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Declaração de nascido vivo: análise do seu preenchimento no Município de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

Certificates of live birth: analysis of completion in the city of Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil

Resumos

O estudo tem como objetivos identificar o fluxo de preenchimento das Declarações de Nascidos Vivos (DNs) e analisar a consistência das informações contidas nas mesmas. Para a coleta de dados utilizou-se uma DN-Controle, preenchida com base nas informações contidas nos prontuários do recém-nascido e da mãe, as quais foram comparadas com os dados contidos na DN-Oficial, disponível no Departamento de Informática da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. A amostragem constitui-se de 911 DNs dos nascimentos ocorridos no mês de julho de 1996. Da análise dos dados verificou-se que o fluxo de preenchimento da DN é heterogêneo entre os hospitais, envolvendo desde o pediatra até a escriturária, e às vezes, funcionários administrativos. Em relação à consistência das informações, identificou-se uma concordância elevada, acima de 90% em 13 das 18 variáveis comparadas nas DNs e em metade dos hospitais investigados; a discordância ocorreu, principalmente, naquelas informações referentes ao número de filhos tidos, número de consultas pré-natal, grau de instrução da mãe e nome do pai.

Registros; Registro de Estatísticas Vitais; Natalidade; Sistemas de Informação


The study aims to identify the frequency with which certificates of live birth are filled out and to analyze the data they provide. To gather the data, the authors used a model birth certificate filled out by research assistants based on information obtained from the reports on mothers and newborns. This information was then compared to data contained in the official birth certificates available in the Information Technology Division of the Municipal Health Department. The sample consisted of 911 certificates of live birth from July 1996 in the ten maternity wards of the city of Ribeirão Preto. Data analysis showed that frequency of completion of birth certificates differs by hospital, involving both physicians and administrative personnel. The authors identified a high level of agreement in the data, i.e., over 90% in 13 of 18 variables compared in the birth certificates and in half of the hospitals investigated. The disagreement occurred especially with respect to data on the number of children per mother, number of prenatal visits, mother's schooling, and father's name.

Records; Vital Registration; Natality; Information Systems


ARTIGO ARTICLE

Flávia Cristiane Mishima 1

Carmen Gracinda Silvan Scochi 1

Maria Alice Rossato Ferro 2

Regina Aparecida Garcia de Lima 1

Isabel Aparecida Ribeiro Costa 1

Declaração de nascido vivo: análise do seu preenchimento no Município de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

Certificates of live birth: analysis of completion in the city of Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil

1 Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Av. Bandeirantes 3900, Monte Alegre, Ribeirão Preto, SP, 14040-902, Brasil.
2 Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. Rua São Sebastião 1324, Centro, Ribeirão Preto, SP 14015-040, Brasil. Abstract The study aims to identify the frequency with which certificates of live birth are filled out and to analyze the data they provide. To gather the data, the authors used a model birth certificate filled out by research assistants based on information obtained from the reports on mothers and newborns. This information was then compared to data contained in the official birth certificates available in the Information Technology Division of the Municipal Health Department. The sample consisted of 911 certificates of live birth from July 1996 in the ten maternity wards of the city of Ribeirão Preto. Data analysis showed that frequency of completion of birth certificates differs by hospital, involving both physicians and administrative personnel. The authors identified a high level of agreement in the data, i.e., over 90% in 13 of 18 variables compared in the birth certificates and in half of the hospitals investigated. The disagreement occurred especially with respect to data on the number of children per mother, number of prenatal visits, mother's schooling, and father's name.
Key words Records; Vital Registration; Natality; Information Systems

Resumo O estudo tem como objetivos identificar o fluxo de preenchimento das Declarações de Nascidos Vivos (DNs) e analisar a consistência das informações contidas nas mesmas. Para a coleta de dados utilizou-se uma DN-Controle, preenchida com base nas informações contidas nos prontuários do recém-nascido e da mãe, as quais foram comparadas com os dados contidos na DN-Oficial, disponível no Departamento de Informática da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto. A amostragem constitui-se de 911 DNs dos nascimentos ocorridos no mês de julho de 1996. Da análise dos dados verificou-se que o fluxo de preenchimento da DN é heterogêneo entre os hospitais, envolvendo desde o pediatra até a escriturária, e às vezes, funcionários administrativos. Em relação à consistência das informações, identificou-se uma concordância elevada, acima de 90% em 13 das 18 variáveis comparadas nas DNs e em metade dos hospitais investigados; a discordância ocorreu, principalmente, naquelas informações referentes ao número de filhos tidos, número de consultas pré-natal, grau de instrução da mãe e nome do pai.

