Acessibilidade / Reportar erro

Violências e acidentes entre adultos mais velhos em comparação aos mais jovens: evidências do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), Brasil

Violence and accidents among older and younger adults: evidence from the Surveillance System for Violence and Accidents (VIVA), Brazil

Resumos

Dados do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) de 2009 foram utilizados para examinar características sociodemográficas, desfechos e tipos de acidentes e violências que levaram a atendimento em 74 serviços sentinela situados em 23 capitais brasileiras e no Distrito Federal. A análise incluiu 25.201 indivíduos com idade > 20 anos (10,1% com > 60 anos), dos quais 89,3% foram vítimas de acidentes e 11,9% de violências. A hospitalização foi o desfecho de 11,1% dos casos. Em comparação à população geral, observou-se ainda um excesso de homens e da cor da pele não branca entre vítimas de acidentes e, sobretudo, de violência. O perfil desses eventos entre os mais velhos diferiu dos mais jovens (20-59 anos), com destaque para a menor contribuição do álcool, o predomínio de ocorrências no domicílio, a maior importância relativa das quedas e a maior vulnerabilidade a atropelamentos e a agressões por familiares. Políticas para a prevenção de acidentes e violências devem levar em conta as especificidades desses eventos na população mais velha.

Violência; Acidentes; Idosos; Serviços Médicos de Emergência


Data from the Brazilian Surveillance System for Violence and Accidents (VIVA) in 2009 were used to examine socio-demographic characteristics, outcomes, and types of accidents and violence treated at 74 sentinel emergency services in 23 Brazilian State capitals and the Federal District. The analysis included 25,201 individuals aged > 20 years (10.1% > 60 years); 89.3% were victims of accidents and 11.9% victims of violence. Hospitalization was the outcome in 11.1% of cases. Compared to the general population, there were more men and non-white individuals among victims of accidents, and especially among victims of violence. As compared to younger adults (20-59 years), accidents and violence against elderly victims showed less association with alcohol, a higher proportion of domestic incidents, more falls and pedestrian accidents, and aggression by family members. Policies for the prevention of accidents and violence should consider the characteristics of these events in the older population.

Violence; Accidents; Aged; Emergency Medical Services


ARTIGO ARTICLE

Violências e acidentes entre adultos mais velhos em comparação aos mais jovens: evidências do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), Brasil

Violence and accidents among older and younger adults: evidence from the Surveillance System for Violence and Accidents (VIVA), Brazil

Tatiana Chama Borges LuzI; Deborah Carvalho MaltaII; Naíza Nayla Bandeira de SáII; Marta Maria Alves da SilvaII; Maria Fernanda Lima-CostaI

INúcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

IISecretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil

Correspondência Correspondência: T. C. B. Luz Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Augusto de Lima 1715 Belo Horizonte, MG 30190-002, Brasil. tatianachama@cpqrr.fiocruz.br

RESUMO

Dados do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) de 2009 foram utilizados para examinar características sociodemográficas, desfechos e tipos de acidentes e violências que levaram a atendimento em 74 serviços sentinela situados em 23 capitais brasileiras e no Distrito Federal. A análise incluiu 25.201 indivíduos com idade > 20 anos (10,1% com > 60 anos), dos quais 89,3% foram vítimas de acidentes e 11,9% de violências. A hospitalização foi o desfecho de 11,1% dos casos. Em comparação à população geral, observou-se ainda um excesso de homens e da cor da pele não branca entre vítimas de acidentes e, sobretudo, de violência. O perfil desses eventos entre os mais velhos diferiu dos mais jovens (20-59 anos), com destaque para a menor contribuição do álcool, o predomínio de ocorrências no domicílio, a maior importância relativa das quedas e a maior vulnerabilidade a atropelamentos e a agressões por familiares. Políticas para a prevenção de acidentes e violências devem levar em conta as especificidades desses eventos na população mais velha.

Violência; Acidentes; Idosos; Serviços Médicos de Emergência

ABSTRACT

Data from the Brazilian Surveillance System for Violence and Accidents (VIVA) in 2009 were used to examine socio-demographic characteristics, outcomes, and types of accidents and violence treated at 74 sentinel emergency services in 23 Brazilian State capitals and the Federal District. The analysis included 25,201 individuals aged > 20 years (10.1% > 60 years); 89.3% were victims of accidents and 11.9% victims of violence. Hospitalization was the outcome in 11.1% of cases. Compared to the general population, there were more men and non-white individuals among victims of accidents, and especially among victims of violence. As compared to younger adults (20-59 years), accidents and violence against elderly victims showed less association with alcohol, a higher proportion of domestic incidents, more falls and pedestrian accidents, and aggression by family members. Policies for the prevention of accidents and violence should consider the characteristics of these events in the older population.

