Introdução
Recomendado nos primeiros seis meses de vida 1, o aleitamento materno exclusivo (AME) protege as crianças contra doenças infecciosas, como diarreia, infecções respiratórias inferiores, otite média aguda 2, reduz a morbidade e a mortalidade neonatal em países de baixa e média renda 3, e melhora o desenvolvimento cognitivo 4. Alguns estudos demonstraram, ainda, efeito protetor do AME contra risco de sobrepeso e obesidade na infância e na vida adulta 5), (6), (7), (8. Entretanto, apesar de todos os benefícios do AME para o crescimento e desenvolvimento do recém-nascido e da criança, ainda é baixa a prevalência de AME no mundo 9. Segundo dados divulgados pela Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em 2013, a prevalência mundial de AME aumentou de 38% em 2000 para 41% em 2012, com maior expressão nos países desenvolvidos (de 38% em 2000 para 50% em 2012) 9.
No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS 2006) revelaram que a prevalência de excesso de peso-para-altura situa-se entre 5% e 7%, em crianças menores de 5 anos de idade, e 6% para crianças entre 12 a 23 meses 10, tornando-se um importante problema de saúde pública. Como o excesso de massa corporal é uma condição de difícil tratamento, prevenir e identificar fatores de risco modificáveis ou protetores são aspectos fundamentais para controlar a epidemia 11, e a AME parece exercer importante efeito nesse controle ao longo da vida 5), (6), (7), (8), (12.
A associação entre o aspecto protetor da amamentação no excesso de peso corporal ao longo da vida tem sido publicada especialmente em razão de estudos observacionais 12. Até a elaboração deste trabalho, não foram encontrados estudos longitudinais e prospectivos que avaliaram o efeito independente do tipo de amamentação sobre o risco de excesso de peso em crianças brasileiras aos dois anos de idade. O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito independente do tipo de aleitamento no risco de excesso de peso em crianças entre 12-24 meses de idade.
Métodos
Sujeitos e design do estudo
Trata-se de um estudo de coorte desenvolvido com mães e seus filhos atendidos na Maternidade Pública Darcy Vargas do Município de Joinville, Santa Catarina, Brasil. Os dados fizeram parte de um programa iniciado em 2012 para avaliar os determinantes e as consequências de crianças nascidas grandes para a idade gestacional (GIG), conforme dados descritos anteriormente 13.
Em síntese, a primeira coleta dos dados (1a investigação) ocorreu na Maternidade Pública Darcy Vargas no período de janeiro/fevereiro de 2012 e abrangeu dados demográficos, econômicos, antropométricos, obstétricos, reprodutivos e bioquímicos. Foram incluídas no estudo todas as parturientes admitidas na Maternidade Pública Darcy Vargas, com 18 ou mais anos de idade, idade gestacional classificada entre 37 e 42 semanas de gestação e que tiveram nascidos vivos em feto único. Nessa etapa, os critérios de exclusão abrangeram as parturientes diagnosticadas com pré-eclâmpsia ou doenças infectocontagiosas (síndrome de imunodeficiência adquirida, hepatites, sífilis e toxoplasmose), e os recém-nascidos que apresentaram algum tipo de anomalia ou foram encaminhados à adoção logo após o nascimento. Dos 529 pares (mães e crianças) elegíveis, 58 não obedeceram aos critérios de inclusão, e 36 (7,6%) foram considerados perdas (2 mães não aceitaram participar do estudo, 29 mães/crianças apresentaram problemas durante a coleta da amostra de sangue, uma mãe forneceu dados incompletos ao estudo e quatro partos foram realizados em trânsito, antes de a mãe chegar à maternidade), totalizando 435 pares 13.
A segunda coleta dos dados (2a investigação) teve início 12 meses após o parto, foi realizada nas residências das participantes, entre março de 2013 e março de 2014, e abrangeu dados demográficos, econômicos, antropométricos e de aleitamento. Crianças com idade igual ou superior a 25 meses e as que apresentaram algum tipo de anomalia que interferisse na avaliação antropométrica foram excluídas do estudo. Dos 435 pares que participaram da 1a investigação, 11 (2,5%) não atenderam aos critérios de inclusão e 121 (27,8%) foram considerados perdas (23 mães não aceitaram participar do estudo e 98 não foram localizadas), resultando em 303 (69,7%) pares (mães e crianças).
