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Associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal em escolares

Association of victimization from bullying with body mass index in schoolchildren

Asociación entre victimización por acoso e índice de masa corporal en escolares

Resumos

Um elevado número de escolares relata já ter sido vítima de bullying pelos seus pares devido à sua aparência física. O peso corporal do adolescente destaca-se como uma das principais razões dessa vitimização. O presente trabalho tem como objetivo investigar a associação entre vitimização por bullying e índice de massa corporal (IMC) em escolares brasileiros. Trata-se de um estudo transversal utilizando dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015 para estudantes com idades entre 11 e 15 anos. Para a análise foi usado o modelo Probit. A probabilidade de vitimização por bullying foi de 46% em escolares brasileiros. Foi encontrada uma associação não linear significativa entre IMC e bullying. Observou-se que tanto os estudantes abaixo do peso quanto os sobrepesados/obesos apresentaram maior probabilidade de vitimização por bullying em relação a escolares com peso adequado para a idade. A associação foi encontrada para ambos os sexos, sendo a curva em forma de U mais acentuada para escolares do sexo feminino. Além disso, foram identificados como fatores de risco sentir-se incompreendido pelos pais, insatisfeito com o próprio corpo e frequentar escola pública. Morar com a mãe, escolaridade da mãe e proxy para renda familiar não são fatores de risco ou de proteção para a vitimização por bullying. Os resultados apontam que, além de escolares sobrepesados/obesos, os que estão abaixo do peso também devem ser considerados como grupo de risco.

Palavras-chave:
Adolescente; Violência; Composição Corporal


Many schoolchildren report bullying by their classmates because of their physical appearance. Teenagers’ body weight is one of the main reasons for this victimization. The current study aims to investigate the association between victimization from bullying and body mass index (BMI) in Brazilian schoolchildren. This was a cross-sectional study using data from the Brazilian National School Health Survey (PeNSE) in 2015 for students from 11 to 15 years of age. The analysis used the Probit model. The probability of victimization from bullying was 46% in Brazilian schoolchildren in this age bracket. There was a significant non-linear association between BMI and bullying. Both underweight and overweight/obese schoolchildren were more likely to suffer bullying, compared to their peers with adequate weight for age. The association was found in both sexes, and the U-shaped curve was more accentuated in girls. Risk factors included feeling misunderstood by parents, dissatisfaction with one’s own body, and enrollment in public schools. Living with the mother, mother’s schooling, and a proxy for family income were neither risk factors nor protective factors for bullying. The results show that overweight/obese and underweight students should be considered a risk group for bullying.

Keywords:
Adolescent; Violence; Body Composition


Un elevado número de escolares relata ya haber sido víctima de acoso (bullying) por parte de sus compañeros, debido a su apariencia física. El peso corporal del adolescente destaca como una de las principales razones de esa victimización. El objetivo del presente estudio es investigar la asociación entre victimización por acoso e índice de masa corporal (IMC) en escolares brasileños. Se trata de un estudio transversal, utilizando datos de la Encuesta Nacional de Salud del Escolar (PeNSE por sus siglas en portugués) de 2015 para escolares con edades entre 11 y 15 años. Para el análisis, se utilizó el modelo Probit. La probabilidad de victimización por acoso fue de 46% en escolares brasileños. Se encontró una asociación no-lineal significativa entre IMC y acoso. Se observó que tanto escolares por debajo del peso, así como escolares con sobrepeso/obesos presentaron una mayor probabilidad de victimización por acoso, en relación con escolares con un peso adecuado para la edad. La asociación se encontró para ambos sexos, siendo la curva en forma de U más acentuada para escolares del sexo femenino. Asimismo, se identificaron como factores de riesgo sentirse incomprendido por los padres, insatisfecho con el propio cuerpo y frecuentar la escuela pública. Vivir con la madre, escolaridad de la madre y proxy para renta familiar no se mostraron factores de riesgo o de protección para la victimización por acoso. Los resultados indican que, además de escolares con sobrepeso/obesos, escolares por debajo del peso también deben ser considerados como grupo de riesgo.

Palabras-clave:
Adolescente; Violencia; Composición Corporal


Introdução

Bullying é entendido como uma prática negativa repetitiva, intencional e com desequilíbrio de poder entre vítima e agressor 11. Salmon S, Turner S, Taillieu T, Fortier J, Afifi TO. Bullying victimization experiences among middle and high school adolescents: traditional bullying, discriminatory harassment, and cybervictimization. J Adolesc 2018; 63:29-40.,22. Olweus D. School bullying: development and some important challenges. Annu Rev Clin Psychol 2013; 9:751-80.. Essa prática pode ser uma ação de violência física ou psicológica. Desse modo, um indivíduo pode ser vítima de bullying por contato físico, por palavras, gestos, boatos difamatórios ou exclusão de um grupo 33. Olweus D. Bully/victim problems in school: facts and intervention. Eur J Psychol Educ 1997; 12:495-510.. Outra forma de bullying é a violência que acontece no espaço virtual, denominada cyberbullying. Essa forma de agressão envolve o envio de mensagens agressivas ou ameaçadoras, comentários depreciativos nas redes sociais, intimidação por meios eletrônicos e divulgação de informações privadas, inapropriadas ou humilhantes 44. Nixon CL. Current perspectives: the impact of cyberbullying on adolescent health. Adolesc Health Med Ther 2014; 5:143-58.,55. Athanasiou K, Melegkovits E, Andrie EK, Magoulas C, Tzavara CK, Richardson C, et al. Cross-national aspects of cyberbullying victimization among 14-17-year-old adolescents across seven European countries. BMC Public Health 2018; 18:800..