Violence; Accidents; Aged; Emergency Medical Services

Introdução

Acidentes e violências, denominados em seu conjunto como "causas externas", representam uma das principais causas de morbidade e mortalidade no mundo. Anualmente, são contabilizadas mais de 5 milhões de mortes, estimando-se que, para cada vítima fatal, ocorram dezenas de hospitalizações, centenas de atendimentos em serviços de emergência e milhares de consultas médicas 1. Nos Estados Unidos, ocorrem mais de 34 milhões de episódios de causas externas, gerando custos com despesas médicas e perda e/ou redução da produtividade da ordem de 400 bilhões de dólares 2. O impacto das causas externas é ainda maior nos países de média e baixa renda, que concentram mais de 90% das mortes por estas causas 3. No Brasil, as causas externas são a terceira razão de mortalidade, com 133.644 óbitos em 2008, correspondendo a 12,5% do total 4. No mesmo ano, registrou-se 883.472 internações por causas externas no Sistema Único de Saúde (SUS), indicando que para cada óbito pelo menos sete pessoas são hospitalizadas no sistema público 4.

A faixa etária idosa (60 anos ou mais) é a que apresenta maior mortalidade por causas externas no país, assim como para hospitalizações por essas causas no sistema público, com taxas de mortalidade e de hospitalizações iguais a 109 e 650 por 100 mil habitantes em 2008, respectivamente. As taxas correspondentes para a faixa etária de 20-59 anos foram iguais a 88 e 430. No período compreendido entre 2008 e 2010, foram contabilizadas no SUS 413.139 internações por causas externas entre idosos, com custo de aproximadamente 570 milhões de Reais. Essas internações foram decorrentes principalmente de quedas (62,4%), acidentes de transporte (8,1%) e causas externas não classificadas (7%). As internações em decorrência de violência ou maus-tratos no mesmo período representaram 1,9% do total de internações por causas externas entre idosos, correspondendo a 8.043 internações (Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02, acessado em Fev/2011).

Cabe salientar que as informações sobre causas externas baseadas na mortalidade e nas hospitalizações subestimam a magnitude da ocorrência destes eventos na população, uma vez que muitos acidentes e eventos violentos não têm como desfecho a internação ou o óbito 3. Para se ter uma ideia da magnitude do problema, estima-se que para cada óbito cerca de 300 casos são tratados em serviços de emergência e depois liberados 5. Entretanto, estudos epidemiológicos baseados em informações obtidas em serviços de emergência são ainda escassos, especialmente no que se refere à população idosa 5,6.

Considerando-se que a emergência em geriatria usualmente requer atenção e procedimentos médicos mais complexos, a um custo médio duas vezes maior do que para indivíduos mais jovens 7, ter uma melhor compreensão dos atendimentos em emergência em decorrência de causas externas entre idosos torna-se ainda mais relevante.

O presente trabalho tem por objetivo comparar, entre adultos mais velhos e mais jovens, os atributos individuais, o desfecho e os tipos de acidentes e violência que levaram a atendimento em serviços sentinela de urgência e emergência para estes eventos no Brasil.

Metodologia

Fonte de dados

A fonte de dados deste trabalho foi o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), considerando-se o ano de 2009. O inquérito foi realizado em 74 serviços sentinela para urgência e emergência em 23 capitais de estados e no Distrito Federal. Os serviços foram selecionados segundo critérios de referência para atendimento às causas externas, conforme registro dos serviços credenciados de urgência e emergência no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), registros de atendimentos de causas externas no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), proporção de atendimentos realizados na pesquisa VIVA de 2006-2007 e validados com as equipes locais de saúde. Optou-se por uma amostra por conglomerado em único estágio de seleção, sendo a unidade primária de amostragem composta por turnos de 12 horas nos serviços selecionados 4.

Foram elegíveis para a entrevista todas as vítimas de acidentes e violências que procuraram atendimento por estas ocorrências pela primeira vez, e que concordaram em participar da pesquisa 8. As informações foram obtidas durante trinta dias consecutivos no mês de setembro. Os dados foram coletados por equipes treinadas, que realizaram as entrevistas por meio de questionário estruturado, codificado e pré-testado 9 em plantões alternados de 12 horas 4. Para o presente trabalho foram selecionados os participantes do inquérito com idade igual ou superior a 20 anos.

