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Alfabetizando o corpo: o pioneirismo de Hortênsia de Hollanda na educação em saúde

Literacy embodied: the pioneering work of Hortênsia de Hollanda in health education

ENTREVISTA INTERVIEW

Virgínia Schall

1 Centro de Pesquisa René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Augusto de Lima 1715, Barro Preto, Belo Horizonte, MG 30190-002, Brasil.

2 Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde, Departamento de Biologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil 4365, Rio de Janeiro, RJ 22045-900, Brasil.

Alfabetizando o corpo: o pioneirismo de Hortênsia de Hollanda na educação em saúde

Literacy embodied: the pioneering work of Hortênsia de Hollanda in health education

A educação em saúde teve seu desenvolvimento no Brasil associado às campanhas de controle das grandes endemias infecto-parasitárias. Caracterizada desde o início por uma pedagogia higienista e uma prática de orientação vertical, encontrou, na década de 50, uma nova abordagem e uma mudança radical de procedimentos mediante a atuação de Hortênsia Hurpia de Hollanda no Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU). Neste, ela abriu espaço para a participação da comunidade, num enfoque ambientalista e integrador, avançado e pioneiro em seu tempo, e, até hoje, por poucos alcançado. Seu trabalho chegou mesmo a ser comparado pelo psicanalista e professor Célio Garcia ao de Paulo Freire. Enquanto este desenvolvia uma forma inovadora de alfabetizar para a vida através das palavras, Hortênsia também construía com as populações de áreas endêmicas um saber para a vida, através da leitura do corpo, conduzindo à compreensão das relações entre a saúde e o ambiente. Educadora desde a década de 40, Hortênsia introduziu nas campanhas do DNERU uma nova mentalidade, recebida com resistência na área da saúde, comandada até então exclusivamente por médicos que dirigiam os programas no País, cujas ações eram centradas na distribuição de medicamentos e informações básicas padronizadas de alcance limitado.

Destacar a importância de Hortênsia de Hollanda para a educação em saúde é recuperar a memória da trajetória e construção dessa área no Brasil, à qual ela se dedicou durante cinco décadas, produzindo uma revolução silenciosa, atestada menos estatisticamente, e muito mais por cada um dos inúmeros personagens invisíveis das grandes áreas endêmicas, que vivenciaram melhorias em sua saúde e qualidade de vida.

A abordagem humanista e humanitária que ela imprimiu à educação em saúde tem suas raízes no exemplo de seu pai, Horácio Hurpia Filho, médico, a quem acompanhava em consultas voluntárias em hospitais e comunidades desfavorecidas, assistidas por ele em suas folgas de fins de semana. Como conta: "Sua capacidade para ouvir as queixas dos doentes, vontade de compreender as situações geradoras de doenças, penetrar na raiz dos fatores antes de intervir, mostravam um comportamento profissional que me marcou profundamente, associado ao respeito e solidariedade ao sofrimento do povo humilde". Estas foram atitudes que marcaram a sua prática.

Nascida em 26 de maio de 1917, na cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul, Hortênsia fez sua formação básica em Belo Horizonte, o secundário e colegial no Rio de Janeiro, onde também concluiu dois cursos universitários: um de Língua e Literatura Anglo-Germânica, na Faculdade de Filosofia, em 1941, e outro de Nutrição, na Universidade do Brasil, em 1949. Especializou-se em Saúde Pública e Educação em Saúde na Universidade do Chile (Escuela de Salubridad), em 1950, tendo feito mestrado em Public Health and Education, na Universidade da Califórnia (University of California), em Berkeley (1952). Além disso, participou como aluna ou como professora e conferencista de muitos outros cursos e seminários de Psicologia da Educação, de Saúde Pública e Educação em Saúde, no Brasil e em vários outros países.

Sua carreira inclui cargos e atividades docentes em diversas instituições nacionais e internacionais. De 1949 a 1955, foi assistente técnica da Divisão de Educação Sanitária do Serviço Especial de Saúde Pública da Fundação SESP (Serviço Especial de Saúde Pública), Ministério da Saúde. A partir de 1954, passou a formular e orientar programas de educação em saúde para o DNERU, onde, pioneiramente, formou e coordenou equipes multiprofissionais, integrando as áreas de epidemiologia, psicologia, educação, ciências sociais e clínica médica, dedicadas a assessorar as pesquisas e planejamento de programas, com o objetivo de inovar/reformular concepções e ações de controle das endemias rurais no Brasil. Em 1963, foi contratada como Health Education Officer pela South Pacific Commission, atuando em vários países e territórios da Melanésia, Polinésia e Micronésia, em diferentes programas. Como representante daquela Organização, participou de diversas reuniões técnicas internacionais relacionadas ao controle da malária (Ilhas Salomão, 1963), ao combate à tuberculose (Nova Caledônia, 1965), sobre urbanização e saúde mental nas sociedades tradicionais (Nova Caledônia, 1965) e sobre organização de serviços de saúde nas áreas subdesenvolvidas (Filipinas, 1966). Foi consultora da Organização Mundial da Saúde (1968/1969), para programas no México, Costa Rica, Honduras, Guatemala, Paraguai e Argentina. De 1970 a 1977, foi assessora e diretora da Divisão Nacional de Educação Sanitária do Ministério da Saúde, sendo também consultora de secretarias de saúde de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Pará e Bahia, coordenando e orientando programas de educação em saúde.

