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Epidemiologia da hipertensão arterial em indígenas Kaingang, Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013

Resumos

Estudo transversal, com objetivo de descrever a prevalência de níveis tensionais sugestivos de hipertensão arterial sistêmica (NTSHAS), e das médias de pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD), e suas associações com dados sociodemográficos e antropométricos, entre 355 adultos (20+ anos) Kaingang (Terra Indígena Xapecó). Foram aferidos peso, estatura, circunferência da cintura (CC), PAS, PAD, e coletados dados sociodemográficos. A prevalência de níveis tensionais sugestivos de hipertensão foi 53,2% (IC95%: 45,3; 61,1) entre os homens e 40,7% (IC95%: 33,8; 47,6) entre as mulheres. Nas mulheres, a idade e CC se associaram positivamente aos NTSHAS; a idade se associou à PAS e a escolaridade à PAD. Nos homens com maior índice de massa corporal (IMC) e CC e casa com chão de cerâmica, registraram-se maiores prevalências de NTSHAS; a maior CC e maior IMC se associaram com valores mais altos de PAS; o IMC e a CC, diretamente com a PAD. Destaca-se a necessidade de ações para controle dos fatores de risco para NTSHAS, por causa da elevada prevalência encontrada entre os Kaingang e a contribuição na morbimortalidade por doenças cardiovasculares.

Hipertensão; Índios Sul-Americanos; Saúde de Populações Indígenas


This cross-sectional study describes the prevalence of high blood pressure (HBP; measured at one setting, and suggestive of a clinical diagnosis of arterial hypertension) and mean systolic blood pressure (SBP) and diastolic blood pressure (DBP) and their associations with socio-demographic and anthropometric variables among 355 Kaingang adults (≥ 20 years) on the Xapecó Indigenous Land in Brazil. Weight, height, waist circumference (WC), SBP, and DBP were measured and socio-demographic data were collected. Prevalence of HBP was 53.2% (95%CI: 45.3; 61.1) in men and 40.7% (95%CI: 33.8; 47.6) in women. In women, age and WC were directly associated with HBP; age was associated with SBP and schooling with DBP. In men, HBP was statistically associated with high body mass index (BMI) and tile floor in the home (as a socioeconomic proxy); BMI and WC were associated with SBP; BMI and WC were associated with DBP. The study highlights the need for measures to control risk factors for HBP, especially due to its relevance for cardiovascular diseases and their consequences.

Arterial Hypertension; South American Indians; Health of Indigenous Peoples


Estudo transversal, com objetivo de descrever a prevalência de níveis tensionais sugestivos de hipertensão arterial sistêmica (NTSHAS), e das médias de pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD), e suas associações com dados sociodemográficos e antropométricos, entre 355 adultos (20+ anos) Kaingang (Terra Indígena Xapecó). Foram aferidos peso, estatura, circunferência da cintura (CC), PAS, PAD, e coletados dados sociodemográficos. A prevalência de níveis tensionais sugestivos de hipertensão foi 53,2% (IC95%: 45,3; 61,1) entre os homens e 40,7% (IC95%: 33,8; 47,6) entre as mulheres. Nas mulheres, a idade e CC se associaram positivamente aos NTSHAS; a idade se associou à PAS e a escolaridade à PAD. Nos homens com maior índice de massa corporal (IMC) e CC e casa com chão de cerâmica, registraram-se maiores prevalências de níveis tensionais sugestivos de hipertensão; a maior CC e maior IMC se associaram com valores mais altos de PAS; o IMC e a CC, diretamente com a PAD. Destaca-se a necessidade de ações para controle dos fatores de risco para NTSHAS, por causa da elevada prevalência encontrada entre os Kaingang e a contribuição na morbimortalidade por doenças cardiovasculares.

Hipertensão; Índios Sul-Americanos; Saúde de Populações Indígenas


Estudio transversal, con el objetivo de describir la prevalencia de niveles tensionales sugestivos de la hipertensión arterial sistémica (NTSHAS), los niveles de presión arterial sistólica (PAS) y diastólica (PAD), y su asociación con datos sociodemográficos y antropométricos, entre 355 adultos (20+años) Kaingang (Tierra Indígena Xapecó). Se midieron peso, talla, circunferencia de cintura (CC), PAS y PAD, y se recogieron datos sociodemográficos. La prevalencia de HAS fue 53,2% (IC95%: 45,3; 61,1) entre los hombres y 40,7% (IC95%: 33,8; 47,6) en las mujeres. En ellas, la edad y la CC se asociaron positivamente a NTSHAS; la edad se asoció con la PAS y la escolaridad con la PAD. En hombres de mayor índice de masa corporal (IMC) y CC, y con casa de pisos de cerámica, se registraron mayor prevalencia de HAS; la mayor CC y mayor IMC se asociaron con mayor PAS; y el IMC y CC, directamente asociados con la PAD. Destaca la necesidad de adoptar medidas dirigidas a controlar los factores de riesgo para la NTSHAS, en vista de la alta prevalencia entre los Kaingang y su contribución en la morbilidad y la mortalidad por enfermedad cardiovascular.

Hipertensión; Indios Sudamericanos; Salud de Poblaciones Indígenas


Introdução

Mudanças no perfil de morbimortalidade da população mundial foram observadas desde as primeiras décadas do século XX 11. Omram AR. The epidemiologic transition: a theory of the epidemiology of population change. Milbank Q 1971; 49:509-38.. Conhecida como transição epidemiológica, as referidas mudanças foram observadas no Brasil, especialmente a partir da metade do século XX 22. Prata PR. A transição epidemiológica no Brasil. Cad Saúde Pública 1992; 8:168-75. , 33. Batista Filho M, Rissin A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cad Saúde Pública 2003; 19 Suppl 1:S181-91.. Para o conjunto dos povos indígenas do país, contudo, os dados hoje disponíveis não permitem a identificação de tendência equivalente. No entanto, mesmo que as precárias condições de saneamento e dificuldades de acesso a serviços de saúde contribuam para altas prevalências das doenças infecciosas e parasitárias, alguns estudos têm apontado frequências sucessivamente mais elevadas de doenças e agravos não transmissíveis (DANT) entre povos indígenas 44. Welch JR, Ferreira AA, Santos RV, Gugelmin SA, Werneck G, Coimbra Jr. CEA. Nutrition transition, socioeconomic differentiation, and gender among adult Xavante Indians, Brazilian Amazon. Hum Ecol 2009; 37:13-26. , 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409..

