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Associação entre deficiências físicas e hospitalizações na população da cidade de São Paulo, Brasil

Physical disability and hospitalization in São Paulo, Brazil

Asociación entre discapacidades físicas y hospitalizaciones en la población de la ciudad de São Paulo, Brasil

Resumos

O objetivo foi verificar a associação entre presença de deficiências físicas e hospitalizações na cidade de São Paulo, Brasil. Foi realizado inquérito de saúde na cidade de São Paulo em 2008. Utilizou-se processo de amostragem probabilística, estratificada (sexo/idade) e por conglomerados em dois estágios (setores censitários e domicílios). Os dados foram coletados por entrevistas por meio de um questionário estruturado, com 21 blocos, com a maioria das questões fechadas. A análise inferencial foi realizada com o uso de razões de prevalência (RP) bruta e ajustada e intervalo de 95% de confiança (IC95%) pelo método de regressão de Poisson. O módulo survey do programa Stata 9.2 foi usado para as análises, com significância de 5%. Foram entrevistadas 2.690 pessoas, com idade média de 38,75 anos (IC95%: 37,54-39,96). A hospitalização foi associada à deficiência (auditiva, RP = 1,59; física, RP = 3,77; múltipla, RP = 3,26). As pessoas com deficiência (auditiva, física - paralisia/amputação e múltipla) relataram internações com mais frequência que aquelas sem deficiência.

Pessoas com Deficiência; Hospitalização; Inquéritos Epidemiológicos


This study aimed to verify the association between physical disability and hospitalization in São Paulo, Brazil, based on a health survey conducted in 2008. The study used a probabilistic stratified sampling process (sex/age) with two-stage clustering (census tracts and households). Data were collected through structured interviews including thematic 21 sections, using mostly multiple-choice questions. The analysis used crude and adjusted prevalence ratios (PR) and 95% confidence intervals (95%CI) with Poisson regression. The survey module of Stata 9.2 was used, with significance set at 5%. A total of 2,690 persons were interviewed, with a mean age of 38.75 years (95%CI: 37.54-39.96). Hospitalization was associated with disability (hearing, PR = 1.59; physical, PR = 3.77; multiple PR = 3.26). People with disabilities (hearing, physical - paralysis/amputation, and multiple) reported more hospitalizations than those without disabilities.

Disabled Persons; Hospitalization; Health Surveys


El objetivo fue verificar la asociación entre la presencia de discapacidades físicas y hospitalizaciones en la ciudad de São Paulo, Brasil. Se realizó un cuestionario de salud en la ciudad de São Paulo en 2008. Se utilizó un proceso de muestreo probabilístico, estratificado (sexo/edad) y por conglomerados en dos etapas (sectores censitarios y domicilios). Los datos fueron recogidos por entrevistas, mediante un cuestionario estructurado, con 21 bloques y la mayoría de las preguntas cerradas. El análisis inferencial se realizó con el uso de razones de prevalencia (RP) bruta y ajustada e intervalo de un 95% de confianza (IC95%) por el método de regresión de Poisson. El módulo survey del programa Stata 9.2 se usó para los análisis, con una significancia de un 5%. Se entrevistaron a 2.690 personas, con una edad media de 38,75 años (IC95%: 37,54-39,96). La hospitalización se asoció a la discapacidad (auditiva, RP = 1,59; física, RP = 3,77; múltiple, RP = 3,26). Las personas con discapacidad (auditiva, física - parálisis/amputación y múltiple) relataron internamientos con más frecuencia que aquellas sin discapacidad.

Personas con Discapacidad; Hospitalización; Encuestas Epidemiológicas


ARTIGO ARTICLE

Associação entre deficiências físicas e hospitalizações na população da cidade de São Paulo, Brasil

Physical disability and hospitalization in São Paulo, Brazil

Asociación entre discapacidades físicas y hospitalizaciones en la población de la ciudad de São Paulo, Brasil

Shamyr Sulyvan CastroI; Luana CarandinaII; Marilisa Berti de Azevedo BarrosIII; Moisés GoldbaumIV; Chester Luiz Galvão CesarV

IInstituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, Brasil

IIFaculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Botucatu, Brasil

IIIFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil

IVFaculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

VFaculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Correspondência S. S. Castro Departamento de Fisioterapia Aplicada, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Rua Capitão Domingos 309, Uberaba, MG 38025-010, Brasil. shamyrsulyvan@gmail.com