Entre os adolescentes, bullying é um tema frequente e de grande preocupação devido às consequências comportamentais e emocionais concomitantes associadas a este fenômeno 11. Salmon S, Turner S, Taillieu T, Fortier J, Afifi TO. Bullying victimization experiences among middle and high school adolescents: traditional bullying, discriminatory harassment, and cybervictimization. J Adolesc 2018; 63:29-40.. A adolescência é marcada por transformações biológicas, emocionais e sociais 66. Ciampo LAD, Ciampo IRLD. Adolescência e imagem corporal. Adolesc Saúde 2010; 7:55-9.. Com isso, as consequências de vitimização por bullying são agravadas ao serem somadas com as transformações e inseguranças já enfrentadas pelos mesmos nesse período da vida 77. Pigozi PL, Machado AL. Bullying na adolescência: visão panorâmica no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2015; 20:3509-22..

Existem consistentes evidências da associação entre a exposição de adolescentes ao bullying e diversos problemas de saúde, tais como ansiedade, depressão, baixa autoestima, autolesão e ideação e comportamento suicida 88. Holt MK, Vivolo-Kantor AM, Polanin JR, Holland KM, DeGue S, Matjasko JL, et al. Bullying and suicidal ideation and behaviors: a meta-analysis. Pediatrics 2015; 135:e496-509.,99. Troop-Gordon W. Peer victimization in adolescence: the nature, progression, and consequences of being bullied within a developmental context. J Adolesc 2017; 55:116-28.. Os adolescentes vítimas de bullying também apresentam maior risco em desenvolver transtornos alimentares e envolvimento com o uso de substâncias lícitas e ilícitas 1010. Kelly EV, Newton NC, Stapinski LA, Slade T, Barrett EL, Conrod PJ, et al. Concurrent and prospective associations between bullying victimization and substance use among Australian adolescents. Drug Alcohol Depend 2015; 154:63-8.,1111. Duarte C, Pinto-Gouveia J, Rodrigues T. Being bullied and feeling ashamed: implications for eating psychopathology and depression in adolescent girls. J Adolesc 2015; 44:259-68.. Outro agravante é que as consequências do bullying durante a infância e adolescência, muitas vezes, perduram no longo prazo. Isso é, o bullying sofrido na idade escolar também impacta esses indivíduos na vida adulta 1212. Lereya ST, Copeland WE, Costello EJ, Wolke D. Adult mental health consequences of peer bullying and maltreatment in childhood: two cohorts in two countries. Lancet Psychiatry 2015; 2:524-31.,1313. Ttofi MM, Farrington DP, Lösel F, Loeber R. Do the victims of school bullies tend to become depressed later in life? A systematic review and meta-analysis of longitudinal studies. J Aggress Confl Peace Res 2011; 3:63-73..

A exposição ao bullying varia entre os países, atingindo desde 4,8% até 45,2% dos adolescentes dependendo da localidade 1414. Craig W, Harel-Fisch Y, Fogel-Grinvald H, Dostaler S, Hetland J, Simons-Morton B, et al. A cross-national profile of bullying and victimization among adolescents in 40 countries. Int J Public Health 2009; 54 Suppl 2:216-24.. Globalmente, estima-se que mais de um em cada três escolares, de 13 a 15 anos, seja vítima de bullying regularmente por seus colegas 1515. Pells K, Portela MJO, Revollo PE. Experiences of peer bullying among adolescents and associated effects on young adult outcomes: longitudinal evidence from Ethiopia, India, Peru and Viet Nam. Florence: United Nations Children's Fund; 2016. (Innocenti Discussion Paper, 2016-03).. No Brasil, cerca de 46% dos adolescentes entre 11 e 15 anos declararam que já sofreram algum tipo de bullying 1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2015..