Palavras-chave Registros; Registro de Estatísticas Vitais; Natalidade; Sistemas de Informação

Introdução

O número de nascimentos em um determinado período e localidade constitui informação relevante em diversas áreas de planejamento de programas regionais, possibilitando a elaboração de indicadores demográficos, epidemiológicos, político-sociais e econômicos, entre outros, que representam a realidade da comunidade. Assim, é possível avaliar e planejar as ações de saúde, elaborando programas de saúde materno-infantil que identifiquem a população alvo para campanhas de vacinação, base para cálculo de vários coeficientes e ainda, estudos sobre a reprodução (Waldvogel et al., 1994).

Para a obtenção de dados sobre nascimentos, a principal fonte utilizada é o Registro Civil, porém as informações contidas neste documento podem não refletir a realidade, pois é questionável sua abrangência tanto do ponto de vista qualitativo que implica a fidedignidade das informações, quanto quantitativo que analisa a cobertura total dos eventos (Silveira & Laurenti, 1973; Mello-Jorge et al., 1993, 1996).

No Brasil, desde 1971, a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE) é o órgão responsável pela coleta, processamento, análise e divulgação das estatísticas vitais, com base nas informações do Registro Civil. Apesar do grande avanço relacionado à obtenção de informações sobre os nascimentos, havia inúmeras deficiências, dentre elas a ocorrência do sub-registro de nascimento. Na mesma época, outros países já consideravam como fonte de informação os hospitais, que utilizavam documentos individualizados e padronizados para a coleta de informações sobre nascimentos (Mello-Jorge et al., 1992a).

Devido aos problemas existentes ligados à obtenção de informações por intermédio do Registro Civil e tendo por base sistemas internacionais e experiências isoladas de alguns estados brasileiros que adotaram os registros hospitalares como principal fonte de dados sobre nascimentos (Ferreira & Ortiz, 1982), o Grupo de Estatísticas Vitais do Ministério da Saúde (GEVIMS) elaborou um subsistema que utiliza como fonte de dados um documento preenchido em hospitais ou outras instituições de saúde onde ocorreram os partos e em Cartórios de Registro Civil, quando os nascimentos eram domiciliares. Assim, estruturou-se a Declaração de Nascido Vivo (DN) contendo informações que abrangeriam dados exigidos por lei e ainda outras variáveis (peso ao nascer, Índice de Apgar, duração da gestação, tipo de parto e paridade) para definir o perfil epidemiológico dos nascimentos e comparar as informações com aquelas contidas na Declaração de Óbito, possibilitando a construção de coeficientes específicos de mortalidade infantil, dados necessários para a área de saúde materno-infantil. O GEVIMS recomendou a implantação do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), que se tornou oficial, no país, em março de 1990 (Mello-Jorge et al., 1992a, 1992b, 1993).

No mesmo ano, a emissão desse documento tornou-se obrigatória para todos os hospitais ou outros estabelecimentos de saúde que assistem ao parto, segundo o artigo 10, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente ­ Lei 8069, de 13 de julho de 1990 (MS, 1991).

