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Debate sobre o artigo de Carlos Dimas Martins Ribeiro & Fermin Roland Schramm

Debate on the paper by Carlos Dimas Martins Ribeiro & Fermin Roland Schramm

DEBATE DEBATE

Debate sobre o artigo de Carlos Dimas Martins Ribeiro & Fermin Roland Schramm

Debate on the paper by Carlos Dimas Martins Ribeiro & Fermin Roland Schramm

Maria Regina Moreira

Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. reginapmoreira@bol.com.br

No texto A Necessária Frugalidade dos Idosos, os autores Carlos Dimas Martins Ribeiro & Fermin Roland Schramm levantam a questão dos critérios que deverão nortear o poder público na dotação orçamentária da saúde, tendo com alvo principal a pessoa idosa.

Eles iniciam caracterizando os sistemas de saúde pública em três dimensões: (1a) progresso biomédico, que define a duração da expectativa de vida; (2a) a concepção contemporânea de saúde, com a ampliação dos direitos das pessoas; e (3a) a vigência de uma diversidade moral, em que cada sociedade tem seu próprio código de princípios morais e éticos, muitas vezes conflitantes com o de outros grupos sociais.

A proposta do artigo é discutir a pertinência e a legitimidade de se alocar recursos públicos para a saúde, tendo como parâmetro as faixas etárias. São levantados vários pontos para análise. O primeiro deles é a pertinência da "cultura dos limites", isto é, os recursos financeiros são limitados e escassos, enquanto que a demanda desses recursos é cada vez maior. Como priorizar esta demanda?

O grande desafio é a transição geracional, pois estamos amadurecendo constantemente e passando de uma geração à outra. Outro item analisado é a "justiça sanitária e o direito à saúde", entendidos como "igualdade de oportunidade" para todos, e o de "justiça como eqüidade" em que se privilegia os mais necessitados.

Aqui aparece uma polêmica, já que o direito à saúde implica a política de universalização, isto é, fornecer todos os serviços igualmente para todas as faixas etárias, enquanto que a igualdade de oportunidade caracteriza uma política de "focalização", com atendimentos seletivos.

Como referencial teórico é analisada a teoria de "justiça com eqüidade" de John Rawls, com os princípios das sociedades democráticas, pluralistas e liberais, a qual é criticada por Norman Daniels e Daniel Callahan.

Segundo Rawls, as sociedades democráticas se baseiam nos princípios de liberdade de oportunidade para todos e no princípio da diferença (focalização).

Para Callahan, a alocação de recursos na saúde deve estar baseada na "necessidade de cidadãos saudáveis para que a sociedade possa funcionar bem".

Não existe conflito entre "universalismo" e "focalização", em que um trata da prevenção de doenças e promoção da saúde, e outra do atendimento individual com o uso de tecnologias avançadas, quando surgir necessidade, e sim uma complementação de atendimento.

Um outro estudo citado é a caracterização dos cenários sobre o idoso de HR Moody. Segundo este teórico, a alocação de recursos deve levar em consideração: o prolongamento da morbidade, a compreensão da morbidade, o prolongamento da longevidade e a recuperação da idéia dos estágios de vida.

Callahan questiona a argumentação de Moody pois, para ele, serão muito altos os custos de se prolongar a vida do beneficiário dos recursos públicos em detrimento dos indivíduos que vivem o período "normal" de vida.

Os autores criticam ainda as teorias de Callahan e de Daniels. Com relação à teoria de Callahan, não existe razão para se supor que uma pessoa idosa valorize menos sua vida do que um jovem, e o idoso deve ser considerado igual a qualquer outra pessoa de outras idades.

Quanto à proposta de Daniels, se não houver recurso suficiente na saúde pública, muitos jovens poderão ter doenças que poderiam ser evitadas.

A conclusão apresentada pelos autores não está clara. Apesar de escreverem "para concluir com uma observação de método e uma pergunta", não consegui identificar no texto nem a observação de método nem a pergunta. Os autores dizem que conseguiram vislumbrar uma alternativa, quando na verdade, são duas as alternativas: (1a) ou acreditamos que os recursos cessem de ser finitos e limitados..., (2a) ou devemos pressupor a redução dos desejos e necessidades...

Os autores concluem realmente no resumo, quando dizem que "...concluiremos que basear a alocação de recursos na variável idade pode ser considerado eticamente adequado...devendo a distribuição de recursos...estar baseada numa ética de proteção".

Quanto ao título A Necessária Frugalidade dos Idosos, acho questionável. A palavra "frugalidade", que quer dizer "sobriedade", sugere que os idosos devam reduzir seus desejos e necessidades para que sejam beneficiados ou "consensualmente aceitável por todas as pessoas razoáveis". Agora eu pergunto: como pedir para o idoso, já tão fragilizado, que contenha seus desejos e necessidades? Ao contrário, acho que nesta etapa da vida o idoso deve aproveitar ao máximo de tudo que ainda lhe resta, para que tenha um fim de vida feliz e digno, com pleno direito de sua cidadania. Sugiro alterar para A Necessária Proteção ao Idoso, pois é disto que o idoso precisa: proteção e respeito.

Em todo o texto é colocada em discussão a decisão de se aplicar os recursos públicos para a saúde ou de uma forma igualitária para todos os segmentos da população, ou de uma forma que se privilegie aquelas pessoas que necessitam de um tratamento oneroso e urgente, uma vez que esses recursos são limitados e que a população de idosos cresce a cada dia.

Toda uma dialética é desenvolvida neste sentido. Várias expressões surgem na tentativa de melhor caracterizar estas teorias como: "políticas de universalização", "políticas de focalização", "justiça sanitária", "justiça com eqüidade", "princípio do único juiz", "ética de proteção", "princípio da diferença" e tantas outras, novas para mim.

O texto é muito interessante no sentido de que abre um espaço para a discussão sobre a aplicação correta e racional dos recursos que são públicos e vêm de todos nós que pagamos impostos e que, portanto, temos o direito de usufruí-los. É muito importante se ter um referencial teórico que oriente os decisores da aplicação dos recursos públicos de algo tão prioritário como a saúde de toda a população de um país. No entanto, seria mais real se este estudo estivesse centrado na realidade brasileira, que é bastante diferente da americana, principalmente no que concerne aos idosos.

Tal estudo seria mais útil ao país se se consultasse nossos teóricos e se procurasse compreender melhor a nossa realidade com relação aos orçamentos federais, estaduais e municipais, à legislação brasileira referente aos idosos, ao atendimento do público pelos órgãos do governo, SUS, INSS etc. Fica a sugestão para um próximo trabalho.

Finalizando, uma reflexão: se a ciência, a tecnologia e os gerontólogos fazem tanto esforço para prolongar a existência do ser humano em mais alguns anos com qualidade de vida, por que se discute se o Estado deve ou não contribuir para que o idoso viva mais e seja sadio e feliz nos seus últimos anos de vida? Será que o Estado e a Ciência estão em posições antagônicas? Deixo esta pergunta para vocês, cientistas da Fundação Oswaldo Cruz, responderem.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Out 2004
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