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RESENHAS REVIEWS

ANTHROPOMETRY: THE INDIVIDUAL AND THE POPULATION. S. J. Ulijassek & C. G. N. Mascie-Taylor (editores). Cambridge: Cambridge University Press, 1994. 213 pp., ils.

ISBN 0-521-41798-8

A antropometria é um método de investigação científica que se ocupa da medição das variações nas dimensões físicas e na composição global do corpo humano. Muito embora a sua utilização seja bastante remota na história da humanidade, alguns autores apontam que os estudos antropométricos começaram a aparecer na literatura por volta do século XVIII. Inicialmente vinculada à esfera das artes plásticas (estética), da antropologia e da etnologia, a partir do século XIX a antropometria foi sendo incorporada a outros campos, como o da saúde, da economia e do planejamento, da nutrição e da engenharia. Quanto à antropometria nutricional, aquela que trata do estabelecimento de relações entre as variações nas dimensões físicas e o estado nutricional de indivíduos e populações, foi apenas na segunda metade deste século, mais precisamente, a partir dos anos 1960, que os estudos nesta área específica ganharam ênfase.

Anthropometry: the individual and the population é uma coletânea de trabalhos elaborados por antropólogos, biólogos humanos, médicos e nutricionistas, que, além de demonstrar a larga amplitude das esferas da utilização, possibilita-nos a visualização dos avanços tecnológicos que foram incorporados à antropometria ao longo das últimas três décadas. Dadas estas características específicas, este livro não se destina a uma categoria profissional específica, podendo ser de interesse e de grande valia para profissionais de saúde e outros profissionais, particularmente, aqueles envolvidos com pesquisas de base populacional.

Na seqüência de apresentação do livro, o Capítulo 1 procura, de forma introdutória e sumária, localizar o surgimento histórico da antropometria e situar seu amplo universo de utilização. O Capítulo 2 apresenta uma revisão da literatura sobre assimetria corporal, enfocando, basicamente, aspectos clínico-patológicos. Os Capítulos 3 e 4 são de particular importância para os profissionais vinculados às pesquisas populacionais, à medida que discutem questões relativas à aplicação do método estatístico em estudos antropométricos, enfocando aspectos como a determinação do desenho e do tamanho da amostra, a definição das diferentes medidas e testes estatísticos a serem utilizados na investigação e a utilização de medidas estatísticas de estimativas do erro para a garantia da "precisão" dos dados. Os Capítulos 5, 6 e 7 são dedicados à questão da construção de indicadores e gráficos para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de crianças em países desenvolvidos e "em desenvolvimento". Os Capítulos 8, 9, 10 e 11 discutem a utilização da antropometria em avaliações da composição corporal, da performance e da adaptação física, destacando a importância da incorporação dos avanços tecnológicos à antropometria nutricional, a exemplo da técnica da "bioimpedância". Finalmente, o Capítulo 12 é dedicado à descrição dos diferentes procedimentos e das diversas possibilidades que a "antropometria militar" pode oferecer.

Em suma, Anthropometry: the individual and the population é composto por capítulos que, nem sempre, mostram-se integrados, com exceção, talvez, do objetivo implícito do livro em procurar demonstrar os diferentes usos da antropometria e os diversos problemas associados com os métodos de análise das variações nas medidas corporais. Ou seja, talvez por tratar-se de uma "coletânea" de artigos, dentro da estrutura de composição do livro, os capítulos mantêm-se independentes entre si, o que não nos possibilita uma noção de conjunto ou uma visualização seqüencial dos conteúdos abordados. Aliás, também é preciso ressaltar que, apesar do título fazer referência à questão do "indivíduo", o livro encontra-se quase que exclusivamente voltado para uma abordagem de "cunho populacional", pouco enfatizando conteúdos relacionados a aspectos clínico-individuais. Entretanto, diante da "crise de paradigmas" que vivenciamos, no nosso entendimento, isto é apenas um pecado venial.

Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos

Departamento de Nutrição

Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis

ADAPTABILIDADE HUMANA: UMA INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA ECOLOGICA. Emílio F. Moran. São Paulo: EDUSP, 1994, 445 pp., ils.

ISBN 85-314-0148-8

A Ecologia Humana deriva-se da ecologia vegetal e animal como um estudo especializado dos processos de distribuição e dinâmica das populações humanas e de suas relações interativas, tendo sido originalmente privilegiada nos espaços acadêmicos da sociologia, da geografia, da antropologia e da psicologia. Seu marco inicial, no princípio desse século, associa-se aos trabalhos de Park, que, a partir de enfoques sociológicos e psicológicos, procura discutir o ambiente produzido pela sociedade humana, enfatizando as relações sociais humanas como fatos ecológicos mais fundamentais para a espécie do que os aspectos biológicos em geral.

Na abordagem mais tradicional do campo da ecologia humana, são considerados como aspectos que afetam o ambiente especificamente produzido pelo homem, portanto essenciais à pesquisa em ecologia humana, o comportamento racional, a comunicação simbólica, a tecnologia e a cultura e as regras conscientes da conduta. Conseqüentemente, desde a origem dessa área de estudos, um grande número de trabalhos se volta para aspectos comportamentais, principalmente nos espaços socialmente mais complexos, como as grandes cidades. Essa vertente da ecologia humana é marcada pela edição, entre outros, do livro Estudos de Ecologia Humana, organizado por Donald Pierson, obra importante mas que só foi publicada no Brasil na década de 70.