A convite de diversas instituições internacionais, Hortênsia participou de estudos e observação de programas sobre esquistossomose e malária na Itália, Sudão, Uganda, Tanzânia e Egito, como fellowship da World Health Organization - WHO (1958); sobre planejamento e avaliação de materiais educativos para a saúde em Washington, Atlanta, Chicago, Nova Iorque, como bolsista da USAID (1960); sobre o problema do fumo, pela American Cancer Society, Nova Iorque (1973); sobre materiais apropriados às populações rurais e desenvolvimento de recursos humanos, em Londres (1977).

Em paralelo à sua atuação ampla na prática da educação em saúde, Hortênsia realizou pesquisas, algumas das quais com financiamento do CNPq, como um projeto executado em Capim Branco, Minas Gerais (1974/1975), área endêmica de esquistossomose, onde avaliou estratégias multidisciplinares de controle, investigando os modos de ver a realidade e se expressar sobre os problemas de vida, saúde e trabalho de uma população rural. Foi também responsável por um projeto de pesquisa realizado em áreas rurais (CNPq, 1977), com o objetivo de desenvolver materiais audiovisuais com a participação das populações locais. Como coordenadora do projeto: Elaboração e Experimentação de Novos Materiais para o Ensino de Saúde (convênio MS/DNES - MEC/PREMEN), organizou, em colaboração com outros pesquisadores/educadores, o livro: Saúde como Compreensão de Vida, fruto de um trabalho de construção de texto com a participação dos professores e comunidades envolvidas, caracterizando-se como uma iniciativa inédita que resultou em uma publicação fundamental para a educação em saúde. Publicou outros documentos e participou da elaboração de muitos outros materiais educativos relativos à educação em saúde voltados para o controle e prevenção de doenças como: esquistossomose, doença de Chagas, hanseníase, dentre outras. Recentemente, em reconhecimento a seu trabalho, foi homenageada na II Conferencia Latino-Americana de Promoción Y Educación para la Salud, em Santiago, Chile (1996).

Entrevistar a Professora Hortênsia de Hollanda foi uma oportunidade de encontro humano dos mais significativos e de aprendizagem, pelo exemplo de uma vida dedicada à carreira; pela coerência de uma atitude profissional que busca compartilhar, construir junto às pessoas envolvidas, com um embasamento teórico sempre atualizado e enriquecedor; pelo comprometimento com o avanço do projeto de uma sociedade mais justa e igualitária; pela forma de conduzir a sua ação, firme, corajosa, ousada, exercendo a sinceridade, necessitando por vezes ser dura na franqueza, mas dando primazia ao diálogo, privilegiando sempre o escutar. Assim, a seguir, apresento alguns momentos extraídos dos diversos encontros realizados durante os meses de maio a julho de 1997, no apartamento de sua família, no Rio de Janeiro, não havendo possibilidade de espaço, assim como intenção, de apresentar um retrato abrangente da obra e da vida de Hortênsia de Hollanda. O foco da seleção foi orientado pela temática deste número da revista, a educação em saúde, ficando, portanto, para próximas oportunidades o resgate de tantos outros belos e ricos aspectos de sua vida e de sua contribuição à saúde pública em nosso país e no exterior. Produzimos, ainda, um documentário em vídeo, no qual depoimentos de alguns pesquisadores que com ela colaboraram em momentos diversos, como: Angelina Garcia, João Carlos Pinto Dias, Edith Mata Machado, Célio Garcia, Cornelis Van Stalen, Mônica Meyer e Paulo Rogedo, entrelaçam-se, compondo um verdadeiro painel analítico da significativa contribuição da Professora Hortênsia e da própria trajetória da saúde pública no Brasil, mais especificamente da educação em saúde a partir dos anos 50 até nossos dias.

Schall A senhora poderia nos falar um pouco sobre a sua opção pela educação em saúde?

Hollanda Parte fundamental deste processo localiza-se em minha infância e adolescência e precede a cronologia da minha especialização em assuntos educacionais na área da saúde. Primeiro vem o meu pai. A ele devo o desenvolvimento de atitudes que estiveram no cerne da minha formação profissional. Sua capacidade de ouvir as queixas dos doentes, vontade de compreendê-los, penetrar na raiz dos fatores antes de intervir, mostravam o comportamento profissional que me marcou profundamente. Isto foi realmente muito importante na minha vida. Ele aproveitava o tempo que tinha livre para ajudar as freiras na Santa Casa ou ele ia com elas para identificar os casos mais sérios, buscando sempre compreender a relação da doença com os fatores do ambiente, com o modo de vida. Nessa época, eu tinha entre dez e treze anos, era a filha mais velha, e ele me levou junto muitas vezes. Ele sempre trabalhou voluntariamente. Então, depois de seu trabalho no Exército, ia para a Santa Casa, dava uma ajuda aos casos mais importantes, discutindo-os e trocando informações com as Irmãs de caridade, com simplicidade e simpatia. Com a intenção de conhecer melhor o ambiente onde viviam seus pacientes, ia visitá-los em suas casas ou em seus locais de trabalho. Nas conversas com as pessoas da família, ia descobrindo o modo de pensar e conduzir a vida (os hábitos, crenças etc.). As suas explicações eram simples, como eram simples as pessoas que ele queria ajudar. As mães sempre perguntavam qual seria o remédio para seus filhos. Ele respondia que não era falta de remédios e sim de comida com os elementos necessários para a saúde. Elas respondiam que davam comida, mostrando em sua mesa os alimentos. Ele perguntava: "O que você dá de amarelo? E de verde?" E assim ia ensinando a compor uma alimentação variada com o que havia de disponível na região, como se fosse um ramo de flores e de folhas, de cores variadas.

