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Trabalhar na saúde: experiências cotidianas e desafios para a gestão do trabalho e do emprego

RESENHAS BOOK REVIEWS

Trabalhar na saúde: experiências cotidianas e desafios para a gestão do trabalho e do emprego. Assunção AA, Brito J, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. 216 pp.

ISBN: 978-85-7541-217-6

O livro Trabalhar na Saúde: Experiências Cotidianas e Desafios para a Gestão do Trabalho e do Emprego, organizado por Ada A. Assunção e Jussara Brito, reúne pesquisadores de referência no campo do trabalho e saúde no Brasil, neste caso com enfoque no trabalho no setor saúde.

As três partes que compõem o livro trazem bem enunciados os objetos centrais dos estudos que serviram de fontes para os capítulos. Essas partes articulam: Cotidiano, Modos de Saber-Fazer no Trabalho e a Saúde de Quem Cuida, Sofrimento e Desgaste associados ao Trabalho no Setor Saúde e Desenvolvimento das Políticas de Gestão do Trabalho - Tendências e Desafios.

Já de início vale ressaltar a amplitude de tais objetos, tendo-se buscado abranger a própria amplitude do campo do emprego e trabalho em saúde. Ao mesmo tempo, observa-se a composição dos capítulos de modo a por em relevo o que há de específico e singular na análise dos objetos ou situações de trabalho.

Os capítulos que compõem a primeira parte tratam das condições a que se expõem, ou que experimentam, os trabalhadores da saúde, os modos como se inserem e lidam com tais condições, e os efeitos produzidos em sua vida e saúde, além das repercussões na qualidade dos serviços prestados aos usuários. Junto com a apresentação das situações analisadas, os capítulos configuram-se como oportunidade de se entrar em contato com breves, mas consistentes resgates conceituais, que ajudam a ampliar o olhar analítico sobre o trabalho e os aspectos específicos que o caracterizam como processos de trabalho em saúde. Do ponto de vista teórico, demarcamos então a relevância desses referenciais ampliados, potentes para ajudar a compreender a complexidade atual do trabalho no setor saúde, abordado na perspectiva de atividade e conceitos agregados nessa perspectiva.

Do ponto de vista da abrangência dos estudos ou alvos de abordagem, cuida-se em trazer um diversificado espectro de situações, contemplando trabalhadores de diferentes subsetores do trabalho no setor saúde e a diversidade de atividades com as quais estão envolvidos, isto é, cenários de trabalho que revelam a diversidade de situações que se podem considerar como campos de exposição, em sentido mais ampliado, indicando os campos de interação trabalho-trabalhador e o que se produz nessa relação, em diferentes âmbitos de efeitos.

Nesse contexto, aborda-se a realidade atual do trabalho em saúde, mostrando situações que têm aparecido nas pesquisas e que também observamos, reiteradamente, nos relatos de trabalhadores em e sobre seu cotidiano de trabalho - situações que de modo geral são vividas e definidas como de crescente precarização do emprego e condições laborais. Algumas dessas situações merecem destaque, por constarem das diretrizes intensamente reforçadas nos novos modelos de organização das práticas sanitárias no país - relacionadas à estruturação da hierarquia organizacional, ao trabalho em equipe, à participação nos processos decisórios - e que na prática revelam-se em suas limitações e contradições.

Um importante recorte de análise articula a relação entre precárias condições de trabalho, repercussões na capacidade ou potencialidades dos trabalhadores e a qualidade dos serviços prestados aos usuários. Os exemplos ilustram a influência das racionalidades organizativas do sistema e da produção em saúde, baseando-se centralmente na racionalização de recursos e reduções de pessoal, resultando em piora das condições laborais, sobrecargas, adoecimento e insatisfação profissional, e em repercussões negativas na assistência, em termos das inadequações na oferta dos procedimentos, no tempo disponível e na relação com os pacientes, aspectos que comprometem os resultados finais. Agravam-se assim a morbidade dos trabalhadores e o comprometimento da qualidade da atenção e, em um outro extremo, a consequência também nociva ao trabalhador e a todo o sistema são as aposentadorias precoces.

