Eficácia das medidas domiciliares de desinfecção da água para consumo humano: enfoque para o contexto de Santarém, Pará, Brasil

Efficacy of household methods for disinfecting water for human consumption: focus on the context of Santarém, state of Pará, Brazil

Efectividad de las medidas domiciliarias para desinfectar el agua para consumo humano: desde el contexto de Santarém, estado de Pará, Brasil

Resumos

Na região Amazônica, cidades como Santarém, no Estado do Pará, Brasil, ainda carecem de Estações de Tratamento de Água para atender toda a população. Nesses locais, medidas domiciliares de desinfecção da água são importantes para preservar a potabilidade e evitar efeitos indesejáveis na saúde. Este estudo avaliou experimentalmente o efeito das medidas domiciliares na eliminação de Escherichia coli em amostras de água. As técnicas avaliadas para esse trabalho foram: (i) hipoclorito de sódio 2,5%; (ii) fervura; (iii) filtro de cerâmica; e (iv) exposição solar. Foram testadas amostras, combinando-se diferentes concentrações de E. coli (entre 3 e 100 unidades formadoras de colônias/100mL). Os resultados mostraram que as medidas domiciliares de desinfecção foram eficazes na eliminação da E. coli, com exceção do filtro de cerâmica, cujas amostras de água, mesmo após a filtragem, apresentaram-se positivas para o crescimento da bactéria. Considerando que a distribuição da água tratada não chega à maior parte da população que reside em Santarém e em áreas periurbanas, como em comunidades quilombolas e ribeirinhas, o uso das medidas como hipoclorito de sódio 2,5%, fervura e exposição solar poderão favorecer a promoção da saúde e diminuir a ocorrência de surtos de doenças diarreicas veiculadas pela água.

Palavras-chave:
Água Potável; Desinfecção da Água; Ecossistema Amazônico; Escherichia coli; Risco à Saúde Humana

In the Amazon region, cities such as Santarém, in the state of Pará, Brazil, still lack Water Treatment Stations to serve the entire population. In these places, household methods of water disinfection are important to preserve potability and avoid undesirable health effects. Our study experimentally evaluated the effect of household methods for eliminating Escherichia coli in water samples. The techniques evaluated for this study were: (i) sodium hypochlorite 2.5%; (ii) boiling; (iii) ceramic filter, and (iv) sun exposure. Samples were tested, combining different concentrations of E. coli (from 3 to 100 colony forming units/100mL). The results showed that household disinfection methods were effective in eliminating E. coli; except for the ceramic filter, the water of which was still positive for their growth, even after filtration. Considering that the distribution of treated water does not reach most of the population living in Santarém and in peri-urban areas, such as the quilombola and riverside communities, the use of such methods as sodium hypochlorite 2.5%, boiling, and sun exposure may favor health promotion and reduce the occurrence of outbreaks of dysentery transmitted by water.

Keywords:
Drinking Water; Water Disinfection; Amazonian Ecosystem; Escherichia coli; Health Risk

En la región Amazónica, las ciudades como Santarém, en el estado de Pará, Brasil, todavía carecen de Estaciones de Tratamiento de Agua para atender a toda la población. En estos lugares, las medidas de desinfección domiciliaria del agua son importantes para preservar la potabilidad y evitar efectos indeseables en la salud. Este estudio evaluó el efecto de medidas domiciliarias en la eliminación de Escherichia coli en muestras de agua. Las técnicas evaluadas en este trabajo fueron: (i) hipoclorito de sodio al 2,5%; (ii) hervir el agua; (iii) filtro cerámico y (iv) exposición al sol. Se probaron muestras combinando diferentes concentraciones de E. coli (entre 3 y 100 unidades formadoras de colonias/100mL). Los resultados mostraron que las medidas de desinfección domiciliaria fueron efectivas en la eliminación de E. coli, con excepción del filtro cerámico que presentó un resultado positivo para su crecimiento en las muestras de agua, aún después de filtrada. Considerando que la distribución de agua tratada no llega a la mayoría de la población residente en Santarém y en áreas periurbanas como comunidades quilombolas y ribereñas, el uso de técnicas como el hipoclorito de sodio al 2,5%; hervir el agua o exponerla al sol pueden favorecer una promoción de la salud y reducir el surgimiento de brotes de enfermedades diarreicas transmitidas por el agua.