Desde o crescimento do interesse pelas questões ecológicas nas duas últimas décadas e a ampliação do olhar da ecologia humana, estendeu-se mais largamente o estudo dos processos relacionados à interação das comunidades humanas, considerando tanto o ambiente social, como os ambientes biótico e abiótico, e trouxe a necessidade de novas abordagens. O desenvolvimento de uma perspectiva mais sistêmica tem buscado integrar o complexo conjunto dos elementos que interagem no processo de relações sociedade humana-ambiente. A compreensão dos elementos que participam do processo adaptativo vem sendo buscada não mais através de enfoques setoriais, específicos, do domínio da fisiologia, da psicologia, da sociologia, da biologia, mas, antes, do ponto de vista de uma abordagem transdisciplinar e de complexidade.

Apesar do desenvolvimento do campo e do crescente interesse pelas suas questões, a literatura em ecologia humana, como se dá em outras áreas de conhecimento, é escassa no Brasil, até pelas dificuldades existentes em nosso mercado editorial, não obstante a grande mobilização da sociedade em defesa do meio ambiente e a busca de procedimentos por um desenvolvimento sustentável. Daí decorre a tentativa de suprir essa necessidade com a edição de textos seminais da área, parte da preocupação de algumas editoras, principalmente as de perfil acadêmico. É nesse contexto que se inserem trabalhos como Adaptabilidade Humana, finalmente publicado em português.

Emílio F. Moran é professor da Universidade de Indiana, EUA, e tem longa experiência de trabalho no Brasil, onde dedica-se principalmente aos estudos de ecologia humana na Amazônia. Tem-se dedicado a investigar as estratégias de manejo de ambiente desenvolvidas ao longo de áreas ribeirinhas e ao longo de grandes vias como a transamazônica, aprofundando o olhar sobre os impactos decorrentes da ocupação humana, desmatamento e uso do solo e dos recursos econômicos regionais, de tal forma a explicar em maiores detalhes, e de forma menos estereotipada, o que realmente ocorre nessa nova fronteira de ocupação humana, suas transformações históricas. Atualmente, nos EUA, Moran responde pelo ACT - Anthropological Center for Training and Research on Global Environmental Change, da Universidade de Indiana, onde desenvolve estudos sobre as mudanças globais de grande interesse para a ecologia humana.

O seu livro, editado originalmente em 1979 e agora traduzido para o português, constitui ainda obra única, pela forma com que procura, apesar das dificuldades inerentes ao tema, trabalhar a complexidade dos processos de interação homem-ambiente, tanto na ordem da natureza quanto na ordem da cultura, tendo a grande vantagem de ser didático e composto em linguagem acessível, principalmente adequada aos alunos de todos os níveis. Tal como historia o próprio autor em seu prefácio, o volume traduz em parte a influência dos trabalhos realizados pouco antes de sua edição original pelo Programa Biológico Internacional (International Biological Program), depois continuados em uma perspectiva mais próxima da ecologia humana pelo programa O Homem e a Biosfera (Man and the Biosphere).

A tradução é de Carlos Coimbra Jr. e de Marcelo Soares, com revisão técnica de Adauto Araújo. A finalização do livro foi acompanhada pelo próprio autor que, à parte de suas qualidades como antropólogo dedicado à área de ecologia humana, tem o grande mérito de falar português, o que permitiu assegurar à preparação desta edição um acompanhamento cuidadoso e pessoal da tradução. De fato, o livro está muito bom, praticamente sem falhas ou erros, sendo um texto claro, compreensível e de agradável leitura.

O volume está organizado em capítulos, agrupado em três grandes unidades. A primeira aborda historicamente a Ecologia Humana, as teorias de interação homem-ambiente, a evolução do pensamento antropológico sobre esta questão e alguns fundamentos ecossistêmicos e fisiológicos que permitem compreender os mecanismos biológicos temporários ou permanentes de adaptação e adaptabilidade. A segunda parte discute a interação de mecanismos fisiológicos e sócio-culturais que permitiram, desde de tempos pré-históricos, a ocupação bem sucedida de diferentes regiões do planeta. São apresentados alguns exemplos clássicos dos grupos humanos que ocupam cinco grandes ambientes: os climas árticos, as grandes altitudes, as terras áridas, os campos abertos e os trópicos úmidos. Na parte final do livro, são apontados os novos rumos do pensamento e da pesquisa em cada um dos campos de estudo anteriormente delineados, aí se incluindo uma pequena discussão sobre ecologia urbana.

Do ponto de vista de uma abordagem clássica em ecologia humana, sente-se falta de maior ênfase em questões relacionadas à urbanização, que para muitos seria o cerne da Ecologia Humana. Entretanto, parece que do ponto de vista de Moran as perspectivas sociológica e psicológica do comportamento interativo humano já têm sido amplamente contempladas em seus campos especializados, e por esta razão é privilegiado no livro o enfoque inovador, sistêmico do processo adaptativo das sociedades humanas, pensado a partir de suas diferentes estratégias de vida.

O livro é amplamente ilustrado com mapas e diagramas, além de fotos do próprio autor. Infelizmente, entretanto, ao contrário do que ocorre com o texto, as reproduções das fotografias na tradução brasileira, não fez juz ao que se encontra na edição original, único ponto fraco desta edição.

Sheila M. F. Mendonça de Souza

Departamento de Endemias Samuel Pessoa

Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz

Rio de Janeiro

CENAS JUVENIS: PUNKS E DARKS NO ESPETACULO URBANO. H. W., Abramo. São Paulo: Scritta. Editora Página Aberta, 1994. 172 pp.