De modo a compreender as diversas facetas do bullying, a literatura relacionada ao tema busca discriminar formas específicas da agressão, que incluem raça, religião, aparência física, orientação sexual e região de origem. Dentre os motivos de ocorrência de bullying reportados por adolescentes, a aparência do próprio corpo é uma das principais 1717. Oliveira WA, Silva MAI, Mello FCM, Porto DL, Yoshinaga ACM, Malta DC. Causas do bullying: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Latinoam Enferm 2015; 23:275-82.. Essa aparência tem sido frequentemente destacada pela literatura como um desafio crescente a ser enfrentado durante a adolescência 1818. Fortes LS, Conti MA, Almeida SS, Ferreira MEC. Body dissatisfaction in adolescents: a longitudinal study. Rev Psiquiatr Clín 2013; 40:167-71.,1919. Marques MI, Pimenta J, Reis S, Ferreira LM, Peralta L, Santos MI, et al. (In)satisfação com a imagem corporal na adolescência. Nascer Crescer 2016; 25:217-21.. Muitos adolescentes têm dificuldade de aceitar a si mesmos e se sentem insatisfeitos com sua imagem corporal.

A associação entre vitimização por bullying e aparência física, especificamente o peso corporal do adolescente, tem sido amplamente investigada em diversos países. Há claras evidências na literatura de que estudantes sobrepesados e obesos apresentam maiores riscos de vitimização por bullying em relação a escolares com peso adequado para idade (eutrofia) 2020. Alexius SL, Mocellin MC, Corrêa EN, Neves J, Vasconcelos FAG, Corso ACT. Evidences of the association between individual attributes and bullying: a cross-sectional study with adolescents from Florianópolis, Santa Catarina State, Brazil. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00118617.,2121. Bacchini D, Licenziati MR, Garrasi A, Corciulo N, Driul D, Tanas R, et al. Bullying and victimization in overweight and obese outpatient children and adolescents: an Italian multicentric study. PLoS One 2015; 10:e0142715.,2222. Kovalskys I, Herscovici CR, Rougier PI, Añez E, Zonis L, Orellana L. Childhood obesity and bullying in schools of Argentina: analysis of this behaviour in a context of high prevalence. J Child Obes 2016; 1:11.,2323. Wilson ML, Viswanathan B, Rousson V, Bovet P. Weight status, body image and bullying among adolescents in the Seychelles. Int J Environ Res Public Health 2013; 10:1763-74.,2424. Lian Q, Su Q, Li R, Elgar FJ, Liu Z, Zheng D. The association between chronic bullying victimization with weight status and body self-image: a cross-national study in 39 countries. PeerJ 2018; 6:e4330.. Por outro lado, há também evidências de que estudantes abaixo do peso apresentam maiores riscos de vitimização por bullying em relação àqueles com peso adequado 2525. Wang J, Iannotti RJ, Luk JW. Bullying victimization among underweight and overweight U.S. youth: differential associations for boys and girls. J Adolesc Health 2010; 47:99-101.,2626. Griffiths LJ, Wolke D, Page AS, Horwood JP; ALSPAC Study Team. Obesity and bullying: different effects for boys and girls. Arch Dis Child 2006; 91:121-5.. Tais resultados dão suporte para a hipótese de uma tendência não linear na associação entre índice de massa corporal (IMC) e bullying.

Diante do exposto, a presente pesquisa tem como questão norteadora: “Existe associação entre vitimização por bullying e IMC?”. E, com base nessa pergunta, tem como questão secundária: “Qual o formato dessa associação (linear ou quadrática)?”. Para responder a essas perguntas, o estudo tem como objetivo investigar a associação entre vitimização por bullying e IMC em escolares brasileiros, baseando-se nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015.

Método

Estudo transversal utilizando dados da PeNSE de 2015. Para o presente trabalho, foram selecionados estudantes de 11 a 15 anos de escolas públicas e privadas. A faixa etária selecionada contempla escolares na fase inicial da adolescência. Estudos apontam que a vitimização por bullying é mais frequente nessa fase da adolescência (até 16 anos) 1515. Pells K, Portela MJO, Revollo PE. Experiences of peer bullying among adolescents and associated effects on young adult outcomes: longitudinal evidence from Ethiopia, India, Peru and Viet Nam. Florence: United Nations Children's Fund; 2016. (Innocenti Discussion Paper, 2016-03)..

Amostra

A PeNSE, que iniciou em 2009, é realizada em parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde, e o apoio do Ministério da Educação 1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2015.. Os questionários da PeNSE de 2015 foram aplicados de forma coletiva nas escolas, públicas e particulares, por técnicos do IBGE. No dia da aplicação do questionário, todos os escolares presentes foram convidados a participar da pesquisa. Os estudantes fizeram uso de um aparelho smartphone para responder ao questionário autoaplicável. Todos aqueles que participaram da pesquisa concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi realizada entre abril e setembro de 2015 2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2015. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016..

A PeNSE é composta por duas amostras independentes de estudantes. Uma que engloba escolares que cursam o 9º ano do Ensino Fundamental (amostra 1) e outra que abrange escolares que cursam do 6º ano do Ensino Fundamental até a terceira série do Ensino Médio (amostra 2). A fim de contemplar o grupo etário na fase inicial da adolescência, o presente estudo foi realizado utilizando a segunda amostra.

A abrangência geográfica da amostra 2 é nacional e engloba as cinco grandes regiões geográficas do país (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-oeste). Em 2015, participaram da PeNSE estudantes de 371 escolas do país, sendo 282 (76%) públicas e 89 (24%) privadas.