Palabras-clave:
Agua Potable; Desinfección del Agua; Ecosistema Amazónico; Escherichia coli; Riesgo a la Salud

Introdução

A água é considerada o recurso ambiental e natural de maior relevância disponível para a humanidade. No Brasil, a garantia de oferta de água com qualidade adequada a todos os cidadãos ainda permanece um desafio. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do Desenvolvimento Regional, apontam que no Brasil houve um aumento do percentual de domicílios cobertos pela rede de abastecimento de água potável de 83,5% em 2017 para 84% em 2020, o que significou a expansão dos serviços para cerca de 7 milhões de famílias brasileiras ¹. Por outro lado, calculou-se em 2020 que 16% da população (cerca de 20 milhões de pessoas) consomem água de fontes duvidosas e/ou sem tratamento. Desse total, 41,1% e 25,1% residem, respectivamente, nas regiões Norte e Nordeste, e recebem água com irregularidades quanto ao quesito de potabilidade ¹.

No Estado do Pará, a região de Santarém vem sendo especialmente considerada como uma das piores do país em termos de acesso aos sistemas considerados satisfatórios de saneamento básico, incluindo a distribuição de água ². A exploração imediatista e sem planejamento da água subterrânea através de poços artesianos particulares e pouco profundos podem ser fatores agravantes nesse processo. Dessa forma, Santarém é uma cidade na Amazônia que já apresenta alguns dos efeitos negativos da rápida urbanização, como a existência de graves problemas de saneamento, que podem afetar a qualidade da água de consumo humano e a saúde da população ³. Estima-se que na cidade somente 4,14% da população tenha acesso aos serviços de esgotamento sanitário ⁴. Dados do último Ranking do Saneamento mostram que Santarém, no ano de 2022, ficou na 98ª posição entre as 100 maiores cidades do Brasil avaliadas quanto aos indicadores de água e esgoto ². A cidade de Belém, capital do Pará, ocupou a 96ª posição, evidenciando precariedade de sistemas de abastecimento no estado ².

O abastecimento de água para consumo humano na região de Santarém é favorecido pelo volumoso Sistema Aquífero Alter do Chão. Na cidade, por exemplo, a água destinada para consumo humano é de origem subterrânea e sem tratamento, e esta forma de abastecimento d’água é uma demanda crescente, não somente nesta, mas em outras cidades da Amazônia, por ser opção economicamente viável frente a um processo acelerado de urbanização. Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem alertando que mesmo que a água seja de origem subterrânea, esta poderá estar relacionada com a veiculação de agentes microbiológicos determinantes em perfis epidemiológicos de saúde da população ⁵. Estudos recentes ^3,6,7 apontaram para a baixa potabilidade da água consumida na região de Santarém e para a presença de contaminantes como coliformes totais e termotolerantes em amostras provenientes de poços escolares, domiciliares e de serviços de saúde.

Vale destacar que a região de Santarém concentra diversas comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas que residem às margens do rio Tapajós (Figura 1), e a maioria das comunidades na Amazônia utiliza poços artesianos e/ou água superficial como fonte de suprimento humano ⁸. Nessas regiões, barreiras geográficas da floresta inviabilizam muitas vezes a instalação de estações de tratamento e manutenção periódica de sistemas de abastecimento, e a presença de contaminantes microbiológicos em amostras de água provenientes de comunidades localizadas às margens do rio Tapajós já foi reportada na literatura ⁹.

Figura 1
Mapa de localização de comunidades que residem às margens do rio Tapajós, Santarém, Pará, Brasil.

Nesse contexto, a desinfecção domiciliar é uma estratégia importante e recomendada pelo Ministério da Saúde brasileiro para o consumo de água em regiões desprovidas de Estações de Tratamento de Água (ETAs). Ela consiste na inativação e/ou eliminação dos microrganismos patogênicos a um nível aceitável ¹⁰, e, em geral, apresenta efeito satisfatório em agentes biológicos de origem fecal, como rotavírus, vírus da hepatite A, Cryptosporidium e algumas cepas enteropatogênicas de Escherichia coli^5,11.

A desinfecção domiciliar da água poderá ocorrer por meio de processos químicos e/ou físicos. Dentre os mecanismos químicos, destaca-se o uso do hipoclorito de sódio 2,5%, cuja eficácia depende exclusivamente da concentração e do tempo de exposição do produto à água ¹². O governo brasileiro recomenda a aplicação de duas gotas de hipoclorito de sódio 2,5% em um litro de água, e deve-se, obrigatoriamente, deixá-lo agir por 30 minutos antes do consumo ¹³. Além disso, o hipoclorito de sódio é distribuído de forma gratuita em postos de saúde em localidades brasileiras desprovidas de sistemas de tratamento de água. Porém, embora este seja um dos métodos mais acessíveis à população ¹⁴, dificuldades quanto ao seu correto uso e sua capacidade de alterar o gosto da água são algumas barreiras para sua utilização.

