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Vulnerabilidade social, sobrevida e letalidade hospitalar pela COVID-19 em pacientes com 50 anos ou mais: coorte retrospectiva de casos no Brasil em 2020 e 2021

Social vulnerability, survival, and hospital lethality by COVID-19 in patients aged 50 years and over: retrospective cohort of cases in Brazil in 2020 and 2021

Vulnerabilidad social, supervivencia y letalidad hospitalaria por COVID-19 en pacientes de 50 años o más: cohorte retrospectiva de casos en Brasil en 2020 y 2021

Resumos

O desfecho da infecção pelo SARS-CoV-2 não se associa apenas à idade e a comorbidades, mas também agrava-se por vulnerabilidade social. Este estudo tem como objetivo analisar, segundo vulnerabilidade social, a sobrevida e a letalidade hospitalar por COVID-19 para os primeiros 100 dias entre sintomas até o óbito em indivíduos de 50 anos ou mais hospitalizados no Brasil. Trata-se de uma coorte retrospectiva das Semanas Epidemiológicas 11, de 2020, a 33, de 2021. O Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) forneceu dados clínico-epidemiológicos. O Índice Socioeconômico do Contexto Geográfico para Estudos em Saúde (GeoSES) mensurou vulnerabilidade social. Para sobrevida, utilizou-se a curva de Kaplan-Meier e o modelo ajustado de riscos proporcionais de Cox, com hazard ratio (HR) e intervalos de 95% de confiança (IC95%). Dentre os 410.504 casos, a letalidade geral foi de 42,2%, sendo 51,4% os indivíduos mais vulneráveis. Por faixa etária, registra-se a presença de maior letalidade para os piores status socioeconômicos em todas as categorias; para 50-59 anos, registra-se o dobro. O modelo ajustado de Cox mostrou aumento de 32% de risco para óbito (HR = 1,32; IC95%: 1,24-1,42). Ademais, homens, idosos, pretos ou indígenas, com múltiplas comorbidades e submetidos à ventilação invasiva apresentam maior risco de óbito após hospitalização. É necessário que medidas políticas intersetoriais sejam direcionadas para mitigar os efeitos da pandemia de COVID-19 agravados pela vulnerabilidade social.

Palavras-chave:
COVID-19; Vulnerabilidade Social; Mortalidade; Modelos de Riscos Proporcionais de Cox


The outcome of SARS-CoV-2 infection is not only associated with age and comorbidities but is also aggravated by social vulnerability. This study aims to analyze - according to social vulnerability - survival and hospital lethality by COVID-19 in the first 100 days from symptoms to death in individuals aged 50 years or older hospitalized in Brazil. This is a retrospective cohort from Epidemiological Week 11 of 2020 to week 33 of 2021. The Influenza Epidemiological Surveillance Information System (SIVEP-Gripe) provided clinical and epidemiological data. The Geographic Index of the Socioeconomic Context for Health and Social Studies (GeoSES) measured social vulnerability. The Kaplan-Meier curve and the adjusted proportional risk model by Cox were used for survival, with hazard ratio (HR) and 95% confidence intervals (95%CI). Among the 410,504 cases, overall lethality was of 42.2% in general and 51.4% in the most vulnerable. We found a higher lethality according to worse socioeconomic status in all categories by age group; the double is registered for 50-59 years. The adjusted Cox model showed a 32% increase in risk of death (HR = 1.32; 95%CI: 1.24-1.42). Moreover, men, older adults, black or indigenous adults, with multiple comorbidities, and subjected to invasive ventilation, have a higher risk of death after hospitalization. Intersectoral policy measures need to be targeted to alleviate the effects of the COVID-19 pandemic aggravated by social vulnerability.

Keywords:
COVID-19; Social Vulnerability; Mortality; Cox Proportional Hazards Models


El pronóstico de la infección por SARS-CoV-2 no sólo está asociado a la edad y a las comorbilidades, sino que también empeora por la vulnerabilidad social. El presente estudio tiene como objetivo analizar, según la vulnerabilidad social, la supervivencia y la letalidad hospitalaria por COVID-19 durante los primeros 100 días entre los síntomas hasta la muerte en individuos de 50 años o más hospitalizados en Brasil. Se trata de una cohorte retrospectiva desde la Semana Epidemiológica 11 de 2020 hasta la 33 de 2021. El Sistema de Información de Vigilancia Epidemiológica de la Gripe (SIVEP-Gripe) proporcionó datos clínico-epidemiológicos. El Índice Socioeconómico del Contexto Geográfico para los Estudios de Salud (GeoSES) midió la vulnerabilidad social. Para la supervivencia se utilizó la curva de Kaplan-Meier y el modelo ajustado de riesgos proporcionales de Cox, con cociente de riesgos (hazard ratio - HR) e intervalos del 95% de confianza (IC95%). Entre los 410.504 casos la letalidad global fue del 42,2%; el 51,4% en los más vulnerables. Por grupos de edad, se registra la presencia de una mayor letalidad a medida que empeora el estatus socioeconómico en todas las categorías; para 50-59 años es el doble. El modelo de Cox ajustado mostró un aumento del 32% en el riesgo de muerte (HR = 1,32; IC95%: 1,24-1,42). Además, los hombres de edad avanzada, de raza negra o indígena, con múltiples comorbilidades y sometidos a ventilación invasiva tienen un mayor riesgo de muerte tras la hospitalización. Es necesario que las medidas políticas intersectoriales se dirijan a mitigar los efectos de la pandemia de COVID-19 agravada por la vulnerabilidad social.

