista social, ético, o problema está na limitação do consumo.

3. O terceiro sistema é o da cobrança através da medição da água fornecida.

Consiste na instalação de aparelhos medidores, hidrômetros, que medem e registram a quantidade de água que passa para dentro do domicílio pela conexão d'água.

Teoricamente, é a forma mais correta de solução do problema. Na prática, o hidrômetro é dispositivo caro, requer manutenção, exige um sistema burocrático de leitura e registro mensal do medido, extrações de contas diferenciadas e sua entrega.

Tecnicamente, há algumas objeções:

— A questão de sensibilidade — os hidrômetros padronizados no Brasil não têm sensibilidade para o pequeno consumidor, para o qual, no geral, são estabelecidas tarifas mínimas de 10m3/mês. Evidentemente podem ser e são solução para maiores consumidores.

Para sistemas constituídos de pequenos consumidores, representam o dobro do custo de investimentos, o que é uma das vantagens atribuídas aos hidrômetros do sistema como um todo.

— Outro aspecto importante é quanto ao controle de desperdícios. Nos prédios de apartamentos, onde a entrada de água é única, e da forma como são feitas no momento as instalações de abastecimento de água dos apartamentos, não há como fazer a medição individualizada, por apartamento, o que reduz em muito o controle do desperdício, já que a conta é conjunta por prédio e também a justiça da cobrança por água realmente gasta.

No Brasil, a discussão da propriedade do uso dos hidrômetros vem sendo feita de tempos em tempos e, no momento, acha-se vitoriosa a corrente dos hidrometristas.

A instalação de hidrômetros tornou-se hoje uma quase imposição, a tal ponto de se negarem empréstimos aos empreendimentos para implantação, ampliação, ou correção de serviços de abastecimento público de água, sem que haja a garantia prévia, por parte dos demandantes, da aquisição e instalação de hidrômetros em todas as unidades.

Do nosso ponto de vista, o hidrômetro tem a sua aplicação em casos específicos e não pode ser jamais considerado cura para tudo. Ele é impositivo para os grandes consumidores, por exemplo.

A título de contribuição para esclarecimento dos debates, nos permitimos transcrever, de forma livre, texto publicado na revista técnica inglesa World Water, de abril de 1990, à pág. 8, sob o título "A Grã-Bretanha reestuda o emprego da água medida".

As companhias de água, recentemente privatizadas no Reino Unido, estão reestudando quanto à propriedade da instalação de hidrômetros em todas as casas, em conseqüência dos altos custos de investimento e de problemas técnicos. Ao invés desta solução, as dez companhias estão buscando soluções alternativas, que incluem o rateio dos preços por apartamento, ao invés do atual sistema de rateio das taxas em função do valor dos imóveis.

As mudanças de orientação das companhias inglesas é conseqüência de um ano de experiências feitas em 12 áreas selecionadas na Inglaterra, onde o custo de instalação se mostrou mais alto do que os £ 2000m previstos (£ 3200m).

O estudo mostrou que, em um quarto das 20.000.000 de unidades habitadas no país, a instalação de hidrômetros seria muito cara, insuportável, porque, em parte, estas casas dividem despesas de água com os vizinhos e, por outro lado, as conexões seriam demasiado caras.

É interessante notar, no entanto, que, na Conferência das Indústrias de peças de água, realizada em Londres no mês de março de 1990, 95% dos participantes eram a favor da medição.

E um fato interessante que, num país do poder econômico da Inglaterra, ainda se discuta um problema de tal ordem, pensando inclusive no custo que as instalações possam representar para os consumidores, haja vista o levantamento em 20.000.000 unidades, quando, no Brasil, na prática, se impõe, sem consulta prévia à população, o sistema como o melhor para tudo e para todos. Levantamos o pequeno grande problema como mais um ponto de estudo e debate, quando o Setor Saneamento pensa em se humanizar em diálogo com a população que o nutre e a quem pretende servir.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1990
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