A amostra 2 da PeNSE de 2015 é composta por 16.556 escolares (questionários válidos). Desse total, foram selecionados para o presente estudo apenas aqueles que responderam “sim” ou “não” à pergunta: “Você já sofreu bullying?”. Com isso, foram excluídos da amostra 387 (2,3%) escolares que declararam não saber o que é bullying e 52 (0,3%) que não informaram uma resposta. Em seguida, diante da faixa etária de interesse deste trabalho, foram excluídos da amostra escolares com 16 ou mais anos, 4.292 (25,9%). Assim, a amostra final contabilizou 11.825 estudantes entre 11 e 15 anos.

Variáveis selecionadas

O IMC foi calculado e classificado de acordo com os critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 2828. de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85:660-7.. O IMC corresponde à divisão do peso (em quilos) do aluno pelo quadrado de sua altura (em metros).

Foi considerada como variável de desfecho para a vitimização por bullying a pergunta: “Você já sofreu bullying?”, em que o aluno responde sim ou não. Além disso, uma segunda variável para a vitimização por bullying foi testada. Essa última refere-se à pergunta: “Nos últimos 30 dias, com que frequência algum dos seus colegas de escola te esculacharam, zoaram, mangaram, intimidaram ou caçoaram tanto que você ficou magoado, incomodado, aborrecido, ofendido ou humilhado?”. A resposta foi categorizada, conforme a literatura 2929. Malta DC, Mello FCM, Prado RRD, Sa A, Marinho F, Pinto IV, et al. Prevalence of bullying and associated factors among Brazilian schoolchildren in 2015. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:1359-68., em sim para estudantes que responderam “na maior parte do tempo” e “sempre”, e não para os que responderam “nunca”, “raramente” e “às vezes”.

Foram incluídas no modelo três grupos de variáveis de controle:

(a) Características socioeconômicas: feminino (sim ou não); cor (branca (base), preta, amarela, parda ou indígena); mãe possuir Ensino Médio completo (sim ou não); frequentar escola pública (sim ou não); e bens (0 a 6). A variável bens (e serviços) foi utilizada como proxy para renda familiar. Foi considerado se o aluno tem acesso em sua residência aos seguintes itens: celular, telefone fixo, computador (desktop/netbook/laptop), acesso à Internet, carro e moto. A variável “bens” foi categorizada de 0 a 6, em que 0 refere-se ao estudante que não possui acesso a nenhum dos itens mencionados e 6 ao que possui acesso a todos os itens mencionados.

(b) Contexto familiar: morar com a mãe (sim ou não) e se sentir incompreendido pelos pais (sim ou não). A variável “incompreendido pelos pais” foi obtida pela pergunta: “Nos últimos 30 dias, com que frequência seus pais ou responsáveis entenderam seus problemas e preocupações?”. A resposta foi categorizada em sim para os estudantes que responderam “nunca”, “raramente” e “às vezes”, e não para os que responderam “na maior parte do tempo” e “sempre”.

(c) Autoimagem: estar insatisfeito com o próprio corpo (sim ou não). A variável foi obtida pela pergunta: “Como você se sente em relação ao seu corpo?”. A resposta foi categorizada em sim para os estudantes que responderam “muito insatisfeito(a)” e “insatisfeito(a)”, e não para os que responderam “indiferente”, “satisfeito(a)” e “muito satisfeito(a)”.

Análise estatística

A probabilidade de vitimização por bullying é um caso típico de modelo binário, em que:

y i = { 1 s e f o i v í t i m a d e b u l l y i n g 0 s e n ã o f o i v í t i m a d e b u y l l i n g }

Nos modelos binários, observa-se a probabilidade da variável de desfecho (dependente) apresentar valor igual a 1, dado a um conjunto de fatores (IMC, características socioeconômicas, contexto familiar e autoimagem). A equação que modela essa probabilidade é definida como 3030. Greene WH. Econometric analysis. 7th Ed. Boston: Prentice Hall; 2012.:

P r o b Y = 1 x = F x ' β (1)

em que x é o vetor de variáveis explicativas e β é o conjunto de parâmetros que reflete o impacto de mudanças em x na probabilidade de Y.

Para estimar a probabilidade de vitimização por bullying foi usado o modelo Probit, que pode ser descrito como 30:

P r o b Y = 1 x = x β - ϕ t d t = ϕ x β (2)

em que ϕ(t) é a função de distribuição acumulada da normal.

O efeito marginal é dado por:

E [ y | x ] x = ϕ ( x β ) β (3)

Em todas as análises considerou-se o desenho amostral para as amostras complexas, utilizando o peso amostral do estudante para a expansão. Para a estimação do modelo foi usado o programa Stata 13.1 (https://www.stata.com).

