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Qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da Rede de Urgência e Emergência no Brasil: um estudo a partir de dados do PMAQ-AB e PNASS

Quality of prehospital fixed components of the Brazilian Emergency and Urgent Care Network: a study based on data from PMAQ-AB and PNASS

Calidad de los componentes prehospitalarios fijos de la Red de Urgencia y Emergencia brasileña: un estudio basado en los datos de PMAQ-AB y PNASS

Resumos

A organização e gestão de sistemas de saúde integrados são complexas e desafiadoras. Como estratégia para melhoria da qualidade e do acesso aos serviços de urgência, o Ministério da Saúde adotou a implantação da Rede de Urgência e Emergência (RUE), composta por pontos de atenção de diferentes densidades tecnológicas. O objetivo foi avaliar a qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da RUE em macrorregiões de saúde. Foi realizado estudo transversal utilizando dados do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde (PNASS) e do Programa de Melhoria da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Foi construída uma tipologia da qualidade das unidades de pronto atendimento (UPAs) e do acolhimento, por macrorregião de saúde, correlacionando-as com variáveis socioeconômicas. Foi realizada uma análise de clusters. Foram avaliadas 280 UPAs, 21.182 unidades básicas de saúde (UBS) e 27.335 equipes de saúde da família (EqSF) de 74 macrorregiões de saúde. O indicador geral da qualidade dos componentes apresentou média 0,687 em 1,00. A qualidade da UPA (0,61) foi positivamente influenciada pelos indicadores Assistência farmacêutica e Atenção imediata à urgência e emergência, com piores resultados em Gestão de contratos, Planejamento e organização e Modelo organizacional. Na qualidade da atenção primária à saúde (APS) (0,78), as dimensões mais bem avaliadas foram Articulação com a rede, Acolhimento e procedimentos, ao contrário de Exames e medicamentos. As macrorregiões de saúde foram alocadas em três clusters. O Cluster 3 obteve nota média geral (0,81) bem superior aos demais (0,64 e 0,63). Observou-se qualidade inferior da APS no Cluster 1, aquele com maior vulnerabilidade social.

Palavras-chave:
Assistência à Saúde; Atenção Primária à Saúde; Emergências; Avaliação em Saúde


The organization and management of integrated health systems is complex and challenging. As a strategy to improve the quality and access to urgent services, the Brazilian Ministry of Health implemented the Emergency and Urgent Care Network (RUE), comprised of care facilities with different technological levels. Assess the quality of prehospital fixed components of the RUE in health macroregions. A cross-sectional study using data from the Brazilian National Health Services Evaluation Program (PNASS) and the Brazilian National Program for Improvement of Access and Quality of Basic Care (PMAQ-AB) was carried out. A typology was built for the quality of the emergency care units (UPAs) and the first visit by health macroregion, correlating it with socioeconomic variables. A cluster analysis was performed. In total, 280 UPAs, 21,182 basic health units (UBSs), and 27,335 family health teams from 74 health macroregions were evaluated. The general indicator of the quality of the components presented an average of 0.687 (reference score: 1.00). UPA quality (0.61) was positively influenced by the indicators Pharmacy support and Immediate emergency and urgent care, with worse results in Contract management, Planning and organization, and Organizational model. In primary healthcare (PHC) quality (0.78), the dimensions with better evaluations were Articulation with the network, Reception and procedures, unlike Exams and medications. Health macroregions were allocated to three clusters. Cluster 3 obtained a much higher overall average score (0.81) than the others (0.64 and 0.63). A lower quality of PHC was observed in Cluster 1, which showed the highest level of social vulnerability.

Keywords:
Delivery of Health Care; Primary Health Care; Emergencies; Health Evaluation


La organización y la gestión de los sistemas de salud integrados es compleja y desafiante. Como estrategia para mejorar la calidad y el acceso a los servicios de urgencia, el Ministerio de Salud brasileño adoptó la implementación de la Red de Urgencia y Emergencia (RUE), compuesta por puntos de atención de diferentes densidades tecnológicas. Evaluar la calidad de los componentes prehospitalarios fijos de RUE en las macrorregiones de salud. Se llevó a cabo un estudio transversal utilizando datos del Programa de Evaluación de los Servicios Nacionales de Salud (PNASS) y del Programa Nacional de Mejoría de Acceso y Calidad de la Atención Básica (PMAQ-AB). Fue construida una tipología de la calidad de las unidades de atención de urgencias (UPAs) y de la recepción por macrorregión de salud, correlacionándolas con variables socioeconómicas. Se realizó un análisis de grupos. Evaluadas 280 UPAs, 21.182 servicios de salud básicos (UBSs) y 27.335 equipos de salud familiares de 74 macrorregiones de salud. El indicador general de la calidad de los componentes promedió mostró una media de 0,687 sobre 1,00. En la calidad de las UPAs (0,61) influyeron positivamente los indicadores Asistencia farmacéutica y Atención inmediata de urgencias y emergencias, con peores resultados en Gestión de contratos, Planificación y organización y Modelo organizativo. En la calidad de la atención primaria en salud (APS) (0,78) las dimensiones mejor evaluadas fueron la Coordinación con la red, la Recepción y los procedimientos, frente a los Exámenes y la medicación. Las macrorregiones de salud se asignaron en tres grupos. El Grupo 3 obtuvo nota media general (0,81) muy superior a los demás (0,64 y 0,63). Se observó una calidad inferior de la APS en el Grupo 1, aquel con mayor vulnerabilidad social.