ISBN 85-85328-87-8

O estudo de Abramo (1994) teve como objetivo a compreensão da expressão de grupos juvenis, como os punks e darks, no cenário urbano de metrópoles brasileiras nos anos 80. Insatisfeita com as recorrentes associações de tais grupos com as noções de alienação e falta de visão crítica da situação social e política, a autora buscou contextualizar a sua origem e significado. Assim, mediante considerações acerca das condições sociais e históricas referentes à emergência da categoria juventude, foi sendo demonstrada a singularidade das manifestações juvenis e a sua correlação com momentos históricos específicos.

Por esta via de análise, foi questionada a abordagem sociológica de estudos brasileiros referentes à juventude, centrada basicamente na participação dos estudantes na transformação da ordem social e política vigente.

O surgimento do sentimento de infância e adolescência nas sociedades industriais modernas - segundo o clássico estudo de Ariés (1981) -, a busca de autonomia dos jovens que fundaram o Movimento Juvenil Alemão no final do séc. XIX, a crise de valores gerada durante o entreguerras, o movimento de arte vanguardista, entre outros, foram apresentados por Abramo como indicadores do aparecimento e da consolidação, datada historicamente, da visão do jovem como um sujeito social diferenciado devido às especificidades etárias e geracionais, em contraposição à geração adulta.

A partir dos anos 50, nota-se a caracterização da noção de cultura juvenil de forma mais generalizada. As transformações ocorridas após a Segunda Guerra - decorrentes do desenvolvimento industrial e do aumento da oportunidade de emprego para os jovens - tiveram como conseqüência o crescimento dos bens de consumo. Tais fatos se refletiram no comportamento rebelde da juventude marcado pela procura de liberdade e de autonomia. De acordo com a visão da autora o rockn' roll foi um dos grandes símbolos dessa "nova cultura juvenil". Esta perspectiva foi ilustrada com as análises de Morin (1986): "O desenvolvimento dessa cultura está ligado a uma conquista da autonomia do adolescente no seio da família e da sociedade" (1986:140).

Dentro desta abordagem histórica, foi observado que, enquanto nos anos 60 os protestos da juventude contra os padrões morais, culturais e políticos vigentes ganharam maior vulto, nos anos 70 e 80 foi registrada uma diminuição do vigor da rebeldia juvenil e apareceram grupos de jovens identificados com um "estilo musical e modos espetaculares de aparecimento".

A origem do movimento punk na Inglaterra em 1976/77 foi apontada como um marco deste fenômeno, sendo considerado uma nova subcultura juvenil. Conforme a descrição de Bivar (1982), Santos (1985), Muggiatti (1985) e outros, os jovens punks apresentavam alguns traços comuns como baixo poder aquisitivo e dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Tal realidade, associada a "sensação de estagnação e exílio social" motivaram reações de protestos expressos por provocações e pela desordenação da ordem estabelecida.

Com base nestas análises, a autora buscou demonstrar o equívoco da visão universalizante da juventude como agente de transformação social e, desta forma, reforçar a necessidade de se contextualizarem as expressões juvenis social e historicamente.

É interessante ilustrar esta perspectiva no interior da realidade brasileira. Foi observado que, em conseqüência do modelo econômico do país, adotado durante o regime militar - 1968 a 1973 -, houve um crescimento significativo de jovens que ingressaram no mercado de trabalho, o que permitiu um aumento da autonomia e uma ampliação do mercado consumidor.

O crescimento das áreas de lazer e o acesso ao sistema brasileiro de crédito foram, e ainda são, indicadores do potencial de consumo dos jovens em relação a bens culturais, produtos e serviços. Constituindo-se em um local de expressão das "aspirações e desejos", estes espaços tornaram-se importantes para o desenvolvimento da sociabilidade dos jovens, sendo caracterizados como "uma das dimensões mais significativas da vivência juvenil". Neste cenário, a música e a dança destacaram-se como atividades de lazer. A valorização e os investimentos no modo de vestir, por sua vez, refletiram o significado da roupa como status e identidade social. Afinal, a padronização do vestuário camufla a diferença de poder aquisitivo, tornando-se um objeto privilegiado de consumo.

Na década de 80, por sua vez, foi identificada uma influência das atividades de diversão das classes populares nas vivências dos estudantes universitários - tradicionalmente envolvidos em lutas políticas. Nas palavras da autora: "Muitos destes estudantes se sentem impactados e atraídos pelas movimentações que já ocorriam entre os setores jovens das classes populares, que estavam usando o tempo e os elementos de diversão para abrir espaços significativos de vivência e para elaborar e expressar as inquietações relativas à sua condição, bem como as suas perspectivas naquela conjuntura social" (1994: 79)

Além das reflexões sobre a necessidade de se contextualizarem social e historicamente as manifestações juvenis nos estudos relativos ao universo dos punks e darks, foram feitas análises de músicas e entrevistas com jovens identificados com estes grupos. Através destas abordagens, Abramo procurou enfatizar a necessidade de se investigarem as vivências dos adolescentes em relação ao lazer e à cultura. Neste sentido, ampliou as abordagens sociológicas, centradas na função dos jovens - mais particularmente dos estudantes - na transformação da ordem estabelecida.

Suas considerações indicaram que o movimento punk sinalizou, de forma original e estranha, o sentimento de insatisfação com as condições de emprego, a falta de oportunidade e a injustiça social. Neste contexto, a identidade afirma-se através do impacto de um estilo estranho, esquisito, expresso no vestuário e na música. Segundo o depoimento de um ex punk: "Se você é um office boy você tá fodido. Aí se você vira punk, você é alguém, todo mundo vai te identificar".