ABSTRACT

This study aimed to verify the association between physical disability and hospitalization in São Paulo, Brazil, based on a health survey conducted in 2008. The study used a probabilistic stratified sampling process (sex/age) with two-stage clustering (census tracts and households). Data were collected through structured interviews including thematic 21 sections, using mostly multiple-choice questions. The analysis used crude and adjusted prevalence ratios (PR) and 95% confidence intervals (95%CI) with Poisson regression. The survey module of Stata 9.2 was used, with significance set at 5%. A total of 2,690 persons were interviewed, with a mean age of 38.75 years (95%CI: 37.54-39.96). Hospitalization was associated with disability (hearing, PR = 1.59; physical, PR = 3.77; multiple PR = 3.26). People with disabilities (hearing, physical – paralysis/amputation, and multiple) reported more hospitalizations than those without disabilities.

Disabled Persons; Hospitalization; Health Surveys

RESUMO

O objetivo foi verificar a associação entre presença de deficiências físicas e hospitalizações na cidade de São Paulo, Brasil. Foi realizado inquérito de saúde na cidade de São Paulo em 2008. Utilizou-se processo de amostragem probabilística, estratificada (sexo/idade) e por conglomerados em dois estágios (setores censitários e domicílios). Os dados foram coletados por entrevistas por meio de um questionário estruturado, com 21 blocos, com a maioria das questões fechadas. A análise inferencial foi realizada com o uso de razões de prevalência (RP) bruta e ajustada e intervalo de 95% de confiança (IC95%) pelo método de regressão de Poisson. O módulo survey do programa Stata 9.2 foi usado para as análises, com significância de 5%. Foram entrevistadas 2.690 pessoas, com idade média de 38,75 anos (IC95%: 37,54-39,96). A hospitalização foi associada à deficiência (auditiva, RP = 1,59; física, RP = 3,77; múltipla, RP = 3,26). As pessoas com deficiência (auditiva, física – paralisia/amputação e múltipla) relataram internações com mais frequência que aquelas sem deficiência.

Pessoas com Deficiência; Hospitalização; Inquéritos Epidemiológicos

RESUMEN

El objetivo fue verificar la asociación entre la presencia de discapacidades físicas y hospitalizaciones en la ciudad de São Paulo, Brasil. Se realizó un cuestionario de salud en la ciudad de São Paulo en 2008. Se utilizó un proceso de muestreo probabilístico, estratificado (sexo/edad) y por conglomerados en dos etapas (sectores censitarios y domicilios). Los datos fueron recogidos por entrevistas, mediante un cuestionario estructurado, con 21 bloques y la mayoría de las preguntas cerradas. El análisis inferencial se realizó con el uso de razones de prevalencia (RP) bruta y ajustada e intervalo de un 95% de confianza (IC95%) por el método de regresión de Poisson. El módulo survey del programa Stata 9.2 se usó para los análisis, con una significancia de un 5%. Se entrevistaron a 2.690 personas, con una edad media de 38,75 años (IC95%: 37,54-39,96). La hospitalización se asoció a la discapacidad (auditiva, RP = 1,59; física, RP = 3,77; múltiple, RP = 3,26). Las personas con discapacidad (auditiva, física – parálisis/amputación y múltiple) relataron internamientos con más frecuencia que aquellas sin discapacidad.

Personas con Discapacidad; Hospitalización; Encuestas Epidemiológicas

Introdução

As pessoas com deficiência são sabidamente um grupo excluído socialmente 1,2,3 que representava 23,92% da população total do país em 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de recuperação automática – SIDRA. http://www.sidra.ibge.gov.br/, acessado em 11/Mar/2012). São parcelas consideráveis da sociedade vivendo com algum tipo de deficiência e enfrentando barreiras diversas no dia a dia, inclusive quando procuram pelos serviços de saúde 4.

A deficiência é descrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como resultante da interação entre uma pessoa com incapacidades físicas com o meio ambiente, criando limitações 5. Essa definição traz, em sua concepção, o modelo biopsicossocial para explicar o processo incapacitante 6. Por esse modelo explicativo, a deficiência seria fruto da interação entre meio ambiente (físico ou social), fatores biológicos e psicológicos, o que mostra uma abordagem mais holística e completa da questão. Nesse sentido, os serviços de saúde se encaixam nesse modelo explicativo como componente dos fatores ambientais 7. Se o serviço de saúde dentro do campo dos fatores ambientais age de forma positiva, ele é chamado de "facilitador", caso contrário, ele se configura como uma "barreira" 6. É importante salientar que as inter-relações entre os componentes do modelo podem influenciar positiva ou negativamente a pessoa com deficiência, portanto, especial atenção deve ser dada aos serviços de saúde, sejam eles hospitais ou consultórios odontológicos, pois podem assumir um papel prejudicial à pessoa com deficiência.