Os mecanismos físicos de desinfecção da água, por sua vez, ainda são bastante utilizados no Brasil, por serem tecnologias de baixo custo. O uso de filtros de cerâmica ou de barro, como são comumente denominados, são feitos de argila e apresentam em seu interior uma ou mais velas filtrantes, tendo ganhado a aceitação dos consumidores por muitos anos, tornando-se o equipamento para filtragem doméstica mais utilizado pela população ¹⁵. Outro método físico utilizado pela população brasileira é a fervura, que segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) ¹⁶, quando realizada de forma correta, poderá ser eficaz na desinfecção da água durante a ocorrência de epidemias, situações de emergência e em locais com ausência de ETAs. Por fim, há a desinfecção da água realizada por meio da exposição solar, um processo simples em que se utiliza a radiação ultravioleta (UV) para destruir possíveis bactérias, visto que aquelas de origem fecal, como a E. coli, são sensíveis, na maioria das vezes, a altas temperaturas provocadas por esse tipo de exposição ¹⁷.

A partir do contexto apresentado, o objetivo deste estudo consistiu em avaliar experimentalmente o efeito das medidas de desinfecção domiciliares (hipoclorito 2,5%, fervura, filtro de cerâmica e exposição solar) comumente utilizadas na região de Santarém na eliminação de E. coli em água para consumo humano.

Metodologia

Preparo da água utilizada nos ensaios-testes antimicrobianos

A água utilizada no estudo para os ensaios analíticos foi coletada a partir de poços tubulares profundos (maiores que 250 metros), captada pela Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA), proveniente do Sistema Aquífero Alter do Chão, na cidade de Santarém, oeste do Pará, seguindo as recomendações do Método Padrão para o Exame de Água e Águas Residuais [Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater − SMWW ¹⁸].

A água coletada passou por um processo de remoção iônica e de compostos interferentes, como cloro residual e total, por meio do uso de equipamento de osmose reversa e foi acondicionada em frascos de vidro estéreis com tampa (500mL), colocados em autoclave para esterilização a 121ºC durante 15 minutos. O controle microbiológico da autoclave foi realizado utilizando-se bioindicadores de controle de qualidade Sterikon Plus Bioindicator (https://www.merckmillipore.com). Uma amostra de 100mL da água estéril foi incubada com meio de cultura Colilert (https://www.idexx.com.br) em estufa microbiológica a 35±0,5ºC por 24 horas, com intuito de confirmar a ausência de crescimento de coliformes totais e E. coli. Todas as amostras evidenciaram resultados negativos para controle microbiológico.

Uma vez obtida água estéril, uma amostra de 100mL foi intencionalmente contaminada, adicionando-se 1µL da cepa E. coli (ATCC 27853, Lab-Elite; https://www.microbiologics.com). A amostra foi incubada com meio de cultura Colilert em estufa microbiológica a 35±0,5ºC por 24 horas, com intuito de confirmar a viabilidade da cepa. Uma vez constatado como positivo o crescimento, passou-se para o preparo dos frascos, que foram testados com as medidas de desinfecção. O pH foi mensurado a partir de eletrodos, mantendo-se na faixa de 6 a 9, conforme recomendação da Portaria nº 888/2021 do Ministério da Saúde ¹⁹, para água de consumo humano.

Os frascos utilizados para os ensaios analíticos passaram por testes em um projeto piloto, de modo que a concentração desejada de E. coli na água fosse próxima à encontrada em estudo realizado com aquela utilizada nos domicílio de Santarém ³. Os autores inseriram nas amostras de água utilizada para consumo humano de 3 a 5 unidades formadoras de colônias (UFC)/100mL ³. A fim de obter uma amostra com concentração semelhante, para este trabalho, utilizou-se 1µL da cepa E. coli em 500mL de água estéril, e, após a sua homogeneização, transferiu-se 1mL (Frasco Teste 1) para um frasco de 500mL de água estéril, o que garantiu amostras com 3 a 5 UFC/100mL. Avaliou-se também a eficácia das técnicas na desinfecção E. coli em concentração superior, e para isso foram transferidos 5mL com 15 a 25 UFC/100mL (Frasco Teste 2) e 10mL com 30 a 50 UFC/100mL (Frasco Teste 3) (Figura 2).