Resultado

A amostra contabilizou 11.825 escolares entre 11 e 15 anos. A maioria era do sexo feminino (50,55%), de cor branca (40,22%) e de escola pública (72,94%). Em relação aos bens, 65,08% dos escolares declararam ter acesso a pelo menos quatro dos itens mencionados (celular, telefone fixo, computador, Internet, carro e moto). Quase a metade dos escolares (45,59%) declarou ter sido, em algum momento, vítima de bullying, sendo que 8,36% declararam ter sido vítimas de bullying nos últimos 30 dias.

Estudantes vítimas de bullying apresentaram, em média, maior peso, maior IMC, maior insatisfação com o próprio corpo e sentiram-se mais incompreendidos pelos pais, quando comparados com os que não declararam ter sido vítimas de bullying (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição da amostra de escolares entre 11 e 15 anos para escolares vítimas e não vítimas de bullying. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2015 (n = 11.825).

Em relação à distribuição dos escolares por IMC, a maior parte deles apresentou peso adequado (67,34%). Contudo, 3,27% dos escolares estavam abaixo do peso, 19,55% sobrepesados e 9,84% obesos.

A Tabela 2 apresenta os resultados do modelo Probit para três grupos: todos os escolares, escolares do sexo masculino e escolares do sexo feminino. Os coeficientes de IMC e IMC2 foram estatisticamente significativos para os três grupos, confirmando a hipótese de uma tendência não linear na associação entre IMC e vitimização por bullying. Ou seja, tanto escolares de baixo peso quanto os sobrepesados/obesos indicaram maior probabilidade de vitimização por bullying em relação a escolares com peso adequado para idade.

Tabela 2
Resultado do modelo Probit para o total dos estudantes e por sexo. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2015.

Os efeitos marginais para os três grupos analisados estão apresentados na Tabela 3. Estudantes do sexo masculino apresentaram menor risco de vitimização por bullying. A cor da pele foi um fator de risco apenas para estudantes do sexo feminino, em que meninas de cor preta indicaram maior risco de vitimização por bullying em relação às de cor branca.

Tabela 3
Efeito marginal do modelo Probit para o total dos estudantes e por sexo. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2015.

A escola pública mostrou ser um fator de risco para o bullying. Escolares que se sentem incompreendidos pelos pais e se declararam insatisfeitos com o próprio corpo têm maior risco de vitimização por bullying.

Número de bens aos quais o adolescente tem acesso, proxy para renda familiar, morar com a mãe e escolaridade da mãe parecem não ter relação com a vitimização por bullying.

Em geral, a probabilidade de um escolar ser vítima de bullying é de 46%. Para os meninos a probabilidade de ser vítima de bullying foi de 44% e para as meninas de 49%. A curva em forma de U foi mais acentuada para escolares do sexo feminino.

A Figura 1 reporta a probabilidade de vitimização por bullying de acordo com o IMC do estudante. Para os três grupos a curva assumiu a forma de U devido a não-linearidade entre as variáveis.

Uma segunda variável de desfecho para bullying foi analisada, refere-se a estudantes vítimas de bullying nos últimos 30 dias. Foi encontrado um resultado similar. A curva também assumiu a forma de U, sendo mais acentuada para escolares do sexo feminino. Nos últimos 30 dias, a probabilidade de vitimização por bullying em escolares foi de 8%.

Figura 1
Efeito marginal (na média dos regressores) do índice de massa corporal (IMC) sobre a probabilidade de vitimização por bullying.

Discussão

Bullying no ambiente escolar tonou-se um tema relevante para a saúde pública nos últimos anos. Este estudo investigou a hipótese de não-linearidade entre índice de massa corporal e bullying. Como resultado, os coeficientes do IMC e IMC2 foram estatisticamente significativos (curva em forma de U), confirmando a hipótese de uma tendência não linear. Os resultados indicaram que tanto escolares abaixo do peso quanto aqueles acima do peso apresentaram maior probabilidade de vitimização por bullying em relação a escolares com o peso adequado para a idade.

A literatura referente à vitimização por bullying entre escolares tem se concentrado, em geral, na aparência física 1717. Oliveira WA, Silva MAI, Mello FCM, Porto DL, Yoshinaga ACM, Malta DC. Causas do bullying: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Latinoam Enferm 2015; 23:275-82.. Mais especificamente em adolescentes sobrepesados e obesos. Isso ocorre pois há evidências de que a vitimização devido ao excesso de peso é mais frequente do que outros tipos de vitimização por bullying entre os adolescentes 2121. Bacchini D, Licenziati MR, Garrasi A, Corciulo N, Driul D, Tanas R, et al. Bullying and victimization in overweight and obese outpatient children and adolescents: an Italian multicentric study. PLoS One 2015; 10:e0142715.. Essa relação tem sido encontrada tanto para países de alta renda 1717. Oliveira WA, Silva MAI, Mello FCM, Porto DL, Yoshinaga ACM, Malta DC. Causas do bullying: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Latinoam Enferm 2015; 23:275-82.,2121. Bacchini D, Licenziati MR, Garrasi A, Corciulo N, Driul D, Tanas R, et al. Bullying and victimization in overweight and obese outpatient children and adolescents: an Italian multicentric study. PLoS One 2015; 10:e0142715.,3131. Lumeng JC, Forrest P, Appugliese DP, Kaciroti N, Corwyn RF, Bradley RH. Weight status as a predictor of being bullied in third through sixth grades. Pediatrics 2010; 125:e1301-7., quanto para países de baixa e média renda 2222. Kovalskys I, Herscovici CR, Rougier PI, Añez E, Zonis L, Orellana L. Childhood obesity and bullying in schools of Argentina: analysis of this behaviour in a context of high prevalence. J Child Obes 2016; 1:11.,2323. Wilson ML, Viswanathan B, Rousson V, Bovet P. Weight status, body image and bullying among adolescents in the Seychelles. Int J Environ Res Public Health 2013; 10:1763-74..