O contato e a interação dos povos indígenas com o segmento não indígena da população provocaram mudanças de ordem econômica, social, cultural e ambiental, com destaque para a diminuição dos territórios tradicionalmente ocupados e explorados pelos primeiros. Essas modificações afetaram os sistemas de subsistência, ocasionando, em geral, carência e empobrecimento alimentar 66. Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Cenários e tendências da saúde e da epidemiologia dos povos indígenas do Brasil. In: Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Escobar AL, organizadores. Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/ABRASCO; 2003. p. 13-47. , 77. Leite MS, Santos RV, Coimbra Jr. CEA, Gugelmin SA. Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Editora Atheneu; 2007. p. 503-17.. A diminuição de atividades, como a caça e a pesca, a introdução da economia monetária e do trabalho assalariado resultaram, não raro, em menores níveis de atividade física e em um acesso cada vez maior a alimentos ocidentais, com destaque para os produtos industrializados 88. Wirsing RL. The health of traditional societies and the effects of acculturation. Curr Anthropol 1985; 26:303-22.. Esses se associaram a uma alimentação monótona, rica em carboidratos e pobre em proteínas, vitaminas e minerais, que, aliados a outros fatores, têm produzido o desenvolvimento de DANT em um processo também verificado entre populações nativas de outras partes do globo 88. Wirsing RL. The health of traditional societies and the effects of acculturation. Curr Anthropol 1985; 26:303-22.. Assim, o contato com não indígenas tem tido papel significativo na emergência e crescimento das DANT entre os povos indígenas 88. Wirsing RL. The health of traditional societies and the effects of acculturation. Curr Anthropol 1985; 26:303-22..

Os dados disponíveis sobre hipertensão arterial sistêmica (HAS) entre os povos indígenas no Brasil são escassos, o que não permite conhecer de forma abrangente sua distribuição e ocorrência. Porém, alguns estudos têm encontrado aumento dos níveis tensionais no decorrer dos anos de contato de indígenas com não indígenas 44. Welch JR, Ferreira AA, Santos RV, Gugelmin SA, Werneck G, Coimbra Jr. CEA. Nutrition transition, socioeconomic differentiation, and gender among adult Xavante Indians, Brazilian Amazon. Hum Ecol 2009; 37:13-26. , 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. , 99. Neel JV, Salzano FM, Junqueira PC, Ketter F, Maybury-Lewis D. Studies on the Xavante Indians of the Brazilian Mato Grosso. Am J Hum Genet 1964; 16:52-140.. Além disso, o que se tem percebido é que as DANT entre populações indígenas estão aumentando de forma mais rápida do que o observado em nível nacional 44. Welch JR, Ferreira AA, Santos RV, Gugelmin SA, Werneck G, Coimbra Jr. CEA. Nutrition transition, socioeconomic differentiation, and gender among adult Xavante Indians, Brazilian Amazon. Hum Ecol 2009; 37:13-26. , 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. , 99. Neel JV, Salzano FM, Junqueira PC, Ketter F, Maybury-Lewis D. Studies on the Xavante Indians of the Brazilian Mato Grosso. Am J Hum Genet 1964; 16:52-140. , 1010. Bloch KV, Coutinho ESF, Lôbo MSC, Oliveira JEP, Milech A. Pressão arterial, glicemia capilar e medidas antropométricas em uma população Yanomámi. Cad Saúde Pública 1993; 9:428-38. , 1111. Leite MS, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr. CEA. Crescimento físico e perfil nutricional da população indígena Xavánte de Sangradouro-Volta Grande, Mato Grosso, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22:265-76..

De modo geral, indígenas apresentam condições de saúde desfavoráveis, quando comparados com não indígenas 1212. Gracey M, King M. Indigenous health part 1: determinants and disease patterns. Lancet 2009; 374:65-75.. A frequência e a severidade com que as doenças cardiovasculares, entre elas a HAS, ocorrem entre esses povos são maiores 1313. Moe GW, Tu J. Heart failure in the ethnic minorities. Curr Opin Cardiol 2010; 25:124-30., assim como o maior impacto sobre a mortalidade 1212. Gracey M, King M. Indigenous health part 1: determinants and disease patterns. Lancet 2009; 374:65-75.. Entre o povo indígena Kaingang, a despeito da existência de um corpo crescente de literatura sobre suas condições de saúde 1414. Kühl AM, Corso ACT, Leite MS, Bastos JL. Perfil nutricional e fatores associados à ocorrência de desnutrição entre crianças indígenas Kaingang da Terra Indígena de Mangueirinha, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:409-20. , 1515. Diehl EE. Agravos na saúde Kaingang (Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina) e a estrutura dos serviços de atenção biomédica. Cad Saúde Pública 2001; 17:439-45., são escassas as pesquisas sobre HAS. Assim, diante do registro cada vez mais frequente de DANT entre os povos indígenas no país, que originam novas demandas para os serviços de saúde, assume relevância a realização de estudos sobre o perfil epidemiológico desses povos, de maneira que os dados produzidos possam orientar o planejamento de ações e serviços de saúde. O presente estudo objetivou descrever a prevalência dos níveis tensionais sugestivos de HAS (NTSHAS), bem como das médias de pressão arterial sistólica (PAS), diastólica (PAD) e suas associações com variáveis sociodemográficas e antropométricas, em adultos indígenas Kaingang, na Terra Indígena (TI) Xapecó, Santa Catarina, Brasil, em 2013.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, do tipo censo, realizado na Aldeia Pinhalzinho, TI Xapecó. O trabalho de campo foi realizado durante o mês de maio de 2013.

População de estudo

Distribuem-se atualmente no território brasileiro cerca de 305 povos indígenas reconhecidos, falantes de aproximadamente 274 línguas, e que somam cerca de 900 mil indivíduos. Tais povos apresentam distintas trajetórias históricas, políticas e econômicas, configurando expressiva sociodiversidade entre esses povos no Brasil 1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: características gerais dos indígenas. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2012.. Os Kaingang são a quinta etnia mais numerosa do país, com cerca de 30 mil indivíduos, pertencem linguisticamente à família Jê, do tronco Macro-Jê e possuem uma história de contato com não indígenas de aproximadamente 250 anos 1717. Mota LT. As guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá: EDUEM; 1994.. Estão distribuídos nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo (Fundação Nacional de Saúde. Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena: quantitativo de pessoas 2010. http://sis.funasa.gov.br/transparencia_publica/siasiweb/Layout/quantitativo_de_pessoas_2010.asp, acessado em 04/Abr/2012).