Constatou-se, assim, que esses grupos juvenis e suas derivações têm uma forma peculiar de protestar. Apesar de não apresentarem propostas de mudança da situação, denunciam a mesma. Outro aspecto identificado refere-se ao fato de esses jovens protestarem basicamente no âmbito do lazer e do consumo, sem procurarem alternativas ao sistema produtivo e institucional vigente. Diante destas evidências, Abramo conclui que as manisfestações juvenis, como os movimentos dos punks e darks, "produzem uma intervenção crítica no espaço urbano". Para a autora, a nova configuração do universo juvenil define-se como "a crise do espaço universitário como significativo para a elaboração das referências culturais, o enfraquecimento da noção de cultura alternativa como modo de contraposição ao sistema e a emergência de uma intensa vivência, por parte dos jovens das camadas populares, no campo do lazer ligado à indústria cultural" (1994:82).

Indiscutivelmente, o livro "Cenas Juvenis" é um contribuição significativa para que as manifestações da juventude sejam pensadas e avaliadas, principalmente no cenário urbano, pois permite uma visão mais abrangente destes fenômenos. Ao enfatizar a importância da caracterização do contexto sócio-histórico na análise de fatos sociais emergentes, como a categoria de juventude, e fundamentar tal perspectiva com fatos e evidências, este trabalho tornou-se uma referência importante para estudos neste campo.

Simone Monteiro

Laboratório de Educação Ambiental e em Saúde

Departamento de Biologia

Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz

Rio de Janeiro

AS CIÊNCIAS NO BRASIL. Fernando de Azevedo (organizador). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. 2a ed., 2 vols., ilus.

ISBN 85-7108-067-4

Novamente está de parabéns a editora UFRJ pela edição desse segundo volume de "As Ciências no Brasil", organizada por Fernando de Azevedo. É uma edição feita com muito esmero e a obra é indispensável a quem se interessa pela evolução dos diversos campos da ciência no país.

Biologia - O capítulo sobre a Biologia no Brasil é primoroso. A cultura de Thales Martins é impressionante, pois ele é capaz de opinar sobre os diversos campos da Biologia.

Algumas instituições merecem destaque. O Instituto Oswaldo Cruz, onde se iniciou, é tratado com muito carinho. O autor lembra que os grandes trabalhos que deram ao Instituto a medalha de ouro na Exposição de Berlim, em 1907, foram feitos nas casas da Fazenda de Manguinhos, antes da construção do prédio mourisco.

Com respeito às nossas pseudo-universidades é muito crítico. Elas são apenas uma reunião de escolas profissionais às quais, para piorar, acrescentou-se mais um escalão burocrático, por sinal bem complicado. O mesmo pode ser dito em relação à Fundação Oswaldo Cruz, que reuniu, em torno do Instituto, um conjunto de entidades o mais heterogêneo possível.

Considera o Instituto Biológico de São Paulo como mais um "epifenômeno útil das calamidades públicas", uma vez que nasceu do problema da broca do café.

Os museus e os jardins botânicos são tratados com o maior respeito. Neles é que nasceu a ciência biológica no Brasil.

A leitura desse capítulo deixa uma impressão um pouco triste: a de que, tirando o trabalho da EMBRAPA, pouco tem evoluído a Biologia na Brasil.

Química - Para apresentar a Química, foi escolhido Heinrich Rheinboldt, que revolucionou essa ciência no Brasil.

A via sacra da Química até a criação das faculdades de Filosofia, Ciências e Letras está até pitoresca. Em Portugal a história não é diferente. O curioso é que o introdutor do ensino da Química na Universidade de Coimbra foi um reitor brasileiro.

Depois de idas e vindas da Academia da Marinha, da Escola Militar e da Politécnica, a Química vai nascer definitivamente no Museu Nacional, onde frutificou por mais de cem anos.

Para os cursos de Medicina e Farmácia, era muito recomendado o ensino da Química, mas como bem destaca L. Agassiz, até 1880, era feito apenas com livros.

A carta de alforria do ensino da Química foi dada pelo Visconde do Rio Branco, com a criação da Escola Politécnica.

O autor menciona como ótimas instituições científicas a Escola de Minas de Ouro Preto, o Instituto Agronômico de Campinas e o Instituto de Química Agrícola.

É impressionante como um estrangeiro consegue descrever tão bem a vida atribulada do ensino da Química no país.

Zoologia - Para a Zoologia, foi escolhido Clivério Pinto, que, além de grande zoólogo, é um pensador. A parte introdutória que vai da carta de Caminha até o período das grandes expedições de naturalistas estrangeiros, tem comentários interessantíssimos.

O trabalho dos naturalistas viajantes está muito bem apresentado, com destaques para Wallace e Bates, que, além do trabalho zoológico, deram importantes contribuições à Biologia.

Sobre Fritz Müller, ressalta, além da extraordinária soma de observações originais, a "orientação filosófica que invariavelmente lhes soube imprimir".

Do Museu Nacional saíram Emílio Goeldi e Hermann von Ihering. O primeiro, organizador do Museu Paraense, que hoje leva o seu nome, e o segundo, fundador do Museu Paulista, de brilhante carreira.

Sobre os protozoários, destaca os trabalhos da Escola de Manguinhos e de autores paulistas.

Nos celenterados, lembra os trabalhos da Faculdade de Filosofia e do Instituto Oceanográfico, ambos de São Paulo.

Nos platelmintos, menciona a família Marcus e Diva D. Corrêa.

O estudo dos trematódios, iniciado pela escola médica baiana, toma grande amplitude em Manguinhos, com Gomes de Faria e Lauro Travassos, aos quais seguem-se alguns discípulos de Travassos.

O estudo dos nematelmintos também foi iniciado pela escola baiana, seguida de Gomes de Faria, Travassos e seus discípulos.

Os anelídeos mereceram a atenção de E. Marcus, e os hirudíneos, de Cezar Pinto.