Coleta dos dados
A coleta dos dados foi realizada utilizando-se questionários pré-testados e administrados por pesquisadores treinados. Na 1ª investigação, o peso, o comprimento e o índice Apgar dos recém-nascidos foram obtidos do livro de registros da maternidade no mesmo dia em que nasceram. O peso ao nascer foi classificado ajustando-se o peso à idade gestacional e ao sexo em três diferentes categorias: pequeno para a idade gestacional (PIG), definido como peso ao nascer < P10; adequado para a idade gestacional (AIG), definido como peso ao nascer entre o percentil P10-90; e grande para a idade gestacional (GIG), definido como percentil > P90 14. O índice de Apgar foi considerado adequado no primeiro minuto quando o escore foi ≥ 7, e inadequado quando < 7. As medidas antropométricas das mães foram obtidas imediatamente após o parto, ainda na maternidade, segundo a técnica de Gordon et al. 15. Para as medidas do peso e da estatura, foram utilizadas uma balança digital portátil marca Cardiomed (Curitiba, Brasil) com capacidade de até 150kg e divisão de 0,1kg, e um estadiômetro portátil da marca Cardiomed com capacidade para até 220cm e divisão de 0,1cm, respectivamente.
Na 2a investigação, o peso das crianças foi mensurado utilizando-se balança portátil digital pediátrica da marca Beurer (Ulm, Alemanha) modelo BY20, com capacidade para até 20kg e incrementos de 10g. O comprimento foi obtido com uso de uma régua antropométrica pediátrica com capacidade de até 100cm e incrementos de 0,1cm. O peso e o comprimento foram utilizados para calcular o índice de massa corporal (IMC - peso [kg]/comprimento[m2]). O estado nutricional das crianças foi avaliado segundo o IMC por idade e sexo, conforme as curvas de avaliação do crescimento infantil da Organização Mundial da Saúde (OMS) 16, a qual classifica como magreza crianças percentil < 3; eutróficas percentil ≥ 3 e percentil ≤ 85; risco de sobrepeso percentil > 85 e percentil ≤ 97; sobrepeso percentil > 97 e percentil ≤ 99,9; obesidade percentil > 99,9. As medidas antropométricas das mães foram obtidas come os mesmos equipamentos e procedimentos da 1a investigação. O estado nutricional das mães foi avaliado segundo o IMC e classificado de acordo com os pontos de corte da OMS 17, que classifica o indivíduo com IMC entre 18 e 24,9kg/m2 como normal, 25,0 e 29,9kg/m2 como sobrepeso e ≥ 30,0kg/m2 como obeso.
A renda familiar mensal foi obtida pelo relato da renda em reais das participantes, e classificada em salários mínimos (SM) em três categorias: < 3, 3-5, ≥ 5 SM. Um SM correspondia a R$ 678,00 à época em que o estudo foi conduzido. O estado civil foi classificado em "casado/união consensual", quando a participante relatou estar oficialmente casada ou viver junto com seu parceiro na mesma residência, e "outro" quando a participante relatou qualquer outro tipo de estado civil. As participantes do estudo também foram questionadas se continuaram trabalhando ou estudando no primeiro mês após a gestação.
O IMC pré-gestacional foi calculado pelo o relato do peso pré-gestacional e a medida da estatura, que foi obtida imediatamente após o parto, ainda na maternidade. Todas as variáveis antropométricas foram mensuradas duas vezes, utilizando-se a média aritmética como medida final.
O aleitamento foi classificado segundo os indicadores da OMS 18, que considera AME quando o lactente foi alimentado exclusivamente com leite do peito ou ordenhado e nenhum outro líquido ou sólido, com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, minerais e/ou medicamentos, por um período de seis meses; aleitamento predominante (AP) quando a criança recebeu leite do peito ou ordenhado, incluindo água ou bebidas à base de água como sucos de frutas e chás; alimentação complementar (AC) quando a criança recebeu leite do peito ou ordenhado, incluindo alimentos sólidos ou semissólidos, leite não humano e fórmula especial; amamentação (A) quando a criança recebeu leite do peito ou ordenhado, incluindo o leite não humano e fórmula especial; e alimentação artificial (AA) quando a criança recebeu qualquer tipo de alimento líquido ou semissólido via mamadeira, incluindo leite do peito, leite não humano e fórmula especial 18. Para este estudo, AP, AC, A e AA foram agrupados em aleitamento não exclusivo (ANE).