A TI Xapecó, na qual foi desenvolvido o presente estudo, está localizada no oeste do Estado de Santa Catarina, e seu território se estende pelos municípios de Ipuaçu e Entre Rios 1515. Diehl EE. Agravos na saúde Kaingang (Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina) e a estrutura dos serviços de atenção biomédica. Cad Saúde Pública 2001; 17:439-45.. A maior parte dos habitantes da TI Xapecó pertence à etnia Kaingang, havendo também uma pequena população de indígenas Guarani. De acordo com dados do Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena (SIASI), do ano de 2010, a TI Xapecó possuía aproximadamente 4 mil habitantes e a Aldeia Pinhalzinho, segunda mais populosa, possuía cerca de 1.200 indivíduos (300 famílias e 280 residências), e, desses, aproximadamente 550 tinham 20 anos ou mais de idade (Fundação Nacional de Saúde. Sistema de Informação de Atenção à Saúde Indígena: quantitativo de pessoas 2010. http://sis.funasa.gov.br/transparencia_publica/siasiweb/Layout/quantitativo_de_pessoas_2010.asp, acessado em 04/Abr/2012).

Foram incluídos no estudo indivíduos com 20 anos ou mais, residentes na aldeia no momento da coleta de dados e, no caso das mulheres, as que não estivessem gestando. Todos os indivíduos que preencheram os critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa. No caso da ausência de todos os moradores do domicílio, ou de algum indivíduo, após as três visitas, eles foram considerados como perdas.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio de visitas domiciliares. Três entrevistadores foram treinados e padronizados na aferição das medidas de estatura e circunferência da cintura (CC). Houve treinamento para a aferição da pressão arterial. Os dados foram coletados mediante exame físico simplificado (antropometria e aferição da pressão arterial) e de questionários (variáveis sociodemográficas). Para a avaliação antropométrica, seguiu-se o protocolo descrito por Lohman et al. 1818. Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics; 1988.. Foram aferidos peso corporal, estatura e CC dos indivíduos. Para a medida de peso, foi utilizada balança eletrônica portátil, do tipo plataforma, com capacidade para 200kg e precisão de 50g (modelo LC200PP; Marte Científica, São Paulo, Brasil). A estatura foi aferida com antropômetro portátil desmontável, com precisão de 1mm (Alturexata, Belo Horizonte, Brasil). A CC foi aferida com fita métrica flexível e inextensível, com precisão de 1mm (modelo SN-4011; Sanny Medical, São Bernardo do Campo, Brasil). Para o diagnóstico do estado nutricional, calculou-se o índice de massa corporal (IMC), classificado de acordo com os critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), considerando os seguintes pontos de corte: IMC < 18,5kg/m2: baixo peso; IMC de 18,5 a 24,9kg/m2: peso adequado; IMC de 25,0 a 29,9kg/m2: sobrepeso e IMC ≥ 30,0kg/m2: obesidade 1919. World Health Organization. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: World Health Organization; 1997.. A CC foi tratada estatisticamente como variável contínua ou categorizada em tercis, tendo em vista os pontos de corte se referirem especificamente a europeus, sul-asiáticos, chineses e japoneses 2020. International Diabetes Federation. The IDF consensus worldwide definition of the metabolic syndrome. Brussels: International Diabetes Federation; 2006..

A pressão arterial foi aferida com monitor automático de pulso (modelo Hem-631INT; Omron, Kyoto, Japão). A medida foi realizada no pulso esquerdo, com o indivíduo sentado e em repouso por, pelo menos, 15 a 20 minutos. Duas aferições foram realizadas, com intervalo mínimo de 10 minutos entre elas, e sua média foi utilizada para a análise dos dados. No caso de valores discrepantes entre uma e outra aferição, realizou-se uma terceira medida, sendo excluída a mais divergente das três. Os níveis tensionais foram classificados com critérios do National Institutes of Health 2121. Joint National Committee. The Seventh Report of the Joint National Committee on detection, evaluation, and treatment of high blood pressure. Washington DC: US Department of Health and Human Services; 2004., que consideram indicadores de HAS níveis de PAS iguais ou superiores a 140mmHg, e/ou níveis de PAD iguais ou superiores a 90mmHg. Tendo em vista que as medidas foram realizadas na mesma ocasião e não foi seguido todo o protocolo proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 2222. World Health Organization. Hypertension control: report of a WHO Expert Committee. Geneva: World Health Organization; 1996. (WHO Technical Report Series, 862)., que sugere medições em ocasiões distintas para o diagnóstico da HAS, os valores obtidos foram considerados como NTSHAS. Os participantes foram perguntados acerca do uso (prescrito por médico) de medicamento para HAS, sendo solicitado que apresentassem os medicamentos que estavam sendo utilizados naquele momento. Usuários de medicação foram automaticamente considerados com níveis tensionais sugestivos de HAS, e a pressão arterial não foi medida. Em todos os casos houve a apresentação do medicamento utilizado. Os dados relativos ao uso de medicação para HAS não foram complementados com informações da unidade básica de saúde local, pois não existiam dados sobre HAS atualizados.

As variáveis sociodemográficas investigadas foram: sexo, idade, situação conjugal, escolaridade, tipo de piso da residência, tipo de parede da residência, tipo de cobertura/telhado da residência, acesso à iluminação elétrica, número de moradores do domicílio, proveniência da renda, rendimento bruto mensal e renda per capita, conforme formato utilizado no Inquérito Nacional sobre Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas (INSNPI) 2323. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas: relatório final. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2010., no Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE. Censo demográfico de 2010: questionários. http://www.censo2010.ibge.gov.br/questionarios.php, acessado em 04/Jul/2012), ou de acordo com questões elaboradas pelos autores do presente estudo.

Análise dos dados

Os dados obtidos foram tabulados, e a dupla digitação, checada no EpiData 3.1 (EpiData Assoc., Odense, Dinamarca). Inicialmente, foi realizada a análise descritiva dos dados por meio de frequência relativa para as variáveis categóricas, média e desvio-padrão para variáveis contínuas simétricas e mediana e amplitude interquartil para variáveis contínuas assimétricas.

Foram considerados como variável de desfecho os NTSHAS, categorizados de forma dicotômica (sim; não). Também foram realizadas análises considerando como desfecho os níveis de PAS e PAD. As variáveis independentes foram: idade, situação conjugal, escolaridade, material utilizado no piso da residência, material utilizado na parede da residência, renda per capita, IMC e CC.