Conhecer os perfis de hospitalização e sua relação com a ocorrência de deficiências físicas pode proporcionar informações para o planejamento em saúde à medida que serão evidenciados padrões de uso de serviços em saúde desse grupo populacional. Dessa forma, o serviço de saúde poderá ser mais bem preparado para o atendimento que já realiza, e áreas de atendimento inexistentes ou insuficientes poderão ser implantadas ou implementadas.

O objetivo da presente pesquisa foi verificar a associação entre desigualdades em hospitalizações no último ano e presença de deficiências físicas na cidade de São Paulo, Brasil.

Métodos

Desenho de estudo e população

O presente estudo é um inquérito de saúde de base populacional, realizado com residentes na área urbana de São Paulo, em 2008, com o objetivo de analisar as condições de vida e saúde, incluindo uso de serviços de saúde, por meio de entrevistas domiciliares. Foi entrevistado um total de 3.271 pessoas, sendo selecionadas as que tinham mais de 11 anos, totalizando 2.690 pessoas que constituem a amostra aqui estudada.

Os resultados aqui apresentados utilizam dados da pesquisa denominada Inquérito Domiciliar de Saúde ou ISA-Capital 2008, que foi financiado pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Os coordenadores do ISA-Capital 2008 são docentes e pesquisadores, integrantes de um grupo de pesquisa de inquéritos de saúde que existe desde 1999 e está sediado na Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (FSP/USP), com cadastro no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0067406OKGBFU7). O grupo, em questão, conta com pesquisadores de diversas instituições como FSP/USP e Faculdade de Medicina da USP; Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); Instituto de Saúde, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

O ISA-Capital 2008 foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FSP/USP (parecer n. 381/2001).

Amostragem

Os sujeitos entrevistados no ISA-Capital 2008 foram selecionados por meio do processo de amostragem probabilística, estratificada por sexo/idade e por conglomerados em dois estágios: setores censitários e domicílios. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2005) serviram de base para o sorteio de 70 setores censitários, dentre os 267 existentes no município 8.

Cada um dos indivíduos da amostra recebeu um peso que foi calculado considerando-se os aspectos do delineamento amostral, o ajuste de não resposta para os setores censitários segundo percentual de chefe de família com nível universitário em três níveis (menos de 5% dos chefes de família com nível universitário; de 5% a 25%; e acima de 25%) e o ajuste de pós-estratificação, segundo sexo (masculino e feminino) e idade (0 a 11 anos; 12 a 19 anos, 20 a 39 anos, 40 a 59 anos e 60 anos ou mais), com o objetivo de igualar a composição sociodemográfica da amostra à da população do Município de São Paulo no ano da realização do estudo 8.

Coleta de dados

Os dados foram coletados por meio de entrevistas com um questionário estruturado, contendo 21 blocos, sendo a maioria das questões que foram respondidas pelos entrevistados fechadas 9.

As entrevistas foram realizadas em domicílio, por entrevistadores treinados especificamente para essa pesquisa. Pesquisadores especialmente destacados e treinados para a supervisão de campo checaram a realização de aproximadamente 5% das visitas por telefone. Registrou-se uma taxa de não resposta de 22,5% (domicílios vagos) e de 7,3% (moradores podem se recusar a informar se havia alguém da faixa etária de interesse residindo no domicílio) 10.

Preparação do banco de dados

Os dados passaram por um processo de dupla digitação em uma máscara para entrada de dados projetada para essa pesquisa, contendo campos específicos com mecanismos de limitação de erros na digitação. Além disso, ao final da digitação, foi realizado um processo de validação e checagem da consistência do banco de dados em que possíveis erros de digitação foram detectados e corrigidos de acordo com o questionário impresso com as respostas do entrevistado.

Nessa fase, foram incorporados, ao banco, os pesos de cada observação de acordo com o processo de amostragem do inquérito.