S Traduzindo em cores para as pessoas entenderem...

H E ele dizia - Isso é muito bom, a abóbora, a batata, a cenoura, todos são alimentos muito bons.... Não me lembro mais o que ele colocava para cada um porque também ele variava conforme a casa... e eu acho que isso foi mais importante para mim do que qualquer curso universitário. Ah! e outra coisa que ele fazia, era muito interessante, ele ia desenhando. Ele ia explicando e ia desenhando, esses desenhozinhos lineares... não deixava sem dar uma explicação do porquê de cada problema. Pegava uma folha de papel qualquer, desenhava e deixava lá com eles.

S Um esquema para lembrar. E a senhora faz isso muito. Eu me lembro de um dos cursos em que nós a convidamos para dar uma aula aqui na Fiocruz, em 88. Está até registrado num vídeo, a senhora está conversando com as professoras e fazendo o esquema no quadro, junto com elas, com as palavras delas, montando um significado compartilhado. Muito interessante!

H Eu acho que é muito melhor você seguir o caminho das pessoas, muito mais fácil para elas mesmas reconstruírem as suas concepções e fazeres.

S A senhora citaria ainda outras pessoas?

H Houve muitas outras pessoas que me impressionaram pelo seu saber e a sua preocupação com a educação das novas gerações. Uma delas era a D. Cacilda Martins, uma mulher muito inteligente, com uma vida muito ativa; seu marido havia sido o Secretário Geral do Itamaraty, no tempo do Barão do Rio Branco. Ela era diretora da Fundação Osório, onde eu estudava, uma educadora exemplar, sempre à procura de inovações que melhorassem a qualidade da nossa formação. Costumava convidar artistas e cientistas que pudessem nos oferecer uma visão mais ampla da vida. Entre as pessoas que ela convidou, destaco a importância do contato com o professor Lutzelburg, de Heidelberg, Alemanha. Ele havia sido convidado pelo governo brasileiro para estudar o problema da seca do Nordeste, numa área antes ocupada por florestas de carnaubeiras. Seus estudos estão em documentos que se encontram no Instituto Aggeu Magalhães, em Recife. Suas lições de ciências e botânica guiavam a nossa observação para o meio ambiente. O Lutzelburg era uma figura. Ele saía da Academia de Ciências, vinha com seu fraque nos dar aulas. Não para lecionar apenas, mas nos levava para um morro que havia atrás do colégio, onde estimulava a nossa observação para o meio ambiente, o clima, animais, plantas... era uma coisa linda.

S E como foi o início da sua vida profissional?

H Comecei a trabalhar na Campanha Nacional pela Alimentação da Criança, aos 16 anos, logo depois de sair do colégio, atendendo a um convite de um professor, filho da nossa diretora, a D. Cacilda. Era um ótimo professor, formado na Inglaterra, com uma formação em História e Filosofia, o que influenciou a minha decisão. A esta época eu também havia sido convidada para um cargo no Itamaraty, mas escolhi a área de Saúde Pública. Eu sempre fiz opções pela parte mais dura, mais difícil e sem recursos. A pobreza da população condicionava quadros de saúde de difícil solução. Bem, havia carência de material e de pessoal, mas eu era a faz-tudo ali dentro: batia máquina, fazia tradução, era bibliotecária e arquivista. Com o pouco de inglês que tinha aprendido, ajudava na tradução dos textos. Era ainda datilógrafa da correspondência do diretor, cujo estilo me encantava. Eu recordo que em uma das cartas para um médico do Maranhão, eu nunca vou esquecer, ele dizia assim: "Aqui estamos. Os problemas são muitos, os recursos poucos. Por enquanto, a gente só tem utilizado o verbo enquanto a verba não saí". Nunca esqueci desta frase.