Palabras-clave:
COVID-19; Vulnerabilidad Social; Mortalidad; Modelos de Riesgos Proporcionales de Cox


Introdução

Durante os anos de 2020 e 2021, o Brasil ocupava o segundo lugar em número de mortes e o terceiro em número de infectados no mundo 11. Ritchie H, Mathieu E, Rodés-Guirao LE, Cameron A, Giattino C, Ortiz-Ospina E, et al. Coronavirus country profiles. https://ourworldindata.org/coronavirus (acessado em 19/Out/2021).
https://ourworldindata.org/coronavirus...
, com mais de 21 milhões de casos confirmados e mais de 600 mil mortes confirmadas por COVID-19 22. Johns Hopkins Coronavirus Resource Center. COVID-19 dashboard. https://coronavirus.jhu.edu/map.html (acessado em 19/Out/2021).
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. Esse cenário se agravou com a segunda onda da COVID-19, a partir de dezembro de 2020, quando houve aumento dos casos graves, maior necessidade de internações e maior demanda por ventilação invasiva 33. Bastos LS, Ranzani OT, Souza TML, Hamacher S, Bozza FA. COVID-19 hospital admissions: Brazil’s first and second waves compared. Lancet Respir Med 2021; 9:e82-3..

Múltiplos fatores se associaram e impactaram essa situação: a circulação de variantes virais do SARS-CoV-2, particularmente a gamma, portadora de mutações associadas ao aumento de transmissibilidade 44. Faria NR, Mellan TA, Whittaker C, Claro IM, Candido DS, Mishra S, et al. Genomics and epidemiology of the P.1 SARS-CoV-2 lineage in Manaus, Brazil. Science 2021; 372:815-21.; a fragilidade da vigilância e rastreamento de casos; as dificuldades de implementação de medidas não farmacológicas de controle da transmissão; as informações contraditórias sobre prevenção e controle da epidemia; o atraso na vacinação 55. Ventura DFL, Aith FMA, Reis RR, Ferreira AB, Rosa AV, Farias AS, et al. Brazil the timeline of the Federal Government’s strategy to spread covid-19. São Paulo: Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2021.; e a notória desigualdade social no país, principalmente em saúde 66. Observatório Covid-19. Boletim Observatório Covid-19: um balanço da pandemia em 2020. https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u34/boletim_covid_semana_52-53-12-01-2020-rev-red_2.pdf (acessado em 29/Out/2021).
https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia...
,77. World Health Organization. Social determinants of health. https://www.who.int/health-topics/social-determinants-of-health (acessado em 19/Out/2021).
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.

Em geral, o curso de vida dos brasileiros desenvolve-se com ampla exposição a condições de vida e trabalho desfavoráveis, que resultam em piores indicadores de saúde para idosos pobres e/ou com baixa escolaridade 88. Lima-Costa MF. Aging and public health. Rev Saúde Pública 2019; 52 Suppl 2:2s.,99. Organização Pan-Americana da Saúde. Construindo a saúde no curso de vida: conceitos, implicações e aplicação em saúde pública. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2021.. Há um processo de envelhecimento populacional acelerado e associado a mortes prematuras, com altas prevalências de doenças crônicas e incapacidade 1010. Centro Internacional de Longevidade Brasil. Envelhecimento ativo: um marco político em resposta à revolução da longevidade. Rio de Janeiro: Centro Internacional de Longevidade Brasil; 2015.,1111. Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. Population aging in Brazil: current and future social challenges and consequences. Rev Bras Geriatr Gerontol 2016; 19:507-19..

Para o território nacional, registram-se variações regionais na incidência e mortalidade por COVID-19, justificadas para além de variáveis biológicas, como adensamento domiciliar em condições precárias de moradia, desigualdade de renda e de acesso a cuidados em saúde 1212. Figueiredo AM, Figueiredo DCMM, Gomes LB, Massuda A, Gil-García E, Vianna RPT, et al. Social determinants of health and covid-19 infection in Brazil: an analysis of the pandemic. Rev Bras Enferm 2020; 73 Suppl 2:e20200673.. Os desfechos clínicos desfavoráveis da COVID-19 são associados à presença de doenças crônicas, aos grupos etários de idosos 1313. Souza FSH, Hojo-Souza NS, Batista BDO, Silva CM, Guidoni DL. On the analysis of mortality risk factors for hospitalized covid-19 patients: a data-driven study using the major Brazilian database. PLoS One 2021; 16:e0248580., ao acesso precário aos serviços de saúde e à vacinação 1414. Observatório Covid-19. Boletim Extraordinário Observatório Covid-19. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_extraordinario_2021-outubro-06.pdf (acessado em 19/Out/2021).
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, agravados por um contexto de pobreza e desigualdade social 1515. Abrams EM, Szefler SJ. COVID-19 and the impact of social determinants of health. Lancet Respir Med 2020; 8:659-61.,1616. Lima-Costa MF. Envelhecimento no Brasil e coronavírus: iniciativa ELSI-COVID-19. Cad Saúde Pública 2020; 36 Suppl 3:e00181420.. Assim, torna-se fundamental analisar a vulnerabilidade social e sua repercussão em pacientes com 50 anos ou mais hospitalizados por COVID-19 no Brasil.