Palabras-clave:
Atención a la Salud; Atención Primaria de Salud; Urgencias Médicas; Evaluación en Salud


Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem, entre suas principais diretrizes, a universalidade, integralidade, equidade da assistência à saúde e a descentralização. Entretanto a grande dimensão territorial e heterogeneidade regional das condições socioeconômicas tornam sua organização e gestão extremamente complexas 11. Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2010; 31 dez.,22. Hartz ZMA, Contandriopoulos A-P. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um "sistema sem muros". Cad Saúde Pública 2004; 20 Suppl 2:S331-6..

Para enfrentar a fragmentação da atenção à saúde, em 2010 o Ministério da Saúde adotou como recurso, no âmbito do SUS, a organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS), visando ampliar o acesso a serviços de saúde de maior qualidade e resolutividade, além de otimizar recursos, racionalizar gastos e reduzir as desigualdades. Para alcançar tais metas, foram implantadas redes temáticas, entre elas a Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE), instituída pela Portaria nº 1.600/2011 do Ministério da Saúde 11. Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2010; 31 dez.,33. Ministério da Saúde. Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2013..

A RUE é composta por pontos de atenção de diferentes densidades tecnológicas, cada um com funções específicas e complementares. Seu componente pré-hospitalar fixo é formado pela atenção primária à saúde (APS) e pelas unidades de pronto atendimento (UPA) 33. Ministério da Saúde. Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2013..

A APS tem papel estratégico na ampliação do acesso, no acolhimento à demanda espontânea e no primeiro atendimento às urgências de menor gravidade, com encaminhamento a outros pontos de atenção quando necessário. Para tanto, necessita de condições adequadas para prestar esse tipo de assistência, e a forma como está estruturada tende a refletir nos demais pontos da rede 33. Ministério da Saúde. Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2013..

As UPAs, principais componentes pré-hospitalares fixos da RUE, são estruturas de complexidade intermediária entre as unidades básicas de saúde (UBS), a quem dão retaguarda, e a rede hospitalar, contribuindo para a diminuição de sua sobrecarga. Sua criação representou um grande avanço para a atenção às urgências, entretanto, enfrenta grandes desafios, principalmente decorrentes de problemas nos demais pontos da rede, como a insuficiência de leitos hospitalares de retaguarda e a baixa resolutividade da APS para casos agudos de menor gravidade 33. Ministério da Saúde. Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.,44. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Rede de Atenção às Urgências e Emergências: avaliação da implantação e do desempenho das unidades de pronto atendimento. Brasília: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2015.,55. O'Dwyer G, Konder MT, Reciputti LP, Lopes MGM, Agostinho DF, Alves GF. O processo de implantação das unidades de pronto atendimento no Brasil. Rev Saúde Pública 2017; 51:125..

O problema da congestão e superlotação nos serviços que são porta de entrada para urgências e emergências afeta os sistemas de saúde de todo o mundo, inclusive em países desenvolvidos, com consequências negativas sobre a qualidade do cuidado e aumento de custos 66. Carret MLV, Fassa AG, Domingues MR. Inappropriate use of emergency services: a systematic review of prevalence and associated factors. Cad Saúde Pública 2009; 25:7-28.,77. The NHS Constitution. Transforming urgent and emergency care services in England: urgent and emergency care review. End of Phase 1 - Report. High quality care for all, now and for future generations. https://www.nhs.uk/nhsengland/keogh-review/documents/uecr.ph1report.fv.pdf (acessado em 12/Set/2020).
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Seu uso excessivo para casos que não requerem cuidados imediatos pode decorrer de dificuldade de acesso e resolutividade em outras partes do sistema de saúde. Refletem, em certa medida, as necessidades de saúde não atendidas pela APS 88. Van den Berg MJ, Van Loenen T, Westert GP. Accessible and continuous primary care may help reduce rates of emergency department use: an international survey in 34 countries. Fam Pract 2016; 33:42-50.,99. Fishman J, McLafferty S, Galanter W. Does spatial access to primary care affect emergency department utilization for nonemergent conditions? Health Serv Res 2018; 53:489-508..