A variável dependente foi a relacionada a hospitalizações nos 12 meses anteriores à entrevista. As variáveis independentes analisadas foram: autorrelato de presença/tipo de deficiência (sem deficiência; deficiência visual; deficiência auditiva; deficiência física/perda ou amputação de membros; deficiência múltipla); sexo; escolaridade (nunca estudou; estudou de 4 a 7 anos; estudou de 8 a 11 anos; 12 anos ou mais; não sabe/não respondeu); estado civil (casado/unido; solteiro; separado/desquitado; viúvo); raça (branca; negra/parda; amarela/indígena; outra); procedência (São Paulo; outra cidade); renda do indivíduo em salários mínimos (menor que 1; 1 a 4,99; 5 ou mais); presença de doenças crônicas e presença de morbidades nos 15 dias anteriores à entrevista.

Análise estatística

Os dados foram analisados de forma descritiva com o uso de porcentagens, números absolutos, prevalências e médias.

A análise inferencial foi realizada com o uso de testes de qui-quadrado de Pearson, de razões de prevalência (RP) bruta e ajustada e de intervalo de 95% de confiança (IC95%). As RP foram calculadas por meio de modelos de regressão de Poisson. Na primeira etapa, foram elaborados modelos para cada desfecho estudado em relação a cada uma das variáveis independentes selecionadas para a análise. Em seguida, modelos de regressão múltipla foram elaborados utilizando-se as variáveis que mostraram significância (p < 0,20) nos modelos da primeira etapa. O processo stepwise backward selection, em que todas as variáveis são inicialmente incluídas no modelo e aquelas com significância (p > 0,20) são gradativamente retiradas, foi utilizado. As variáveis com valor de p ≤ 0,20 e a idade foram mantidas no modelo para efeitos de ajuste. A significância adotada foi de 5%. O programa estatístico Stata 9.2 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos) foi usado nesta pesquisa, uma vez que o peso atribuído a cada sujeito deve ser incorporado no processo de análise, o que é feito pelo módulo survey do referido programa.

Resultados

Foram entrevistadas 2.690 pessoas, com idade média de 38,75 anos (IC95%: 37,54-39,96); sendo que a média de idade entre as pessoas que não referiram deficiência alguma foi de 36,88 anos (IC95%: 35,78-37,97); entre as pessoas com deficiência visual, foi de 45,36 anos (IC95%: 42,42-48,29); com deficiência auditiva, de 55,82 anos (IC95%: 51,27-60,36); com deficiência física, de 53,13 anos (IC95%: 45,40-60,87); e com deficiência múltipla, de 58,13 anos (IC95%: 52,06-64,19); e 7,13% (IC95%: 6,05-8,39) dos entrevistados relataram hospitalizações nos 12 meses anteriores à entrevista.

Os dados da Tabela 1 mostram que a deficiência mais prevalente foi a visual, relatada por 7,06% dos entrevistados; 53,07% dos sujeitos eram mulheres; 48,41% dos entrevistados estudaram de 8 a 11 anos; 71,79% eram casados/unidos; 61,23% se declararam brancos; 52,70% procediam da cidade de São Paulo; 59,96% tinham renda entre 1 e 4,99 salários mínimos; 71,57% relataram a presença de doenças crônicas, e 19,72%, morbidades nos 15 dias anteriores à entrevista.

As RP bruta e ajustada podem ser visualizadas na Tabela 1. As variáveis que permaneceram no modelo ajustado e mostraram significância para a hospitalização foram a presença de deficiência (auditiva, RP = 1,59; física, RP = 3,77; múltipla, RP = 3,26) e morbidade nos 15 dias anteriores à entrevista (RP = 1,61). As variáveis usadas para efeitos de ajuste foram idade, sexo e presença de doenças crônicas.

Discussão

A prevalência de hospitalizações entre as pessoas entrevistadas na cidade de São Paulo foi de 7,13%; valor próximo ao encontrado para a cidade de Pelotas (Rio Grande do Sul), onde os pesquisadores apontam uma prevalência de 7,6% 11; mas abaixo da encontrada na cidade de Canoas (Rio Grande do Sul), que foi de 9,4% 12. Outras referências, para efeito de comparação, não foram encontradas na literatura.

