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Saúde bucal das famílias: trabalhando com evidências

RESENHAS BOOK REVIEWS

Claides Abegg

Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. claides.abegg@gmail.com

SAÚDE BUCAL DAS FAMÍLIAS: TRABALHANDO COM EVIDÊNCIAS. Moysés ST, Kriger L, Moysés SJ, organizadores. São Paulo: Editora Artes Médicas; 2008. 308 pp.

ISBN: 978-85-367-0076-2

Numa articulação entre a teoria e a prática, o livro Saúde Bucal das Famílias: Trabalhando com Evidências, organizado por Moysés, Kriger & Moysés, retrata a trajetória da construção da Estratégia Saúde da Família, uma nova forma de exercício da saúde bucal no Sistema Único de Saúde brasileiro. Ao longo dos 12 capítulos, os 21 autores que colaboram com a obra levantam as dificuldades, possibilidades e desafios que a proposta representa para o Estado, escolas de Odontologia e profissionais de saúde bucal.

O capítulo introdutório apresenta um panorama sobre o desenvolvimento das políticas de saúde bucal desde o período colonial até o presente, contextualizando a inserção da Estratégia Saúde da Família, e chegando à apresentação do recente Programa Brasil Sorridente.

Na seqüência, as duas seções do capítulo dois analisam o desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família em âmbito estadual, relatando a experiência dos estados do Rio Grande do Sul e Paraná. No caso do Rio Grande do Sul, Djalmo Sanzi Souza inicia discutindo a Atenção Primária em Saúde, marco teórico que norteou a implementação e desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família no estado. Para o autor, a mudança de modelo de atenção à saúde no SUS, por intermédio da Estratégia Saúde da Família, requer a participação ativa das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, sendo as últimas responsáveis pela execução e gerenciamento das ações e serviços de Atenção Primária em Saúde. Na conjuntura do Rio Grande do Sul, o autor destaca a cooperação com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que vem permitindo a capacitação e educação continuada das Equipes de Saúde da Família e Equipes de Saúde Bucal.

Na descrição da experiência do Paraná, Christian Mendes Alcântara salienta a tradição histórica do estado no desenvolvimento de políticas de saúde bucal coletiva, destacando a formação de profissionais auxiliares na área e sua inserção nas Equipes de Saúde Bucal. O autor também chama a atenção para a expressiva expansão das Equipes de Saúde Bucal no Paraná entre 2001 e 2006 e para a implantação progressiva dos Centros de Especialidades Odontológicas e Laboratórios Regionais de Prótese Dentária.

O trabalho com a família exige dos profissionais o conhecimento sobre seu modo de vida, suas características e necessidades. No terceiro capítulo, Moysés et al. analisam a trajetória da família brasileira desde a época da colonização até o momento atual, mostrando as mudanças observadas no período e destacando a importância desta instituição social para os brasileiros. Os autores observam que a Constituição Federal brasileira de 1988 concede proteção especial à família, propiciando sua crescente valorização na sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, chamam a atenção para a complexidade da estrutura familiar atual e para o desafio que ela representa para a Estratégia Saúde da Família. Ao avaliar o desenvolvimento da estratégia, apontam alguns problemas críticos para o seu sucesso, como a qualificação dos profissionais que irão atuar na área, oriundos de escolas onde a formação está pautada no modelo biomédico; a questão do incentivo financeiro, uma vez que os municípios dependem do repasse de verbas dos governos federal e estadual para a sustentação da estratégia; e a falta de uma orientação legal-trabalhista que direcione a contratação das equipes. Concluindo, enfatizam a importância de se considerarem as diferenças regionais e a preservação dos princípios norteadores da Atenção Primária em Saúde na implantação e desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família no Brasil.

O capítulo quatro, de autoria de Antonio Dercy Silveira Filho, problematiza a questão do cuidado em saúde procurando estabelecer a delimitação do campo de atuação das Equipes de Saúde Bucal. O autor propõe o conceito ampliado de integralidade como o princípio norteador do cuidado em saúde da família. Nesse sentido, a integralidade é compreendida como a percepção do ser humano como um todo, interagindo com a família e a sociedade, o exercício da prática de saúde bucal contemplando ações de prevenção, promoção, recuperação e manutenção da saúde, e a integração da rede de atenção à saúde, hierarquizada e regionalizada garantindo o acesso dos indivíduos e suas famílias. As Ferramentas Saúde da Família (Ciclo de Vida Familiar, Genograma ou Árvore Familiar, Modelo Firo e Esquema PRACTICE), oriundas da Psicologia e Sociologia, são tecnologias leves que podem ser usadas no contexto da Estratégia Saúde da Família, auxiliando no estreitamento das relações entre profissionais e famílias, aspecto fundamental para o sucesso da estratégia.

Na primeira seção do quinto capítulo, o autor Carlos Botazzo faz uma reflexão sobre a repercussão das experiências subjetivas na saúde bucal dos indivíduos e seus familiares. O autor também questiona a semiologia da saúde bucal, apontando a necessidade de avanços para além da cárie dentária. Buscando o apoio teórico em áreas como a Sociologia e a Antropologia, a segunda seção mostra os diferentes modelos familiares existentes desde a Idade Média até o presente. Os autores Cloves Amorim e Renate B. Vicente salientam a importância de se compreender a saúde dos indivíduos e suas famílias nas diferentes etapas do ciclo vital. Finalizam apontando a relevância do envolvimento da família na construção de um modelo de atenção participativo, resolutivo e promotor de saúde.