Análise estatística
Os dados foram analisados no programa IBM SPSS, versão 22.0 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos). O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar a prevalência das variáveis categóricas da mãe e das crianças segundo o tipo de aleitamento (AME vs. ANE).
Para verificar a associação entre crianças apresentando risco de excesso de peso (percentil > 85) com tipo de aleitamento e outros fatores de risco, foram calculados as odds ratio (OR) e os intervalos de 95% de confiança (IC95%) por regressão logística. Na análise univariada (Modelo 1), foram estimados os efeitos brutos de cada fator de risco nas crianças com percentil > 85 (em relação às crianças com percentil ≤ 85). Utilizando-se o método enter, análise forçada das variáveis no modelo, foram selecionados os fatores de risco com valor de p < 0,05, além de idade e sexo da criança para construir o primeiro modelo multivariado (Modelo 2). O segundo modelo multivariado (Modelo 3) foi construído com inclusão de todos os fatores de risco do Modelo 1 de forma a verificar o efeito independente de cada fator de risco no desfecho investigado (percentil > 85). Para a análise multivariada, houve uso do modelo teórico com apenas um nível hierárquico, com a introdução das variáveis na seguinte ordem: idade materna, escolaridade, estado civil, renda familiar, IMC materno atual, peso ao nascer, Apgar a 1 min, sexo e idade da criança. De forma a controlar potenciais fatores de confundimento, as variáveis foram introduzidas uma a uma no modelo, e ajustadas para as variáveis significativas (p < 0,05) no Modelo 2. O efeito de cada variável junto ao desfecho "risco de excesso de peso" e a exposição "tipo de amamentação" também foi analisado individualmente.
As categorias de referência foram determinadas com base em resultados de outros estudos, que revelaram que (1) crianças de mães com menor idade e IMC, (2) maior escolaridade e renda familiar, (3) que viveram com o parceiro, (4) que tiveram AME, (5) que nasceram PIG ou AIG e (6) tiveram Apgar a 1 min < 7 ao nascer apresentaram menor risco de excesso de peso no futuro 19), (20), (21), (22), (23), (24), (25.
Para avaliar se ocorreu diferença entre o grupo de pares que participou da 1ª investigação (N = 435) com o grupo de pares que participou da 2ª investigação (N = 303), aplicou-se o teste do qui-quadrado para as variáveis idade, escolaridade, peso ao nascer e sexo. Todos os testes foram considerados significativos quando valor de p < 0,05.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Região de Joinville (Univille, processo nº 107/2011).
Resultados
O teste do qui-quadrado para proporcionalidade mostrou não haver diferença estatisticamente significativa entre os grupos da 1a e da 2a investigação quanto às variáveis idade (p = 0,148), escolaridade (p = 0,874), peso ao nascer (p = 0,103) e sexo (p = 0,666).
Na Tabela 1, estão descritas as características gerais das mães e seus filhos dois anos após o parto. A proporção de mães que não amamentaram exclusivamente foi significativamente (p < 0,05) maior para aquelas que relataram trabalhar/estudar após a gestação, e para as que apresentaram IMC ≥ 25kg/m2, quando comparadas às mães que amamentaram exclusivamente (67,3% vs. 47,6%, 53,1% vs. 40,8%, respectivamente). Em relação às crianças, o estado nutricional também foi significativamente associado ao tipo de amamentação. A proporção de crianças > percentil 85 foi maior entre as que não foram amamentadas exclusivamente quando comparada às que tiveram AME (45,7% vs. 34%; p = 0,048).
Tabela 1: Características gerais das mães e seus filhos dois anos após o parto, segundo o tipo de aleitamento materno. Joinville, Santa Catarina, Brasil, 2013-2014.

