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Humanização do parto: política pública, comportamento organizacional e ethos profissional

RESENHAS BOOK REVIEWS

Marcos Augusto Bastos Dias

Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. marcosad@iff.fiocruz.br

HUMANIZAÇÃO DO PARTO: POLÍTICA PÚBLICA, COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E ETHOS PROFISSIONAL. Maia MB. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2010. 189 p.

ISBN: 978-85-8547-118-7

A assistência ao parto e nascimento no Brasil apresenta aspectos bastante próprios. O modelo tecnocrático hegemônico é responsável por resultados maternos e perinatais piores que os encontrados em outros países com igual ou mesmo menores índices de desenvolvimento socioeconômico. Os dados oficiais revelam que as taxas de cesariana nos serviços privados são superiores a 80%, número sem correspondente em qualquer outro lugar do planeta. As taxas de mortalidade materna ainda são desproporcionalmente elevadas, considerando-se que nas últimas décadas houve melhoria de inúmeros outros indicadores de saúde das mulheres. Da mesma forma a mortalidade neonatal precoce, que reflete em grande parte a qualidade de assistência obstétrica é o componente da mortalidade infantil que vem apresentando a menor queda nos últimos anos.

No Brasil, ao longo das últimas décadas, o movimento de mulheres, organizações não governamentais, profissionais de diferentes áreas e também formuladores de políticas públicas de saúde têm se articulado em um movimento que tem entre outros objetivos devolver às mulheres o protagonismo no momento do parto e nascimento. Exemplo de resultado positivo da ação desse movimento é a Lei Federal nº. 11.108, promulgada em 2005, que permite à mulher ter um acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto, no parto e puerpério. Mais recentemente, a Presidente da República lançou em Belo Horizonte a "Rede Cegonha", um programa para garantir o acolhimento das gestantes desde o diagnóstico de gravidez até depois do momento do parto dentro de uma perspectiva de humanização da assistência. Portanto, o tema é atual e da maior importância num país em que as desigualdades na assistência à saúde são tão marcadas. As questões políticas que envolvem a assistência ao parto e nascimento no Brasil estão em franca movimentação.

O livro Humanização do Parto: Política Pública, Comportamento Organizacional e Ethos Profissional, fruto da dissertação de mestrado de Mônica Bara Maia, faz um mergulho em profundidade no modelo de assistência ao parto brasileiro. A autora divide com o leitor uma reflexão detalhada e uma valiosa análise sobre os diferentes fatores que contribuíram para a construção do modelo tecnocrático hegemônico no país, num texto de leitura densa e instigante.

A assistência ao parto no Brasil desde os tempos de colônia portuguesa até os dias de hoje é o tema do primeiro capítulo. A autora articula a construção do sistema de saúde, a institucionalização do nascimento, a conformação do modelo tecnocrático e a cesariana como padrão ouro desse modelo, num texto de leitura fluida e articulada. Fecha essa parte inicial com as características dos diferentes modelos de assistência ao parto e as recentes propostas de humanização da assistência que se transformaram em política pública ao longo dos últimos anos como estratégia tanto para garantir alguns aspectos da saúde materna quanto para a redução da mortalidade materna.

No segundo capítulo, Maia discute a instituição hospitalar, sua organização e as características das principais profissões envolvidas na assistência ao parto - obstetras e enfermeiras obstetras. Com um texto que se inicia com a história das instituições hospitalares a autora nos traz informações importantes que incluem a composição da rede hospitalar brasileira envolvida nessa assistência, as formas de remuneração do serviço hospitalar e as peculiaridades das profissões na medicina e enfermagem da área. Tais reflexões convergem para as recentes políticas de assistência ao parto e as dificuldades existentes nas propostas para a implantação de um novo modelo, além dos desafios que o jogo político traz para os diferentes profissionais no cotidiano das organizações.

Para sair do plano teórico e trazer um exemplo concreto das discussões apresentadas nos dois primeiros capítulos, um estudo minucioso sobre parto e nascimento no município de Belo Horizonte é apresentado no terceiro capítulo. A escolha deste município é particularmente importante porque em Belo Horizonte, desde 1994, a Secretaria Municipal de Saúde tem se articulado num movimento político com diferentes atores da sociedade para a melhoria da qualidade da assistência ao parto e nascimento e para a redução das taxas de mortalidade materna e perinatal. Para informar o leitor, foram elaborados quadros detalhados das estatísticas sobre parto e nascimento do município e também um retrato fiel de sua rede hospitalar. As maternidades são apresentadas individualmente com uma riqueza de detalhes que permite ao leitor compreender a totalidade da rede, sua distribuição geográfica e suas diferenças de porte e complexidade. Por meio dessa apresentação, a autora faz então uma discussão que envolve não apenas os aspectos do custo hospitalar do parto e as relações de trabalho e remuneração do profissional médico, mas também sobre as práticas de humanização do parto que vêm sendo implantadas de diferentes formas nas diversas maternidades.

No quarto capítulo, ainda relativo ao contexto da assistência ao parto no Município de Belo Horizonte, a autora trata da relação da Secretaria Municipal de Saúde com as diferentes organizações hospitalares que compõem a rede assistencial e seus instrumentos de regulação. Analisa também a relação entre elas e os profissionais de obstetrícia, e deles com sua prática profissional. Apresenta a Comissão Perinatal como a instância política no município responsável pela negociação das estratégias de melhoria da qualidade da assistência à mulher e à criança e pelo enfrentamento do desafio de redução da morbimortalidade materna e perinatal. Descrita como um espaço de negociação e de governabilidade, essa instância da Secretaria Municipal de Saúde é apresentada detalhadamente num relato que recupera sua trajetória desde 1994 - quando foi criada - até o ano de 2007. Como nos outros capítulos, Maia apresenta uma descrição detalhada do funcionamento da Comissão, sua composição e forma de funcionamento. Apresenta um relato vivo das articulações políticas construídas de forma a garantir a melhoria da qualidade da assistência perinatal com o descredenciamento de serviços que funcionavam de forma inadequada e a negociação para a abertura de outros que já iniciam sua trajetória dentro de um novo modelo humanizado de assistência. Os diferentes conflitos mediados nessa Comissão como a questão da regulação pública de serviços privados e a relação entre médicos obstetras e enfermeiras obstetras dão uma dimensão das tensões que circulam no cotidiano dos serviços. Termina esse capítulo uma análise sobre o Movimento BH pelo Parto Normal, iniciativa da Comissão Perinatal e seus desdobramentos políticos.

Ao realizar suas conclusões, a autora discute os diferentes dilemas da implementação das políticas de humanização da assistência ao parto e nascimento e de uma efetiva mudança de modelo de atenção.

Como um brinde final, este livro, que traz importantes contribuições ao debate sobre a assistência ao parto e nascimento, oferece ainda como anexo um relato de parto. Contado de forma simples e emocionante, esse relato da experiência do parto e nascimento vivido por uma mulher nos reitera a certeza da dimensão de semelhante experiência e da importância de que todas as mulheres possam vivenciá-la como protagonistas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2011
  • Data do Fascículo
    Maio 2011
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