Depois, já casada, eu vivi um ano em Portugal e, em seguida, cinco anos no Paraguai. Foi no Paraguai que comecei a fazer um pouco de educação em saúde, ao invés de fazer só puericultura, o que não fazia sentido para aquelas meninas do curso primário. Naquela ocasião, eu comecei a fazer algumas experiências práticas com as alunas, preparando e fazendo refeições juntas para estudarmos os processos de nutrição. Depois retornei ao Brasil, tendo sido convidada por um pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, o Manoel Ferreira, para trabalhar na Fundação SESP. Foi lá que eu recebi o convite para trabalhar na área de educação sanitária. Antes de começar, eles me enviaram ao Chile para fazer um curso de introdução a este novo campo. Foi a minha primeira entrada num trabalho que me ocupou muito, que me apaixonou, não a educação sanitária em si, aquela que me ensinaram lá no Chile, porque eu sou muito crítica. Fui compondo uma educação sanitária com alguma coisa que eu tinha no começo, a concepção de ambiente como algo fundamental à saúde, compreender como você está vivendo num ambiente. Eu nunca fui, assim, daquelas de pensar que as pessoas podem mudar seu comportamento, só porque alguém disse ou informou alguma coisa. Eu achava tudo isso, assim, absolutamente sem sentido, não tinha nada com a realidade. Então, aí, eu fui fazendo a minha educação sanitária. Alguns me diziam: "Isso aí não é educação sanitária". Mas as pessoas que eram mais abertas na saúde pública ficavam encantadas com a minha abordagem de educação sanitária e buscavam esta integração em seus programas. Por exemplo, Samuel Pessoa foi uma pessoa que me estimulou muito, ele queria que eu estudasse Medicina, para poder falar do alto da medicina.

S A senhora ficou muito tempo na Fundação SESP? Fale-me um pouco do seu trabalho lá e no DNERU.

H Fiquei na Fundação SESP uns quatro anos. Através da Fundação, organizei e realizei um curso de oito meses para todos os professores de higiene e puericultura das escolas normais. Foi em 47. Esse trabalho baseou-se na idéia de Manoel Ferreira, de que a Educação Sanitária devia-se fazer na escola, pelos professores que já existiam, que eram os de puericultura e higiene. Nós fizemos, demos uma formação. Mas isso pode não ser tão eficiente, se a escola não tem um entrosamento com a comunidade e com os serviços de saúde, porque muitas coisas vão se chocar no caminho. Depois fui para o DNERU. Naquela época, houve uma carga muito grande de recursos para as endemias rurais por causa da malária, pelo sucesso no processo de combate que era tradicional, quase uma guerra. Eles realmente conseguiram controlar a malária com o DDT. E assim, aumentaram muito os recursos para a malária, enquanto outras doenças foram crescendo, crescendo, como hoje ainda... A cada hora olham só para uma doença e as outras vão aumentado. Há uma tendência a focalizar a doença, sem preocupação maior com a situação total que a está determinando. Foi nessa ocasião que a esquistossomose começou a chamar a atenção e os técnicos que lidavam com isto, inclusive o Samuel Pessoa, diziam: "Isto é terrível, você ver os recursos todos irem para o DDT". Mas o DDT não matava caramujo. O interesse pela esquistossomose começou a crescer e a necessidade de se fazer alguma coisa, porque a própria malária ia perdendo o seu prestígio. Pegaram, então, o modelo da malária e aplicaram à esquistossomose, como uma cópia, só que, em vez de ser o mosquito, era o caramujo. As substâncias químicas eram diferentes, mas usavam a mesma estratégia.

S E como foi sua participação no controle da esquistossomose?

H Foi através do Mário Pinotti que era um homem muito inteligente e ousado. Certa vez, encontrou-se comigo num jantar, em que estava o Carlinhos Chagas. Os dois conversavam sobre problema da esquistossomose e da necessidade de incluir a educação sanitária nas ações de controle. Nisso, o Carlinhos Chagas disse assim: "Conheço uma moça que é especialista em Educação Sanitária". Aí, o Pinotti perguntou: "Onde eu vou encontrar essa moça?" O Carlinhos disse assim: "Está aqui ao seu lado, eu a conheço através de sua atuação na área de Educação em Saúde". E ele imediatamente me perguntou sobre a experiência que eu tinha. Eu disse: "De esquistossomose nada, só vi um filme que estão fazendo lá na Fundação SESP, mas tenho feito muitos outros trabalhos de campo". Ele quis saber como eu costumava fazer o trabalho de campo e eu expliquei: "Eu busco o conhecimento da situação, vou para o campo para conhecer o que está acontecendo, tanto do ponto de vista das pessoas que estão sendo atacadas pela doença, quanto por toda a condição ambiental que está favorecendo a transmissão. Começo sempre por aí". Ele ficou interessado e falou assim: "A senhora poderia ir lá no Departamento?" Lá funcionava o serviço de combate das endemias rurais, onde me apresentaria à equipe técnica. Compareci ao encontro e ele me convidou logo para começar. Me perguntou: "A senhora pode viajar?". Eu disse: "Hoje? Já são duas horas da tarde". Ele explicou: "Sim, há um avião que sai à meia noite para Recife". Eu respondi: "Posso tentar falar com minha mãe para que ela fique com meus filhos e ver se ela pode me fazer uma mala". Não dava nem tempo para ir em casa, pois ainda tinha que pegar todo o material necessário para a viagem. E foi assim, uma loucura. Ele chamou um médico dentre seus assistentes e disse: "Você vai acompanhar a Dona Hortênsia para colocá-la em contato com as equipes das áreas onde estão sendo desenvolvidos os trabalhos de levantamento e controle." Não havia como adiar.

