Introdução
Infecções pelo papilomavírus humano (HPV) são consideradas como a doença sexualmente transmitida mais comum, representando 450 milhões de pessoas infectadas na região anogenital, com incidência de 1% e prevalência superior a 50% no mundo 1.
O HPV é universalmente aceito como agente causal do câncer de colo uterino e, em anos recentes, vem se especulando sua relação com o câncer de cavidade oral e orofaringe. O HPV 16 é o tipo mais comum associado ao câncer oral e ao de colo de útero, enquanto os tipos 6 e 11 são mais frequentes em lesões benignas e pré-malignas e raramente nas lesões neoplásicas da cabeça e do pescoço. Os achados comuns dos mesmos tipos de HPV (6, 11, 16 e 18) em mucosa oral e genital são um forte indicativo para a transmissão orogenital 2,3,4.
Muitos estudos comprovam a associação do HPV com o câncer cervical. Outros foram publicados relacionando a presença de HPV no câncer oral. No Brasil e principalmente na Região Norte, esses estudos são escassos, assim este estudo se propõe a verificar a prevalência do HPV e os tipos mais prevalentes de HPV 6, 11, 16, 18, 31, 33, 35, 52 e 58 em indivíduos sem lesões clinicamente diagnosticáveis na cavidade oral, pois a realização de testes capazes de identificar o HPV pode ser um importante método para o diagnóstico precoce de lesões neoplásicas na cavidade oral e orofaringe.
Método
Este estudo caracteriza-se como transversal analítico. A amostra foi composta de raspado bucal de 166 indivíduos que procuraram atendimento na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará, selecionados aleatoriamente, considerando o volume de atendimentos em um semestre. Os critérios de inclusão dos participantes foram não apresentar lesões clinicamente diagnosticáveis na cavidade bucal, residirem em Belém, Pará, e concordarem em participar da pesquisa após serem devidamente esclarecidos de seus objetivos. Considerando ser um estudo observacional e não necessitar da consideração do poder do teste, foram adotados grau de confiança de 99% e erro amostral absoluto de 10% para calcular o tamanho amostral. Como não existiam estudos prévios semelhantes no estado, considerou-se prevalência estimada de 50% para efeito do cálculo do tamanho amostral.
A análise laboratorial para identificação viral foi realizada pela técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase). Para a obtenção de DNA, foi coletado material em raspado com escova estéril (kit para coleta de colpocitologia oncótica) da mucosa do vestíbulo bucal bilateralmente, superfície dorsal e ventral de língua, palato duro, palato mole e assoalho bucal. O DNA foi extraído utilizando-se o kit PureLink Genomic DNA (Invitrogen, Carlsbad, Estados Unidos).
Para a pesquisa de HPV, foram utilizados dois procedimentos de PCR: um para detecção do DNA viral e outro para tipagem. As amostras positivas para HPV foram tipadas para os vírus tipos 6, 11, 16, 18, 31, 33, 35, 52 e 58.
PCR 1: realizada em termociclador Eppendorf (Hamburgo, Alemanha), utilizando GoTaq Green Master Mix (Promega, Madison, Estados Unidos). Para cada reação, foram utilizados 10µL de Mix, 8,2 de água e 0,8µL de oligos MY9 e MY11 e 1,0µL de DNA. A reação foi padronizada com um ciclo de desnaturação inicial de 94ºC por 3 minutos e 40 ciclos da amplificação de PCR, com desnaturação em 94ºC por 30 segundos, anelamento a 56ºC por 30 segundos e extensão a 72ºC por 30 segundos. Extensão final ocorreu a 72ºC por 5 minutos com reação mantida a 10ºC. As amostras foram submetidas à eletroforese em gel de agarose a 1,5% em TBE.
PCR 2: PCR em tempo real no StepOnePlus da Applied Biosystems (Foster, Estados Unidos), utilizando sondas específicas e kit Platinum qPCR SuperMix-UDG (Invitrogen, Carlsbad, Estados Unidos). A reação consistiu de 40 ciclos de desnaturação a 95ºC por 30 segundos e anelamento e extensão a 60ºC.
Para controle da presença de DNA, as amostras foram submetidas à PCR para β globina, nas mesmas condições usadas para HPV. Todas as reações foram realizadas utilizando-se um controle positivo de câncer de colo uterino e um controle negativo de amostra sabidamente negativa para PCR 1 e dois controles negativos, na PCR 2, para estabelecer confiabilidade à reação.
Este projeto foi aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com as normas vigentes.
Resultados
Em relação à faixa etária, 43,4% (n = 72) tinham de 18 a 29 anos de idade; 37,4% (n = 62), de 30 a 49 anos; 12,0% (n = 20), de 50 a 59 anos; e 7,2% (n = 12), de 60 a 79 anos. A idade média foi de 35,9; e a mediana, de 33 anos.
Quanto ao sexo, 62,0% (n = 103) pertenciam ao feminino; e 38% (n = 63), ao masculino. Quando observada a cor da pele, 75,3% (n = 125) eram pardos; 13,3% (n = 22), negros; e 11,4% (n = 19), brancos. Tabagismo foi relatado por 6,6% da amostra; e o álcool, por 23,5%.
A prevalência de indivíduos infectados pelo HPV foi de 24,1% (n = 40) (Tabela 1).