Para identificar as principais fragilidades e necessidades de intervenção, é necessário avaliar o processo assistencial nos diversos componentes da rede que, apesar de distintos, são interdependentes e reagem ao que acontece nos demais. Explorando dados secundários do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e do Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde (PNASS), este trabalho pretende, por meio da avaliação da qualidade do componente pré-hospitalar fixo da RUE em macrorregiões de saúde brasileiras, prover análises e discussões que possam contribuir para o aperfeiçoamento e a melhoria do funcionamento e da qualidade assistencial na RUE 1010. Reis AT, Oliveira PTR, Sellera PE. Sistema de avaliação para a qualificação do Sistema Único de Saúde (SUS). RECIIS (Online) 2012; 6(2). https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/543/0.
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,1111. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.,1212. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica. Manual instrutivo para as equipes de atenção básica (saúde da família, saúde bucal e equipes parametrizadas) e NASF-terceiro ciclo. http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/Manual_-Instrutivo_3_Ciclo_PMAQ.pdf (acessado em 12/Set/2020).
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Metodologia

Foi realizado um estudo transversal retrospectivo exploratório de dados secundários, com abordagem quantitativa, a partir dos bancos de dados do PNASS 2015/2016, para avaliação das UPAs, e do PMAQ-AB terceiro ciclo (2015-2017), para avaliação da APS. O universo da análise foi composto por macrorregiões de saúde, em que foi possível avaliar ambos os componentes pré-hospitalares da RUE, no total de 74 entre as 117 existentes.

A primeira etapa teve como foco a seleção e avaliação das UPAs. Foi adotada a tipologia da qualidade do PNASS, que incluiu os itens de todos os critérios avaliados e os respectivos pesos atribuídos por sua metodologia segundo a classificação de cada um: àqueles considerados pelo PNASS como indispensáveis, foram atribuídos 3 pontos; aos necessários, 2 pontos; e, aos recomendados, 1 ponto. Aos itens do critério 17 - Atenção Imediata - urgência e emergência, foram atribuídos pesos dobrados, por serem aqueles específicos de avaliação da UPA. Em síntese, os critérios avaliados pelo PNASS englobam aspectos relativos à gestão organizacional, aos serviços essenciais de apoio técnico e logístico para a produção do cuidado, à gestão da atenção à saúde e aos serviços específicos de atenção imediata à urgência e emergência 1111. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2015..

Das 295 UPAs avaliadas pelo PNASS, 15 foram excluídas por não terem respondido a todos os critérios determinados na sua metodologia. Foram realizadas análises descritivas de cada critério, calculadas as medidas de dispersão e tendência, e calculada a nota média da qualidade do conjunto de UPAs de cada macrorregião de saúde.

Na segunda etapa, procedeu-se à avaliação da APS a partir do PMAQ. Foi criada uma tipologia da qualidade do acolhimento a partir de itens selecionados do instrumento de avaliação externa Módulo I - Estrutura (que se referem à avaliação das condições de infraestrutura, materiais, insumos e medicamentos da UBS), e Módulo II - Equipe (que se referem às informações sobre processo de trabalho da equipe e organização do cuidado, e verificação de documentos que apoiam a avaliação da implantação de padrões de acesso e qualidade) 1313. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. Instrumento de avaliação externa do Saúde Mais Perto de Você - acesso e qualidade terceiro ciclo. http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/Instrumento_Avaliacao_Externa_AB_SB.pdf (acessado em 12/Set/2020).
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A seleção das variáveis foi baseada em princípios relativos ao acolhimento, tendo como referência o manual do Ministério da Saúde Acolhimento à Demanda Espontânea, publicado em 2013 1414. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Acolhimento à demanda espontânea. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_demanda_espontanea_cab28v1.pdf (acessado em 12/Set/2020).
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, contemplando a estruturação das salas de observação das UBS, aspectos estes fundamentais para a rede de urgência e emergência. No manual da RUE no SUS, o papel da atenção básica nesta rede é ressaltado. Portanto, neste trabalho, utilizaram-se os dados do terceiro ciclo do PMAQ para análise desse componente da rede, pelo fato de o instrumento de avaliação externa neste ciclo estar substancialmente mais completo do que no ciclo anterior. À exceção do medicamento fenoterol, todos os aspectos listados no instrumento foram passíveis de serem avaliados, por constarem do instrumento do PMAQ.