A análise dos fatores de risco para excesso de peso corporal aos dois anos de idade é demonstrada na Tabela 2. Quando comparadas às crianças que receberam AME, as crianças não amamentadas exclusivamente apresentaram maior risco de desenvolver excesso de peso corporal (OR = 1,6; p = 0,049) após dois anos de seguimento. Crianças de mães atualmente obesas (IMC ≥ 30kg/m2) apresentaram maior risco de excesso de peso corporal quando comparadas às de mães com IMC < 25kg/m2 (OR = 2,1; p = 0,012). Crianças que nasceram GIG e com índice Apgar 1 min < 7 também apresentaram maior risco de excesso de peso corporal em relação às crianças PIG/AIG (OR = 2,3; p = 0,001), e com índice Apgar 1 min ≥ 7 ao nascimento (OR = 2,5; p = 0,033), respectivamente (Tabela 2).
Após o ajuste para as covariáveis idade da criança, sexo e as que foram significativas (p < 0,05) na análise não ajustada (Modelo 1), o risco das crianças que não receberam AME apresentarem excesso de peso corporal após dois anos de seguimento aumentou de 1,6 para 1,7 (Modelo 2; OR = 1,1; p = 0,038). No terceiro modelo (Modelo 3), mesmo após o ajuste para todas as covariáveis do Modelo 1, o risco das crianças que não receberam AME apresentarem excesso de peso corporal aumentou em relação à análise não ajustada (OR = 1,8 vs. OR = 1,6; p = 0,043) (Tabela 2). Adicionalmente, o peso ao nascer também mostrou efeito independente sobre o risco de as crianças apresentarem excesso de peso corporal (OR = 2,5; p = 0,002).
Discussão
Até o momento, este é o primeiro estudo longitudinal e prospectivo com crianças brasileiras a demonstrar que a prática de ANE está associada ao maior risco de as crianças apresentarem excesso de peso corporal no segundo ano de vida. Neste estudo, demonstra-se que o AME apresentou um efeito independente sobre o risco de excesso de peso corporal mesmo após controlar por diversas outras covariáveis de confusão da mãe e da criança. Adicionalmente, crianças que nasceram GIG também apresentaram maior risco de desenvolver excesso de peso corporal aos dois anos de idade.
Tais resultados são consistentes com os de outros estudos prospectivos realizados no Brasil, mas com grupos etários diferentes 8), (19. Moreira et al. 19, em um estudo envolvendo crianças menores de cinco anos de idade, demonstraram haver associação entre AME < 6 meses e risco de excesso de peso (OR = 1,82; IC95%: 1,31-2,51). Scanferla de Siqueira & Monteiro 8 demonstraram que crianças com idade entre 6 e 14 anos que nunca foram amamentadas também apresentaram maior risco de excesso de peso (OR = 2,06; IC95%: 1,02-4,16).
Vários pesquisadores têm avaliado a relação entre AME e excesso de peso tardio, porém os resultados são conflitantes. Estudos longitudinais e/ou prospectivos desenvolvidos com crianças de outros países revelaram dados semelhantes aos encontrados neste estudo 20), (26), (27), (28), (29. Rossiter et al. 26 observaram que crianças canadenses que receberam algum tipo de alimento associado com leite materno nos primeiros seis meses de vida apresentaram maior risco de excesso de peso corporal (OR = 1.27; IC95%: 1,02-1,58). Jwa et al. 27, em um estudo de coorte prospectivo, verificaram o efeito que o aleitamento materno exerceu sobre o estado nutricional de crianças japonesas entre 5,5 e 8 anos de idade. Comparado a crianças que receberam fórmula infantil, as crianças expostas ao AME tiveram menor probabilidade de apresentar risco de sobrepeso tanto aos 5,5 anos (meninos - OR = 0,64; IC95%: 0,50-0,82 e meninas - OR = 0,70; IC95%: 0,55-0,89) como aos oito anos de idade (meninos - OR = 0,61; IC95%: 0,48-0,76 e meninas - OR = 0,60; IC95%: 0,47-0,77) 27. Rzehak et al. 28 avaliaram mensalmente crianças até os dois anos de idade e observaram que as crianças expostas ao AME ganharam menos peso em relação às crianças alimentadas com fórmula infantil, mas cresceram de forma similar em relação ao comprimento. Zhang et al. 29 observaram que o AME reduziu 47% o risco de excesso de peso corporal em crianças chinesas aos dois anos de idade, e Bergamm et al. 20 observaram efeito protetor do AME em crianças alemãs aos seis anos de idade (OR = 0,53; IC95%: 0,31-0,89).