Segundo o protocolo VIVA, os acidentes são definidos como "evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas ou emocionais, no âmbito doméstico ou social como trabalho, escola, esporte e lazer" 4 (p. 142). São incluídos os acidentes de trânsito, quedas, queimaduras e afogamentos, entre outros. As violências são definidas como o "uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação" 4 (p. 142), englobando as agressões e lesões autoprovocadas (suicídios e tentativas) 9. Maiores detalhes sobre o delineamento da amostra, a organização e operacionalização do VIVA podem ser encontrados em outras publicações 4,8,10,11. O inquérito VIVA foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) 4.

Variáveis

Para o presente trabalho foram considerados atributos individuais, desfecho da ocorrência e características do acidente e da violência. Os atributos individuais incluíram idade (20-59 e 60 anos ou mais), sexo, cor da pele autorreferida, número de anos de estudo, presença de deficiência (física, mental, visual, auditiva e outras), uso autorreferido de bebidas alcoólicas e local da ocorrência do evento. Os acidentes incluíram: acidentes de transporte, quedas e tipo de queda, queimaduras e outros tipos (sufocação, engasgamento, corpo estranho, afogamento, envenenamento, intoxicação, ferimento por objeto perfurocortante, ferimento por arma de fogo, acidentes com animais, queda de objetos sobre a pessoa, choque contra objetos/pessoas, entorse, esmagamento). As violências incluíram agressão/maus-tratos e provável autor da agressão, assim como lesão autoprovocada. Como desfechos da ocorrência foram considerados alta, encaminhamento para outro serviço (exceto hospital), internação hospitalar e óbitos.

Informações complementares

Dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), conduzida em uma parcela representativa da população brasileira em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/ default.shtm, acessado em Jun/2011), foram utilizados para examinar a distribuição de alguns atributos por faixa etária. Os atributos considerados foram sexo, cor da pele, escolaridade e incapacidade funcional (definida por muita dificuldade ou total incapacidade para alimentar-se, tomar banho ou ir ao banheiro).

Análise dos dados

Inicialmente, as análises foram feitas para o conjunto dos adultos atendidos nos serviços sentinela das 23 capitais e no Distrito Federal, comparando-se as características das vítimas de acidentes e de violência, assim como o local da ocorrência e o seu desfecho. A seguir, essas análises foram estratificadas por idade, considerando-se as faixas etárias de 20-59 e 60 anos ou mais. A significância estatística das diferenças entre as frequências foi estimada por meio do teste do qui-quadrado de Pearson, considerando-se como estatisticamente significante o valor de p inferior a 0,05. Variações percentuais entre prevalências observadas entre as faixas etárias foram calculadas utilizando-se a seguinte fórmula: [(P1 - P2) / P1] x 100, em que P1 é a proporção na faixa etária de 60 ou mais anos e P2 a proporção na faixa etária de 20-59 anos. Todas as análises foram feitas usando-se o pacote estatístico Stata, versão 10.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).

Resultados

Dos 39.665 participantes do inquérito VIVA, 25.201 tinham idade igual ou superior a 20 anos e foram incluídos na presente análise. Desses, 22.203 (89,3%) foram vítimas de acidentes e 2.998 (11,9%) de violências. A média da idade dos participantes foi de 37,6 anos (desvio-padrão - DP = 15,2). Essa média foi mais alta entre as vítimas de acidentes (38,2 anos; DP = 15,5) do que entre as de violência (33,1 anos; DP = 11,3).

As características dos pacientes atendidos nos serviços sentinela, segundo o tipo de ocorrência, estão apresentadas na Tabela 1. Do total de pacientes, 10,1% eram idosos, 67,2% eram homens, 69,6% informaram ter a cor da pele não branca, 56,8% possuíam 8 anos ou mais de escolaridade, 4% apresentavam algum tipo de deficiência e 16,2% disseram ter ingerido bebidas alcoólicas; 42,5% das ocorrências foram no domicílio e 77,5% tiveram a alta como desfecho. Em comparação aos acidentes, os atendimentos em decorrência de violência foram significativamente menos frequentes entre os idosos, e mais frequentes entre os homens, entre os que informaram ter a cor da pele não branca e entre os que os que disseram ter ingerido bebidas alcoólicas. Os atendimentos por violência foram mais frequentes entre aqueles com escolaridade mais baixa e resultaram em mais hospitalizações. A via pública, seguida da residência, predominou como local de ocorrência de acidentes e violência.