Já em relação à associação entre o bullying e o baixo peso, a literatura ainda é escassa. Um estudo transversal, realizado para 39 países (América do Norte e Europa), mostrou que adolescentes abaixo e acima do peso apresentaram maior probabilidade de vitimização por bullying 2424. Lian Q, Su Q, Li R, Elgar FJ, Liu Z, Zheng D. The association between chronic bullying victimization with weight status and body self-image: a cross-national study in 39 countries. PeerJ 2018; 6:e4330. em relação a adolescentes com peso normal. A probabilidade de vitimização aumentou, na média, 0,031 para aqueles abaixo do peso e 0,032 para aqueles acima do peso. Após o ajuste para a classe social, Griffiths et al. 2626. Griffiths LJ, Wolke D, Page AS, Horwood JP; ALSPAC Study Team. Obesity and bullying: different effects for boys and girls. Arch Dis Child 2006; 91:121-5. encontraram que as meninas abaixo do peso, na Inglaterra, apresentaram 1,79 vez maior risco de vitimização quando comparadas às com peso adequado, já as meninas obesas apresentaram 1,52 vez maior risco de vitimização. Para os meninos, somente os adolescentes obesos registraram maior risco (1,40 vez) de vitimização quando comparados aos com peso adequado.

Até o presente momento, apenas um trabalho investigou a associação não linear entre IMC e vitimização por bullying. Wang et al. 3232. Wang C, Li Y, Li K, Seo DC. Body weight and bullying victimization among US adolescents. Am J Health Behav 2018; 42:3-12. encontraram uma relação quadrática apenas para escolares americanos do sexo masculino. Neste estudo, foi encontrada associação não linear entre as variáveis para escolares de ambos os sexos, sendo que a probabilidade de vitimização por bullying em meninas foi 3,44% maior. Além disso, a curva em forma de U foi mais acentuada para estudantes do sexo feminino, indicando maior probabilidade de sofrerem bullying em todos os níveis de IMC.

Salmon et al. 11. Salmon S, Turner S, Taillieu T, Fortier J, Afifi TO. Bullying victimization experiences among middle and high school adolescents: traditional bullying, discriminatory harassment, and cybervictimization. J Adolesc 2018; 63:29-40. destacam que a vitimização por bullying afeta de maneira diferente meninos e meninas. Os autores encontraram que meninas têm 1,38 vez maior risco de vitimização por bullying e 2,27 vezes maior risco de ouvir comentários negativos sobre seu corpo, tamanho e aparência. Já os meninos apresentaram maior risco de vitimização física, como ameaças e ferimentos físicos. Semelhantemente, Wang et al. 2525. Wang J, Iannotti RJ, Luk JW. Bullying victimization among underweight and overweight U.S. youth: differential associations for boys and girls. J Adolesc Health 2010; 47:99-101. verificaram que, quando comparados com estudantes no peso adequado, meninos abaixo do peso apresentaram maior risco de vitimização por bullying físico, e as meninas abaixo do peso apresentaram maior risco de serem excluídas de atividades.

A autoimagem que o escolar tem em relação ao seu corpo também foi um fator de risco para a vitimização por bullying. Os resultados mostram que a probabilidade de vitimização por bullying em escolares insatisfeitos com o próprio corpo é 15,9% maior. Oliveira et al. 1717. Oliveira WA, Silva MAI, Mello FCM, Porto DL, Yoshinaga ACM, Malta DC. Causas do bullying: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Latinoam Enferm 2015; 23:275-82. analisaram a prevalência de bullying em escolares brasileiros do 9º ano do Ensino Fundamental utilizando dados da PeNSE de 2012. Os autores encontraram que o bullying foi menos frequente em estudantes que declararam considerar seu corpo normal (6%). Entre escolares que declararam estar acima ou abaixo do peso a frequência de bullying foi maior, sendo “muito magro” (12,1%), “magro” (7,3%), “gordo” (9,6%) e “muito gordo” (19,6%). Resultado semelhante foi encontrado por Kubota 3333. Kubota LC. Discriminação contra os estudantes obesos e os muito magros nas escolas brasileiras. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2014. (Texto para Discussão, 1928). ao analisar a vitimização por bullying em adolescentes dos sexos masculino e feminino.