As variáveis selecionadas do Módulo I - Estrutura foram aquelas relativas a: Acesso e acessibilidade, Características estruturais e ambiência, Equipamentos de tecnologia da informação e telessaúde, Equipamentos e materiais, Insumos para atenção à saúde e Insumos para atendimento de urgência e emergência. As variáveis selecionadas do Módulo II - Equipe foram: Acolhimento à demanda espontânea, Oferta de serviços e Relação com outros pontos da RAS.

Foi realizada uma análise descritiva de todas as variáveis incluídas no estudo, calculadas as notas médias da qualidade da estrutura e da equipe e, a partir delas, calculado o índice da qualidade do acolhimento no conjunto da APS de cada macrorregião de saúde. Foram selecionadas para estudo 21.182 de 22.1257 UBS e 27.335 de 28.744 equipes de saúde da família (EqSF) (4,82% das UBS e 4,83% das EqSF foram excluídas, pois, apensar de constarem no banco de dados do PMAQ, não responderam a nenhum item selecionado - código 9997).

Na terceira etapa do estudo, foi realizada uma análise de cluster a partir da nota geral média da qualidade da UPA e APS de cada macrorregião de saúde. Por não se tratar de uma distribuição normal, utilizou-se o método hierárquico aglomerativo, considerando o método de Ward, que separa os grupos de acordo com grande homogeneidade dos elementos internamente, mas alta heterogeneidade entre eles. Os dados foram padronizados quanto à escala e foi utilizada a distância euclidiana para determinar o quanto cada macrorregião se assemelha à outra. Foram comparados os indicadores por cluster, utilizando a análise de variância de Kruskal-Wallis (que avalia a mediana de distribuição) e, em seguida, comparações múltiplas através do teste de Nemenyí 1515. Hair JF. Análise multivariada de dados. 6ª Ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.,1616. Hollander M, Wolfe D. Nonparametric statistical methods. New York: John Wiley and Sons; 1999..

Na quarta etapa, foi feito um estudo do comportamento de variáveis de caracterização sociodemográficas-assistenciais em cada cluster e, utilizando-se a correlação de Spearman, verificada a correlação entre essas variáveis e a qualidade dos componentes da RUE estudados. Para as aplicações das análises estatísticas, foi utilizado o programa R, versão 4.0.3 (http://www.r-project.org).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (registro nº 28804, em 30 de maio de 2012).

Resultados

Fizeram parte do estudo 280 UPAs, 21.182 UBS e 27.335 EqSF, localizadas em 74 macrorregiões de saúde das 117 existentes, sendo 25 (34%) delas no Sudeste, 21 (28%) no Nordeste, 13 (18%) no Sul, 9 (12%) no Centro-oeste e 6 (8%) no Norte.

Observa-se, na Tabela 1, que o índice geral de qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da RUE, representados como “UPA + APS”, apresentou média geral de 0,687 em 1,00 (0,552-0,942). O indicador da qualidade da UPA obteve nota média de 0,612, enquanto o da APS se mostrou superior: 0,783.

Tabela 1 Distribuição
das dimensões de avaliação dos componentes pré-hospitalares fixos da Rede de Urgência e Emergência (RUE). Brasil, 2014 e 2018.

Ainda na Tabela 1, observa-se que a nota geral da qualidade da UPA foi positivamente influenciada pelas notas dos indicadores da Assistência farmacêutica (0,824), da Atenção imediata à urgência e emergência (0,790), da Gestão de infraestrutura e ambiência (0,748) e da Gestão de equipe e materiais (0,756). No item específico da atenção imediata à urgência e emergência, verificou-se que 96% das UPAs contam com equipe técnica exclusiva em tempo integral, composta minimamente por médico, enfermeiro e técnico de enfermagem. Os serviços essenciais de apoio diagnóstico (raio X, análises clínicas e eletrocardiograma - ECG) estavam disponíveis para 94%, e o uso de protocolos na prática clínica foi constatado em 89% delas. Já em relação à infraestrutura, equipamentos em condições de uso, insumos e medicamentos destinados ao atendimento imediato, somente 71% das UPAs responderam positivamente. Especificamente no que se refere à disponibilidade de materiais e insumos, 94% responderam que estavam adequados e em quantidade suficiente. A iniciativa de gestão clínica só acontece em 65% das unidades, e em apenas 64% delas existe articulação com a atenção básica (dados não apresentados nas tabelas).