Entretanto, ainda que diversos estudos tenham revelado o efeito protetor do AME sobre o excesso de peso ao longo da vida, alguns autores encontraram efeito contrário. Huus et al. 22, em um estudo de coorte envolvendo crianças suecas com cinco anos de idade, demonstraram não haver associação entre AME e risco de excesso de peso corporal (OR = 1,22; IC95%: 0,81-1,83). Durmus et al. 21, em um estudo de coorte de base populacional envolvendo crianças holandesas de dois anos de idade, também relataram não haver efeito protetor do AME sobre o risco de excesso de peso corporal (OR = 1,20; IC95%: 0,98-1,47).
O Brasil é um país que vem passando por uma rápida transição nutricional nas últimas décadas, o que culminou no estabelecimento, em crianças e adultos, de elevadas prevalências de sobrepeso e obesidade semelhantes às encontradas em países da América do Norte 30), (31), (32. A prevalência de risco de excesso de peso (percentil > 85) de 41,6% observada neste estudo é alarmante e superior à revelada por outros estudos nacionais 19), (23 e internacionais 33), (34), (35), (36, considerando crianças da mesma faixa etária. Contudo, é preciso cautela quando se comparam os resultados deste trabalho com os de outros estudos por conta das diferentes metodologias e pontos de corte utilizados. Li et al. 36, em um estudo realizado com 55.925 crianças chinesas menores de 3 anos de idade, encontraram prevalência de 26,6% de crianças com percentil > 85. Hassapidou et al. 33, que investigaram 1.250 crianças gregas de 2 a 6 anos de idade, também utilizaram a classificação em percentil da OMS e observaram prevalência de 32,6% de crianças com percentil > 85. Utilizando a classificação proposta por Cole et al. 37 para avaliar o estado nutricional de crianças do Reino Unido entre 2 a 5 anos de idade, van Jaarsveld et al. 34 encontraram prevalências de risco de excesso de peso (percentil ≥ 85) de 24,9% e 23,8% em meninos e meninas, respectivamente. Moreira et al. 19, utilizando outro índice antropométrico (peso/estatura da OMS), encontraram prevalência de 28,5% para risco de excesso de peso em um estudo conduzido com 963 crianças brasileiras menores de 5 anos de idade.
Ainda que diferentes pontos de cortes e classificações tenham sido adotados para identificar risco de excesso de peso em crianças de diferentes países, dificultando uma comparação mais fidedigna, a elevada prevalência do risco de excesso de peso infantil parece ser uma característica global. Alguns autores sugerem que o ponto de corte da OMS superestima os valores de prevalência de risco de excesso de peso 33. No entanto, em países com elevada diversidade étnica, como é o caso do Brasil, entende-se que a classificação do estado nutricional proposta pela OMS parece ser a mais adequada, já que foi construída tendo como base populações de diferentes países, incluindo o Brasil.
A explicação do efeito protetor do AME sobre o excesso de peso ainda é discutida na literatura. Alguns autores sugerem que a proteção exercida pelo AME está relacionada ao imprinting metabólico, fenômeno pelo qual uma experiência nutricional precoce, atuando durante um período crítico e específico do desenvolvimento, pode causar um efeito duradouro, persistente ao longo da vida do indivíduo e predispondo-o a determinadas doenças 38, como a obesidade. Outros autores relataram que o aleitamento materno não exclusivo, sobretudo o uso da mamadeira, favorece o desenvolvimento do sobrepeso por promover uma ingestão excessiva de leite e/ou por prejudicar o desenvolvimento dos mecanismos de autorregulação de ingestão de alimentos 6. A composição única do leite materno poderia, portanto, estar implicada no processo de imprinting metabólico, alterando, por exemplo, o número e/ou tamanho dos adipócitos ou induzindo o fenômeno de diferenciação metabólica 6.
Outra hipótese plausível para o efeito negativo da amamentação não exclusiva sobre o risco de excesso de peso corporal diz respeito à maior ingestão de proteína no primeiro ano de vida, que está associada ao ganho de peso mais rápido e, consequentemente, à maior adiposidade, podendo levar a maior risco de excesso de peso corporal no futuro 39), (40. Crianças alimentadas com fórmula infantil ingerem maior quantidade de proteína quando comparadas às crianças amamentadas exclusivamente 27. Isso ocorre devido ao maior teor de proteína contido nas fórmulas infantis 28.