O Sinasc é um sistema de coleta de dados sobre nascimentos vivos, alternativo ao Registro Civil, utilizando como instrumento básico a DN, documento padronizado e individualizado constituído de três vias, com cores e finalidades distintas: a primeira, branca, é enviada aos órgãos regionais das Secretarias Estaduais de Saúde, com finalidade estatística; a segunda, amarela, é destinada à família para apresentação ao Cartório, no momento do registro civil do nascimento; e a terceira, rosa, também destina-se à família para ser entregue ao serviço de saúde numa primeira consulta da criança, para fornecer informações sobre o seu nascimento. Para essa terceira via existe um fluxo alternativo, proposto pelo Ministério da Saúde, no qual o hospital envia-a diretamente às unidades básicas de saúde, para efetiva vigilância do recém-nascido de alto risco (Mello-Jorge et al., 1993). Esse fluxo funciona somente em locais onde existe uma maior integração entre a rede hospitalar e a rede básica de saúde.

Em geral, os estudos sobre peso ao nascer, duração da gestação, tipo de parto e paridade obtêm as informações diretamente dos prontuários médicos ou por meio de visitas domiciliares, sendo as investigações restritas a clientelas específicas de determinados serviços de saúde ou baseadas em amostras populacionais. Com o Sinasc amplia-se a possibilidade de realizar estudos com bases populacionais, dando importância à avaliação da fidedignidade das informações contidas na DN (Mello-Jorge et al., 1993, 1995). Segundo Ferreira (1995), a DN constitui uma fonte alternativa de dados sobre os nascimentos, sendo destacada como promissora devido à cobertura e fidedignidade das informações que se mostram satisfatórias.

No Estado de São Paulo, o responsável pela análise de dados e pelo desenvolvimento de projetos de pesquisa sobre aspectos demográficos era o Grupo Especial de Análise Demográfica (Geade), mantido pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Fundação Seade), que administra o sistema de estatísticas vitais (Altmann & Ferreira, 1982). Atualmente, com as reformulações estruturais ocorridas na Fundação Seade, a sua Divisão da Produção de Indicadores Demográficos passou a responsabilizar-se pelas estatísticas vitais.

No Município de Ribeirão Preto, a partir de 1993, a Secretaria Municipal da Saúde, por meio do Departamento de Informática, assumiu a responsabilidade do controle das DNs, processamento e análise do Sinasc em nível local, contando com a assessoria de docentes da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.

Neste processo, estabeleceu-se uma sistemática de trabalho por uma maior articulação com os hospitais, treinamento do pessoal responsável pelo preenchimento da DN, conferência da digitação e processamento dos dados com vistas a assegurar a qualidade das informações.

Valendo-se dessa vivência, motivamo-nos a realizar o presente estudo tendo como objetivos:

• identificar o fluxo de preenchimento das DNs nas instituições hospitalares do município;

• e analisar a consistência das informações contidas nas DNs.

Esperamos com este estudo fornecer subsídios para a capacitação dos agentes envolvidos no preenchimento das DNs e, conseqüentemente, melhorar a qualidade das informações sobre os nascimentos no Município de Ribeirão Preto.

Metodologia

A amostragem do estudo constituiu-se dos nascimentos ocorridos nas dez maternidades de Ribeirão Preto ­ SP, no mês de julho de 1996. Por questões éticas, essas instituições foram identificadas por letras do alfabeto (A, B,...,J). As duas primeiras referem-se a um mesmo hospital público, financiado pelo governo do Estado, sendo separadas por localizarem-se em dois prédios situados em áreas geográficas distintas; o B destina-se prioritariamente ao atendimento perinatal de alto risco. As demais instituições são de natureza privada, algumas filantrópicas e outras com fins lucrativos.

Os dados foram coletados diariamente, no período de 01 de julho a 01 de agosto, preenchendo-se uma cópia da Declaração de Nascido Vivo, codificada como DNC, utilizando-se os dados obtidos dos prontuários maternos e neonatais e livros de registro institucionais. Pelas entrevistas buscou-se um maior número de informações sobre o fluxo do preenchimento das DNs em cada hospital: setores e agentes envolvidos.

Posteriormente, fez-se a comparação das informações contidas em cada DNC com o respectivo documento oficial (DNO), disponível no Departamento de Informática da Secretaria Municipal da Saúde, que recebe as DNs dos hospitais para digitação e processamento do Sinasc.