O bloco relativo à gestão organizacional foi aquele cuja avaliação apresentou os menores resultados, com Gestão de contratos obtendo a nota média 0,480; Planejamento e organização, 0,493; e Modelo organizacional com nota igual a 0,493. O Serviço de apoio técnico (0,586), Integração com a rede (0,590), a Gestão do cuidado (0,550) e Gerenciamento de risco e segurança do paciente (0,525) apresentaram nota intermediária e revelam necessidade de aprimoramento: 42% das UPAs não desenvolvem ações do Programa Nacional de Segurança do Paciente e 67% não possuem Núcleo de Segurança do Paciente (dados não apresentados nas tabelas).

Também na Tabela 1 se observa que, no índice da qualidade da APS (0,763), o Módulo Equipe (0,831) apresentou nota média mais elevada do que o da Estrutura (0,694). As dimensões Articulação com a rede (0,953), Acolhimento (0,939) e Procedimentos (0,939) foram as mais bem avaliadas, à exceção da manutenção de todas as suas atividades no horário do almoço, que acontece apenas em 48% das unidades (dados não apresentados em tabelas). Já a dimensão Exames apresentou baixa nota média (0,492). A pesquisa mostrou que a coleta de sangue é realizada em apenas 47% das unidades, de urina em 40% e apenas 22% realizam ECG (dados não apresentados nas tabelas).

No Módulo Estrutura, as melhores avaliações ocorreram nos indicadores relativos ao Funcionamento (0,817) e Estrutura (0,718), ao passo que a dimensão Insumos, liderada pelos medicamentos, foi aquela que apresentou pior avaliação (0,602). Na última, uma porcentagem representativa não contava com itens extremamente básicos, tais como cateter para oxigênio (51%), equipo para soro (24%), rolo de esparadrapo (21%), pacote de gazes estéreis (24%), seringas de 5 e 10mL (27%). Muitas também não contavam com o ambu em tamanho adulto (44%) e oxímetro (55%). Para atendimento pediátrico, chama a atenção a falta de estetoscópio infantil (33%), esfigmomanômetro infantil (23%), ambu pediátrico (54%) e neonatal (85%) e máscara para nebulização pediátrica (26%). Quanto aos medicamentos, 49% das UBS não dispunham sequer de torpedo ou cilindro de oxigênio, 24% não contavam com frascos de soro fisiológico, faltava ampola de glicose em 35%, insulina em 53%, analgésicos e antieméticos em 25%, anti-hipertensivos em 26% e ampola de adrenalina/epinefrina em 37%, entre outros. Quanto à disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPI), constatou-se quantidade significativa de unidades desprovidas de máscaras descartáveis (23%), luvas (20%), óculos de proteção (42%) e aventais (53%) (dados não apresentados nas tabelas).

A partir da nota geral da qualidade da UPA e da APS de cada macrorregião de saúde, foi possível agrupá-las em três clusters (Tabela 2) utilizando o método de Ward, denominados Cluster 1, Cluster 2 e Cluster 3, e compostos, respectivamente, por 23 (31,08 %), 28 (37,84%) e 23 (31,08%) macrorregiões de saúde.

Tabela 2 Distribuição
das médias relativas à qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da Rede de Urgência e Emergência (RUE), por clusters. Brasil, 2014 e 2018.

Observa-se, na Tabela 2, que a nota geral média da qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da RUE no Cluster 3 (0,81) foi bem superior àquelas dos Clusters 1 (0,64) e 2 (0,63), com diferença estatisticamente significativa. O Cluster 3 foi também aquele que apresentou nota mais homogênea entre o componente UPA (0,81) e APS (0,80). A qualidade do componente UPA apresentou diferença estatística entre os três clusters, tendo a pior avaliação no Cluster 2 (0,46). Já no componente APS não houve diferença estatisticamente significativa entre os Clusters 2 e 3, mas entre o 1 e os demais, nos quais o componente APS apresentou nota média inferior (0,69).

No Quadro 1, observa-se que, proporcionalmente, o Cluster 1 é composto majoritariamente por macrorregiões localizadas no Nordeste (47,83%) e o Cluster 3, pelo Sudeste (56,52%), ao passo que o Cluster 2 foi aquele que apresentou distribuição mais homogênea de macrorregiões segundo a localização (Centro-oeste, Nordeste e Sul com 21,43% cada, e Sudeste com 28,57%). A Região Norte do país foi a que teve o menor número de macrorregiões avaliadas no estudo (6), metade delas alocada no Cluster 1.

Quadro 1
Distribuição das macrorregiões de saúde por clusters a partir do índice de qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da Rede de Urgência e Emergência (RUE). Brasil, 2021.