S E como foi a viagem?

H Saí para uma viagem de dois meses, pelo Nordeste, observando todos os problemas já decorridos, porque não era só a questão de observar as relações da população com os caramujos, era ver o trabalho que já tinha sido feito, ver os fracassos constatados e as suas razões.

S A senhora estava fazendo um diagnóstico.

H Era, eu fui mesmo para ver e planejar o que fazer em termos de educação sanitária no combate, pior é que eu não tinha experiência e nem informação teórica sobre a esquistossomose.

S A senhora foi colocada do dia para a noite nesta área.

H Eu ponderei: "Eu preciso entrar em contato com as pessoas que conhecem bem o problema". O próprio Dr. Pinotti me deu sugestões: procurar o Frederico Simões Barbosa e seus colaboradores, no Instituto de Pesquisas Aggeu Magalhães. Fiquei muito tempo com eles, saía com um médico que eles indicaram para ver todas as crianças hospitalizadas, fui conhecendo, conversando, perguntando, falando com a população.

S Quer dizer que a senhora andou por ali, não só em Pernambuco; foi em mais de um estado, viajou por toda a área do Nordeste?

H Foi toda a área endêmica. Fiquei dois meses, acho. Depois ainda desci para o Espírito Santo, onde havia também uma região endêmica. E por aí fui, quando voltei, eu convoquei uma reunião grande para relatar o que tinha visto e ouvido. Um dos fatos que me impressionou era que o planorbicida estava sendo aplicado sem prévia informação e consulta à população.

S E como a senhora encaminhou o trabalho daí por diante?

H Nessa ocasião, eu havia recebido o convite para pensar em uma estratégia para a esquistossomose. Isso me despertou um interesse enorme, porque eu vi os erros logo de início, quando fui para o campo pela primeira vez. Eu estava na Fundação SESP e, através do convite do Pinotti, comecei a visita ao campo; como já disse, percorri quase toda a área endêmica, no Nordeste, Minas, Espírito Santo. Nisso, o Samuel Pessoa estava fazendo uma série de experiências para entender as relações entre as condições do ambiente que favoreciam as espécies de caramujos vetoras e as características da patologia. Ele era engraçadíssimo, eu gostei muito. Propus ao Professor Samuel reunir a sua experiência e o nosso projeto de educação em saúde para a população de Mandacaru, na Paraíba. Era uma área próxima a João Pessoa, no Varjão, uma vasta área rural, onde quase toda a população estava infectada, os índices eram altíssimos. Trabalhavam também por lá o Rodrigues da Silva, que estudava Clínica, o Aluízio Prata, que estudava Biologia, e eles queriam que fossem incluídos os guardas e fatos de interesse para as suas áreas de pesquisa. Lá, eu havia treinado umas moças para fazer um trabalho de educação sanitária, diferente do 'modelão' tradicional. Era um treinamento não para ficar indo de casa em casa fazendo perguntas, mas para considerar o ambiente - quando eu digo o ambiente eu penso no meio social, nas relações sociais, na pobreza, nas condições de habitação, essa coisa toda. E aí eu incluo um fator muito importante, o das relações da população com a equipe técnica, com os médicos. Os médicos eram, naquela época, muito autoritários, esse era outro problema que eu me propus a estudar e ver como resolver. Além disso, havia acusações sobre problema de verba vinda dos EUA através de um convênio que ficou conhecido como Ponto Quatro. Era um convênio feito entre o governo brasileiro e o governo americano, e o item número 4 era a parte referente à educação, ao dinheiro para o material educativo, o que não casava bem com o meu modo de pensar e de outras pessoas que trabalhavam comigo, preocupados mais com a parte social do problema. Outra dificuldade que enfrentamos foi com os chefes de serviço das chamadas circunscrições, que viam com maus olhos a presença de mulheres. Mas eu sempre procurei realmente dialogar. Nunca fomos lá dizendo: "Vocês estão errados, nós é que sabemos", a gente procurava dialogar. E assim o trabalho começou a dar 'ibope', vinha gente para ver, para conhecer.

S Em relação às atividades de controle da esquistossomose, a senhora não apenas realizou experiências pioneiras, mas fez avaliações de programas financiados pelo Banco Mundial, assim como deu consultoria para diversos grupos em diferentes regiões brasileiras e até estrangeiras, como na África. Fale um pouco destas experiências.