Na Tabela 2 são mostradas algumas características dos idosos (60 ou mais anos) e adultos (20-59 anos) atendidos nos serviços sentinela devido a acidentes e à violência. Os idosos atendidos em decorrência de acidentes, em comparação aos mais jovens, apresentavam escolaridade mais baixa, maior proporção de algum tipo de deficiência, maior proporção de acidentes na residência e maior proporção de hospitalizações em consequência do evento. Por outro lado, o sexo masculino, a cor da pele não branca e o uso de bebidas alcoólicas autorreferido predominaram entre os jovens vítimas de acidentes, em relação aos idosos. Com referência aos atendimentos em decorrência da violência, não foram observadas diferenças de sexo e cor da pele entre as duas faixas etárias. Os idosos vítimas de violência, em comparação aos mais jovens, com maior frequência possuíam escolaridade mais baixa, algum tipo de deficiência e tiveram a residência como local da violência. A ingestão de bebidas alcoólicas foi menos frequente entre idosos do que entre jovens vítimas de violência.

Como pode ser observado na Tabela 3, os acidentes de transporte (29,8%) e outros acidentes (30,3%) foram as ocorrências que levaram à maior proporção de atendimentos nos serviços sentinela. A essas se seguiram as quedas (26,3%) e as agressões ou maus-tratos (10,6%). As queimaduras e lesões autoprovocadas responderam por menos de 2% do total de atendimentos. A proporção de quedas foi maior entre os idosos em comparação aos mais jovens. Os atendimentos em decorrência de acidentes de transporte, de queimaduras, de outros acidentes e de violência foram menos frequentes entre idosos do que na faixa etária inferior. Ressalte-se que os idosos, em comparação aos mais jovens, foram atendidos com mais frequência devido à queda do leito ou outra mobília, na condição de pedestres como vítima de acidente de transporte, e tiveram um familiar como responsável pela agressão ou maus-tratos.

Resultados de análise suplementar, baseada na PNAD-2008, mostram que a distribuição das características sociodemográficas e de incapacidade difere significativamente entre os idosos e os mais jovens. Entre os primeiros, a proporção de homens é mais baixa, assim como a proporção da cor da pele não branca. Diferenças expressivas são observadas para a escolaridade e a incapacidade funcional, com amplo predomínio das duas características entre idosos (Tabela 4).

Discussão

As estimativas de ocorrência de acidentes e violências na população são geralmente baseadas em dados de mortalidade e/ou de hospitalizações, devido à facilidade para a obtenção destas informações. Sabe-se que essas fontes subestimam o problema 3, mas a magnitude da subestimação ainda é desconhecida no Brasil. Os resultados do presente trabalho, baseados em atendimentos em serviços sentinela para urgências e emergências, mostraram que somente 10% dos casos de acidentes e violência entre adultos levam à hospitalização. Observou-se também alguma variação com o tipo de ocorrência e a faixa etária. A proporção de internações foi cerca de duas vezes maior entre as vítimas de acidentes do que entre as vítimas de violência. Essa proporção foi 30% mais alta entre os idosos vítimas de acidentes do que entre os mais jovens.

A principal vantagem deste trabalho é a grande base de dados utilizada, compreendendo 25 mil atendimentos em 74 serviços sentinela para urgência e emergência espalhados pelo país. Mas essa fonte de dados não permite estimar riscos para os eventos de interesse, uma vez que, compreensivelmente, não se trata de amostra de base populacional. Assim, diferenças entre idosos e adultos mais jovens atendidos nesses serviços podem refletir diferenças etárias na distribuição de algumas características na população.

A título de análise complementar, utilizamos dados da PNAD-2008, baseada em amostra representativa da população brasileira, para examinar diferenças etárias na distribuição de algumas características da população e compará-las às observadas entre pacientes atendidos nos serviços sentinela do VIVA. Os resultados mostraram que existe uma maior proporção de homens com 20-59 anos entre as vítimas de acidentes atendidos nesses serviços, em relação à proporção de homens na mesma faixa etária na população. A maior contribuição do sexo masculino foi também observada para vítimas de violência, tanto na faixa etária idosa quanto na faixa etária inferior. Dentre as vítimas de acidentes e de violência em ambas as faixas etárias, o predomínio da cor não branca foi mais acentuado entre os atendidos nos serviços de referência do que o observado na população, com diferenças mais pronunciadas na faixa etária inferior. Com referência à escolaridade e à presença de algum tipo de deficiência, as diferenças entre os grupos etários observadas no presente trabalho refletem, pelo menos em parte, diferenças por idade na distribuição destas características na população.