As informações comparadas de cada nascido vivo referem-se àquelas contidas em 18 campos da DN: data e hora do nascimento, sexo, peso ao nascer, Índice de Apgar, duração da gestação, tipo de gravidez, tipo de parto, número de consultas pré-natal, nome da mãe, idade, grau de instrução, filhos tidos, endereço da residência habitual materna, bairro, município e estado, nome do pai e função do profissional responsável pelo preenchimento das informações (declarante).

Para a análise de consistência, essas informações da DNC foram comparadas com as da DNO correspondente, categorizando-as em:

• concordantes (DNC = DNO): incluem informações preenchidas e iguais nas DNC e DNO ou ausentes em ambas;

• discordantes (DNC DNO): incluem informações preenchidas e diferentes na DNC e DNO, preenchidas na DNC e ausentes na DNO ou ausentes na DNC e preenchidas na DNO.

A concordância e discordância são apresentadas em freqüência absoluta e relativa, segundo cada tipo de informação comparada da DN e o hospital investigado.

Resultados e discussão

Na Tabela 1 verifica-se que do total de nascimentos ocorridos em julho de 1996 e processados no Sinasc (970), 47 não foram coletadas as informações devido às dificuldades encontradas durante o levantamento de dados nos hospitais. Das 923 DNCs preenchidas, 12 não foram incluídas na amostragem pelo fato de não se encontrarem as respectivas DN ­ Oficial, por problemas de arquivamento na Secretaria Municipal de Saúde.

Desta forma, a amostra constituiu-se de 911 nascidos vivos, dos quais tínhamos a DNC e a DNO, sendo considerada representativa. Acreditamos que os 59 nascimentos excluídos da amostragem não alteram os resultados, pois seguem as mesmas proporções de concordância e discordância das informações comparadas nas DNs.

Quanto ao fluxo do preenchimento das DNs nas maternidades (Tabela 2 ), verificamos que é heterogêneo, havendo o envolvimento de pessoal administrativo e de agentes da equipe de saúde (enfermagem ou médico) dos berçários A, B, D, I e J. No hospital E, os auxiliares e médicos preenchem as DNs. Nas instituições C, F e G, o preenchimento é feito exclusivamente por auxiliares ou atendentes de enfermagem; o enfermeiro assume essa função apenas no hospital H.

Em 4 (40%) dos hospitais-maternidade do município (A, B, E e J) o médico assumiu o preenchimento das informações relativas à gestação, ao parto e ao recém-nascido. No A e B essa atividade é parte da prática do pediatra, durante sua formação em nível de residência médica.

Se as informações contidas na DN são relevantes para a elaboração de estatísticas vitais sobre os nascimentos e para o planejamento de programas na área materno-infantil e da assistência ao recém-nascido em berçário, questionamos o pouco envolvimento dos pediatras no seu preenchimento pois em nenhuma instituição observada esses profissionais assumem integralmente a função de declarante.

Tal fato pode justificar-se pela falta de diretrizes gerais dos órgãos estatais, como o Ministério da Saúde que desenvolveu o Sinasc, acerca da obrigatoriedade médica com esse preenchimento, à semelhança do ocorrido com a Declaração de Óbito.

A Tabela 3 mostra a distribuição de concordância e discordância entre as 911 DNC e respectiva DNO, segundo as informações comparadas nas DNs e os hospitais. Observa-se que, no total geral, 90,1% (14.767) das informações foram concordantes. Analisando as 18 informações comparadas, constata-se que a proporção de DNC = DNO variou de 67,4% a 98,6%, sendo que em 13 delas a concordância foi superior a 90%.

Estes dados indicam uma boa consistência das informações das DNs preenchidas nos hospitais do município de Ribeirão Preto e assemelham-se àqueles encontrados por Mello-Jorge et al. (1993, 1995) ao avaliarem a fidedignidade das informações contidas na DN. Estes autores elaboraram um instrumento baseados na DN ­ Oficial, chamado DN ­ Nova, que era preenchida nos hospitais de cinco municípios do Estado de São Paulo (Itararé, Marília, Pariquera-Açu, Santo André e São José dos Campos), durante seis meses (janeiro a março e maio a julho de 1992), utilizando os dados de documentos hospitalares (prontuários e livros de registro). Ao compararem a DN ­ Oficial com a DN ­ Nova, encontraram coincidência acima de 90% para a maioria das informações.