H Tem o projeto do Vale do Ribeira, do qual fui consultora. Eu trabalhava no Rio de Janeiro e, como era perto, ia numa camioneta até o Vale e lá eu me integrava nas comunidades, principalmente com o grupo de médicos. Pelo Banco Mundial, fui responsável pela avaliação de um programa do Vale do Paraguaçu na Bahia. Eu ficava em Salvador, na Secretaria de Saúde. De lá, viajava aos locais onde funcionavam os postos de atendimento. Havia muita resistência ao trabalho de supervisão por um técnico de fora. Eu tinha um salário independente dos salários deles, pago pelo Banco Mundial; além disso, estava ali para avaliar um trabalho deles. Colocavam muitas dificuldades para as viagens de supervisão, nunca havia dinheiro, nem gasolina etc. Eu disse: "Se é uma questão de dinheiro, eu posso pagar as diárias de vocês" - e finalmente saí, nesta disposição de financiar um pouco dos gastos deles. Mas houve, assim, uma rejeição. Vem uma pessoa de fora nos mostrar o que tem que fazer e ainda nos paga uma diária... . Era uma situação delicada, muito delicada. Fiquei muito aborrecida quando eles pegaram o meu relatório e praticamente fizeram uma mudança, não no conteúdo, mas na forma, e distribuíram pelo país todo como trabalho deles. Mas eu tinha feito a minha cópia e mandei uma cópia para eles, deixei uma no Ministério e mandei para outros grupos com quem eu também trabalhava, como o do Vale do Ribeira e outro no Rio Grande do Sul, na Secretaria de Saúde, em Porto Alegre. Lá, eles me disseram assim: "Ué, esse trabalho aqui não é seu?". Eu disse: "Não exatamente este, mas foi calcado provavelmente no que eu fiz..." . Mas era igual, igual. As coisas assim, eu acho que são problemas mais individuais. Não considero que tenha sido problema da instituição, mas de pessoas que estavam lá. Pensando melhor, poderia ser feito de outro jeito, uma avaliação conjunta e não por alguém que vem de fora.

S A senhora está colocando com clareza que a própria dinâmica de funcionamento dos programas é mal organizada nesse sentido, já que, depois de implantado e custeado durante meses ou anos, os resultados são mínimos. Aí, a instituição financiadora envia uma pessoa de fora para avaliar. Esta situação não é aceita pelo grupo e eles não cooperam com a análise a ser feita.

H Eu penso que seria realmente necessário fazer um seminário com o grupo já existente, que está na lida diária, no curso do projeto, quando ele está acontecendo. Aí, vem o especialista, que tem uma experiência diferente e faz um seminário. Eu tentei isso algumas vezes, algumas pessoas gostaram muito, se interessaram, mas havia sempre os clãs, as 'panelas'.

S E questões políticas?

H Eu estava um pouco por fora da questão política. Era no tempo que era governador da Bahia o Antônio Carlos Magalhães. Foi uma época muito complicada porque estava sendo feita uma mudança na estrutura dos serviços, tanto na Bahia, quanto nos outros estados, e era realmente uma coisa de política - micropolítica. Eu sempre fui um pouco avessa a me meter nessas coisas, sabe! Para mim foi a primeira vez que me puseram em uma situação dessas, de avaliar o trabalho de um grupo de profissionais e principalmente da execução feita por um grupo que era considerado muito bom, que era o grupo das enfermeiras, que, no entanto, era muito complicado. Este eu não podia dizer que era bom...

S E as outras consultorias? Fale de alguma que a senhora considera mais significativa.

H Tem uma experiência em Minas Gerais, solicitada pelo Ministério da Agricultura, num órgão com sede em Lavras, um serviço de extensão rural. Em geral, eles me pediam uma coisa e eu chegava com outra. Eles sempre queriam algo pronto e eu vinha com outra coisa. Houve um encontro de médicos sanitaristas na região. Eu tenho até uma carta deles, dos médicos, que é, assim, uma coisa linda, acompanhada de um resumo das palestras proferidas no encontro. Eles me pediram para dar assessoria e ensinamentos para o grupo de auxiliares que trabalhavam com a população no dia-a-dia. Durante a reunião, eles não esperavam ouvir nada daquilo; eu percebi logo que eles estavam meio perdidos, ali, naquele interior, sem nenhuma visão do que era educação, do que era lidar com outras idéias, com outros modos de pensar, então, parti daí e redirecionei a minha apresentação. Eu posso até levar alguma coisa, mas eu não preparo. Eu pego sempre um dos assuntos e faço daquilo um trabalho com eles para ver como as idéias podem ser mudadas, qual é o processo, em função não deles próprios, mas da população com que eles lidam. Então, faço desenhos para expor a percepção... eu estava naquela época muito interessada pelos problemas de percepção.

S A senhora fez um curso que abordava tais questões, nos EUA, naquela época, não foi?

H Fiz um curso de Ecologia. Quando estava nos EUA, o programa que me deram era quase todo comportamental e então resolvi fazer matérias eletivas. Fiz o curso de comunicação social, no qual havia uma abordagem diferente. Havia dois professores, um deles sugeria sempre partir do que a pessoa sabe e trabalhar com aquilo - esta era a abordagem que estava habituada e a que eu gostava mais. Esta foi a abordagem que utilizei, lá em Minas. Eu peguei alguns exemplos do que eles fizeram e do que poderiam ter feito, com coisas concretas para eles. Ah! Eles gostaram demais...

S É que eles deviam estar acostumados com aquelas palestras prontas, apresentadas como esquemas de conhecimentos teóricos; e a senhora inovava, através de uma estratégia de interação, não é mesmo?

H Exato. E isso é tão importante! Foi inegavelmente o ponto alto daquele nosso modesto esforço no sertão. A Secretaria de Saúde nunca tinha dado para eles, médicos, a oportunidade de pensar sobre o que estavam fazendo, e o que aquilo significava para os outros e para eles mesmos.