Reulbach et al. 3434. Reulbach U, Ladewig EL, Nixon E, O'Moore M, Williams J, O'Dowd T. Weight, body image and bullying in 9-year-old children. J Paediatr Child Health 2013; 49:E288-93. analisaram a associação entre bullying com IMC e autoimagem em crianças de 9 anos na Irlanda. Segundo os autores, quando considerado o IMC, não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre baixo peso e bullying. Contudo, quando considerada a autoimagem, foi encontrada uma associação positiva entre bullying e autoimagem de ser magro(a) ou muito magro(a). Nesse sentido, os autores apontaram a existência de uma relação complexa entre peso, autoimagem e bullying, evidenciando a importância que políticas e programas direcionados ao peso dos adolescentes considerem, além do IMC, a autoimagem. No Brasil, para estudantes da sexta série do Município de Caxias do Sul (Rio Grande do Sul), foi encontrado que escolares insatisfeitos com sua imagem corporal apresentaram mais do que o triplo de chances de serem vítimas de bullying em relação aos satisfeitos com sua imagem corporal 3535. Rech RR, Halpern R, Tedesco A, Santos DF. Prevalence and characteristics of victims and perpetrators of bullying. J Pediatr (Rio J.) 2013; 89:164-70.. Questões culturais podem explicar essa relação, em que o indivíduo passa a ser estigmatizado por não se enquadrar aos padrões de beleza e conformidade em voga na sociedade em questão 1717. Oliveira WA, Silva MAI, Mello FCM, Porto DL, Yoshinaga ACM, Malta DC. Causas do bullying: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar. Rev Latinoam Enferm 2015; 23:275-82.,3636. Neves AS, Mendonça ALO. Alterações na identidade social do obeso: do estigma ao fat pride. Demetra (Rio J.) 2014; 9:619-31..

Nota-se que uma menor parcela de meninas (59,3%) autoclassifica a sua imagem corporal como “normal” quando comparadas com os meninos (64,7%). A literatura relacionada ao tema mostra uma elevada distorção da autoimagem corporal, principalmente entre as meninas. Silva et al. 3737. Silva SUD, Barufaldi LA, Andrade S, Santos MAS, Claro RM. Estado nutricional, imagem corporal e associação com comportamentos extremos para controle de peso em adolescentes brasileiros, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21 Suppl 1:e180011., utilizando dados da PeNSE de 2015, verificaram que adolescentes do sexo feminino superestimaram ou subestimaram o seu estado nutricional. Embora 73,8% das adolescentes estarem eutróficas, apenas 48,6% relataram sua imagem corporal como normal. Estudos utilizando dados regionais encontraram uma maior distorção entre estado nutricional e imagem corporal. No Município de São José (Santa Catarina), 76% dos adolescentes do sexo feminino (15 a 19 anos) apresentaram peso normal, mas apenas 25,2% indicaram estar no peso esperado 3838. Frank R, Claumann GS, Felden EPG, Silva DAS, Pelegrini A. Percepção do peso corporal e comportamentos para controle de peso em adolescentes. J Pediatr (Rio J.) 2018; 94:40-7.. Já no Município de Pelotas (Rio Grande do Sul), verificou-se que 73,1% das meninas (14 e 15 anos) estavam com peso normal, contudo, apenas 34,4% estavam satisfeitas com sua imagem corporal. Esse resultado pode indicar que a imposição de um padrão estético “ideal” é predominante entre as meninas 3939. Fonseca VM, Sichieri R, Veiga GV. Fatores associados à obesidade em adolescentes. Rev Saúde Pública 1998; 32:541-9.. Há evidências de que em adolescentes (meninas de 12 a 16 anos) a insatisfação com a imagem corporal se intensifica com o aumento da idade 4040. Bearman SK, Martinez E, Stice E, Presnell K. The skinny on body dissatisfaction: a longitudinal study of adolescent girls and boys. J Youth Adolesc 2006; 35:217-29.. Diversos estudos têm abordado a influência cultural e midiática sobre a imagem corporal feminina 4141. Betz DE, Sabik NJ, Ramsey LR. Ideal comparisons: body ideals harm women's body image through social comparison. Body Image 2019; 29:100-9.,4242. Rousseau A, Eggermont S. Media ideals and early adolescents' body image: selective avoidance or selective exposure? Body Image 2018; 26:50-9.,4343. Strahan EJ, Wilson AE, Cressman KE, Buote VM. Comparing to perfection: how cultural norms for appearance affect social comparisons and self-image. Body Image 2006; 3:211-27.. O crescimento recente e rápido das mídias sociais parece potencializar essa influência, principalmente na população jovem 4444. Burnette CB, Kwitowski MA, Mazzeo SE. "I don't need people to tell me I'm pretty on social media": a qualitative study of social media and body image in early adolescent girls. Body Image 2017; 23:114-25..