Em nossa análise verificamos que a maior porcentagem de concordância ocorreu nas seguintes informações:

• data e hora do nascimento e nome da mãe (98,6%), pois constituem-se em dados de identificação, constantes nos prontuários;

• função do responsável pelo preenchimento (98,5%), devido à obrigatoriedade legal para identificar o declarante;

• tipo de gravidez e município de procedência (98,2%) e sexo do recém-nascido (97,8%), dados de fácil obtenção e disponíveis nas fontes de informação utilizadas.

Mello-Jorge et al. (1996) avaliaram qualitativamente o preenchimento de 11 informações da DN, em 26 capitais e no Distrito Federal, no período de 1992 a 1994. Verificaram que os dados relativos ao sexo do recém-nascido, tipo de parto e de gravidez foram os que apresentaram preenchimento excelente, pois em nenhuma capital as proporções de ignorado/branco ultrapassaram 10%. Embora utilizando metodologia diferente, os resultados obtidos por esses autores reforçam aqueles encontrados na presente investigação.

O maior percentual de preenchimento diferente (DNC DNO) foi encontrado nas informações relativas ao:

• número de filhos tidos (32,6%), justificado pelo fato de não constar esse dado nos prontuários, em algumas instituições, apesar de ser relevante enquanto antecedente obstétrico;

• número de consultas pré-natal (30,6%), indica a subutilização do cartão da gestante, demonstrando a falta de integração entre os sistemas de informação da rede ambulatorial e hospitalar;

• grau de instrução da mãe (29,3%), pois a informação não estava disponível nas fontes de dados utilizadas para o preenchimento da DNO (prontuário e livros de registro);

• nome do pai (28,0%), devido aos problemas relativos à paternidade, principalmente em instituições que atendem a clientela do SUS.

Mello-Jorge et al. (1993) também encontraram diferenças no comportamento das informações relativas ao número de filhos tidos contidas nas declarações dos 5 municípios investigados, cuja discordância variou de 5,3% a 13,8%; a ausência de tais informações foi de 0,2% a 38,5%. Em relação à variável nome do pai houve uma heterogeneidade nas proporções de discordância nos municípios estudados, variando de 9,4% a 20%, dados justificados pela ausência da informação nos documentos hospitalares.

Na primeira avaliação dos dados brasileiros, Mello-Jorge et al. (1996) também encontraram deficiências no preenchimento da DN nas informações relativas ao grau de instrução da mãe e número de nascidos vivos. O baixo preenchimento sobre a escolaridade materna reflete, provavelmente, o fato de essa informação não constar nos prontuários e, portanto, requer realização de entrevista com a puérpera para sua obtenção. Os autores apontam ainda, a importância de melhorar as informações sobre paridade das mães, uma vez que o conhecimento da distribuição dos nascidos vivos, segundo a ordem do nascimento, é de interesse em demografia e epidemiologia pelo fato de estarem associadas ao nível sócio-econômico e à morbi-mortalidade.

As discordâncias encontradas em nosso estudo mostram a inconsistência de algumas informações sobre a mãe (número de filhos tidos e escolaridade), pré-natal e paternidade, merecendo uma maior conscientização dos profissionais responsáveis pelo preenchimento das DNs e envolvidos na atenção materno-infantil, já que se constituem em variáveis importantes para determinar situações de risco, em especial aquelas de origem social.

Quanto ao número de nascimentos ocorridos nos hospitais, observamos que foi heterogêneo, variando de 12 a 358. Do total de informações comparadas por hospital, a concordância variou de 84,6% a 97,6%; metade dos hospitais tiveram-na em proporção superior a 90%.