Na Tabela 3, ao compararem-se as variáveis de caracterização sociodemográficas-assistenciais entre os clusters, observa-se diferença estatisticamente significante nas variáveis População (valor de p = 0,003), Produto Interno Bruto (PIB) (valor de p = 0,002), Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) (valor de p = 0,003), total de leitos SUS por mil habitantes (valor de p = 0,009), percentual de leitos SUS no total de leitos de internação (valor de p = 0,010), percentual da população beneficiária de planos de saúde (valor de p = 0,005) e percentual da população beneficiária do Programa Bolsa Família (valor de p = 0,001).

Tabela 3
Comparação das variáveis de caracterização sociodemográficas-assistenciais por clusters dos componentes pré-hospitalares fixos da Rede de Urgência e Emergência (RUE) através do teste de Kruskal-Wallis.

Percebe-se que o Cluster 1 apresenta população bem menor que os demais, menor PIB per capita, menor IDHM, maior número de beneficiários do Programa Bolsa Família e com menor população beneficiária de planos de saúde. Quando observamos essas mesmas variáveis no Cluster 3, constata-se comportamento oposto.

Na Tabela 4, ao aplicarmos a correlação de Spearman entre as variáveis de caracterização e da qualidade estudados (“UPA + APS”, UPA e APS), percebe-se que os resultados sinalizam para a existência de uma relação inversa entre a qualidade dos componentes e as variáveis Índice de Gini e Percentual de População Beneficiária do Programa Bolsa Família. Assim, quando o valor dessas variáveis de caracterização aumenta, a qualidade dos componentes estudados diminui. Por outro lado, o índice da qualidade dos componentes aumenta na medida em que há aumento do PIB, IDHM, porcentagem de beneficiários de planos de saúde, total de leitos de unidade de tratamento intensivo (UTI) por milhão de habitantes e maior concentração populacional.

Tabela 4
Correlação * entre os índices de qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da Rede de Urgência e Emergência (RUE) e indicadores socioeconômicos-assistenciais.

Discussão

O estudo permitiu identificar que, enquanto componentes da RUE, a APS e a UPA, quando abordadas em conjunto, obtiveram avaliação de qualidade próxima a 69%. Entretanto ambas apresentam fragilidades que apontam para a necessidade de adequações a fim de melhorar sua qualidade, principalmente em regiões de maior vulnerabilidade social.

Os serviços que compõem a RUE são inter-relacionados e reagem ao que acontece nos demais pontos de atenção. Portanto tanto as causas quanto as intervenções necessárias para resolver os problemas identificados na rede são multifatoriais 1717. Ministério da Saúde. Síntese de evidências para políticas de saúde: congestão e superlotação dos serviços hospitalares de urgências. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.,1818. Amarante LCS, Gonçalo CS, Guerra LM, de Faria JVB, Mialhe FL. Motivos apresentados por usuários para a utilização inadequada de unidades de pronto atendimento. Rev Salud Pública 2020; 22:e207..

O estudo mostrou boa capacidade da APS para ser a porta de entrada preferencial da RUE, uma vez que foi bem avaliada nas dimensões acolhimento, funcionamento, procedimentos e articulação com a rede. Entretanto ainda apresenta limitações. Este estudo identificou que seus principais problemas se referem às questões de estrutura, vinculados à disponibilidade de exames, insumos, medicamentos e EPI, que limita sua capacidade de resolução de quadros agudos ou agudizados de menor gravidade. Outros estudos, como de Gomide et al. 1919. Gomide MFS, Pinto IC, Bulgarelli AF, Santos ALP, Gallardo MPS. A satisfação do usuário com a atenção primária à saúde: uma análise do acesso e acolhimento. Interface (Botucatu) 2018; 22:387-98., Soares et al. 2020. Soares SS, Lima LD, Castro ALB. O papel da atenção básica no atendimento às urgências: um olhar sobre as políticas. J Manag Prim Health Care 2014; 5:170-7. e Cecílio et al. 2121. Cecílio LCO, Andreazza R, Carapinheiro G, Araújo EC, Oliveira LA, Andrade MGG, et al. A atenção básica à saúde e a construção das redes temáticas de saúde: qual pode ser o seu papel? Ciênc Saúde Colet 2012; 17:2893-902. identificaram limites na APS que comprometem sua capacidade de se tornar mais resolutiva para o atendimento de casos agudos: equipes incompletas, demora no agendamento de consultas, não atendimento da demanda espontânea, falta de equipamentos e insumos. Avançar em tais aspectos na APS significa romper o ciclo no qual os usuários entendem que não podem contar efetivamente com a UBS em casos de urgência 1919. Gomide MFS, Pinto IC, Bulgarelli AF, Santos ALP, Gallardo MPS. A satisfação do usuário com a atenção primária à saúde: uma análise do acesso e acolhimento. Interface (Botucatu) 2018; 22:387-98.,2020. Soares SS, Lima LD, Castro ALB. O papel da atenção básica no atendimento às urgências: um olhar sobre as políticas. J Manag Prim Health Care 2014; 5:170-7.,2121. Cecílio LCO, Andreazza R, Carapinheiro G, Araújo EC, Oliveira LA, Andrade MGG, et al. A atenção básica à saúde e a construção das redes temáticas de saúde: qual pode ser o seu papel? Ciênc Saúde Colet 2012; 17:2893-902.,2222. Souza LC, Ambrosano GMB, Moraes KL, Fonseca EP, Mialhe FL. Fatores associados ao uso não urgente de unidades de pronto atendimento: uma abordagem multinível. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2020; 28:56-65.,2323. Bousquat A, Giovanella L, Fausto MCR, Medina MG, Martins CL, Almeida PF, et al. A atenção primária em regiões de saúde: política, estrutura e organização. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 2:e00099118.. A partir do momento em que estiver mais bem equipada, a APS certamente se consolidará como eficiente componente da RUE.