Entre os artrópodos, os malacópodos foram estudados por A. Leitão de Carvalho e pela escola de E. Marcus.

Os crustáceos mereceram singular carinho de Fritz Müller, seguido por Carlos Moreira e depois por Lejeune de Oliveira.

O estudo dos aracnídeos foi iniciado por E. Goeldi, que foi seguido por Melo Leitão, Toledo Pisa, W. Bücherl e Araújo Feio.

Os acarinos mereceram a atenção de Beaurepaire Aragão e Flavio da Fonseca.

Os insetos, devido à grande importância econômica, têm sido estudados por muitos brasileiros, devendo-se destacar o extraordinário tratado de Costa Lima "Insetos do Brasil" e os seus catálogos dos insetos que vivem nas plantas brasileiras.

Para o estudo dos dípteros, puxaram a carruagem a malária e a febre amarela.

Os insetos chamados vulgarmente de moscas receberam a atenção de Lutz, Neiva e, principalmente, de Hugo Souza Lopes.

As pulgas tiveram um catálogo mundial de Costa Lima e Hathway.

Nos hemípteros, destacaram-se Neiva e Lent.

Os homópteros mereceram a atenção de diversos agrônomos entomologistas.

Nos lepidópteros, destacam-se Lauro Travassos e Ferreira de Almeida.

Com respeito aos coleópteros ou besouros, cabe destacar Costa Lima e Gregório Bondar.

Entre os himenópteros, abelhas e vespas, destacam-se os estudos de A. Ducke e do Padre Jesus Moura.

Em relação às formigas, lembrem-se J. Huber, Costa Lima e Mário Autuóri.

Os moluscos receberam a atenção de Lutz e Viana Martins.

Os cordados foram inaugurados também por Fritz Müller.

Os peixes mereceram uma monografia de L. Agassiz, mas o maior destaque cabe a Alípio de Miranda Ribeiro.

Nos anfíbios, destacam-se Miranda Ribeiro, Lutz e Bokermann.

Os ofídios, inaugurados por Wucherer, receberam grande destaque de Afranio do Amaral e hoje estão nas mãos de P. E. Vansolini.

"Aves do Brasil", de E. Goeldi, é um marco no estudo do grupo. Ainda na Amazônia, E. Snethlage publica o "Catálogo das Aves Amazônicas". Segue-se o "Catálogo das Aves do Brasil" de H. Von Ihering. Nos tempos recentes devem-se destacar as contribuições de H. Sick e Olivério Pinto.

Quanto ao estudos dos mamíferos, destacam-se Miranda Ribeiro, João Moogen, C. Vieira, Lund e Paula Couto.

Botânica - Coube a Mário Guimarães Ferri apresentar a Botânica. Como bem destaca o autor, o estudo da Botânica começou com os índios, que necessitavam conhecer as plantas e suas utilidades. Diversos cronistas se referem às plantas cultivadas pelos índios e Thevet declara que o hábito de fumar é saudável. É, entretanto, Gabriel Soares de Souza o primeiro a descrever a nossa vegetação.

A Botânica, que poderíamos chamar de científica, foi iniciada por Marcgrave e a parte medicinal se deve a seu companheiro Piso.

A Botânica científica brasileira foi, sem dúvida nenhuma, iniciada por Alexandre Rodrigues Ferreira. Segue-se um grupo de padres, Frei Veloso, Arruda Câmara (ex-padre), Frei Leandro do Sacramento e Frei Custódio Serrão. A esses cabe acrescentar Frei Alemão.

A era dos naturalistas viajantes foi iniciada por Langsdorff, que trouxe Sellow, o maior fornecedor de material para a Flora de Matius. Aqui, há de se destacar o Príncipe Wied-Neuwied, autor de "Viagem ao Brasil nos Anos de 1815 a 1817". Em matéria de descrição de viagens, ninguém superou Saint-Hilaire, que tem oito obras traduzidas para o Português.

Trazido por Dona Leopoldina, futura esposa de Dom Pedro I, veio Carl von Martius e mais uma plêiade de sábios. Martius era um verdadeiro sábio, fez observações as mais diversas e coordenou a gigantesca obra "Flora Brasiliensis", que contém a descrição de dez mil espécies.

Chegamos a Lund e Warming, que fizeram de lagoa santa um "recanto clássico da História das Ciências".

Glaziou preparou um magnífico herbário, introduziu as plantas nacionais na arborização e organizou os belíssimos parques do Campo de Santana e da Quinta da Boa Vista.

Barbosa Rodrigues é um primus inter pares, como Diretor do Jardim Botânico e por sua obra, da qual se destaca o "Sertum Palmarum Brasiliensium".

Entre os naturalistas viajantes do Museu Nacional, devem ser destacados Fritz Müller, Ule e Herman von Ihering.

Huber veio para o Museu Goeldi, onde formou um grande discípulo, A. Ducke.

Voltando os olhos para a Ecologia, temos o extraordinário trabalho do austríaco Wettstein. Também na Ecologia há de se destacar o trabalho de Lidman, traduzido por Löfgren, "Vegetação do Rio Grande do Sul".

Outro astro foi Alberto Löfgren, que ocupou diversos cargos, fez grandes traduções e terminou a vida como chefe da Seção de Botânica do Jardim Botânico.

Navarro de Andrade deve ser lembrado, principalmente, pela introdução do eucalipto no país. Essas matas que produzem madeira para diversos fins vêm protegendo as nossas matas nativas.

A. J. Sampaio destaca-se pelo livro "Phytogeografia do Brasil". Já Liberato Barroso teve uma curta carreira, mas formou a grande Botânica Dra. Graziela Maciel Barroso. F. C. Hoehne desenvolveu grande atividade, sobretudo como divulgador.

