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O uso irracional de medicamentos e a farmacovigilância no Brasil

Irrational use of medicines and the pharmaceutical surveillance system in Brazil

CARTAS LETTERS

Paulo Sérgio Dourado Arrais 1

O uso irracional de medicamentos e a farmacovigilância no Brasil

Irrational use of medicines and the pharmaceutical surveillance system in Brazil

1 Centro de Farmacovigilância do Ceará, Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos, Departamento de Farmácia, Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará. Rua Cap. Francisco Pedro 1210, Fortaleza, CE 60431-327, Brasil.

parrais@ufc.br

Os trabalhos publicados em Cadernos de Saúde Pública (v. 18, n. 1, 2002) por Cunha (2002), Dias-da-Costa et al. (2002) e Assunção et al. (2002), evidenciam alguns dos problemas relativos ao consumo e utilização de medicamentos no país. O uso desnecessário, assim como a utilização de fármacos em situações contra-indicadas, expõem os pacientes a riscos de Reações Adversas a Medicamentos (RAM) e intoxicações medicamentosas, constituindo-se, portanto, em causa de morbidade e, inclusive de mortalidade, muito significante. As reações adversas a medicamento, têm um impacto adverso considerável na saúde da população e nos gastos com saúde. Segundo Helper & Strand (1990), no ano de 1987 foram notificados nos Estados Unidos, aproximadamente, 12 mil mortes e 15 mil hospitalizações por RAM. Em função do exposto acima, surgiram em vários países sistemas de vigilância destinados a detectar RAM, que ocorrem com baixa freqüência e em situações reais de uso e que só podem ser detectadas após a ampliação do uso dos mesmos. A criação de um sistema de farmacovigilância possibilita, entre outras coisas, conhecer o perfil de reações adversas (notadamente as graves) dos medicamentos usados na terapêutica, tornando possível aos profissionais da área da saúde, especialmente ao médico, utilizar melhor o arsenal farmacológico disponível e prevenir muitas reações adversas, além de estimular uma maior preocupação com o ensino da farmacologia clínica e da farmacoepidemiologia, subsidiar as ações da Vigilância Sanitária e realizar estudos para testar hipóteses surgidas com base nas notificações voluntárias (Arrais & Coelho, 2000). Em maio de 2001, foi instituído o Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos (CNMM) (MS, 2001), sediado na Unidade de Farmacovigilância (UFARM), da Gerência Geral de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), responsável pela implementação e coordenação do Sistema Nacional de Farmacovigilância (SINFAV). A proposta da UFARM envolve a participação de Centros de Farmacovigilância Regionais, já implantados ou em implantação, Hospitais Sentinelas e Médicos Sentinelas <http://www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia>. Inicialmente, a UFARM optou por iniciar a construção do SINFAV através da implementação de Hospitais Sentinelas. Para tanto, já realizou duas oficinas de farmacovigilância que contou com a participação de representantes de mais de 70 hospitais da rede pública e outros ligados a instituições universitárias. Entretanto, a ANVISA não baixou nenhuma normativa legal para melhor orientar a estruturação do sistema e harmonizar os procedimentos. Cabe, portanto, apontar algumas medidas que venham a favorecer a criação do SINFAV. É importante que a ANVISA revogue legislação da década de 70, e apresente nova resolução que normatize a implantação do novo SINFAV, e, conseqüentemente, do Programa de Notificação de RAM e Desvios de Qualidade (Queixa Técnica): (1) definindo os procedimentos de coleta de informações, apresentando o modelo de notificação a ser seguido e utilizado pelos centros regionais, hospitais e médicos sentinelas; (2) definindo os critérios para o preenchimento e encaminhamento, levando em consideração que existem várias formas de fazê-lo (direto para UFARM ou via Centro de Farmacovigilância Regional, Hospital e Médico Sentinela, Internet, correio-porte pago), o que pode causar a inclusão do mesmo caso várias vezes no banco de dados; (3) definindo a participação/responsabilidade dos profissionais de saúde, das vigilâncias sanitárias (estaduais e municipais), da indústria farmacêutica e consumidores/usuários de medicamentos, se for o caso; (4) definindo obrigatoriedade do envio e tempo máximo de comunicação de casos graves, raros ou desconhecidos, no caso das indústrias farmacêuticas; (5) estabelecendo os procedimentos para codificação de medicamentos, reações adversas e doenças para as quais os medicamentos foram utilizados (padrão OMS); (6) definir os procedimentos para o estabelecimento da imputabilidade (relação de causalidade) e gravidade; (7) apresentando as terminologias que serão utilizadas/aplicadas no programa. É necessário, também, normatizar as funções/responsabilidades dos centros de farmacovigilância (nacional e regionais), hospitais e médicos sentinelas. A UFARM/ANVISA deve estabelecer um fluxo de informações com as unidades integrantes do sistema nacional (presente e futuro), repassando periódica e sistematicamente informes, alertas sobre reações adversas e queixas técnicas, resoluções na área do medicamento (modificações, condições de uso terapêutico, retiradas, suspensões, etc.), material técnico-científico e informativos oriundos de agências reguladoras internacionais (Food and Drug Administration, European Agency for the Evaluation of Medical Products, etc.) e do Programa Internacional de Farmacovigilância da Organização Mundial da Saúde. Uma alternativa seria o estabelecimento de uma rede para a transmissão eletrônica dessas informações, garantindo, portanto, um fluxo de distribuição rápida, antes mesmo de sua tradução para disponibilidade na página da ANVISA na Internet. A UFARM/ANVISA deve proporcionar a distribuição/atualização do material técnico utilizado nos procedimentos dos centros de farmacovigilância, tipo classificação ATC, Terminologia de Reação Adversa e CID-10 ou normatizar sobre essa competência. Em nenhum momento questionamos a capacidade dos técnicos da UFARM em poder implementar corretamente o SINFAV. Entretanto, a normatização de procedimentos é importante para harmonizarmos terminologias, metodologia e processos a serem aplicados pelos colaboradores.

ARRAIS, P. S. D. & COELHO, H. L. L., 2000. Sistema de farmacovigilância no Ceará. Saúde em Debate, 24: 67-73.

ASSUNÇÃO, M. C. F.; SANTOS, I. S. & DIAS-DA-COSTA, J. P., 2002. Avaliação do processo da atenção médica: Adequação do tratamento de pacientes com diabetes mellitus, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 18:205-211.

CUNHA, A. J. L. A., 2002. Manejo de infecções respiratórias agudas em crianças: Avaliação em unidades de saúde do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública, 18:55-61.

DIAS-DA-COSTA, J. S.; GIGANTE, D. P.; MENEZES, A. M. B.; OLINTO, M. T. A.; MACEDO, S.; BRITTO, M. A. P. & FUCHS, S. C., 2002. Uso de métodos anticoncepcionais e adequação de contraceptivos hormonais orais na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil: 1992 a 1999. Cadernos de Saúde Pública, 18:93-99.

HELPER, C. D. & STRAND, L. M., 1990. Opportunities and responsibilities in pharmaceutical care. American Journal of Hospital Pharmacy, 47:533-543.

MS (Ministério da Saúde), 2001. Portaria no 696, de 7 de maio de 2001. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, n. 88, 8 mai. Seção 1.

Recebido em 24 de junho de 2002

Aprovado em 27 de junho de 2002

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2002
  • Data do Fascículo
    Out 2002
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