Este estudo tem como objetivo analisar a sobrevida e a letalidade hospitalar por COVID-19 para os primeiros 100 dias entre sintomas até o óbito, segundo níveis de vulnerabilidade social em indivíduos de 50 anos ou mais no Brasil.

Métodos

Desenho do estudo e contexto

Este estudo de coorte retrospectiva avalia fatores associados ao óbito e tempo de evolução clínica da COVID-19 em indivíduos de 50 anos ou mais hospitalizados, de acordo o Índice Socioeconômico do Contexto Geográfico para Estudos em Saúde (GeoSES) durante os anos 2020 e 2021 no Brasil.

População do estudo

Foram incluídos 410.504 pacientes hospitalizados com COVID-19 do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) 1717. OpenDataSUS. SRAG 2021 e 2022 - banco de dados de síndrome respiratória aguda grave - incluindo dados da COVID-19. https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/srag-2021-e-2022 (acessado em 19/Out/2021).
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; com 50 anos ou mais; cujo tempo entre início dos primeiros sintomas e alta hospitalar fora de até 100 dias; notificados das Semanas Epidemiológicas (SE) 11, de 2020, até 33, de 2021. Adotou-se o corte etário (50 anos ou mais) devido à presença de comorbidades e ao maior risco de agravamento desses indivíduos 88. Lima-Costa MF. Aging and public health. Rev Saúde Pública 2019; 52 Suppl 2:2s.,1313. Souza FSH, Hojo-Souza NS, Batista BDO, Silva CM, Guidoni DL. On the analysis of mortality risk factors for hospitalized covid-19 patients: a data-driven study using the major Brazilian database. PLoS One 2021; 16:e0248580.,1414. Observatório Covid-19. Boletim Extraordinário Observatório Covid-19. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_extraordinario_2021-outubro-06.pdf (acessado em 19/Out/2021).
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.

Os critérios diagnósticos para a confirmação da etiologia COVID-19 do caso de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) foram laboratorial, clínico-epidemiológico ou radiológico, conforme sistematiza o SIVEP-Gripe no campo 76, “Critério de Encerramento”. O campo 65, “Classificação Final do SIVEP-Gripe”, possibilitou a seleção de casos positivos para COVID-19. Registros sem preenchimento de município de residência e desfecho foram descartados.

Variáveis

A variável dependente é o óbito (sim; não), criada a partir do campo 77, “Evolução do Caso do SIVEP-Gripe”. São covariáveis sociodemográficas: sexo (masculino; feminino); faixa etária (50-59; 60-69; 70-79 e 80 ou mais anos); raça/cor (brancos; pretos; pardos; amarelos; indígenas); e estado de residência. São variáveis clínicas: tipo de comorbidade; multimorbidades (0; 1; 2; 3 ou mais comorbidades); internação em unidade de terapia intensiva (UTI) (sim; não); vacinação (com ao menos uma dose: sim; não); ventilação invasiva (sim; não); tempo entre o início dos primeiros sintomas e hospitalização; tempo entre o início dos primeiros sintomas e alta (óbito: sim; não). É covariável geoestatística o indicador GeoSES dividido em faixas [A: (0,5 a 1,0); B: (0,0 a 0,5); C: (-0,5 a 0,0); D: (-1,0 a -0,5)]; sendo A o melhor status socioeconômico e D o pior. Ademais, o coeficiente de letalidade foi estimado para todos os casos e segundo variáveis de interesse.

Fontes de dados

Para dados clínico-epidemiológicos utilizou-se o banco de dados SIVEP-Gripe 1717. OpenDataSUS. SRAG 2021 e 2022 - banco de dados de síndrome respiratória aguda grave - incluindo dados da COVID-19. https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/srag-2021-e-2022 (acessado em 19/Out/2021).
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, sistema de informação utilizado por profissionais de saúde para a notificação de casos de SRAG.