Discordância maior foi encontrada nas instituições B (15,4%), C (15,2%), A (12,1%), E (10,6%) e J (10,5%); nas demais a proporção foi inferior a 7%. Nos hospitais D, H e I a proporção de concordância entre as informações contidas nas DNC e DNO foi maior, sendo 97,6%, 95,4% e 94,1%, respectivamente.

Para melhor compreensão do tipo de concordância ou discordância entre as informações das DNC e DNO, descrevemos os dados de cada instituição.

Na instituição A, as informações que apresentam maior discordância referem-se a número de filhos tidos (11 das 17 DNs) e consultas pré-natal (8 das 17 DNs), em especial pelo fato de não constarem das anotações dos residentes contidas nos prontuários (ausentes na DNC e presentes na DNO), embora constituam-se em informações relevantes como antecedentes obstétricos.

O hospital B pertence à mesma instituição A, mas localiza-se em outra área geográfica do município; caracteriza-se por atender grande número de partos, geralmente pacientes do SUS, sendo responsável por 22,8% do total de nascimentos ocorridos no mês de julho de 1996. Discordância maior foi encontrada nas informações ­ nome do pai (150 das 201 DNs) e escolaridade materna (95 das 201 DNs). No primeiro caso, a divergência deveu-se prioritariamente pela ausência do dado na DNO e presença na DNC e, no segundo caso, o grau de instrução da mãe contido nas duas declarações eram diferentes.

Na instituição C ocorreram 12,8% dos nascimentos hospitalares do período de coleta. Os responsáveis pelo preenchimento das DNs são as auxiliares e atendentes de enfermagem do berçário. As informações que apresentaram maior proporção de discordância foram grau de instrução materno (105 das 123 DNs) e nome do pai (71 das 123 DNs), principalmente por estarem ausentes na DNC e presentes na DNO, não encontrando-se os dados nos prontuários e livros de registro do berçário.

No geral, a distribuição foi homogênea na instituição D, apresentando menor proporção de discordância. Nela, o preenchimento da DN fica sob a responsabilidade de um funcionário administrativo (secretária de enfermagem), exceto nos finais de semana, nos quais a enfermeira assume essa atividade.

Em relação à instituição E, discordância maior ocorreu nas variáveis pré-natal (65 das 102 DNs), em especial por estar presente o dado na DNC e ausente na DNO, e grau de instrução da mãe (26 das 102 DNs) por conter dados diferentes nas DNC e DNO.

Na instituição F o número de nascimentos é bastante reduzido, não atendendo clientela do SUS. Dentre as informações discordantes destacam-se: o grau de instrução da mãe (11 das 35 DNs) por estar preenchido diferentemente nas DNC e DNO (6) ou presente na DNC e ausente na DNO; o número de filhos tidos e idade materna (9 das 35 DNs) estavam preenchidos com dados diferentes nas DNC e DNO.

A diferença existente entre o número de nascimentos ocorridos (45) e as DNC e DNO comparadas (10) na instituição G deve-se às mudanças ocorridas na maternidade e à falta de receptividade dos profissionais, dificultando a realização da coleta de dados. Embora a amostragem seja reduzida, observamos que as informações mais discordantes referem-se ao número de consultas pré-natal e grau de instrução da mãe (3 das 10 DNs), estando presentes na DNC e diferentes ou ausentes na DNO.

A instituição H é a que atendeu menor número de nascimentos (12) ocorridos no mês de julho. Identificamos na escolaridade materna as informações mais discordantes (6 das 12 DNs) por estarem preenchidas diferentemente nas DNC e DNO.

A maternidade I é responsável pelo atendimento da maioria dos nascimentos ocorridos em Ribeirão Preto (36,9%), recebendo clientela conveniada e particular advinda de vários municípios da região. A maior freqüência de informações discordantes refere-se ao número de filhos (169 das 358 DNs), especialmente por estar presente na DNC e ausente na DNO, e de consultas pré-natal (74 das 358 DNs), sendo que a maioria estava ausente na DNC e presente na DNO por não se encontrar a informação nos prontuários.