As situações de desgaste, sofrimento e adoecimento aparecem em um amplo espectro de problemas, incluindo sintomas cada vez mais crescentes na esfera da saúde mental e síndromes especificas como burnout, junto a acometimentos observados em todos os sistemas fisiológicos, além dos casos clássicos de acidentes ocupacionais e lesões associadas aos riscos específicos dos ambientes ocupacionais em saúde, agravados pela falta de segurança, de proteção e de prevenção nos casos indicados (como vacinações, uso de equipamentos etc.).

Os capítulos organizados na parte 2 do livro tratam especialmente da multiplicidade dos quadros clínicos e afastamentos do trabalho por motivos de saúde, trazendo abordagens específicas sobre violência (tanto de origem externa quanto nas relações institucionais) e desgastes associados à divisão sexual do trabalho e relações de gênero. Apresentam-se indicadores usuais de dimensionamento do adoecimento e suas conse-quências, como o absenteísmo, aspecto que se torna cada vez mais importante no cenário das preocupações governamentais e do mercado, devido ao seu custo econômico e social.

De algum modo, todas as situações abordadas nas pesquisas podem ser remetidas ao contexto em que os trabalhadores se veem desafiados a criar estratégias de enfrentamento das situações de trabalho, em meio às adversidades, paradoxos e contradições institucionais, práticas de gestão burocráticas e escassez de recursos. Assim abordam-se situações-limite no contexto da precariedade e da inventividade no cotidiano, por aí ilustrando as perspectivas do que são invenções e intervenções exitosas, mas, por outro lado, o que são esforços e desgastes resultantes de uma rotina que exige soluções improvisadas para suprir lacunas (repetidas) no âmbito da infraestrutura e provisão de recursos.

Vale lembrar que o trabalho no SUS é o principal alvo de abordagem dos estudos e isso realça a importância do material reunido neste Livro, disponibilizando informações que podem funcionar como pistas para compor ou ampliar a pauta institucional do SUS no sentido de fundamentações e esforços para se lidar com a gravidade das situações que confluem para a precarização das condições de trabalho e a tendência dos adoecimentos e âmbitos de comprometimento do serviço.

Os estudos baseados nas políticas de gestão do emprego e trabalho (parte 3 do livro) apresentam as importantes iniciativas institucionais quanto aos instrumentos normativos de regulação do trabalho no setor saúde, mas revelam também as contradições e discrepâncias entre o que está previsto e o que se implementa no cotidiano, situação portanto que se agrega como desafio para as instâncias gestoras.

Ao reunir estudos com foco na atividade de trabalho como também no âmbito da macrogestão, o livro possibilita a compreensão das adversidades no setor saúde à luz da reforma mais ampla do Estado, questão que é alvo de críticas recorrentes e, no dizer de um dos autores, reforma que induziu à "desestruturação do serviço público". As instabilidades daí decorrentes repercutem diretamente em fragilidades na organização do trabalho.

O livro, portanto, assume importante papel neste momento de necessidade de ampliação do conhecimento sobre o trabalho no setor saúde, lembrando que os estudos sistemáticos sobre a relação trabalho-saúde nesse setor de serviços ainda é um fato recente. Saliente-se também que a disponibilização desta obra coincide com um momento histórico de empenho do Ministério da Saúde em deslanchar ou intensificar iniciativas surgidas a partir dos anos 2000, entre elas as que se iniciaram em torno de políticas nacionais de desprecarização do SUS, ampliadas com a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão em Saúde e com a recém-promulgada Política Nacional de Promoção da Saúde do Trabalhador do SUS.

Somando-se ao conjunto atual dessas iniciativas e de outros estudos e experiências que têm sido realizados no país, entendemos que vem ajudar na expansão de pesquisas e intervenções nos diferentes espaços de trabalho no SUS.

Concluir esta resenha afirmando essa expectativa é também uma oportunidade de manifestar nossa satisfação com os movimentos de ampliação do debate sobre o trabalho no setor saúde, com parceiros que vêm se engajando na construção de redes de valorização do trabalho e trabalhadores da saúde.

  • Serafim Barbosa Santos Filho

    Ministério da Saúde, Belo Horizonte, Brasil. serafimsantos@terra.com.br
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Maio 2012
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