O estudo apontou que, nas UPAs, a nota média da qualidade atingida foi inferior à da APS, em torno de 60%. Entre os itens mais bem avaliados estão a assistência farmacêutica e os serviços específicos. Isso demonstra um preparo maior para o cumprimento de sua atividade-fim - prestar resposta imediata aos casos de urgências e emergências: 96% das UPAs contavam com equipe mínima exclusiva em tempo integral, serviços de apoio diagnóstico essenciais estavam disponíveis em 94% delas, e 94% responderam que a disponibilidade de materiais e insumos estava adequada.

Nas UPAs, as avaliações mais baixas ocorreram nos aspectos gerenciais, organizacionais e de processos, o que pode significar ainda uma imaturidade desse tipo de estrutura no contexto da RUE; enquanto a APS já completou 30 anos de existência, o componente UPA foi efetivamente criado apenas em 2009. A necessidade de profissionalização da gestão e da atenção às urgências é imperativa 1717. Ministério da Saúde. Síntese de evidências para políticas de saúde: congestão e superlotação dos serviços hospitalares de urgências. Brasília: Ministério da Saúde; 2020..

A dimensão relativa à segurança assistencial nas UPAs também apresentou baixa avaliação. Diante da enorme carga que enfrenta no seu cotidiano, do contexto de congestão e superlotação, das funções assumidas, para além daquelas inicialmente propostas, além de equipes, muitas vezes pouco experientes, a qualidade e a segurança da assistência nas UPAs ficam prejudicadas e podem repercutir na morbimortalidade e no prognóstico dos pacientes 1717. Ministério da Saúde. Síntese de evidências para políticas de saúde: congestão e superlotação dos serviços hospitalares de urgências. Brasília: Ministério da Saúde; 2020..

Portanto, enquanto na APS os problemas identificados se referem mais à estrutura, nas UPAs são necessários investimentos na melhoria e profissionalização da gestão, organização, na segurança do paciente, capacitação da equipe e principalmente na articulação com a APS e com o componente hospitalar. Estudos já evidenciaram que problemas nos demais pontos de atenção da rede, principalmente demandas reprimidas da atenção básica e falta de leitos hospitalares de retaguarda, impactam diretamente no funcionamento das UPAs e desvirtuam seu papel primordial. Sua demanda reflete a necessidade de investimento e aprimoramento da atenção primária e na ampliação de leitos de retaguarda 44. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Rede de Atenção às Urgências e Emergências: avaliação da implantação e do desempenho das unidades de pronto atendimento. Brasília: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2015.,55. O'Dwyer G, Konder MT, Reciputti LP, Lopes MGM, Agostinho DF, Alves GF. O processo de implantação das unidades de pronto atendimento no Brasil. Rev Saúde Pública 2017; 51:125.,1717. Ministério da Saúde. Síntese de evidências para políticas de saúde: congestão e superlotação dos serviços hospitalares de urgências. Brasília: Ministério da Saúde; 2020.,2424. Etu E-E, Monplaisir L, Aguwa C, Arslanturk S, Masoud S, Markevych I, et al. Identifying indicators influencing emergency department performance during a medical surge: a consensus-based modified fuzzy Delphi approach. PLoS One 2022; 17:e0265101.,2525. Tribunal de Contas da União. Relatório de auditoria operacional nas unidades de pronto atendimento/TC nº 013.247/2012-3, Fiscalis nº: 572/2012. Brasília: Tribunal de Contas da União; 2015.. A UPA é, portanto, um serviço cuja abordagem requer um olhar diferenciado, dadas sua importância e carga de atribuições, para bem além daquelas planejadas.