S Era um curso de reflexão mesmo?

H Era. Nesses eu provocava reflexão. O que isso podia estar significando não só para eles médicos, mas para as pessoas a quem eles se dirigiam. O que aquilo significava? E então íamos construindo uma discussão e... você sabe... era uma pobreza, não havia recursos.

S Era como se fosse uma prática não refletida, não era auto-avaliada; assim, como não tinham nem interlocução, ficavam sozinhos...

H Havia uma carta em que eles diziam que estavam ali abandonados mesmo, há não sei quantos anos. Se eles (secretaria/governo) abandonam os seus profissionais, como é que vão fazer educação? Dá para entender?

S É verdade..., é que as iniciativas ficam apenas no papel...

H Ah! mas eu não sei... vamos pensar... .Você não acha..., você, por exemplo, tenho certeza que onde você passar você abre um horizonte.

S Pelo menos eu tento... . Mas como fazer brotar isso?

H Isso tem que começar da escola ainda secundária, primária.

S É um terreno que se deve fertilizar desde cedo. O problema é que a escola, desde a primária, tem um nível de exigência muito enquadrado. Já a sua abordagem, a sua palavra, vem e traz a possibilidade de que registros possam ser quebrados, possam ser reconstruídos. E eu acho que falta mais esse terreno, essa contribuição, e é aquilo que a senhora falou, às vezes, quando se faz isso, corre-se o risco de enfrentar uma certa oposição de pessoas que estão mais estabelecidas.

H Nem todos, tem gente que não, tem gente que aprecia... por exemplo, uma pessoa que estava fazendo uma revisão de um relatório de um congresso, embora insistisse em me descrever como epidemiologista e não como uma educadora. Ele afirmava: "Você é uma epidemiologista". Eu dizia: "Eu gosto da epidemiologia mas não sou uma epidemiologista". Então, ele foi elaborando o rascunho... foi engraçado... Primeiro ele me enquadrou como relatora do tema, mas todo o objetivo dele era me botar na carreira de epidemiologista. Isso aconteceu no Congresso Internacional de Malária e Medicina Tropical realizado em Lisboa em 58, que reuniu sanitaristas do mundo inteiro. Foi a primeira vez que a educação foi incluída, tendo o relator escrito: "...em decorrência dos trabalhos de educação no combate às doenças tropicais realizados no Brasil sob orientação de Hortênsia de Hollanda, conforme ofício e convite enviado pelo Presidente do Congresso". Realmente, nos Congressos Internacionais, não tinha a parte de educação, durante muitos anos não teve e eu...

S A senhora foi pioneira em abrir este campo...

H É, eu tinha noção do que era preciso fazer, mas não tinha os recursos.

S Também porque a senhora estava começando a criar uma área nova, então era meio que estar criando uma nova demanda de recursos.

H Criando uma área sim, talvez fosse mais por aí.

S E esse foi o seu papel, como iniciadora nesse campo, até neste congresso.

H No último trimestre de 58, tornei-me consultora da OMS para observação do Instituto de Programas para erradicação da malária e controle da esquistossomose na África. Como no Brasil, introduziu-se no Serviço Nacional de Malária a preocupação com o estudo dos condicionantes sócio-econômicos e culturais das endemias, buscando novos enfoques na solução de problemas de colaboração nas atividades de controle (controle é o que mais interessava a eles). Iniciei meu trabalho em 54 com apenas duas assistentes; realmente era apenas eu e duas mocinhas que já tinham experiência em serviço e disseram que podiam me ajudar. Não ajudaram muito, mas em todo caso, durante algum tempo, elas trabalharam comigo. E tudo foi colocado por ele no relatório do congresso.

S E quem foi que fez esse documento?

H Foi..., ele já morreu, o Olímpio da Silva Pinto. Mas ele relatou muitas coisas que foram feitas e que eu não tenho escritas em outro lugar (cita também a ajuda que dei na capacitação para educação em Saúde Pública de assistentes sociais e extensionistas de outras instituições, como na Escola Nacional de Saúde Pública e na Faculdade de Higiene da Universidade de São Paulo).

S Prosseguindo em relação a sua contribuição para a educação em saúde, poderíamos falar um pouco da experiência de elaboração do livro ou manual: Saúde como Compreensão de Vida?

H Tudo começou porque todo mundo lá no Ministério queria ter material educativo, mas o que eles queriam como material educativo era assim: quadros, folhetos, estatísticas. E eu fiquei pensando: "De que adianta isso, se o professor não tem um esquema montado por ele próprio, através da sua experiência. Por que não fazer isso com os próprios professores?". E eu queria fazer um livro que refletisse a experiência de produção deste material com a ajuda dos próprios usuários do manual. E assim nós fizemos, eu acho que eu tenho escrito por aí; eu vou te dar.

S Por que começou em Minas Gerais? Foi em Belo Horizonte?