Para vulnerabilidade social utilizou-se o banco de dados GeoSES, um indicador composto que varia de -1,00, pior status socioeconômico, até +1,00, melhor status socioeconômico. GeoSES advém de análise de componentes principais de sete grandes dimensões (educação, pobreza, riqueza, renda, segregação, mobilidade e privação de recursos e serviços), cada dimensão elaborada com variáveis derivadas do Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), totalizando 46 variáveis para a composição do índice 1818. Barrozo LV, Fornaciali M, André CDS, Morais GAZ, Mansur G, Cabral-Miranda W, et al. GeoSES: a socioeconomic index for health and social research in Brazil. PLoS One 2020; 15:e0232074.. Optou-se pelo índice GeoSES elaborado em 2020 na ausência de dados de censo demográfico recente. O indicador GeoSES já foi validado em âmbito municipal para COVID-19 no Município de São Paulo 1919. Bermudi PMM, Lorenz C, Aguiar BS, Failla MA, Barrozo LV, Chiaravalloti-Neto F. Spatiotemporal ecological study of covid-19 mortality in the city of São Paulo, Brazil: shifting of the high mortality risk from areas with the best to those with the worst socio-economic conditions. Travel Med Infect Dis 2021; 39:101945. e intermunicipal para causas de óbito evitáveis 1818. Barrozo LV, Fornaciali M, André CDS, Morais GAZ, Mansur G, Cabral-Miranda W, et al. GeoSES: a socioeconomic index for health and social research in Brazil. PLoS One 2020; 15:e0232074.. Desse banco, foram utilizados o código do município de residência IBGE e a vulnerabilidade social 11. Ritchie H, Mathieu E, Rodés-Guirao LE, Cameron A, Giattino C, Ortiz-Ospina E, et al. Coronavirus country profiles. https://ourworldindata.org/coronavirus (acessado em 19/Out/2021).
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.

O banco de dados final foi elaborado via linkage entre SIVEP-Gripe (1717. OpenDataSUS. SRAG 2021 e 2022 - banco de dados de síndrome respiratória aguda grave - incluindo dados da COVID-19. https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/srag-2021-e-2022 (acessado em 19/Out/2021).
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) e GeoSES, por meio da chave código do município de residência IBGE, comum em ambas as fontes 22. Johns Hopkins Coronavirus Resource Center. COVID-19 dashboard. https://coronavirus.jhu.edu/map.html (acessado em 19/Out/2021).
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.

Medidas adotadas para evitar vieses

Com o propósito de abarcar não só o quadro agudo de COVID-19, mas também suas complicações derivadas da longa permanência hospitalar, considerou-se o período de 100 dias entre primeiros sintomas e óbito. É oportuno mencionar que o corte descarta possíveis erros de preenchimento e outliers distantes do percentil 90 do banco de dados bruto. Também optou-se por modelo de sobrevida ajustado para todas as variáveis de interesse para melhor ponderar o efeito da vulnerabilidade social.

Métodos estatísticos

Para a descrição das variáveis de estudo segundo desfechos clínicos, utilizaram-se as medianas, intervalo interquartil (IQR), frequências absolutas e relativas de cada classe (Tabela 1). A comparação das proporções das variáveis categóricas foi realizada por meio do teste qui-quadrado e para variáveis contínuas foi utilizado o teste Kruskal-Wallis, adotando-se nível de 5% de significância (p < 0,05). Para a visualização espacial, construiu-se um mapa de vulnerabilidade social segundo municípios com faixas de GeoSES (Figura 1) utilizando-se o software QGIS (https://qgis.org/en/site/) com as malhas territoriais disponibilizadas pelo IBGE 33. Bastos LS, Ranzani OT, Souza TML, Hamacher S, Bozza FA. COVID-19 hospital admissions: Brazil’s first and second waves compared. Lancet Respir Med 2021; 9:e82-3..

Tabela 1
Casos de COVID-19 em pacientes de 50 anos ou mais hospitalizados, com até 100 dias entre tempo de sintomas até alta, Brasil, 2020-2021.

Figura 1
Mapa de vulnerabilidade social para municípios brasileiros segundo Índice Socioeconômico do Contexto Geográfico para Estudos em Saúde (GeoSES). Brasil, 2020-2021.

Para descrever coeficiente de letalidade hospitalar, segundo vulnerabilidade social e faixa etária, realizou-se o cálculo desse coeficiente para décadas (50-59; 60-69; 70-79; 80 anos ou mais), e dentro dessas categorias, estratificou-se em faixas de vulnerabilidade social GeoSES (Figura 2).

Figura 2
Letalidade hospitalar por faixa etária e vulnerabilidade social (Índice Socioeconômico do Contexto Geográfico para Estudos em Saúde - GeoSES) de pacientes hospitalizados por COVID-19, com 50 anos ou mais, com até 100 dias entre tempo de sintomas até alta. Brasil, 2020-2021.

O modelo final de riscos proporcionais de Cox (Tabela 2) foi ajustado após análise bruta para examinar fatores associados à sobrevida hospitalar. Considerou-se falha como óbitos e o risco foi expresso em hazard ratio (HR) com intervalos de 95% de confiança (IC95%). O modelo bruto incluindo somente a variável GeoSES foi plotado como curva de Kaplan-Meier para ilustrar a influência dessa variável para sobrevida hospitalar (Figura 3). No modelo múltiplo final (Tabela 2), foram testadas as variáveis preditoras que apresentaram valor de p < 0,20 na análise bruta. Após procedimento backwards, foram consideradas significativas as associações com p < 0,05. Adicionalmente, foram analisados os tempos de sobrevida entre os primeiros sintomas e o desfecho registrado.

Tabela 2
Modelo de riscos proporcionais de Cox para desfecho óbito em casos de COVID-19 em pacientes de 50 anos ou mais hospitalizados, com até 100 dias entre tempo de sintomas até alta. Brasil, 2020-2021.