O consumo de álcool foi o que apresentou maior diferença por idade entre todos os atributos considerados na presente análise. Esse consumo foi informado por cerca da metade dos adultos vítimas de violência e por um quinto dos idosos. Foi, também, menor entre as vítimas de acidentes, mas os diferenciais pela idade persistiram. Esses resultados confirmam observações prévias baseadas no inquérito anterior do VIVA 12. Dados do sistema Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) indicam ainda que o consumo abusivo de álcool é expressivamente mais baixo na faixa etária idosa do que na mais jovens 13. Essa pode ser uma explicação para as diferenças por idade no consumo de álcool entre vítimas de acidentes e violência observadas neste trabalho.

O local de ocorrência dos eventos foi outro fator que diferiu com a idade, verificando-se amplo predomínio da residência como local de ocorrência de acidentes e de violência entre idosos. Esse resultado está de acordo com o observado em outras populações idosas 14,15,16.

As quedas foram a principal razão de acidentes entre idosos atendidos nos serviços sentinela, representando mais da metade dos eventos nesta faixa etária. Dentre os mais jovens, as quedas foram responsáveis por cerca de 1/5 dos atendimentos. O predomínio das quedas, como evento por causa externa entre idosos, é consonante com o observado em outros estudos realizados no Brasil e em outros países, tanto naqueles conduzidos em serviços de emergência quanto em estudos populacionais, assim como em trabalhos utilizando dados de mortalidade e de hospitalizações 7,14,15,17,18. Neste trabalho, a proporção de quedas do leito ou de outra mobília entre idosos foi 58% maior do que entre os mais jovens, chamando a atenção para a importância da organização do espaço residencial para a sua prevenção.

A proporção de acidentes de transporte foi duas vezes maior entre pacientes mais jovens do que entre idosos. Esses foram vítimas de atropelamentos numa proporção cerca de três vezes maior que os mais jovens. A maior vulnerabilidade do idoso ao atropelamento é provavelmente devida à perda gradual dos sentidos, da capacidade de reagir e da flexibilidade que geralmente acompanham o envelhecimento 19.

A diferença mais expressiva por idade, no que tange aos eventos considerados na presente análise, foi observada para agressões ou maus-tratos, com proporção quase quatro vezes menor entre os idosos em comparação aos mais jovens. Chama a atenção o fato de um familiar ter sido o agressor do idoso com frequência significativamente mais alta do que entre adultos. Esse resultado é corroborado por outros estudos, mostrando que parentes desempenham um papel importante na agressão ao idoso 20. Ressalte-se que a importância da agressão por familiares pode estar subestimada, uma vez que o idoso tende a não denunciar os responsáveis por abusos e agressões sofridas, visto que em muitos casos os agressores são seus próprios cuidadores 21. Dentre múltiplos fatores de risco para a agressão, destacam-se o estado de dependência do idoso em relação ao cuidador, o isolamento social deste e a presença de algum transtorno psicopatológico do cuidador 7.

Em resumo, os resultados do presente trabalho levam às seguintes conclusões: (1) pelo menos nove em cada dez atendimentos por acidente e violência em serviços de urgência e emergência não resultam em internação e, portanto, não são contabilizados nas estatísticas baseadas em hospitalizações; (2) em comparação à população geral, observa-se um excesso de atendimentos nos serviços sentinela de homens e de pessoas que informam ter a cor da pele não branca, sobretudo entre vítimas de violência; (3) o perfil dos eventos por causas externas em idosos difere em vários aspectos daquele dos mais jovens, com destaque para a menor contribuição do álcool, o predomínio de ocorrências no domicílio, a maior importância relativa das quedas e a maior vulnerabilidade a atropelamentos e a agressões por familiares. Essas diferenças indicam que políticas para a prevenção de acidentes e violências devem levar em conta as especificidades desses eventos na população idosa.

Colaboradores

T. C. B. Luz e M. F. Lima-Costa contribuíram no planejamento e delineamento do estudo, escreveram a primeira versão do trabalho, realizaram a análise dos dados, participaram da interpretação dos resultados, da revisão crítica do manuscrito e da aprovação da versão final. D. C. Malta, N. N. B. Sá e M. M. A. Silva colaboraram no planejamento e delineamento do estudo, interpretação dos resultados, revisão crítica do manuscrito e aprovação da versão final.