Tabela 1 Infecção por HPV nos indivíduos examinados a partir da raspagem da mucosa oral. Belém, Pará, Brasil, 2013.
Infecção por HPV | n | % |
---|---|---|
Sim | 40 | 24,1 |
Não | 126 | 75,9 |
Total | 166 | 100,0 |
As amostras infectadas pelo HPV foram submetidas à PCR para tipagem dos tipos 6, 11, 16, 18, 31, 33, 35, 52 e 58, e observou-se a presença do HPV 6 em 7,5% (n = 3); HPV 18, em 12,5% (n = 5); e HPV 58, em 2,5% (n = 1) (Tabela 2).
Tabela 2 Prevalência de subtipos de HPV de interesse clínico em indivíduos infectados pelo vírus a partir da raspagem da mucosa oral. Belém, Pará, Brasil, 2013.
Subtipos de HPV | n | % |
---|---|---|
HPV 6 | ||
Sim | 3 | 7,5 |
Não | 37 | 92,5 |
HPV 11 | ||
Sim | 0 | 0,0 |
Não | 40 | 100,0 |
HPV 16 | ||
Sim | 0 | 0,0 |
Não | 40 | 100,0 |
HPV 18 | ||
Sim | 5 | 12,5 |
Não | 35 | 87,5 |
HPV 31 | ||
Sim | 0 | 0,0 |
Não | 40 | 100,0 |
HPV 33 | ||
Sim | 0 | 0,0 |
Não | 40 | 100,0 |
HPV 35 | ||
Sim | 0 | 0,0 |
Não | 40 | 100,0 |
HPV 52 | ||
Sim | 0 | 0,0 |
Não | 40 | 100,0 |
HPV 58 | ||
Sim | 1 | 2,5 |
Não | 39 | 97,5 |
Total | 40 | 100,0 |
Os HPVs 11, 16, 31, 33, 35 e 52 não foram encontrados em nenhuma das amostras investigadas, totalizando 31 amostras positivas para HPV sem a presença dos tipos analisados (Tabela 2).
Não foi observada associação entre infecção pelo HPV e idade (p = 0,24) e sexo (p = 0,57). A associação entre infecção por HPV e cor da pele foi estatisticamente significante (p = 0,03). Houve uma maior proporção de negros (13,3%, n = 22) no grupo de não infectados (16,7%, n = 21) que no de infectados (2,5%, n = 1).
Discussão
O perfil da amostra corresponde às características da população paraense e dos pacientes que procuram atendimento odontológico. Mulheres procuram mais serviços de saúde por terem mais preocupação com seu bem-estar e estética que os homens e estarem vinculadas a tipos de ocupação com horários menos rígidos que os homens na sua maioria 5. A cor da pele predominante no estado é parda, explicando a prevalência de 75,3%.
Estudos envolvendo detecção de HPV na mucosa oral normal divergem na prevalência. Esquenazi et al. 6 verificaram ausência de HPV nos 100 voluntários universitários pesquisados no Rio de Janeiro. Baixas prevalências foram encontradas por Ammatuna et al. 7 (3,3%) e Migaldi et al. 8 na Itália (1,2%). Altas prevalências foram observadas por Zhang et al. 9 na China (55%) e Kristoffersen et al. 10 na Noruega (56%).
A prevalência detectada nesse estudo (24,1%) foi similar à de Llamas-Martinez et al. 11 na Espanha, 23,3%. O HPV 16 não foi detectado, corroborando com os dados aqui encontrados.
Kristoffersen et al. 10 verificaram presença de HPV 6, 11 e 16. HPV 6 e 11 foram encontrados em duas amostras concomitantemente; HPV 6, em 11 amostras; HPV 11, em 7 amostras; e HPV 16, em uma.
Zhang et al. 9 encontraram HPV 16 e HPV 18 em 13 e 11 amostras de um total de 22 positivas, respectivamente. Duas amostras apresentaram ambos os tipos de HPV. Vale ressaltar que os autores pesquisaram apenas os tipos 16 e 18 e concluíram que a infecção por HPV é um evento comum na mucosa oral normal.
A associação entre infecção pelo HPV com faixa etária e sexo em indivíduos sem lesão na cavidade oral não foi estatisticamente significante neste estudo, apesar de a maioria da amostra ter menos de 50 anos e ser do sexo feminino, coincidindo com o encontrado por Llamas-Martinez et al. 11.
Levando-se, em consideração, a importância dos agentes virais como fatores de risco, além do fumo e do álcool, para o desenvolvimento de câncer bucal e a mortalidade e sequelas que a doença pode causar na qualidade de vida das pessoas e inserção na sociedade, a realização de exames de biologia molecular para detecção dos agentes virais, especialmente o HPV, pode ser um excelente método para identificação de indivíduos com maior risco de desenvolvimento da carcinogênese oral, proporcionando diagnóstico precoce e facilitando o acompanhamento dos indivíduos infectados.
A concepção de que esses exames teriam alto custo não justifica sua exclusão como meio diagnóstico, já que o custo seria inferior aos efetuados com as despesas hospitalares advindas da cirurgia, radioterapia e quimioterapia, geralmente necessárias no tratamento do câncer bucal, pois os pacientes são detectados em estádio avançado, onerando o Sistema Único de Saúde, acrescido dos benefícios que podem trazer ao indivíduo, com um diagnóstico precoce, melhorando sua qualidade de vida.