Figura 3
Curvas de sobrevida (Kaplan-Meier) de pacientes hospitalizados por COVID-19 com 50 anos ou mais, com até 100 dias entre tempo de sintomas até alta, segundo vulnerabilidade social (Índice Socioeconômico do Contexto Geográfico para Estudos em Saúde - GeoSES). Brasil, 2020-2021.

Não foram incluídas na análise de sobrevida as variáveis UTI e vacinação (uma dose ou mais). Para UTI ocorreu colinearidade com a variável ventilação invasiva, e optou-se por estudar ventilação invasiva devido à realização do procedimento ocorrer no paciente grave, independentemente do espaço físico hospitalar, ou seja, pode ser realizado tanto em UTI, quanto em enfermarias e prontos-socorros. No mais, o critério para admissão em UTI pode variar entre hospitais públicos e privados e segundo a situação de escassez de leitos. A vacinação não entrou no modelo de sobrevida em razão da limitação intrínseca do banco de dados. No início da pandemia, não havia vacinação e, quando disponível, deu-se de forma não homogênea, priorizada entre faixas etárias de maior risco. Ademais, não há como mensurar com precisão a soroconversão da vacina no paciente idoso no SIVEP-Gripe. Vale lembrar que apenas 14,8% da população estudada possuía registro de vacinação no banco de dados SIVEP-Gripe, além da heterogeneidade de vacinas aplicadas.

As análises estatísticas foram realizadas no software RStudio (https://rstudio.com/), utilizando os pacotes de análise: tidyverse2020. Wickham H, Averick M, Bryan J, Chang W, McGowan L, François R, et al. Welcome to the Tidyverse. J Open Source Softw 2019; 4:1686. para limpeza de dados; survminer2121. Kassambara A, Kosinski M, Biecek P, Fabian S. survminer: drawing survival curves using “ggplot2”. https://cran.r-project.org/package=survminer (acessado em 29/Out/2021).
https://cran.r-project.org/package=survm...
para modelo de Cox, tableone2222. Yoshida K, Bartel A, Chipman JJ, Bohn J, McGowan LD, Barrett M, et al. tableone: create “table 1” to describe baseline characteristics with or without propensity score weights. https://cran.r-project.org/web/packages/tableone/index.html (acessado em 29/Out/2021).
https://cran.r-project.org/web/packages/...
para tabela descritiva, teste de qui-quadrado e t; e ggplot22323. Wickham H, Chang W, Henry L, Pedersen TL, Takahashi K, Wilke C, et al. ggplot2: create elegant data visualisations using the grammar of graphics. https://cran.r-project.org/web/packages/ggplot2/index.html (acessado em 29/Out/2021).
https://cran.r-project.org/web/packages/...
para visualização gráfica dos dados.

Aspectos éticos

A pesquisa utiliza informações de domínio público, com dados individualizados previamente desidentificados do SIVEP-Gripe do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) 1717. OpenDataSUS. SRAG 2021 e 2022 - banco de dados de síndrome respiratória aguda grave - incluindo dados da COVID-19. https://opendatasus.saude.gov.br/dataset/srag-2021-e-2022 (acessado em 19/Out/2021).
https://opendatasus.saude.gov.br/dataset...
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Resultados

Foram estudados 410.504 casos, entre os quais havia 173.368 óbitos e letalidade hospitalar de 42,2% (Tabela 1).

Houve predomínio de homens (55%), com mediana de idade (IQR) de 68 (59-77) anos, brancos (41,5%), embora 20,3% dos dados constem como ignorados nesse campo. Para o tempo entre o início dos primeiros sintomas até a hospitalização, temos mediana (IQR) de 6 (3-10) dias e dos primeiros sintomas até alta temos 23 (15-38) dias. No que diz respeito à vulnerabilidade social, 51% dos indivíduos possuíam GeoSES B (0,00 até 0,50) para município de residência, ou seja, o segundo estrato mais alto de boa condição socioeconômica (Tabela 1).

Observou-se maior letalidade hospitalar para os grupos populacionais de homens (43,8%); idosos com 80 anos ou mais (61,3%); indígenas (50%); residentes no GeoSES D (51,4%); e de três comorbidades ou mais (54,4%). Dentre as comorbidades, nefropatas (61,2%) e neuropatas (59,8%) destacam-se com maiores letalidades (Tabela 3). Letalidade hospitalar segundo comorbidade específica e Unidade da Federação foram disponibilizadas em Material Suplementar (Tabelas 3 e 4).

Tabela 3
Letalidade hospitalar COVID-19 segundo comorbidades em pacientes de 50 anos ou mais com até 100 dias entre tempo de sintomas e alta. Brasil, 2020-2021.
Tabela 4
Letalidade hospitalar COVID-19 segundo Unidade da Federação em pacientes de 50 anos ou mais com até 100 dias entre tempo de sintomas e alta. Brasil, 2020-2021.