Agradecimentos

Este trabalho foi desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais, sendo parte das suas atividades como Centro Colaborador em Epidemiologia do Envelhecimento e Saúde do Idoso da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Recebido em 28/Jun/2011

Aprovado em 22/Ago/2011

  • 1. World Health Organization. Preventing injuries and violence: a guide for ministries of health. Geneva: World Health Organization; 2007.
  • 2
    Centers for Disease Control and Prevention. Injuries and violence are leading causes of death: key data & statistics. http://www.cdc.gov/injury/overview/data.html (acessado em Fev/2011).
  • 3. World Health Organization. Injuries and violence: the facts. Geneva: World Health Organization; 2010.
  • 4
    Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2009: uma análise da situação de saúde e da agenda nacional e internacional de prioridades em saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
  • 5. World Health Organization. Injury surveillance guidelines. Geneva: World Health Organization; 2001.
  • 6. Minayo MC, Souza ER, Paula DR. Revisão sistemática da produção acadêmica brasileira sobre causas externas e violências contra a pessoa idosa. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15:2719-28.
  • 7. Samaras N, Chevalley T, Samaras D, Gold G. Older patients in the emergency department: a review. Ann Emerg Med 2010; 56:261-9.
  • 8
    Área Técnica de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes, Coordenação Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Inquérito sobre atendimentos por violências e acidentes em serviços sentinela de urgência e emergência do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) - Capitais, Distrito Federal e municípios selecionados: manual do entrevistador http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manualinquerito.pdf (acessado em Jan/2011).
  • 9. Gawryszewski VP, Silva MMA, Malta DC, Mascarenhas MDM, Costa VC, Matos SG, et al. A proposta da rede de serviços sentinela como estratégia da vigilância de violências e acidentes. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11 Suppl:1269-78.
  • 10. Malta DC, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Macário EM. Perfil dos atendimentos de emergência por acidentes envolvendo crianças menores de dez anos: Brasil, 2006 a 2007. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14:1669-79.
  • 11. Mascarenhas MDM, Silva MMA, Malta DC, Moura L, Gawryszewski VP, Costa VC, et al. Atendimentos de emergência por acidentes na Rede de Vigilância de Violências e Acidentes: Brasil, 2006. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14:1657-68.
  • 12. Mascarenhas MDM, Malta DC, Silva MMA, Carvalho CG, Monteiro RA, Morais Neto OL. Consumo de álcool entre vítimas de acidentes e violências atendidas em serviços de emergência no Brasil, 2006 e 2007. Ciênc Saúde Coletiva 2009; 14:1789-96.
  • 13
    Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. VIGITEL Brasil 2009. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
  • 14. Saveman BI, Björnstig U. Unintentional injuries among older adults in northern Sweden: a one-year population-based study. Scand J Caring Sci 2011; 25:185-93.
  • 15. Yeo YY, Lee SK, Lim CY, Quek LS, Ooi SB. A review of elderly injuries seen in a Singapore emergency department. Singapore Med J 2009; 50:278-83.
  • 16. Centers for Disease Control and Prevention. Public health and aging: nonfatal injuries among older adults treated in hospital emergency departments - United States, 2001. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2003; 52:1019-22.
  • 17. Parreira JG, Soldá SC, Perlingeiro JAG, Padovese CC, Karakhanian WZ, Assef JC. Análise comparativa das características do trauma entre pacientes idosos e não idosos. Rev Assoc Med Bras 2010; 56:541-6.
  • 18. Gawryszewski VP. A importância das quedas no mesmo nível entre idosos no Estado de São Paulo. Rev Assoc Med Bras 2010; 56:162-7.
  • 19. Chakravarthy B, Lotfipour S, Vaca FE. Pedestrian injuries: emergency care considerations. Cal J Emerg Med 2007; 8:15-21.
  • 20. Sanches ARA, Lebrão ML, Duarte YAO. Violência contra idosos: uma questão nova? Saúde Soc 2008; 17:90-100.
  • 21. Espíndola CR, Blay SL. Prevalência de maus-tratos na terceira idade: revisão sistemática. Rev Saúde Pública 2007; 41:301-6.
  • Correspondência:
    T. C. B. Luz
    Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento
    Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais.
    Av. Augusto de Lima 1715
    Belo Horizonte, MG 30190-002, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 2011

    Histórico

    • Recebido
      28 Jun 2011
    • Aceito
      22 Ago 2011
    Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 , 21041-210 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.:+55 21 2598-2511, Fax: +55 21 2598-2737 / +55 21 2598-2514 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br