No Instituto Agronômico do Norte, trabalhou uma plêiade de botânicos. Entre suas contribuições, deve-se destacar "Phytogeographical Notes on the Brazilian Amazon", de Ducke e Black.

Uma obra monumental de Pio Correia, "Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas", felizmente foi terminada por Leonam de Azeredo Penna.

Psicologia - Coube a Manuel Bergström Loureço Filho apresentar a Psicologia.

A Psicologia científica é recente e nasceu dentro da Medicina. O primeiro trabalho de Psicologia experimental é de Henrique Roxo, publicado em 1900, e a primeira tese a versar as idéias de Freud é de Souza Pinto, em 1914.

A Psicofisiologia é iniciada por Miguel Osório.

Gustavo Riedel, com a Liga de Higiene, mental deu grande impulso à Psicologia científica. Em São Paulo, Franco da Rocha desenvolve a Psiquiatria Forense e ensina Psicanálise. Também no Instituto de Higiene cultivou-se a Psicologia Aplicada.

Em Recife, Ulisses Pernambuco cria o Instituto de Psicologia, e a Medeiros e Albuquerque deve-se a instalação do primeiro laboratório de Psicologia.

Em Belo Horizonte, Helena Antipoff cria uma escola de Psicologia Pedagógica.

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) também deu grande impulso à Psicologia Aplicada.

A contribuição dos engenheiros foi iniciada na Escola Politécnica de São Paulo e deu origem ao Instituto de Organização Racional do Trabalho.

A Psicologia ingressou no ensino superior na Universidade de São Paulo. Por sua vez , o ensino da Psicologia Médica foi iniciado na Faculdade de Ribeirão Preto.

Economia - Paul Hugon inicia o capítulo sobre a Economia Política no Brasil, comparando as idéias de Adam Smith com as do Visconde de Cairu.

O ensino começou nas faculdades de Direito e só no início deste século toma uma expressão científica na Faculdade de Direito de São Paulo.

Na Engenharia, o ensino da Economia é iniciado pelo Barão do Rio Branco, na antiga Escola Politécnica.

Com a criação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, a Economia passa também a fazer parte dos cursos de Ciências Sociais. Nessa Faculdade é que se desenvolveram as primeiras produções científicas sobre Economia no Brasil.

Com a criação, em 1945, da Faculdade de Ciências Econômicas, a Economia torna-se o estudo central e as outras disciplinas jurídicas, sociais, etc. passam a ser ensinadas a título complementar.

A coordenação de todos os serviços estatísticos pelo IBGE abriu novos campos para a pesquisa econômica.

Na Fundação Getúlio Vargas, está o Instituto Brasileiro de Economia, que publica as revistas Conjuntura Econômica e Revista Brasileira de Economia.

Diversas associações do comércio, da indústria, da produção rural têm criado institutos de Economia.

Antropologia - A apresentação da Antropologia e da Sociologia coube ao organizador da obra, Fernando de Azevedo.

Na fase pré-científica, considera Pero Vaz de Caminha o primeiro etnógrafo.

O período da investigação científica é iniciado pela "Viagem Filosófica", de Alexandre Rodrigues Ferreira, e a Martius cabe o mérito da sistematização da Etnologia brasileira. Nessa época, dois artistas, Debret e Rugendas, registraram tipos, usos e costumes dos índios.

Os estudos lingüísticos foram iniciados por Koch-Grünberg e Karl von den Stein. Entre os brasileiros, devem ser citados Gonçalves Dias, Barbosa Rodrigues, Ferreira Pena, Couto de Magalhães e Roquete Pinto.

Foi no Museu Nacional, por iniciativa de Ladislau Neto e Batista Lacerda, que se iniciou a Antropologia brasileira. Ao mesmo tempo, na Bahia, Nina Rodrigues começa o estudo do elemento afroamericano.

Em São Paulo, Alfonso Bovero inicia um centro de investigações antropológicas.

Neste século, sobressai Curt Nimuendaju. Entre brasileiros, devem-se citar Herbert Baldus, Egon Shaden, Heloísa Torres e Plínio Airosa.

O estudo do negro prossegue com Gilberto Freire e Arthur Ramos, entre outros.

Foi pelas escolas normais e pelas faculdades de Filosofia que a Sociologia entrou no ensino do país. Precursores da Sociologia são Tavares Bastos, Alberto Torres e Euclides da Cunha. Em época recente, destacam-se Pontes de Miranda, Delgado de Carvalho e Fernando de Azevedo, aos quais seguem-se Egon Schaden, Florestan Fernandes e Antonio Cândido.

Mário B. Aragão

Departamento de Ciências Biológicas

Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz

Rio de Janeiro

AIDS - PESQUISA SOCIAL E EDUCAÇÃO. D. Czeresnia, E. M. Santos, R. H. S. Barbosa & S. Monteiro, orgs. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro: Abrasco, 1995, 206 pp.

ISBN 85-271-0295-1

AIDS - ÉTICA, MEDICINA E BIOTECNOLOGIA. D. Czeresnia, E. M. Santos, R. H. S. Barbosa & S. Monteiro, orgs. São Paulo: Hucitec/Rio de Janeiro: Abrasco, 1995, 158 pp.

ISBN 85-271-0294-3

O livro, co-editado pela Hucitec e pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - ABRASCO -, é uma coletânea de artigos de pesquisadores e/ou pessoas envolvidas com programas de prevenção à AIDS, organizada por Dina Czeresnia, Elizabeth Moreira dos Santos, Regina Helena Simões Barbosa e Simone Monteiro. Fruto do I Curso em Metodologias de Investigação e Intervenção Relacionados à prevenção da Epidemia de HIV-AIDS, financiado pelo Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde e coordenado por pesquisadores da ENSP/Fiocruz, IOC/Fiocruz, NESC/UFRJ e IMS/ UERJ.