Pacientes graves apresentaram elevada letalidade: os internados em UTI (63,5%) e os submetidos à ventilação invasiva (82,6%) (Tabela 1). Quanto ao tempo entre início dos primeiros sintomas e desfecho, existe diferença de um a dois dias a menos em pacientes que vieram a óbito comparados aos sobreviventes. Já na busca do hospital a partir dos sintomas, existe diferença de dois dias a menos em pacientes com desfecho óbito comparados aos sobreviventes. Houve menor letalidade no grupo de ao menos uma dose de vacina (36,2%), embora somente 14,5% possuíssem campo registrado. Todas as variáveis de interesse obtiveram p < 0,001.

Para letalidade hospitalar dos vulneráveis sociais segundo faixa etária, registra-se a presença de maior letalidade para o pior status socioeconômico em todos os grupos etários. A maior diferença de letalidade observada entre GeoSES A e D foi nos indivíduos de 50-59 anos. Nesse grupo obtivemos o dobro da letalidade no estrato D, com 33,8% (IC95%: 32,8-33,4), quando comparado com estrato A, com 15,8% (IC95%: 13,4-18,5) (Figura 2).

Para sobrevida hospitalar, a curva de Kaplan-Meier considerando somente o GeoSES ilustra associação expressiva da letalidade no estrato D em relação aos demais (logrank p < 0,001). Quando comparados os estratos A e D, a diferença encontrada foi de 11 dias a menos no ponto de 50% de sobrevida (Figura 3).

O modelo ajustado de Cox também identificou um risco elevado de óbito conforme o status socioeconômico, sendo maior o risco quanto pior o status, GeoSES C (HR = 1,13; IC95%: 1,06-1,21) e D (HR = 1,32; IC95%: 1,24-1,42) comparados ao estrato A. O estrato B não apresentou diferença significativa em relação ao A (Tabela 2). Também foi possível identificar um risco maior em homens quando comparados às mulheres (HR = 1,10; IC95%: 1,09-1,11); risco progressivamente maior nos mais idosos (HR = 2,59; IC95%: 2,55-2,64) em comparação aos indivíduos na faixa de 50-59 anos. No que diz respeito à raça/cor, destacam-se os indígenas (HR = 1,34; IC95%: 1,23-1,46) e pretos (HR = 1,08; IC95%: 1,05-1,10) com maior risco do que os brancos e amarelos. Para comorbidades, o risco é progressivamente maior em portadores de três ou mais doenças (HR = 1,38; IC95%: 1,36-1,40), quando comparados com aqueles sem comorbidades. Os submetidos à ventilação invasiva também indicaram importante risco de óbito (HR = 2,36; IC95%: 2,33-2,39), comparados aos não submetidos.

Discussão

Foi observada forte associação de vulnerabilidade social com risco de óbito entre os casos de COVID-19 em adultos com 50 anos ou mais hospitalizados no Brasil. Encontramos risco 32% maior em vulneráveis sociais. A diferença de letalidade entre vulneráveis (GeoSES D) e não vulneráveis (GeoSES A) revela expressivo intervalo na faixa de 50 a 69 anos, embora também seja significativa nos indivíduos de 70 anos ou mais. Tais resultados sugerem dificuldades de acesso, menor oportunidade de assistência hospitalar e piores condições de vida. O maior risco de óbito deu-se principalmente no GeoSES D, localizado principalmente no Norte e Nordeste do país (Figura 1), regiões nas quais houve acometimento tardio e intenso da COVID-19 2424. Barbosa IR, Galvão MHR, Souza TA, Gomes SM, Medeiros AA, Lima KC. Incidence of and mortality from covid-19 in the older Brazilian population and its relationship with contextual indicators: an ecological study. Rev Bras Geriatr Gerontol 2020; 23:e200171.,2525. Lima EEC, Gayawan E, Baptista EA, Queiroz BL. Spatial pattern of covid-19 deaths and infections in small areas of Brazil. PLoS One 2021; 16:e0246808..

Antes da pandemia, a vulnerabilidade social já esteve associada a redução de 2,1 anos na expectativa de vida entre as idades de 40 e 85 anos em metanálise conduzida somente em países europeus e ainda inédita na América Latina 2626. Stringhini S, Carmeli C, Jokela M, Avendaño M, Muennig P, Guida F, et al. Socioeconomic status and the 25 × 25 risk factors as determinants of premature mortality: a multicohort study and meta-analysis of 1.7 million men and women. Lancet 2017; 389:1229-37., cujos índices de concentração de renda são significativamente maiores comparados aos europeus 2727. United Nations Development Programme. Human development report 2019. Nova Iroque: United Nations Development Programme; 2019.. Com a pandemia em andamento, as desigualdades socioeconômicas existentes no Brasil afetaram o curso da doença com reflexo negativo nas taxas de mortalidade para estados e municípios com alta vulnerabilidade social. Essas regiões obtiveram importante influência de indicadores sociais frente às demais covariáveis demográficas e fatores de risco 2828. Rocha R, Atun R, Massuda A, Rache B, Spinola P, Nunes L, et al. Effect of socioeconomic inequalities and vulnerabilities on health-system preparedness and response to covid-19 in Brazil: a comprehensive analysis. Lancet Glob Heal 2021; 9:e782-92.,2929. Demenech LM, Dumith SC, Vieira MECD, Neiva-Silva L. Desigualdade econômica e risco de infecção e morte por covid-19 no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 23:e200095., caso semelhante aos achados deste estudo. Soma-se ao exposto, a diminuição da expectativa de vida no país com impacto na longevidade dos brasileiros, especialmente em estados com ganhos recentes na expectativa de vida, sobretudo das regiões Norte e Nordeste 3030. Castro MC, Gurzenda S, Turra CM, Kim S, Andrasfay T, Goldman N. Reduction in life expectancy in Brazil after covid-19. Nat Med 2021; 27:1629-35..