Para verificar associação da variável de desfecho com as variáveis independentes, utilizou-se regressão logística para desfecho categórico e regressão linear para desfecho contínuo. As variáveis foram incluídas e mantidas nas análises por meio do processo de seleção para trás (backward). A construção dos modelos de análise foi realizada, de modo que as variáveis independentes fossem incluídas segundo determinada hierarquia, em blocos. Em primeiro lugar, foram incluídas as variáveis idade, escolaridade, situação conjugal, piso da residência, parede da residência e renda per capita e, em seguida, IMC e CC. As duas últimas não foram ajustadas entre si por serem colineares. Todas as análises foram estratificadas por sexo e os ajustes realizados para as variáveis do mesmo bloco e daquele anteriormente inserido, permanecendo no modelo final apenas aquelas com p ≤ 0,20. Foram consideradas variáveis com significância estatística aquelas que apresentaram valor de p < 0,05 bicaudais, estimado pelo teste de Wald para tendência linear ou heterogeneidade, conforme o tipo de variável analisado. Para avaliar o impacto das perdas nos resultados, foram testadas análises com ponderação, que produziram resultados semelhantes aos apresentados neste estudo e não foram, portanto, apresentadas. Em função da perda de alguns dados de peso e/ou estatura e CC, eles foram considerados missing nas análises estatísticas.

A análise dos dados foi executada por meio do Stata 11.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) pelo parecer nº 149.219 de 15 de novembro de 2012, e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) por meio do parecer nº 221.935 de 18 de março de 2013. A pesquisa contou com autorização para entrada em TI, emitida pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI, autorização nº 29 AAEP/2013 de 10 de maio de 2013). Foram seguidas todas as exigências das Resoluções nº 196/96 e nº 304/00 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e suas complementares e a Instrução Normativa nº 01/95 da FUNAI. Foi obtida a anuência da comunidade e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de cada participante, previamente à coleta de dados. Em cada residência, os objetivos, os procedimentos e resultados esperados da pesquisa eram explicados com base no TCLE, e esclarecidas quaisquer dúvidas dos sujeitos. Somente após a obtenção do termo, era iniciada a coleta de dados.

Resultados

Participaram 355 indivíduos de um total de 468 elegíveis para o estudo (taxa de resposta de 75,9%). Durante o período de coleta de dados, não foram encontradas na aldeia 31 pessoas, 81 se recusaram a participar da pesquisa e um indivíduo foi excluído por não estar em condições de participar do estudo nas três visitas realizadas. Houve maior perda entre o sexo masculino (61,1%), sendo a diferença estatisticamente significativa (p < 0,01). Entre os homens, a perda foi maior entre aqueles com 20 a 39 anos (p < 0,01) e, nas mulheres, entre aquelas com 40 a 59 anos (p < 0,01). Foram visitados 270 domicílios, dos quais 55 não se obtiveram dados devido à recusa, inelegibilidade dos moradores ou impossibilidade de encontrá-los.

Verificou-se maior frequência relativa de participantes do sexo feminino (56,1%) e a idade dos indivíduos variou de 20 a 95 anos, e a mediana foi de 37 anos e a amplitude interquartil de 29 a 50 anos. Em média, cada residência possuía 3,9 moradores. Os domicílios avaliados, na maior parte, possuíam piso (64,2%) e parede (79,1%) construídos com madeira e cobertura de telha de amianto/zinco (98,6%). Em mais da metade das residências (60%), havia um ou mais indivíduo que possuíam trabalho remunerado o ano inteiro. A energia elétrica funcionava de forma contínua em 88,4% dos domicílios. As características sociodemográficas e antropométricas dos entrevistados podem ser vistas na Tabela 1. A média de IMC entre os homens foi 26,8kg/m2 (± 4,7) e entre as mulheres foi 29,2kg/m2 (± 5,9).

Tabela 1
Descrição das características sociodemográficas, antropométricas e da prevalência (%) de níveis tensionais sugestivos de hipertensão arterial sistêmica (HAS) dos entrevistados segundo o sexo e sexos combinados. Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013.

Mais da metade dos homens apresentou níveis pressóricos elevados e a prevalência de NTSHAS nesse grupo foi maior do que a observada entre as mulheres (p = 0,02) (Tabela1). Do total de homens classificados com níveis tensionais sugestivos de NTSHAS, 31,3% já utilizavam medicamento prescrito por médico para a doença; entre as mulheres, 46,9% faziam uso de medicação.

As análises bivariadas mostraram que os homens que haviam estudado até quatro anos, que moravam em casas com chão de terra e pertenciam ao maior estrato de CC, apresentaram maiores prevalências de NTSHAS. Houve também associação direta da idade e do IMC com tal desfecho. Na análise multivariável, os indivíduos que moravam em domicílios com piso de cerâmica, que estavam com maior IMC e maior CC apresentaram maiores frequências de NTSHAS (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência (%) de níveis tensionais sugestivos de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e odds ratio (OR) brutas e ajustadas segundo as variáveis independentes: sexo masculino. Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013

As análises bivariadas para o grupo das mulheres revelaram uma associação direta da idade e da CC com NTSHAS. Ocorreu, ainda, uma associação inversa da escolaridade com os NTSHAS. Na análise multivariável, somente a idade e a CC permaneceram associadas aos NTSHAS, e as mulheres com 60 anos ou mais apresentaram 8,18 vezes mais chances de ter a doença, quando comparados àquelas entre 20 e 39 anos (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência de níveis tensionais sugestivos de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e odds ratio (OR) brutas e ajustadas segundo as variáveis independentes: sexo feminino. Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013.

As médias de PAS e PAD foram diferentes entre homens e mulheres (p < 0,01). Entre os primeiros, a média de PAS foi de 133,2mmHg (± 18,9) e a média de PAD, 86,2mmHg (± 12,5); nas mulheres, foi de 124,1mmHg (± 17,3) e de 80,8mmHg (± 11,9), respectivamente.

Na análise bivariada, os níveis de PAS entre os homens foram maiores entre os obesos e com maior CC. As mesmas variáveis permaneceram associadas na análise multivariável. No que se refere à PAD, tanto na análise bivariada como na multivariável, apenas as variáveis antropométricas (IMC e CC) alcançaram significância estatística, sendo encontrada associação positiva com o desfecho para as duas variáveis (Tabela 4).

Tabela 4
Valores médios de pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) em análises brutas e ajustadas segundo as variáveis independentes: sexo masculino. Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013.