Ainda em relação à autoimagem, cabe destacar que escolares com uma autoimagem ruim de seu corpo são muito mais propensos a uma série de comportamentos de risco, incluindo consumo de drogas ilícitas, álcool, cigarro e laxante. Há evidências de que esses escolares, além de serem mais sujeitos a sofrer bullying frequente, apresentam também maior risco de violência familiar, agressões e lesões 3333. Kubota LC. Discriminação contra os estudantes obesos e os muito magros nas escolas brasileiras. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2014. (Texto para Discussão, 1928)..

No Brasil, a vitimização por bullying é representativa tanto em escolas públicas quanto em particulares. Contudo, há evidências de que a repetência do fenômeno está mais presente em escolas públicas 4545. Moreno EAC, Silva AP, Ferreira GA, Siva FP, Frazão IS, Cavalcanti AMTS. Perfil epidemiológico de adolescentes vítimas de bullying em escolas públicas e privadas. Rev Enferm UERJ 2012; 20(esp.2):808-13.. O presente estudo encontrou que estudantes que frequentam escolas públicas apresentam uma probabilidade de vitimização 4,6% maior em relação aos que frequentam escolas particulares. Malta et al. 2929. Malta DC, Mello FCM, Prado RRD, Sa A, Marinho F, Pinto IV, et al. Prevalence of bullying and associated factors among Brazilian schoolchildren in 2015. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:1359-68. analisaram a prevalência de sofrer bullying em escolares brasileiros do 9º ano do Ensino Fundamental. Os autores encontraram maior prevalência de bullying em escolares de escola pública (7,6%).

Estudantes que se sentem incompreendido pelos pais ou responsáveis apresentaram 6,8% maior risco de vitimização por bullying. Resultado semelhante foi encontrado por Kubota 3333. Kubota LC. Discriminação contra os estudantes obesos e os muito magros nas escolas brasileiras. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2014. (Texto para Discussão, 1928)., em que aproximadamente metade (47,4%) dos escolares que se classificaram como “muito gordo” ou “muito magro” declarou que seus pais ou responsáveis raramente ou nunca entendiam seus problemas e preocupações. Morar com a mãe, escolaridade da mãe e renda familiar não se mostraram um fator de risco ou proteção para a vitimização por bullying.

Para testar a robustez dos resultados, foi utilizada uma segunda variável de desfecho referente à vitimização por bullying nos últimos 30 dias. Os resultados confirmaram a hipótese de não-linearidade. Do mesmo modo, a curva em forma de U foi mais acentuada para escolares do sexo feminino.

Algumas limitações deste trabalho devem ser apontadas. Primeiro, os dados usados (PeNSE) não permitem diferenciar o tipo de bullying sofrido pela vítima (físico, verbal ou social). Isso possibilitaria investigar se o bullying afeta meninos e meninas de modo distinto, conforme evidenciado por estudos internacionais. Segundo, os dados também não contemplam questões referentes ao cyberbullying. Essa é uma nova forma de bullying e, segundo evidências recentes, atinge principalmente os adolescentes 55. Athanasiou K, Melegkovits E, Andrie EK, Magoulas C, Tzavara CK, Richardson C, et al. Cross-national aspects of cyberbullying victimization among 14-17-year-old adolescents across seven European countries. BMC Public Health 2018; 18:800.. Terceiro, a natureza transversal dos dados impossibilita inferir sobre a direção de causalidade entre as variáveis. Outra limitação diz respeito à medida antropométrica utilizada no estudo (IMC). O IMC é limitado pois considera apenas o peso e a altura do escolar. Estudos futuros que considerem outras medidas antropométricas, tais como circunferência abdominal e relação cintura/quadril, poderão confirmar a existência da relação encontrada.

Considerações finais

O estudo mostrou uma associação não linear (quadrática) entre índice de massa corporal e vitimização por bullying em escolares brasileiros de 11 a 15 anos. A não-linearidade indica que tanto escolares abaixo do peso quanto os sobrepesados/obesos apresentaram maior risco de vitimização por bullying em relação a escolares com o peso adequado para a idade. O resultado foi encontrado para ambos os sexos, contudo, a curva em forma de U foi mais acentuada para estudantes do sexo feminino. Ou seja, essas estudantes indicaram maior probabilidade de vitimização por bullying em todos os níveis de IMC.

Tendo em vista os resultados, sobretudo o elevado risco de vitimização por bullying que atinge os escolares, destaca-se a relevância de políticas públicas e práticas educativas direcionadas para a redução e prevenção do bullying. Este estudo sugere que ações antibullying devem relacionar como grupo de risco, além dos escolares sobrepesados/obesos, também aqueles abaixo do peso, especialmente as meninas. Além disso, diante do contexto cultural, marcado pela estigmatização do indivíduo, sugere-se que, além da composição corporal, a percepção da imagem corporal seja incluída de forma integrada na concepção de políticas e intervenções com foco no público adolescente.

Agradecimentos

Agradeço aos pareceristas pelas contribuições para o aprimoramento do manuscrito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2019
  • Revisado
    12 Mar 2020
  • Aceito
    01 Abr 2020
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