A ocorrência de hospitalizações foi maior entre as pessoas com deficiência auditiva, física (paralisia ou amputação) e com deficiência múltipla, quando comparadas com as pessoas que não relataram deficiências. A relação entre presença de deficiência e uma maior prevalência de comorbidades já foi relatada na literatura para a população de São Paulo 13, em outras cidades 14,15 e países 16,17. Alguns fatores podem contribuir para essa concomitância de morbidades com as deficiências físicas, entre eles, pode ser citada a maior vulnerabilidade das pessoas com deficiência; além disso, a falta de oportunidades para manutenção da saúde e prevenção de doenças, a presença de comorbidades ou morbidades secundárias e a necessidade de tratamentos mais complexos e prolongados podem contribuir para esse estado de saúde diferenciado em relação às pessoas sem deficiência 18.

As hospitalizações mais frequentes entre as pessoas com deficiência podem se configurar em um importante referencial para o planejamento em saúde. Considerando que a presença de deficiências físicas está relacionada com o aumento da idade 19,20,21 e que o Brasil está em um momento de transição demográfica 22,23 e epidemiológica 24,25, os gastos com hospitalizações de pessoas com deficiências tendem a aumentar com o tempo, mas não só pelo incremento populacional na quantidade de pessoas com deficiências físicas e também porque esse grupo de pessoas pode demandar um período de internação 40% mais longo quando comparado ao das pessoas sem deficiência 26. É importante ressaltar que o efeito de possíveis variáveis com efeitos de confundimento ou interação foi descartado pelo método de ajuste do modelo de regressão de Poisson; dessa forma, a ocorrência de morbidades de 15 dias 13, idade 27 e sexo 28 não interferem nos maiores índices de hospitalização entre as pessoas com deficiências auditiva, física e múltipla, quando comparadas com as pessoas sem deficiência.

A maior frequência de hospitalização entre as pessoas com deficiência pode ter suas origens na maior frequência de doenças de ouvido e garganta 29,30, no caso da deficiência auditiva, doenças cardiovasculares 31, musculoesqueléticas 32, além de doenças crônicas 13, entre as pessoas com deficiência física. Esses seriam fatores que poderiam contribuir para uma maior prevalência referida de internações hospitalares.

A natureza autorreferida dos dados pode configurar uma limitação deste estudo, uma vez que a subestimação das prevalências de hospitalizações e de deficiências pela ocorrência do viés de memória e/ou ausência de diagnóstico pode ocorrer. Entretanto, a coleta de dados autorreferidos é forma consagrada de coleta de dados em estudos populacionais com confiabilidade 33. Além disso, variáveis relativas à distribuição geográfica dos serviços de saúde também devem ser consideradas 34, uma vez que a presença e a distância do estabelecimento de saúde podem ser determinantes no seu uso efetivo. A acessibilidade física também exerce papel central no uso dos serviços de saúde por pessoas com deficiência 35,36 e deve ser analisada em estudos como este. Em estudos futuros, recomenda-se que o grau de severidade da deficiência deve ser considerado, justificando-se pelos diferentes níveis de acometimento da deficiência 37,38.

Conclusões

O maior uso de serviços de saúde para hospitalização nos 12 meses anteriores à entrevista foi associado à presença de deficiências auditiva, física (paralisia ou amputação) e múltipla, quando comparado com o uso das pessoas sem deficiência. Essa diferença nos padrões de internações hospitalares pode ter origens nas comorbidades apresentadas pelas pessoas com deficiências. Além disso, pode haver implicações para o planejamento dos serviços de saúde, considerando o momento de transição demográfica e epidemiológica vivido pelo país, que resultará em um aumento da prevalência de deficiências entre a população.

Colaboradores

S. S. Castro participou da concepção, implementação do projeto, análise dos dados e redação do artigo. L. Carandina, M. B. A. Barros, M. Goldbaum e C. L. G. Cesar colaboraram na concepção, implementação do projeto, interpretação dos dados, revisão crítica e aprovação da versão final.

Agradecimentos

À Dra. Maria Cecília Goi Porto Alves pelo planejamento e assessoria no processo de amostragem da presente pesquisa; à Prefeitura da Cidade de São Paulo, Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, e à FINEP pelo apoio financeiro.

Recebido em 10/Set/2012

Versão final reapresentada em 29/Dez/2012

Aprovado em 17/Jan/2013

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  • Correspondência
    S. S. Castro
    Departamento de Fisioterapia Aplicada, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
    Rua Capitão Domingos 309, Uberaba, MG 38025-010, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Maio 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Set 2012
    • Aceito
      17 Jan 2013
    • Revisado
      29 Dez 2012
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