Enfim, o aleitamento materno envolve diversos aspectos, entre os quais a quantidade de alimento ingerido, a composição desse alimento, a época e a qualidade da introdução de alimentos sólidos, o desenvolvimento dos mecanismos regulatórios da ingestão alimentar, assim como aspectos comportamentais associados à relação mãe-filho e à formação do hábito alimentar da criança 6. Como o AME é um componente indispensável para a saúde geral da criança, a formulação de políticas públicas de nutrição como atividades de prevenção e intervenção nutricional são fundamentais para impedir o estabelecimento do excesso de peso corporal ainda na fase pré-escolar. O incentivo à prática do AME deve ocorrer intensamente desde o início da gestação, levando a mãe a não medir esforços para praticá-lo por maior tempo durante os primeiros seis meses de vida da criança. No Brasil, ainda é comum a interrupção precoce do AME mediada por diversos fatores, com destaque para o curto período da licença maternidade e a inexperiência materna para a prática da amamentação. Ainda que a mãe precise retornar às suas atividades quando termina a licença maternidade, na sua grande maioria quatro meses após o parto, o contínuo oferecimento do seu próprio leite à criança, seja por intermédio da mamadeira ou mesmo por visitas periódicas à creche/em casa, deve ser mais intensamente promovido pelos órgãos de promoção do AME na população brasileira. Cabe ainda, lembrar que muitas mulheres exercem atividades sem carteira de trabalho, logo, nem sequer possuem licença maternidade, interrompendo ainda mais cedo o período do AME. Segundo Araújo & Lombardi 41, em 2009, cerca de 52,1% das mulheres ocupavam uma atividade informal no Brasil, e a maioria (57%) trabalhava até 39 horas por semana.
No que tange à inexperiência da mãe para a prática da amamentação com seu primeiro filho, aumentar a frequência do contato da mãe com o agente de saúde, pediatra ou outro profissional de saúde da Unidade Básica de Saúde parece ser uma estratégia simples e efetiva para auxiliar a mãe a amamentar seu filho, e com isso ampliar as taxas de AME no país.
Este estudo tem vários pontos fortes. Eles incluem a coleta de dados prospectiva, o que possibilita fazer a relação causal entre a exposição (AME) e o desfecho (excesso de peso nas crianças), além de ter sido ajustado por vários fatores de confusão importantes como condição socioeconômica, estado nutricional da mãe e condições de nascimento da criança. Todos os dados, incluindo as medidas antropométricas, foram coletados pelo mesmo grupo de pesquisa desde que as crianças nasceram, o que ajuda a reduzir possíveis vieses. Por fim, a perda amostral (27,8%) ocorrida na segunda investigação não foi elevada para o tipo de estudo desenvolvido, coorte de base domiciliar. Em geral, a maioria dos estudos de base domiciliar revela perdas superiores a 40% 21), (29. Neste estudo, como não houve diferença significativa entre os grupos da primeira e da segunda investigação (seguidos e não seguidos), diminui as chances de ocorrer viés de seleção. Adicionalmente, a probabilidade de perda não foi relacionada à exposição ou ao desfecho do estudo, mas sim à situação geográfica (endereço incorreto, mudança de endereço), reduzindo a chance de ocorrer viés de seguimento.
Importantes limitações, porém, devem ser consideradas. Primeiramente, as informações sobre escolaridade, renda familiar, aleitamento e peso pré-gestacional foram obtidas pelo relato das mães; por isso podem estar sujeitas a viés de memória. Segundo, questões relacionadas à quantidade e à qualidade dos alimentos fornecidos às crianças não foram abordadas neste estudo, mas podem ter influenciado no desenvolvimento das crianças. Por fim, o hábito alimentar e os hábitos de vida das mães e crianças também não foram investigados neste estudo. Características como frequência e a forma como o aleitamento/alimento foi fornecido também podem ter influenciado no desenvolvimento das crianças.
Conclusão
Apesar de os estudos serem controversos, os resultados desta pesquisa mostraram que crianças não amamentadas exclusivamente apresentaram maior risco de excesso de peso corporal aos 13-24 meses de idade. O incentivo ao AME deve fazer parte de atividades de prevenção e intervenção nutricional, sobretudo nos primeiros seis meses de vida da criança, de forma a impedir o avanço do excesso de peso, atual problema de saúde pública mundial.