A publicação, além de divulgar conteúdos abordados no referido curso, é oportuna pela inevitabilidade de análise sobre a AIDS nas pesquisas sociais, seja como tema central, seja como uma variável que já não pode ser desconsiderada. O conjunto de artigos contidos neste volume registra um conhecimento acumulado por pesquisadores que se dedicam ao estudo social da epidemia há alguns anos. O processo de discussão entre os autores evidencia de forma ímpar a relação entre a racionalidade científica e as posições políticas frente a uma situação difícil, para a qual não faltam normatizações, disciplinas e moralizações, mas poucas saídas efetivas.

Não se trata do primeiro livro sobre a epidemia da AIDS, mas sua presença é de suma importância pelo recorte que oferecem os estudos: a preocupação metodológica. Num sentido mais amplo, este recorte pode ser inserido na polêmica crise de paradigmas nas ciências sociais e afins, que tem evidenciado os limites da razão e colocado a metodologia como alvo das discussões e ponto central no diálogo interdisciplinar. Além disso, a publicação contribui para romper com o silêncio que envolve a questão, mesmo no campo acadêmico. Para fraseando Susan Sontag, para afastar as metáforas, não basta abster-se delas. É necessário desmascará-las, criticá-las, atacá-las, desgastá-las. "AIDS - pesquisa social e educação" afasta as metáforas, reconstruindo a história da epidemia no Brasil, simultaneamente anulando a idéia de "grupos de risco" e possibilitando o conhecimento dos diferentes grupos sociais.

A multiplicidade da questão aparece claramente nas abordagens sobre a sexualidade e a homossexualidade (Parker et al.; Mota), sobre a curva ascendente da incidência da epidemia entre as mulheres (Barbosa; Brasil), sobre a difícil e polêmica análise a respeito da prevenção ao HIV e à AIDS entre Usuários de Drogas Injetáveis - UDIs (Mesquita; Bucher; Bastos), sobre a educação - tanto na abordagem que visa a uma intervenção junto aos adolescentes escolares (Monteiro), quanto pelo papel que desempenha nas políticas da prevenção da AIDS, gerando uma avaliação histórica dos caminhos percorridos (Schall e Struchiner) - e, de forma mais direta, sobre a discussão referente ao monitoramento e à avaliação de programas (Aggleton). Sob outro aspecto, há dois recortes teóricos que se entrecruzam, o da sexualidade e o de gênero (mais explícitos nos estudos de Mota e Barbosa).

O estudo de Richard G. Parker, Gilbert Herdt e Manuel Carballo aponta para a necessidade de dados sobre o comportamento sexual e registra a ausência de uma tradição teórica e metodológica em pesquisa sobre o sexo. Os autores propõem, como instrumento de análise, o conceito de cultura sexual e que se atente para a relação entre a sexualidade e outros sistemas sócio-culturais. Destacam os recursos das metodologias qualitativas e a relevância dos fatores sócio-culturais na definição do comportamento sexual. Chamando a atenção para a diversidade cultural, entendem que a noção de "parceiros sexuais" é um conceito mutável. Apontam recursos metodológicos que podem ser utilizados nos estudos sobre a cultura sexual. Imprescindível leitura para aqueles que estão trabalhando sobre sexualidade e transmissão do HIV.

Murilo Peixoto da Mota situa sua discussão no diálogo entre as ciências biomédicas e humanas. Quanto ao aspecto metodológico, busca alianças entre as abordagens qualitativa e quantitativa. Um ponto de destaque neste estudo é a maleabilidade que atribui à identidade. O artigo suscita uma discussão teórica mais ampla, mesmo que não esteja explícita, sobre os estudos referentes à AIDS (uma temática ou um campo próprio da análise teórica?). No início do artigo há uma afirmação polêmica do autor de que "a AIDS trouxe para a discussão científica os temas "gênero" e "sexualidade". As análises sobre as relações sociais de gênero decorrem de uma tradição dos estudos feministas, que antecede a problemática da AIDS. Sobre a sexualidade, também é possível traçar um processo crescente na discussão independente da AIDS. Entretanto, inegavelmente, o surgimento da epidemia gerou uma proliferação de discursos sobre a sexualidade e sobre o gênero. Por isto mesmo, o artigo de Mota suscita a discussão quando se refere às "análises no campo das representações da AIDS" e para este campo defende uma abordagem mais qualitativa.

Regina Helena Simões Barbosa prioriza o trajeto sobre as concepções históricas, científicas e sociais do corpo feminino e do papel social da mulher. Parte do conceito de Gênero, o que implica a apresentação de um contexto sempre relacional e a valorização da subjetividade e do universo subjetivo como constituintes de novas práticas sociais. Outro ponto fundamental na análise de gênero é a luta simbólica. Isto possibilita à autora refletir sobre o discurso biomédico, que referenda e reproduz as representações sobre as mulheres na bipolaridade procriadora/prostituta. Barbosa preocupa-se com o ressurgimento de abordagens essencialistas sobre a sexualidade e a AIDS, com a medicalização e a repatologização da sexualidade.