Entre as mulheres, os níveis de PAS foram maiores entre aquelas com 40 a 59 anos de idade, que estudaram até quatro anos e com maior CC. Na análise multivariável, apenas a idade alcançou significância estatística; as demais variáveis não se associaram significativamente aos níveis de PAS. A escolaridade e a CC se associaram positivamente aos níveis de PAD na análise bivariada. Na análise multivariável, apenas a escolaridade permaneceu associada (Tabela 5).

Tabela 5
Valores médios de pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) e análises brutas e ajustadas segundo as variáveis independentes: sexo feminino. Terra Indígena Xapecó, Santa Catarina, Brasil, 2013.

Discussão

As primeiras pesquisas sobre níveis tensionais entre povos indígenas no Brasil, que ocorreram nas décadas de 1950 e 1960, registraram níveis pressóricos de médios a baixos com ausência de hipertensão arterial 99. Neel JV, Salzano FM, Junqueira PC, Ketter F, Maybury-Lewis D. Studies on the Xavante Indians of the Brazilian Mato Grosso. Am J Hum Genet 1964; 16:52-140. , 2424. Lima PE. Níveis tensionais dos índios Kalapalo e Kamaiurá. RBM Rev Bras Med 1950; 7:787-8.. No final da década de 1990 e início dos anos 2000, foram conduzidos os primeiros estudos relatando níveis tensionais compatíveis com o diagnóstico de hipertensão arterial 2525. Cardoso AM, Mattos IE, Koifman RJ. Prevalência de fatores de risco para doenças cardiovasculares na população Guarani-Mbyá do Estado do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2001; 17:345-54. , 2626. Coimbra Jr. CEA, Chor D, Santos RV, Salzano FM. Blood pressure levels in Xavánte adults from the Pimentel Barbosa Indian Reservation, Mato Grosso, Brazil. Ethn Dis 2001; 11:232-40.. Dentre os estudos encontrados, o presente estudo apresenta as maiores prevalências de HAS entre povos indígenas no Brasil, e quase a metade dos adultos apresentou níveis pressóricos elevados. Tal resultado ganha significado quando se verifica que essa amostra é composta por uma população relativamente jovem, em que 56,3% das pessoas avaliadas têm até 39 anos de idade.

No que tange às características dos domicílios na Aldeia Pinhalzinho, foram verificados padrões de moradia um pouco distintos daqueles observados pelo INSNPI 2727. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. Em nível nacional e nas regiões Sul e Sudeste, há uma frequência maior de casas com piso de cerâmica ou cimento e de chão de terra, enquanto, neste estudo, a maior parte das casas possuía chão de madeira. Cerca de 80% dos domicílios visitados tinham paredes construídas com madeira e o restante com tijolos. Os dados do INSNPI mostram que boa parte dos domicílios brasileiros e nas regiões Sul/Sudeste são construídos com madeira (41,8% e 44,8%, respectivamente) e tijolos (32,4% e 31,9%, respectivamente), os demais com taipa/barro ou lona/plástico 2727. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. A maior parte dos telhados das residências na Aldeia Pinhalzinho era constituída por telha de zinco/amianto (98,6%); o restante, com telhas de barro. Nas regiões Sul/Sudeste, o INSNPI registrou predomínio de telhas de barro 2727. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. Há uma desigualdade das condições de moradia entre as famílias indígenas brasileiras, quando comparadas com as não indígenas, particularmente no que se refere ao acesso à água, saneamento básico e gestão de resíduos sólidos 2727. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. Sobre isso, Kühl et al. 1414. Kühl AM, Corso ACT, Leite MS, Bastos JL. Perfil nutricional e fatores associados à ocorrência de desnutrição entre crianças indígenas Kaingang da Terra Indígena de Mangueirinha, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:409-20. destacam que, em contextos indígenas, o uso de materiais não duráveis para a construção de domicílios não necessariamente reflete condições socioeconômicas desfavoráveis, e que não deve ser imediatamente interpretado nesta direção, mas apenas por uma análise cuidadosa do contexto local. Ressaltam, contudo, que no contexto específico dos Kaingang da TI de Mangueirinha, no Paraná, os materiais utilizados na construção das paredes do domicílio podiam ser utilizadas como uma proxy para as condições socioeconômicas 1414. Kühl AM, Corso ACT, Leite MS, Bastos JL. Perfil nutricional e fatores associados à ocorrência de desnutrição entre crianças indígenas Kaingang da Terra Indígena de Mangueirinha, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:409-20..

À relativa escassez de estudos sobre o tema entre povos indígenas no país soma-se, por vezes, a dificuldade de comparação entre os resultados das investigações, em função do uso de diferentes pontos de corte para o diagnóstico de níveis tensionais elevados. Dois estudos de caso recentes foram realizados entre os Kaingang da TI Faxinal, na região central do Estado do Paraná, e na Aldeia Jaguapirú, Mato Grosso do Sul, com indivíduos adultos Teréna, Kaiowá e Guarani. Ambos tinham como objetivo verificar a prevalência de síndrome metabólica, utilizando como pontos de corte níveis tensionais maiores ou iguais a 130mmHg x 85mmHg para a identificação de NTSHAS, distintos dos utilizados no presente estudo 2828. Anjos HNK, Toledo MJO, Mota LT, Previdelli ITS, Anjos AF, Saruhashi TR, et al. Prevalence of metabolic syndrome among Kaingang native Americans in Southern Brazil. Braz Arch Biol Technol 2011; 54:81-9. , 2929. Oliveira GF, Oliveira TRR, Rodrigues FF, Corrêa LF, Arruda TB, Casulari LA. Prevalence of metabolic syndrome in the indigenous population, aged 19 to 69 years, from Jaguaripu Village, Dourados (MS), Brazil. Ethn Dis 2011; 21:301-6.. O primeiro, envolvendo 82 indivíduos adultos, registrou prevalências de NTSHAS de 24,2% entre os homens e 28,6% entre as mulheres 2929. Oliveira GF, Oliveira TRR, Rodrigues FF, Corrêa LF, Arruda TB, Casulari LA. Prevalence of metabolic syndrome in the indigenous population, aged 19 to 69 years, from Jaguaripu Village, Dourados (MS), Brazil. Ethn Dis 2011; 21:301-6.. A segunda pesquisa, com 606 indivíduos, encontrou prevalência de NTSHAS de 46,3% entre os homens e 37,5% entre as mulheres 2929. Oliveira GF, Oliveira TRR, Rodrigues FF, Corrêa LF, Arruda TB, Casulari LA. Prevalence of metabolic syndrome in the indigenous population, aged 19 to 69 years, from Jaguaripu Village, Dourados (MS), Brazil. Ethn Dis 2011; 21:301-6..