O sexto capítulo está constituído por seis seções em que as cinco iniciais apresentam uma análise detalhada do desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família, mostrando as dificuldades, avanços e futuros desafios de quatro municípios: Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Sobral e o caso do Serviço de Saúde Comunitário do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) de Porto Alegre. A sexta seção do capítulo descreve o desenvolvimento da Estratégia Saúde da Família nos municípios de médio e pequeno portes do Paraná, relatando a experiência de três deles. A autora dessa seção, Márcia Helena Baldani, destaca a rápida adesão desses municípios à inserção da saúde bucal na Estratégia Saúde da Família.

Na primeira seção do sétimo capítulo, após uma breve discussão sobre o conceito de desigualdade e sua mensuração, o autor Ângelo Giuseppe Roncalli faz uma análise da saúde bucal da família brasileira evidenciando sua profunda desigualdade. Para tal, utiliza a base de dados do Projeto SB Brasil 2003. A seção seguinte avalia a repercussão das experiências de vida das famílias na sua saúde bucal. Por intermédio da análise dos dados do estudo de coorte de nascidos vivos de Pelotas (1982), os autores Marco Aurélio Peres e Karen Glazer Peres demonstram a relação entre condições adversas na trajetória das pessoas e sua saúde bucal. Como destaque conclusivo, a última seção introduz o conceito de capital social, definido como "as características da vida social, redes, normas e confiança, que habilitam os participantes a agirem mais efetivamente na busca de objetivos comuns", ilustrando a importância de sua integração na Estratégia Saúde da Família.

O Ciclo de Vida Familiar é compreendido como os "movimentos e alterações que ocorrem ao longo da história familiar, apresentando padrões de relativa previsibilidade, constituindo-se em estágios de desenvolvimento e exigindo adaptação e ajustamento de seus membros". As características e particularidades de cada um dos ciclos da vida familiar e sua relação com a saúde bucal são discutidas ao longo das seis seções do oitavo capítulo. Um dos aspectos salientados é a importância do conhecimento da interação entre os Ciclos de Vida Familiar e o ciclo vital dos seres humanos, de sorte a favorecer o manejo adequado dos problemas de saúde bucal pelos trabalhadores da Estratégia Saúde da Família.

No capítulo nove, Simone Moysés e Solena Kusma fazem uma retrospectiva sobre a proposta da Promoção da Saúde e sua incorporação nas políticas de saúde no Brasil. A seguir, apontam algumas possibilidades de integração dessa proposta na Estratégia Saúde da Família, saúde bucal, enfatizando a ação intersetorial.

O décimo capítulo problematiza a questão da sistematização da informação sobre a situação da saúde bucal, que é escassa no Brasil. O autor Paulo Góes propõe um modelo integrado de vigilância da saúde bucal para ser utilizado pela Estratégia Saúde da Família, focando nos principais fatores comuns de risco e medindo o impacto que as doenças bucais produzem na qualidade de vida dos indivíduos, além das condições clínicas.

Um dos nós críticos para a transformação do modelo de atenção à saúde do SUS é a adequação da formação dos recursos humanos. Historicamente, o conhecimento desenvolvido nas escolas de Odontologia está baseado num modelo em que a saúde é entendida como a cura da doença, com ênfase no desenvolvimento tecnológico e a especialização. As autoras da primeira seção do capítulo 11, Maria Celeste Morita e Ana Estela Haddad, reconhecem o avanço nesse sentido das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2002, ao proporem a formação de um profissional com uma compreensão ampliada de saúde "que permita o manejo de ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação". Ao mesmo tempo, chamam a atenção para a limitada adesão da Odontologia às Diretrizes Curriculares Nacionais. Em continuação, os autores da seção seguinte, Maria Ercília de Araújo e Celso Zilbovicius, argumentam que a efetiva implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais depende da transformação completa do currículo vigente na maioria das escolas de Odontologia, e enfatizam a importância da aproximação da academia com os serviços de saúde.

O capítulo final do livro traz a contribuição da Bioética para a saúde bucal e o trabalho desenvolvido na Estratégia Saúde da Família. No contexto da realidade de saúde brasileira e latino-americana, marcada por profundas contradições e desigualdades, os autores Ivana Maria Saes Busato, Beatriz H. Sottile França, Volnei Garrafa e Monique Pyrrho conferem destaque especial para duas propostas da Bioética, a de Proteção e a de Intervenção. A primeira enfatiza a responsabilidade social do Estado com a população. A segunda avalia além das questões éticas oriundas do progresso científico, aquelas "persistentes associadas principalmente às iniqüidades, em busca de respostas aos paradoxos éticos impostos pelo desequilíbrio social do Hemisfério Sul".

A obra aqui relatada representa uma contribuição relevante para a ampliação do conhecimento em relação à Estratégia Saúde da Família e Saúde Bucal. Sua leitura é recomendada para acadêmicos, gestores, profissionais de saúde bucal e por todos aqueles interessados num modelo de atenção eficiente que resulte na melhoria da condição de saúde bucal da população brasileira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2008
  • Data do Fascículo
    Nov 2008
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