Vera Vital Brasil, por sua vez, sugere uma formulação metodológica de trabalho em grupo que inteire pensamento/afeto/ação, a partir da "desnaturalização" da relação AIDS-mulher, "criando condições de potencialização das mulheres". Para a autora, as mulheres já eram atingidas pela epidemia mesmo antes dos registros de casos de AIDS, devido à perspectiva social e histórica que as responsabiliza pelos encargos domésticos, pela educação e pela saúde dos filhos e da família. É corajoso e metodologicamente importante o momento em que expõe sua própria trajetória frente à epidemia da AIDS, caracterizando a impossibilidade da neutralidade do pesquisador. O estudo é sugestivo ao apresentar uma abordagem alternativa que atribui "ao desejo uma dimensão produtora", ultrapassando a dicotomia racional-irracional.

A prevenção do HIV e da AIDS entre UDIs é analisada nos estudos de Fábio C. Mesquita, Richard Bucher e Francisco Ignácio Bastos. As delimitações são sempre difíceis, mas, na tentativa de caracterizar o eixo condutor de cada autor, diria que Fábio C. Mesquita enfoca aspectos sócio-econômicos, políticos e culturais a partir da realidade brasileira, inserindo-a no contexto internacional. Reflete sob uma perspectiva macro, o que é importante, já que a epidemia da AIDS surge como uma questão internacional e implica saídas que considerem este referencial. O autor inicia afirmando que o controle da epidemia entre UDIs é possível. Argumenta com firmeza sobre as estratégias de prevenção e sobre a posição norteadora para os profissionais de saúde (e todos aqueles envolvidos na luta contra a AIDS): "Nosso foco, portanto, deve ser o abuso". Se as drogas forem pensadas sob o aspecto do abuso e não do uso (ilegal), rompe-se a distinção entre drogas lícitas e ilícitas, o que possibilita um olhar detidamente voltado à saúde individual e coletiva.

Richard Bucher centra sua observação sobre a educação e destaca a distinção entre o legal e o legítimo. Assinala dificuldades na prevenção da AIDS entre UDIs, em decorrência dos preconceitos sociais e dos limites na legislação vigente. Propõe que se olhe menos a questão sob um enfoque repressivo e se atente mais para as motivações que geram a crescente demanda pelo uso de drogas. Ressalta que a posição da Organização Mundial de Saúde - OMS - hoje não é reduzir o uso das drogas, mas reduzir os riscos, prejuízos e danos à saúde. Assim, o melhor é não usar drogas; se usar, que seja não-injetável; se for injetável, que seu uso seja "limpo". Destaca ainda, que é importante discernir o legal do legítimo, já que legítimo são os direitos da população à saúde pública.

Francisco Ignácio Bastos ressalta a inexistência de ações preventivas voltadas para este público, por exemplo, no que se refere à distribuição de preservativos. Sua argumentação tem por base os fatores-chave que podem influenciar a epidemia entre UDIs e seus parceiros. Sob este referencial, apresenta criticamente os resultados do estudo multicêntrico da OMS. Merecem maior atenção os seguintes pontos: a desinfecção de agulhas e seringas, o enfoque penal da legislação, a escassez de trabalho junto à população carcerária e o alto consumo de cocaína, dentre outros.

Sobre adolescentes escolares, destaca-se o trabalho de Simone Monteiro. A autora apresenta o processo de avaliação do "Projeto Viva a Vida", que teve como referencial o conceito de conscientização do educador Paulo Freire. O projeto visa a capacitação dos profissionais da rede pública de ensino para o posterior desenvolvimento de um trabalho de prevenção da AIDS na comunidade e contou com a participação de 122 pessoas nas respostas aos formulários distribuídos. Sobre estes formulários, Monteiro avalia o projeto, apontando inclusive os materiais informativos e didáticos produzidos no percurso do trabalho.

O artigo de Virgínia T. Shall e Mirian Struchiner é elucidativo, didático e historiciza a discussão teórica, incluindo não só parte da história da AIDS, mas, principalmente, a prevenção desta no contexto histórico da educação. Há uma preocupação com a reflexão teórica sobre a intervenção social, que, no caso da epidemia da AIDS, refere-se em grande parte à educação (informação, comunicação - compromisso político, muitas vezes não refletido teórica e metodologicamente), mesmo que os educadores sejam leigos. Apesar da revisão teórica, a proposta das autoras é clara e tem como público alvo os adolescentes. Destaque para a ênfase no "desconhecido mundo dos motivos", a necessidade de ser observado o contexto e o envolvimento pessoal e a preocupação em considerar o educador envolvido e participante.

O último artigo é de Peter Aggleton, que dirigiu a área de comportamento do Programa Global de AIDS da OMS. O texto não é recente, mas sua publicação ocupa uma lacuna e atende a uma demanda crescente sobre o monitoramento e a avaliação de projetos. O autor define e diferencia os conceitos de avaliação e monitoramento nos programas de educação em saúde. Apresenta as possibilidades de modelos sobre avaliação e destaca vários recursos técnicos na elaboração de projetos, assim como os possíveis problemas nas escolhas. Transita desde a importância dos indicadores sociais, passando por diversos tipos de amostragem, até os recursos etnográficos e comparativos. Conclui afirmando que uma avaliação nunca é neutra e objetiva, e que as avaliações são mais significativas se atendem a estrutura de um projeto.

Em suma, são densas as discussões trazidas pelos autores. "AIDS - pesquisa social e educação" é uma leitura obrigatória para os profissionais e estudantes que estão envolvidos ou começam a se envolver com as análises sobre a epidemia, além de ser uma contribuição à capacitação dos dirigentes das Organizações Não-Governamentais que lutam contra a epidemia da AIDS e a favor das milhares de pessoas que hoje vivem com o HIV e a AIDS.

Cristina Luci Câmara da Silva

Diretoria de Projetos

Grupo Pela Vidda/Rio de Janeiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Mar 1996
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