Outras pesquisas investigaram a prevalência de NTSHAS em indígenas adultos, utilizando os mesmos critérios diagnósticos que este estudo e encontraram menores prevalências e menores valores médios de PAS e PAD 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. , 2626. Coimbra Jr. CEA, Chor D, Santos RV, Salzano FM. Blood pressure levels in Xavánte adults from the Pimentel Barbosa Indian Reservation, Mato Grosso, Brazil. Ethn Dis 2001; 11:232-40. , 3030. Tavares EF, Vieira-Filho JPB, Andriolo A, Sanudo A. Metabolic profile and cardiovascular risk patterns in an indigenous population of Amazonia. Hum Biol 2003; 75:31-46. , 3131. Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EM, Lima ES, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saúde Pública 2007; 23:1946-54. , 3232. Meyerfreund D, Gonçalves CP, Cunha RS, Pereira AC, Krieger JE, Mill JG. Age-dependent increase in blood pressure in two different Native American communities in Brazil. J Hypertens 2009; 27: 1753-60.. Entre os Parkatêjê, no Estado do Pará, foram registradas prevalências de NTSHAS de 3,6% entre os homens e 5,9% entre as mulheres 2929. Oliveira GF, Oliveira TRR, Rodrigues FF, Corrêa LF, Arruda TB, Casulari LA. Prevalence of metabolic syndrome in the indigenous population, aged 19 to 69 years, from Jaguaripu Village, Dourados (MS), Brazil. Ethn Dis 2011; 21:301-6.. Gimeno et al. 3131. Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EM, Lima ES, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saúde Pública 2007; 23:1946-54., em estudo entre os Mehináku, Waurá e Yawalapití, na região do Alto Xingu, registraram prevalências de 10,8% entre os homens e 6% entre as mulheres. Entre os Suruí, de Rondônia, as prevalências encontradas foram 2,4% entre os homens e 3,1% entre as mulheres 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409.. Meyerfreund et al. 3232. Meyerfreund D, Gonçalves CP, Cunha RS, Pereira AC, Krieger JE, Mill JG. Age-dependent increase in blood pressure in two different Native American communities in Brazil. J Hypertens 2009; 27: 1753-60. registraram uma prevalência global de 20,8% entre os Tupinikim, no Espírito Santo. Os dados do INSNPI apontaram para uma frequência de NTSHAS de 17,4% entre mulheres de 14 a 49 anos das regiões Sul/Sudeste do país, e para uma prevalência nacional de 13,2% 2727. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52..

As prevalências de NTSHAS encontradas neste estudo são superiores àquelas registradas na população brasileira em geral. A prevalência de diagnóstico médico prévio de HAS entre adultos no Brasil, segundo o estudo de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), é de aproximadamente 24% 3333. Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. VIGITEL 2012: Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. Prevalências igualmente elevadas são encontradas em populações nativas de outras partes do mundo, assim como as diferenças frente ao restante das populações dos países em que habitam 3434. Anand SS, Yusuf S, Jacobs R, Davis AD, Yi O, Gerstein H, et al. Risk factors, atherosclerosis, and cardiovascular disease among Aboriginal people in Canada: the Study of Health Assessment and Risk Evaluation in Aboriginal Peoples (SHARE-AP). Lancet 2001; 358:1147-53. , 3535. Hoy WE, Kondalsamy-Chennakesavan S, Wang Z, Briganti E, Shaw J, Polkinghorne K, et al. Quantifying the excess risk for proteinuria, hypertension and diabetes in Australian Aborigines: comparison of profiles in three remote communities in the Northern Territory with those in the AusDiab study. Aust N Z J Public Health 2007; 31:177-83. , 3636. Schumacher C, Ferucci ED, Lanier AP, Slattery ML, Schraer CD, Raymer TW, et al. Metabolic syndrome: prevalence among American Indian and Alaska native people living in the Southwestern United States and in Alaska. Metab Syndr Relat Disord 2008; 6:267-73. , 3737. Cunningham J. Socioeconomic disparities in self-reported cardiovascular disease for Indigenous and non-Indigenous Australian adults: analysis of national survey data. Popul Health Metr 2010; 8:31. , 3838. Bruce SG, Riediger ND, Zacharias JM, Young TK. Obesity and obesity-related comorbidities in a Canadian First Nation Population. Chronic Dis Can 2010; 8:27-32. , 3939. Cameron VA, Faatoese AF, Gillies MW, Robertson PJ, Huria TM, Doughty RN, et al. A cohort study comparing cardiovascular risk factors in rural Maori, urban Maori and non-Maori communities in New Zealand. BMJ Open 2012; 2:e000799., o que reflete, em termos mais amplos, diferenciais importantes entre os indicadores de saúde de povos indígenas e não indígenas, sendo os primeiros sistematicamente desfavorecidos.

Somente duas etnias indígenas no Brasil, os Xavánte e os Suruí, foram estudadas em diferentes momentos, permitindo a realização de comparações diacrônicas. Em ambos os casos, a tendência registrada foi a de um aumento dos níveis tensionais ao longo dos anos, assim como o surgimento de HAS. Os Xavánte da TI Pimentel Barbosa, Mato Grosso, foram avaliados em três momentos, durante um período total de mais de quatro décadas: 1962 99. Neel JV, Salzano FM, Junqueira PC, Ketter F, Maybury-Lewis D. Studies on the Xavante Indians of the Brazilian Mato Grosso. Am J Hum Genet 1964; 16:52-140., 1990 2626. Coimbra Jr. CEA, Chor D, Santos RV, Salzano FM. Blood pressure levels in Xavánte adults from the Pimentel Barbosa Indian Reservation, Mato Grosso, Brazil. Ethn Dis 2001; 11:232-40. e 2009 4040. Oliveira MVG. Níveis tensionais e prevalência de hipertensão entre os Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso [Masters Thesis]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2011.. As comparações revelaram um expressivo aumento nas médias de PAS e PAD entre 1962 e 2009. Além disso, no primeiro estudo, não foram encontrados casos de HAS, enquanto em 2009 as prevalências chegaram a 8,1% entre os homens e 5,8% entre as mulheres. Entre os anos de 1990 e 2009, houve pouca diferença entre as médias de PAS e PAD e as prevalências de NTSHAS, sendo registradas, em 1990, prevalências de 5,3% entre os homens e 7,7% entre as mulheres.