Este estudo permitiu, por meio da análise de cluster, identificar as macrorregiões de saúde que têm problemas similares, denotando uma heterogeneidade que perpassa características estaduais e de grandes regiões.

Também identificou uma relação inversa entre vulnerabilidade social e qualidade dos componentes pré-hospitalares fixos da RUE. O grupo de macrorregiões com indicadores socioeconômico-assistenciais mais vulneráveis são os que apresentaram pior avaliação.

Os resultados encontrados neste estudo são também reafirmados no estudo de Abreu et al. 2626. Abreu DMX, Pinheiro PC, Queiroz BL, Lopes ÉAS, Machado ATGM, Lima ÂMLD, et al. Análise espacial da qualidade da atenção básica em saúde no Brasil. Saúde Debate 2018; 42:67-80. sobre o indicador municipal de estrutura dos serviços de APS utilizando dados do PMAQ-AB, que retratou um panorama de diferenças entre os padrões espaciais encontrados entre as regiões brasileiras. As regiões Norte e Nordeste - que têm piores indicadores socioeconômicos - apresentam as médias mais baixas, ao passo que as mais altas estavam no Sudeste e no Sul.

Diversos estudos reafirmam que a iniquidade ainda é um grande desafio no processo de estruturação do SUS: Albuquerque et al. 2727. Albuquerque MV, Viana ALD'A, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1055-64. observaram grandes iniquidades em relação ao acesso aos serviços de saúde, à qualidade da atenção e aos resultados assistenciais no país; Castro 2828. Castro MSM. Desigualdades sociais no uso de internações hospitalares no Brasil: o que mudou entre 1998 e 2003. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:987-98. identificou que o acesso aos serviços de saúde melhora com o grau de desenvolvimento socioeconômico. Estudo de Piola et al. 2929. Piola SF, França JRM, Nunes A. Os efeitos da Emenda Constitucional 29 na alocação regional dos gastos públicos no Sistema Único de Saúde no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2016; 21:411-22. evidenciou que, embora tenha ocorrido uma significativa elevação dos gastos com saúde com o advento da Emenda Constitucional nº 29 do ano 2000, o aumento de recursos públicos para o SUS não foi suficiente para reduzir automaticamente as disparidades regionais na sua alocação e reforçou a necessidade de serem adotados critérios redistributivos. Diferenças na concentração de recursos e tecnologias, na capacidade instalada e na complexidade da rede de serviços e do mix público-privado são alguns dos fatores que determinam as desigualdades encontradas 1818. Amarante LCS, Gonçalo CS, Guerra LM, de Faria JVB, Mialhe FL. Motivos apresentados por usuários para a utilização inadequada de unidades de pronto atendimento. Rev Salud Pública 2020; 22:e207.,2323. Bousquat A, Giovanella L, Fausto MCR, Medina MG, Martins CL, Almeida PF, et al. A atenção primária em regiões de saúde: política, estrutura e organização. Cad Saúde Pública 2019; 35 Suppl 2:e00099118.,2727. Albuquerque MV, Viana ALD'A, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1055-64.,2828. Castro MSM. Desigualdades sociais no uso de internações hospitalares no Brasil: o que mudou entre 1998 e 2003. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:987-98..

Avançar rumo à construção de redes de atenção demanda novas abordagens que podem instrumentalizar a melhoria das regiões de saúde. O estudo possibilita dirigir ações de planejamento que possam impactar na melhoria da qualidade dos serviços ofertados, principalmente nas macrorregiões de saúde onde foi identificada maior fragilidade.

Por fim, é necessário ressaltar a importância da realização de programas sistemáticos de avaliação e monitoramento dos serviços de saúde, como o PMAQ-AB e o PNASS, que permitam identificar fragilidades e disparidades, e fornecer parâmetros que fomentem mudanças de processos e subsidiem ações de melhoria contínua dos serviços de saúde, conforme sinalizado em outros estudos 1010. Reis AT, Oliveira PTR, Sellera PE. Sistema de avaliação para a qualificação do Sistema Único de Saúde (SUS). RECIIS (Online) 2012; 6(2). https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/543/0.
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,3030. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A, Silva EV. Atributos essenciais da atenção primária à saúde: resultados nacionais do PMAQ-AB. Saúde Debate 2018; 42:52-66..

Algumas das limitações apresentadas no estudo se referem à construção de indicadores da qualidade da ABS e da UPA como um recurso de análise, podendo haver outras metodologias de avaliação, à comparação dos componentes a partir de elementos de avaliação distintos e à grande variação na quantidade de UPAs representadas nas macrorregiões de saúde avaliadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2022
  • Revisado
    08 Jun 2022
  • Aceito
    23 Jun 2022
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