Outros estudos também reportam elevada letalidade em homens, portadores de comorbidades e nas faixas etárias de 50 anos ou mais (maior à medida que a idade aumenta), segundo coortes hospitalares brasileiras durante a primeira onda da pandemia de COVID-19 1313. Souza FSH, Hojo-Souza NS, Batista BDO, Silva CM, Guidoni DL. On the analysis of mortality risk factors for hospitalized covid-19 patients: a data-driven study using the major Brazilian database. PLoS One 2021; 16:e0248580.,3131. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for covid-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med 2021; 9:407-18.. Nossos dados são semelhantes aos do início da COVID-19, segundo relatório do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, no qual foram descritas maiores taxas de mortalidade nos grupos de indivíduos com 70 a 80 anos ou mais 3232. Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (covid-19) outbreak in China. JAMA 2020; 323:1239.. Em consonância, tal levantamento também apontou portadores de comorbidades como população de risco 3232. Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from the coronavirus disease 2019 (covid-19) outbreak in China. JAMA 2020; 323:1239., assim como em estudo de coorte hospitalar brasileiro 3131. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for covid-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med 2021; 9:407-18..

No mais, nossos dados apontam maior risco de pior desfecho para indivíduos que se declararam pretos ou indígenas. Afirmamos que essa população tradicional obteve o maior risco de óbito frente aos demais grupos demográficos. Cupertino et al. (3333. Cupertino GA, Cupertino MC, Gomes AP, Braga LM, Siqueira-Batista R. COVID-19 and brazilian indigenous populations. Am J Trop Med Hyg 2020; 103:609-12.) chamam atenção para alta mortalidade em indígenas com COVID-19 no Brasil, e alta letalidade também foi registrada em estudo de coorte hospitalar brasileiro 3131. Ranzani OT, Bastos LSL, Gelli JGM, Marchesi JF, Baião F, Hamacher S, et al. Characterisation of the first 250 000 hospital admissions for covid-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data. Lancet Respir Med 2021; 9:407-18.. Já para população preta, piores desfechos também foram descritos em estudo ecológico com idosos brasileiros, no qual houve correlação de mortalidade em estados com maior porcentagem de população preta e parda 2424. Barbosa IR, Galvão MHR, Souza TA, Gomes SM, Medeiros AA, Lima KC. Incidence of and mortality from covid-19 in the older Brazilian population and its relationship with contextual indicators: an ecological study. Rev Bras Geriatr Gerontol 2020; 23:e200171.. Outros autores também descrevem risco para pretos e pardos, como porte de comorbidades, maior risco de hospitalização, óbito e menor condição de isolamento por vulnerabilidade social 3434. Li SL, Pereira RHM, Prete Jr. CA, Zarebski AE, Emanuel L, Alves PJH, et al. Higher risk of death from covid-19 in low-income and non-white populations of São Paulo, Brazil. BMJ Glob Health 2021; 6:e004959.,3535. Gao Y, Ding M, Dong X, Zhang J, Kursat Azkur A, Azkur D, et al. Risk factors for severe and critically ill COVID‐19 patients: a review. Allergy 2021; 76:428-55.,3636. Oliveira RG, Cunha AP, Gadelha AGS, Carpio CG, Oliveira RB, Corrêa RM. Desigualdades raciais e a morte como horizonte: considerações sobre a COVID-19 e o racismo estrutural. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00150120..

Os achados deste estudo sugerem associação entre desigualdade social com elevada letalidade e pior sobrevida hospitalar. Esses grupos acumulam outros fatores de risco e barreiras de acesso a serviços de saúde que incrementam o risco para um pior desfecho da infecção por SARS-CoV-2 3434. Li SL, Pereira RHM, Prete Jr. CA, Zarebski AE, Emanuel L, Alves PJH, et al. Higher risk of death from covid-19 in low-income and non-white populations of São Paulo, Brazil. BMJ Glob Health 2021; 6:e004959.,3737. Bambra C, Riordan R, Ford J, Matthews F. The covid-19 pandemic and health inequalities. J Epidemiol Community Health 2020; 74:964-8.,3838. Raifman MA, Raifman JR. Disparities in the population at risk of severe illness from COVID-19 by race/ethnicity and income. Am J Prev Med 2020; 59:137-9.,3939. Bispo Júnior JP, Santos DB. COVID-19 como sindemia: modelo teórico e fundamentos para a abordagem abrangente em saúde. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00119021..