Embora cobrindo um período de tempo menor, um conjunto igualmente importante de estudos avaliou os níveis tensionais entre os Suruí, da TI Sete de Setembro, Rondônia. Um inquérito realizado em 1988 4141. Fleming-Moran M, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Blood pressure levels of the Suruí and Zoró Indians of the Brazilian Amazon: group- and sex-specific effects resulting from body composition, health status, and age. Hum Biol 1991; 63:835-61. não identificou casos compatíveis com HAS. Dezessete anos depois, no entanto, registravam-se prevalências de 2,4% entre os homens e 3,1% entre as mulheres e o aumento dos valores médios de PAS e PAD 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409..

Ressalta-se, ainda, que no presente estudo, dois terços dos homens e mais da metade das mulheres que apresentaram NTSHAS não faziam uso de medicamento para HAS. Proporção semelhante foi observada entre mulheres de 18 a 49 anos no INSNPI 2323. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas: relatório final. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2010.. Isso demonstra que, tanto entre os adultos Kaingang quanto entre mulheres indígenas em todo o país, mais da metade dos portadores permanece sem tratamento.

As precárias condições socioeconômicas vivenciadas pela maioria dos povos indígenas, em especial em sua marcante desigualdade frente a outros segmentos populacionais, afetam de diversas formas seus perfis de saúde 4242. Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Saúde indígena. In: Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, organizador. As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil. Relatório final da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 121-4. e podem ter efeito sobre as doenças cardiovasculares 3434. Anand SS, Yusuf S, Jacobs R, Davis AD, Yi O, Gerstein H, et al. Risk factors, atherosclerosis, and cardiovascular disease among Aboriginal people in Canada: the Study of Health Assessment and Risk Evaluation in Aboriginal Peoples (SHARE-AP). Lancet 2001; 358:1147-53. , 4343. Anand SS, Razak F, Davis AD, Jacobs R, Vuksan V, Teo K, et al. Social disadvantage and cardiovascular disease: development of an index and analysis of age, sex, and ethnicity effects. Int J Epidemiol 2006; 35:1239-45.. A desvantagem socioeconômica tem sido associada a um aumento da carga de alguns fatores de risco cardiovasculares entre povos indígenas 3636. Schumacher C, Ferucci ED, Lanier AP, Slattery ML, Schraer CD, Raymer TW, et al. Metabolic syndrome: prevalence among American Indian and Alaska native people living in the Southwestern United States and in Alaska. Metab Syndr Relat Disord 2008; 6:267-73. , 4444. Brave Heart MY. Gender differences in the historical trauma response among the Lakota. J Health Soc Policy 1999; 10:1-21.. De acordo com Coimbra Jr. & Santos 4545. Coimbra Jr. CEA, Santos RV. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5:125-32. (p. 131), "[...] minorias étnicas e raciais no Brasil vivenciam situações de exclusão, marginalidade e discriminação que, em última instância, as colocam em posição de maior vulnerabilidade frente a uma série de agravos".

Brave Heart 4444. Brave Heart MY. Gender differences in the historical trauma response among the Lakota. J Health Soc Policy 1999; 10:1-21. aponta para uma ligação entre as doenças cardiovasculares e demais distúrbios em saúde como a síndrome de estresse pós-traumático, devido à longa história de dominação e opressão experimentada por povos indígenas. Além disso, a chamada teoria da programação fetal 4646. Barker DJP. Fetal and infant origins of adult disease. London: BMJ Publishing Group; 1992. pode ajudar a explicar o papel expressivo que as DANT começam a assumir no perfil epidemiológico dessas populações, a despeito da persistência da desnutrição infantil e doenças carenciais 2323. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas: relatório final. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2010.. A teoria associa a ocorrência de privações nutricionais durante o período pré-natal ao surgimento, na idade adulta, de DANT, como as cardiovasculares 4646. Barker DJP. Fetal and infant origins of adult disease. London: BMJ Publishing Group; 1992.. A programação fetal pode, então, representar uma fonte adicional de risco ambiental que interage com outros fatores ao longo da vida 4747. World Health Organization. Programming of chronic disease by impaired fetal nutrition: evidence and implications for policy and intervention strategies. Geneva: World Health Organization; 2002..

Altas prevalências de excesso de peso têm sido frequentemente encontradas entre povos indígenas no país 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. , 1111. Leite MS, Santos RV, Gugelmin SA, Coimbra Jr. CEA. Crescimento físico e perfil nutricional da população indígena Xavánte de Sangradouro-Volta Grande, Mato Grosso, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22:265-76. , 2727. Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52. , 2828. Anjos HNK, Toledo MJO, Mota LT, Previdelli ITS, Anjos AF, Saruhashi TR, et al. Prevalence of metabolic syndrome among Kaingang native Americans in Southern Brazil. Braz Arch Biol Technol 2011; 54:81-9. , 3131. Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EM, Lima ES, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saúde Pública 2007; 23:1946-54.. As maiores prevalências de NTSHAS e maiores valores médios de PAS e PAD, no presente estudo, estavam entre os indivíduos com sobrepeso ou obesidade, embora apenas para os homens essa diferença tenha sido significativa. Tavares et al. 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. não verificaram, entre os Suruí (Rondônia), associação do IMC com os níveis de PAS e PAD, ainda que também tenham registrado maiores valores médios de PAS e PAD nos indivíduos com excesso de peso. O mesmo comportamento foi constatado entre os Xavánte 4040. Oliveira MVG. Níveis tensionais e prevalência de hipertensão entre os Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso [Masters Thesis]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2011. de Pimentel Barbosa (Mato Grosso) e os Patakatêjê 3030. Tavares EF, Vieira-Filho JPB, Andriolo A, Sanudo A. Metabolic profile and cardiovascular risk patterns in an indigenous population of Amazonia. Hum Biol 2003; 75:31-46. da TI Mãe Maria (Pará). A literatura aponta que os indivíduos com excesso de peso possuem mais riscos de desenvolver doenças cardiovasculares 2121. Joint National Committee. The Seventh Report of the Joint National Committee on detection, evaluation, and treatment of high blood pressure. Washington DC: US Department of Health and Human Services; 2004..

