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Epidemia de beribéri no Maranhão, Brasil

EDITORIAL

Epidemia de beribéri no Maranhão, Brasil

Pedro Israel Cabral de LiraI; Sonia Lucia Lucena Sousa de AndradeII

IDepartamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil. Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição – NE-1, Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição, Recife, Brasil. lirapic@ufpe.br IIDepartamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Recife, Brasil. sonia.lucena@terra.com.br

Este editorial dirigido à comunidade científica informa sobre o surto de beribéri que acometeu parte da população tocantineira do Estado do Maranhão, Brasil – 466 e 543 casos notificados, com 33 e nenhum óbito em 2006 e 2007, respectivamente, predominando o sexo masculino, entre 15 e 50 anos e na forma clínica beribéri-seco (Doenças e Agravos Não-transmissíveis, Superintendência de Epidemiologia e Controle de Doenças, Secretaria da Saúde do Estado do Maranhão). No mesmo período foram registrados trinta casos e três óbitos no Estado do Tocantins, segundo informação fornecida pela secretaria de saúde desse estado.

É importante lembrar que o último registro de epidemia de beribéri no Brasil foi entre 1870 e 1910, durante o ciclo da borracha na Região Amazônica, bem documentado por Josué de Castro (Geografia da Fome; 1946).

A partir da hospitalização, em Imperatriz, de pacientes com edema, parestesia de membros inferiores e superiores, dificuldade de deambular e óbito por insuficiência cárdio-respiratória, deu-se início, em maio de 2006, a uma investigação pela Secretaria da Saúde do Estado do Maranhão, com a participação da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. As hipóteses diagnósticas iniciais foram: doença de etiologia desconhecida, intoxicação por agrotóxicos ou por bebida alcoólica e síndrome de Guillain-Barré.

O noticiário sobre a doença teve grande repercussão nacional e o rumo da investigação mudou depois que um médico cearense com experiência na Região Amazônica manteve um contato telefônico com a diretora da regional de Imperatriz, sugerindo o diagnóstico de beribéri. Este foi posteriormente confirmado pelo teste terapêutico com administração de tiamina. A investigação foi então direcionada para identificar os fatores determinantes e confirmou-se uso abusivo de álcool e atividade física laboral pesada entre os doentes. No presente, estuda-se o consumo alimentar da população, exposição a agrotóxicos e possível contaminação do arroz por microtoxinas de fungos.

No âmbito das ações de combate ao beribéri implementou-se medidas de caráter emergencial como a compra de tiamina, e de curto e médio prazos tais como: distribuição de cestas básicas; capacitação dos profissionais de saúde; vigilância epidemiológica, alimentar e nutricional; instalação dos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS-AD); avaliação do processamento de arroz pelas usinas da região; enriquecimento de alimentos; intensificação da fiscalização, comercialização e utilização de agrotóxicos; e sistematização dos estudos em andamento sobre o beribéri na região. O Ministério da Saúde coordenou a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), objetivando planejar e implementar essas medidas, com representantes da Casa Civil, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Governo do Estado do Maranhão (Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição, Ministério da Saúde. Relatório; 2007).

A criação do GTI possibilitou maior integração institucional e compreensão holística acerca do problema. Apesar das dificuldades de implantação e implementação de algumas dessas medidas, a experiência foi exitosa. No setor saúde vários aspectos ainda necessitam de definição como o tempo ideal de tratamento, critérios de cura e de alta, suplementação para os familiares dos doentes e investigação de outros grupos de risco (crianças e gestantes).

Um outro aspecto relevante refere-se à origem da epidemia na suas dimensões ecológica, social e econômica. Nas últimas décadas, o desenvolvimento nessa região tem priorizado o desmatamento extenso com intensificação da plantação de eucalipto para atender mineradoras e madeireiras instaladas na área, além da agropecuária extensiva, em detrimento da produção de alimentos básicos, principalmente arroz, feijão, milho, mandioca e de frutos nativos como castanhas, babaçu e buriti, trazendo como conseqüência a desestruturação da economia local, ampliando a desigualdade social, comprometendo o acesso aos alimentos e a qualidade de vida da população.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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