Na instituição J as maiores divergências relacionam-se ao nome do pai (14 das 27 DNs) e grau de instrução da mãe (10 das 27 DNs), especialmente por estarem presentes as informações na DNC e ausentes na DNO.

A informação ausente em maior proporção, tanto na DNC como na DNO, na grande maioria das instituições, é o nome do pai do neonato. Tal fato pode ser justificável pelas questões relativas à paternidade, corroborando com os dados obtidos por Mello-Jorge et al. (1993) que encontraram uma proporção de 23,8% de ausência da informação devido à inexistência do dado nos prontuários utilizados para preenchimento das declarações de nascimento, interpretando a omissão dessa variável como o "...desejo de não identificar o pai...".

Embora o presente estudo tenha limitações decorrentes do tamanho amostral, os dados encontrados servem de subsídios para o treinamento específico dos profissionais e funcionários envolvidos no preenchimento das DNs, com vistas a assegurar a qualidade das informações, contemplando as especificidades de cada instituição.

Considerações finais

O presente estudo é o primeiro ensaio sistematizado de avaliação do preenchimento das declarações de nascimentos no Município de Ribeirão Preto.

A metodologia utilizada possibilitou-nos apreender que o fluxo de seu preenchimento é heterogêneo entre os 10 hospitais investigados, envolvendo, em alguns locais, somente os profissionais do berçário e, em outros, também os funcionários administrativos de outros setores.

Quanto à função do declarante que assina como responsável pelas informações, verificamos que varia do pediatra à escriturária, sendo que predomina o envolvimento da equipe de enfermagem, em especial das auxiliares e atendentes. Neste sentido, questionamos a qualificação destes profissionais para notificarem algumas informações clínicas que podem não estar disponíveis nos prontuários.

Considerando que a DN constitui-se em documento oficial para o provimento do registro civil de nascimento e a importância dos dados ali contidos para elaboração de estatísticas vitais e de programas e políticas sociais, acreditamos que seria oportuno a sua legalização enquanto fonte de dados e o estabelecimento de diretrizes do Ministério da Saúde acerca da obrigatoriedade do médico como declarante, à semelhança do ocorrido com a Declaração de Óbito, pelo menos nas localidades e instituições onde este profissional está disponível para assistência ao parto.

A indicação da DN como fonte promissora de dados tem sido apontada por alguns autores, sendo reforçada no presente estudo ao verificarmos que, no Município de Ribeirão Preto, houve consistência no preenchimento de seus dados.

Encontramos concordância elevada entre as informações preenchidas pelos declarantes dos hospitais (DNO) e aquelas coletadas dos prontuários maternos e neonatais e livros de registro dos berçários (DNC). Metade das instituições investigadas e 13 das 18 variáveis processadas das DNs apresentaram concordância acima de 90% do total das informações (DNC = DNO).

As discordâncias (DNC DNO) ocorreram principalmente em relação às informações sobre o número de filhos tidos, consultas pré-natal, grau de instrução da mãe e nome do pai. Tais distorções poderiam ser minimizadas se houvesse uma maior articulação entre os diferentes níveis de atenção mediante um fluxo eficiente das informações perinatais, com vistas a assegurar a continuidade e integralidade da assistência.

Urge, portanto, a otimização do uso dos sistemas de informação já existentes, como o cartão da gestante e da criança e a Declaração de Nascidos Vivos, pois os dados processados pelo Sinasc poderão subsidiar programas sociais de intervenção regional e local com busca ativa da clientela de alto risco.

Todavia, para maior confiabilidade das informações é relevante a avaliação periódica do sistema, o treinamento do pessoal que fornece os dados e o retorno sistemático das informações consolidadas às diversas instâncias, para que instrumentalizem a tomada de decisão dos gestores de saúde em diferentes níveis, seja na unidade básica de saúde, hospital, distrito de saúde, município, estado ou federação.

Ensaios desta natureza deveriam ser realizados periodicamente, sob a coordenação do setor responsável pelo processamento e controle do Sinasc com vistas a apontar e corrigir possíveis inconsistências dos dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 1999
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