As médias de CC observadas no presente estudo foram semelhantes às encontradas entre homens e mulheres Mehináku, Waurá e Yawalapití, na região do Alto Xingu 3131. Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EM, Lima ES, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saúde Pública 2007; 23:1946-54.. Tavares et al. 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. identificaram associação dos níveis de PAS e PAD com a CC entre os Suruí, com valores médios maiores entre os estratos mais elevados de CC. No presente estudo, encontrou-se uma associação positiva da PAS e PAD com a CC apenas entre os homens. Por mais que nem todas as associações tenham sido significativas, de maneira geral, as maiores prevalências de NTSHAS e as maiores médias de PAS e PAD foram encontradas nos estratos de CC mais elevados.

Este estudo aponta para associação da idade com a prevalência de NTSHAS e níveis médios de PAS entre as mulheres. Estudos verificaram aumento dos casos sugestivos de HAS com a idade 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. , 4040. Oliveira MVG. Níveis tensionais e prevalência de hipertensão entre os Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso [Masters Thesis]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2011. , 4848. Reid JL, Morton DJ, Wingard DL, Garret MD, von Muhlen D, Slymen D, et al. Sex and age differences in the association of obesity and smoking with hypertension and type 2 diabetes in Southern California American Indians, 2002-2006. Ethn Dis 2010; 20:231-8.. No que diz respeito aos valores médios de PAS e PAD, a dinâmica se apresentou um pouco distinta em cada estudo 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409. , 4040. Oliveira MVG. Níveis tensionais e prevalência de hipertensão entre os Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso [Masters Thesis]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2011. , 4848. Reid JL, Morton DJ, Wingard DL, Garret MD, von Muhlen D, Slymen D, et al. Sex and age differences in the association of obesity and smoking with hypertension and type 2 diabetes in Southern California American Indians, 2002-2006. Ethn Dis 2010; 20:231-8.. Todavia, é bem estabelecida na literatura a associação positiva da HAS com a idade 2222. World Health Organization. Hypertension control: report of a WHO Expert Committee. Geneva: World Health Organization; 1996. (WHO Technical Report Series, 862).. Em geral, os homens até os 60 anos apresentam maior prevalência de NTSHAS e, após essa idade, as mulheres possuem maior frequência 2121. Joint National Committee. The Seventh Report of the Joint National Committee on detection, evaluation, and treatment of high blood pressure. Washington DC: US Department of Health and Human Services; 2004.. Entre os Mehináku, Waurá e Yawalapití 3131. Gimeno SGA, Rodrigues D, Pagliaro H, Cano EM, Lima ES, Baruzzi RG. Perfil metabólico e antropométrico de índios Aruák: Mehináku, Waurá e Yawalapití, Alto Xingu, Brasil Central, 2000/2002. Cad Saúde Pública 2007; 23:1946-54. a prevalência de NTSHAS foi maior entre os homens. Nos Xavánte 4040. Oliveira MVG. Níveis tensionais e prevalência de hipertensão entre os Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso [Masters Thesis]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2011., não foi encontrada diferença entre os sexos para tal variável; por sua vez, entre os Suruí, o sexo feminino apresentou maior prevalência 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409..

Com relação às variáveis socioeconômicas, os homens que moravam em casas com piso de cerâmica, que no contexto Kaingang traduz melhores condições socioeconômicas, apresentaram maior prevalência de NTSHAS. As mulheres que estudaram nove anos ou mais apresentaram valores médios de PAD mais elevados. Estudo com os Suruí em Rondônia observou mais casos de NTSHAS em indivíduos nos níveis socioeconômicos inferiores, porém a diferença também não foi significativa 55. Tavares FG, Coimbra Jr. CEA, Cardoso AM. Níveis tensionais de adultos indígenas Suruí, Rondônia, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1399-409.. Entre os Xavánte, pesquisa apontou que as pessoas com maior status socioeconômico tendiam a apresentar níveis tensionais médios mais elevados e maior número de casos sugestivos de HAS 4040. Oliveira MVG. Níveis tensionais e prevalência de hipertensão entre os Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa, Mato Grosso [Masters Thesis]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2011..

Embora estudos tendam a mostrar maiores prevalências de HAS nos níveis socioeconômicos mais baixos, essa relação ainda não está bem estabelecida, na medida em que outros apontam na direção contrária, necessitando-se de maiores investigações. Minor et al. 4949. Minor D, Wofford M, Wyatt SB. Does socioeconomic status affect blood pressure goal achievement? Curr Hypertens Rep 2008; 10:390-7., em uma revisão sobre hipertensão arterial e status socioeconômico, afirmam que a relação entre os determinantes socioeconômicos e a pressão arterial é complexa, varia amplamente entre populações e eventualmente parece contraditória.

Cabe ressaltar que o caso Kaingang não é representativo de todo o segmento indígena do país. O estudo foi realizado com indivíduos da Região Sul do país, com maior inserção na sociedade nacional, e que possuem uma história de contato com não indígenas de aproximadamente 250 anos. Isso se traduz em uma longa trajetória que inclui importantes transformações no estilo de vida tradicional, que podem estar se refletindo, por exemplo, nas elevadas prevalências de NTSHAS registradas entre os Kaingang da Aldeia Pinhalzinho e em outras variáveis, como nos dados sobre a proveniência da renda dos domicílios. As perdas do estudo também podem ser uma possível limitação, na medida em que elas não foram aleatórias. Entretanto, mesmo que todas as recusas e não respondentes (n = 168) não tivessem níveis tensionais sugestivos de HAS, ainda assim a prevalência seria 35%, o que representaria ainda um problema expressivo de saúde nessa população. Ademais, a pesquisa não contemplou outros fatores de risco para HAS, como diabetes mellitus, abuso de álcool, sedentarismo, tabagismo, consumo alimentar, que poderiam influenciar os resultados das análises ajustadas.

Destaca-se a necessidade de mais investigações no âmbito das DANT entre povos indígenas no Brasil, no intuito de propiciar o entendimento acerca das peculiaridades existentes nos processos de transição epidemiológica e nutricional nas diferentes etnias indígenas. Espera-se que os dados produzidos possam subsidiar o planejamento de ações de saúde voltadas ao tratamento e à prevenção dos fatores de risco da HAS, tendo em vista as implicações dela nas taxas de morbimortalidade por doenças cardiovasculares.

Agradecimentos

Aos Kaingang da Aldeia Pinhalzinho, pela gentil recepção e disponibilidade em participar da pesquisa. À FAPESC pelo financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2014
  • Revisado
    12 Jul 2014
  • Aceito
    28 Jul 2014
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