H Foi em Belo Horizonte sim, porque o pessoal de Belo Horizonte estava também interessado em fazer manuais. Tinha gente da universidade, das endemias rurais, pessoas que trabalhavam comigo. Nisso apareceu um novo programa de ensino, foi uma grande mudança, porque antigamente era assim, só ensinava higiene e tal, e a nova proposta era diferente.

S Foi dentro da nova Lei de Diretrizes e Bases, onde detalham melhor como é que a educação deve ser, e já incluem a educação em saúde.

H Eu não sei se eles chamaram educação em saúde, mas cabia.

S Eu acho que eles chamavam de programas de saúde.

H É isso, programas de saúde. Olha que cabeça boa você tem! Eram os benditos programas de saúde. Aí, nós conversamos no Ministério de Educação e pensei: "Por que não fazermos um trabalho com todos os interessados, com os Ministérios da Educação, da Saúde e com a ajuda e a orientação do pessoal de educação e saúde; que não fossem programas de saúde, mas realmente programas de vivência na área de saúde". Com isto nós começamos. Isso aconteceu em 72, por aí. Eu tenho aqui o livro, a primeira edição, que foi mimeografada, mas estava bem boa.

S E tinha uma capa diferente. Essa aqui já é uma publicação de gráfica? Tem uma ótima introdução.

H Sim, sugerindo estratégias pedagógicas com ênfase em atividades práticas para que o estudante se perceba, pense em sua vida e em seus atos. Como afirma o texto: "É um programa onde há preocupação com o que deve ser aprendido sobre saúde e como deve ser aprendido". Ao esclarecer a organização do manual e das situações didáticas a serem montadas para os alunos, os autores procuraram aplicar aos professores a mesma metodologia sugerida para os alunos. Esse é um ponto importante que nós achamos que tinha que ser assim. Para o professor poder realmente aplicar bem aquelas metodologias, ele tinha que vivenciar a aprendizagem com aquela metodologia.

S E ele próprio passar por ela.

H Há portanto uma circularidade inerente à proposta; o que se propõe é a aplicação de uma metodologia e isto se faz aplicando essa metodologia.

S É ideal e isso parte de uma experiência de vida.

H Quanto à interpretação proposta no manual, a simpatia é muito grande. Por exemplo, a constatação, por muitos outros professores, quanto à surpresa de verificar que os alunos sabiam mais do que o professor poderia imaginar e conseguiam agir com um certo grau de autonomia. Acho isso uma coisa muito bonita.

S Quando o professor dava voz aos meninos, ele percebia que eles sabiam até mais do que supunha.

H Porque eles já iam aprendendo sobre o processo de aprendizagem do aluno com aquela metodologia. Faltou, porém, um melhor entendimento do processo dos professores. Os professores parece que se sentiram hesitantes em avaliar o aprendizado, tiveram dificuldade para perceber a qualidade das operações mentais, os modos dos alunos exercitarem o raciocínio e a memória. Porque isso era inevitável, o professor estava diante de um processo que exigia realmente um conhecimento do processo psicológico que ele não tinha. Ele não estava preparado. Agora, creio além disso, que todo o manual poderia ser diagramado de forma mais clara.

S Mas a proposta de reeditar atualizando merece ser considerada.

No livro está registrada a essência de todo o movimento de vanguarda que a Profa Hortênsia imprimiu na educação em saúde, o que pode ser ilustrado pela transcrição de sua fala em um curso para agentes de saúde, abaixo incluída.

Lições da Profa Hortênsia em um curso para agentes de saúde

"Isso aqui era para um programa de treinamento de agentes locais de saúde e tinha que ter essas noções:

Nos trabalhos com comunidades, antes de começar a agir, conhecer é a primeira coisa, começar a ver, olhar... devolver aos moradores do bairro o que foi detectado na etapa anterior. Ver a saúde no contexto geral de vida e não começar logo com problema de saúde. Depois, ter boa comunicação na hora de conversar com as pessoas do bairro. Partir do conhecimento... do conhecimento das pessoas do bairro e não dos seus próprios conhecimentos. Isso era fundamental, porque a regra era partir do seu conhecimento (do professor). Aprender uns com os outros, devolver as perguntas das pessoas do bairro, não tentar dar respostas prontas. Isso era uma coisa que tinham realmente... eles tinham que ser mais participativos.... Dar tempo para as pessoas pensarem é importante quando discutir os problemas do bairro, juntar o maior número de pessoas do bairro; o agente não deve se afastar das pessoas do bairro... e fazer conexões a partir dos problemas do dia-a-dia das pessoas do bairro. As melhores formas de conhecer bem os problemas das pessoas são: visita nas casas, reuniões do bairro, pesquisas, conversas descontraídas sem perguntas prontas, não deixar anotações atrapalharem a conversa, procurar fazer trabalhos em grupo, devolver ao bairro a resposta do levantamento do problema, depois tentar resolver juntos os problemas, escolher o que fazer em cada momento. Então é isso..."

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a valiosa colaboração da coordenadora da área de Educação em Saúde do SESC Nacional, Profa. Bernadate Lobato, que cedeu o currículo da Profa. Hortênsia, por ela organizado, o qual foi uma importante fonte de dados e um guia para a entrevista.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    1999
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