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Saúde, trabalho e direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória

RESENHA BOOK REVIEWS

Guilherme Franco Netto

Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil. guilherme.netto@saude.gov.br

SAÚDE, TRABALHO E DIREITO: UMA TRAJETÓRIA CRÍTICA E A CRÍTICA DE UMA TRAJETÓRIA. Vasconcellos LCF, Oliveira MHB, organizadores. Rio de Janeiro: Educam; 2011. 600 p.

ISBN: 978-85-7261-056-8

O livro Saúde, Trabalho e Direito: Uma Trajetória Crítica e a Crítica de uma Trajetória tem o intuito de problematizar o complexo campo relacional do direito à saúde no trabalho, resultando numa obra que oferece uma visão abrangente e integral sobre o tema. Integralidade essa pelas quais - em suas entranhas - perpassam relevantes e rigorosas análises filosóficas, sociológicas, políticas, históricas e institucionais sobre a luta dos trabalhadores por sua saúde e sua expressão no campo do direito, relacionando esta tríade nas trajetórias experimentadas pelos trabalhadores em escala internacional e nacional.

O livro está estruturado em 12 capítulos que, embora escritos por diversos autores de distintas instituições públicas, guardam estreitas relações entre si. Parte das relações históricas entre a saúde, o trabalho e o direito; desvela as dramáticas agruras sofridas pelos trabalhadores ao longo da história; evidencia a natureza e os limites da regulação do estado no direito do trabalho no que se refere à saúde; examina o papel da legislação previdenciária enquanto reguladora de uma saúde perdida; evidencia a gênese e o papel da Organização Internacional do Trabalho e a luta histórica dos trabalhadores por sua saúde nos planos internacional e nacional; trata do surgimento da saúde do trabalhador no seio do movimento operário italiano e das fronteiras conceituais e práticas entre a medicina do trabalho, a saúde ocupacional e a saúde do trabalhador; coloca o lugar da saúde do trabalhador no SUS; explica a Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador (RENAST), seus elementos e as dificuldades em sua implantação; aborda o deslocamento das relações saúde-trabalho da agenda da sustentabilidade global; e conclui com uma reflexão critica sobre as possibilidades de confluência das relações entre saúde, trabalho e direito por meio de uma práxis pedagógica.

Os autores reúnem um conjunto substantivo de planos de produção de conhecimentos teóricos e de evidências que nos demonstram que, quando devidamente apropriado pelos trabalhadores, tomando em conta seus tempos históricos e as conjunturas políticas, sociais e institucionais experimentadas na vida real de sua luta de classe, o campo da saúde do trabalhador, na sua expressão integral, é um constituinte fundamental do caminho histórico dos trabalhadores por sua emancipação.

Tal perspectiva está sintonizada com o debate em curso no âmbito da saúde coletiva em torno das principais questões do campo da saúde do trabalhador, aprofundando as reflexões sobre seu marco conceitual e suas práticas. Como nos apontam Carlos Minayo, Jorge Machado e Paulo Pena, a gênese da saúde do trabalhador no Brasil, em contraposição à base conceitual e prática das concepções hegemônicas sobre a relação trabalho-saúde da medicina do trabalho e da saúde ocupacional, compreende o avanço da produção acadêmica, em que se amplia o quadro interpretativo sobre saúde e doença, incluindo a dimensão de "classe" e a categoria "trabalho" entre os determinantes sociais da saúde; o movimento da Reforma Sanitária brasileira, que, ao se inspirar na experiência italiana, integra a saúde do trabalhador no núcleo de sua agenda central; o fortalecimento do movimento dos trabalhadores pela conquista de direitos de cidadania e à livre organização, incluindo importantes reivindicações de saúde; a realização da 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, cujas teses foram posteriormente incorporadas à Lei Orgânica da Saúde; e a institucionalização no SUS, de forma participativa, de serviços voltados à atenção integral à saúde do trabalhador.

Ao tempo que investiga o passado sob o espectro da emergência do direito do trabalho à medida que a revolução industrial se consolida, mergulha sob a análise do estado da arte das relações contemporâneas entre saúde, trabalho e direito, possibilitando uma melhor compreensão de como a saúde do trabalhador se situa na perspectiva da "saúde como direito", transcendendo o marco do direito previdenciário-trabalhista. Ainda, traz como elemento central integrante do campo da saúde do trabalhador a perspectiva na qual os trabalhadores se constituem na categoria de sujeitos políticos coletivos, depositários de um saber emanado da experiência e agentes essenciais de ações colaboradoras.

Para além de cuidar do passado e do presente, o livro projeta-se ao futuro quando realiza uma análise crítica, porém necessária, sobre a agenda do desenvolvimento sustentável, apontando a necessidade de a saúde do trabalhador integrar o seu centro de preocupações, tendo em vista que as transformações contemporâneas do mundo do trabalho acompanham uma tendência mundial de reestruturação que associa formas arcaicas de produção com processos tecnológicos de ponta, tendo em comum a ênfase na globalização dos mercados, os processos de privatização dos serviços públicos, a rápida incorporação tecnológica para a produção de bens e serviços, o aumento acelerado do trabalho informal e a exclusão social, que impactam diretamente os padrões da saúde dos trabalhadores e que exigem soluções que em grande parte somente serão encontradas no contexto de uma ação global em prol da sustentabilidade da humanidade e do planeta.

À proporção que a leitura do livro progride, o leitor poderá dar conta, em seu imaginário, de que o livro "encarna" a representação de uma voz coletiva firme, profunda e densa em defesa da saúde do trabalhador. Nas palavras simples e belas dos autores: para que uma justiça justa possibilite que o andar a vida dos trabalhadores suceda a seu favor, e de forma saudável.

Oportunamente, o livro traz também uma análise crítica sobre o desenvolvimento da área de saúde do trabalhador enquanto política pública no âmbito do Ministério da Saúde e do SUS, suas limitações e possibilidades. Essa crítica contribui para melhorar a capacidade de análise sobre as iniciativas que estão em curso no âmbito da gestão do SUS, tendo em vista que, na atual gestão, será finalmente formalizada a Política Nacional de Saúde do Trabalhador por meio de Portaria do Ministério da Saúde, cuja origem remonta à 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, realizada em 1986. Possibilita também avaliar as iniciativas de realinhamento e fortalecimento da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador no âmbito do SUS; o deslanche de uma política intersetorial de saúde e segurança do trabalho, por meio do Decreto nº. 7602/11; do redimensionamento da vigilância em saúde do trabalhador, e também, do fortalecimento da saúde do trabalhador no âmbito do Ministério da Saúde, hoje formalizada enquanto uma Coordenação Geral - CGSAT, no âmbito do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador da Secretaria de Vigilância em Saúde.

O livro Saúde, Trabalho e Direito: Uma Trajetória Critica e a Crítica de uma Trajetória é leitura obrigatória para os trabalhadores, estudiosos e todos aqueles interessados no tema da saúde do trabalhador e sua relação com o direito. Torna-se ainda mais relevante com o intenso debate gerado em torno da Conferência Mundial sobre os Determinantes Sociais da Saúde recentemente realizada e nos preparativos da Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, Rio +20, cujos eixos fundamentais nos remetem ao tema central do livro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2012
  • Data do Fascículo
    Jan 2012
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