Soma-se ao exposto a condução inadequada da pandemia pelo Governo Federal, violando seu papel de gestor central das medidas de contenção e prevenção da doença 4040. Ventura DFL, Perrone-Moisés C, Martin-Chenut K. Pandemia e crimes contra a humanidade: o “caráter desumano” da gestão da catástrofe sanitária no Brasil. Revista Direito e Práxis 2021; 12:2206-57.. Houve divulgação de informações incorretas e contraditórias acerca da COVID-19, atraso na aquisição de vacinas, falhas na distribuição de insumos e assistência aos doentes 55. Ventura DFL, Aith FMA, Reis RR, Ferreira AB, Rosa AV, Farias AS, et al. Brazil the timeline of the Federal Government’s strategy to spread covid-19. São Paulo: Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2021.,4141. Ferrante L, Steinmetz WA, Almeida ACL, Leão J, Vassão RC, Tupinambás U, et al. Brazil’s policies condemn Amazonia to a second wave of covid-19. Nat Med 2020; 26:1315.. Tais ações e omissões constituíram necropolítica 4242. Dall’Alba R, Rocha CF, Silveira RP, Dresch LSC, Vieira LA, Germanò MA, et al. COVID-19 in Brazil: far beyond biopolitics. Lancet 2021; 397:579-80., com exposição ao contágio dos mais vulneráveis 4343. Oficina del Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Direchos Humanos. COVID-19: políticas econômicas e sociais no Brasil colocam milhões de vidas em risco. https://acnudh.org/pt-br/covid-19-politicas-economicas-y-sociales-en-brasil-ponen-en-riesgo-millones-de-vidas-expertos-onu/ (acessado em 29/Out/2021).
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e subestimação da crise 4444. The Lancet. COVID-19 in Brazil: “so what?” Lancet 2020; 395:1461.. No mais, os ataques sistemáticos à ciência brasileira 4545. Hallal PC. SOS Brazil: science under attack. Lancet 2021; 397:373-4. e a retirada de capital de fomento à pesquisa 4646. Rodrigues M. Scientists reel as Brazilian government backtracks on research funds. Nature 2021; [Online ahead of print]. também foram decisivos para a condução da pandemia.

O estudo possui o mérito de mensurar o risco de óbito para o macro determinante social em saúde compreendido por vulnerabilidade social em população adulta com 50 anos ou mais no Brasil durante a crise sanitária causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Trabalhamos com banco de dados público e códigos de análise abertos, prezando pela transparência e reprodutibilidade. Além disso, o SIVEP-Gripe é um banco oficial, utilizado pela vigilância epidemiológica para monitorização de SRAG, possui abrangência nacional e representa dados da base populacional brasileira.

Entre as limitações do estudo, apontamos que pacientes vulneráveis podem ter morrido sem ao menos uma internação e registro durante os períodos de sobrecarga do sistema hospitalar brasileiro e, dessa forma, não foram contemplados na análise. Embora o campo raça/cor seja de preenchimento obrigatório mediante autodeclaração no SIVEP-Gripe, ele apresentou importante subnotificação, com 20,3% dos registros ignorados, o que pode ter afetado a precisão da mensuração do risco de óbito de pretos e principalmente pardos em nosso estudo. Tendo em vista a ausência do censo de 2020, a utilização de indicadores oriundos do censo de 2010 pode não refletir as condições de vida atuais. Entretanto, esse indicador foi validado em âmbito municipal para COVID-19 1919. Bermudi PMM, Lorenz C, Aguiar BS, Failla MA, Barrozo LV, Chiaravalloti-Neto F. Spatiotemporal ecological study of covid-19 mortality in the city of São Paulo, Brazil: shifting of the high mortality risk from areas with the best to those with the worst socio-economic conditions. Travel Med Infect Dis 2021; 39:101945. e intermunicipal para casas de óbito evitáveis 1818. Barrozo LV, Fornaciali M, André CDS, Morais GAZ, Mansur G, Cabral-Miranda W, et al. GeoSES: a socioeconomic index for health and social research in Brazil. PLoS One 2020; 15:e0232074.. Ao final, ressalta-se que este estudo retrata a totalidade dos casos COVID-19 notificados em um país continental estratificado com a granularidade municipal, que impossibilita trabalhar com desigualdades intramunicipais frequentes e importantes para a gestão local.

Os contextos social, econômico e ambiental determinam as condições de vida das populações e potencializam a interação entre as doenças coexistentes e a COVID-19, principalmente nos contextos de pobreza, exclusão social, estigmatização, violência estrutural e problemas ambientais 3939. Bispo Júnior JP, Santos DB. COVID-19 como sindemia: modelo teórico e fundamentos para a abordagem abrangente em saúde. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00119021.. É necessário que medidas intersetoriais sejam direcionadas para mitigar os efeitos da pandemia de COVID-19 agravados pela vulnerabilidade social, buscando soluções de caráter político, orientadas coletivamente para a transformação social e diminuição das desigualdades, a partir da estratégia da promoção de saúde com ênfase em seus determinantes sociais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2021
  • Revisado
    25 Jul 2022
  • Aceito
    06 Out 2022
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