Figura 2
Esquema representativo da diluição em água da cepa de Escherichia coli para testes analíticos.

Medidas de desinfecção testadas

Para este estudo, foram testadas quatro medidas de desinfecção da água utilizada para consumo em domicílio, descritas a seguir:

(i) Técnica com hipoclorito de sódio 2,5%. O desinfetante foi obtido na Divisão de Saúde de Santarém, proveniente do Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (LAFEPE), lote nº 20040006G e em prazo de validade adequado. Os frascos lacrados foram abertos no momento dos ensaios. Adicionou-se uma gota de hipoclorito de sódio 2,5% em 500mL de cada Frasco Teste (1, 2 e 3), seguindo as recomendações do Ministério da Saúde ¹⁰. Posteriormente, 100mL foram incubados em estufa microbiológica a 35±0,5ºC por 24 horas com meio de cultura Colilert.

(ii) Técnica com fervura. Frascos Testes 1, 2 e 3 foram submetidos à fervura em uma chama de bico de Bunsen em laboratório. A temperatura da água foi medida com um termômetro previamente calibrado e, ao atingir os 100ºC, foi cronometrado o tempo de três minutos. Posteriormente, 100mL foram incubados em estufa microbiológica a 35±0,5ºC por 24 horas com meio de cultura Colilert.

(iii) Técnica com filtragem. Frascos Testes 1, 2 e 3 foram submetidos à filtragem em um filtro do tipo cerâmica contendo uma vela filtrante e dotado de uma torneira no recipiente inferior. O filtro foi adquirido especificamente para o desenvolvimento da pesquisa e foi previamente lavado com água estéril por três vezes consecutivas.

(iv) Técnica por exposição solar. Técnica conhecida também como SODIS (acrônimo de solar water disinfection). A água dos Frascos Testes 1, 2 e 3 foi transferida para uma garrafa plástica de politereftalato de etileno (PET) de 500mL, adquirida em supermercado para esse fim. As garrafas PET foram compradas lacradas e seu conteúdo (água mineral) foi despejado. Em seguida, foram preenchidas com a água preparada para esse estudo, e as análises foram realizadas. A água foi exposta ao sol por seis horas ¹⁰. Para esse ensaio, a temperatura foi controlada, mantendo-se durante o período avaliado entre 30 e 31ºC, com umidade atmosférica de 75% e índice UV de 9 (muito alto).

Para cada uma das técnicas de desinfecção, foi realizado o controle microbiológico em duplicata e, também, o controle negativo com 100mL de água estéril dos ensaios realizados. Todas as técnicas foram avaliadas quanto à presença e ausência de E. coli, seguindo as recomendações do SMWW ¹⁸. Os ensaios analíticos realizados a partir das técnicas de desinfecção utilizadas para a água estão apresentados na Figura 3.

Figura 3
Representação esquemática das técnicas de desinfecção da água domiciliar testadas.

Resultados

O uso da técnica com hipoclorito de sódio 2,5% nos Frascos Testes 1, 2 e 3 durante 30 minutos de exposição demonstrou ao final ausência de crescimento de E. coli para todas as amostras avaliadas.

A técnica com fervura se mostrou 100% eficaz na desinfecção da E. coli para os Frascos Testes 1, 2 e 3 avaliados. Ressalta-se que o Ministério da Saúde recomenda o tempo de cinco minutos para a fervura da água de consumo humano ¹⁸. Neste estudo, optou-se por utilizar propositalmente tempo menor (três minutos), que foi suficiente para proporcionar a ausência de crescimento bacteriano nas amostras investigadas.

Os testes realizados com a técnica de filtragem (cerâmica) mostraram que houve eficiência na remoção de E. coli apenas para os ensaios analíticos com o Frasco Teste 1. Nos demais Frascos Testes (2 e 3), com concentrações superiores de E. coli por mL, foi detectado crescimento bacteriano após o período de incubação da amostra.

O uso da técnica de exposição solar por seis horas nos Frascos Testes 1, 2 e 3 demonstrou ser eficaz na eliminação da E. coli em 100% das amostras avaliadas. Na Tabela 1 serão apresentados os resultados obtidos segundo a técnica utilizada e diluição.

Tabela 1
Técnica de desinfecção, diluição utilizada para amostra e resultado obtido após período de incubação microbiológica.

Técnica desinfecção	Diluição utilizada	Resultado
Hipoclorito de sódio 2,5%	1mL (Frasco Teste 1)	Ausência de E. coli
	5mL (Frasco Teste 2)	Ausência de E. coli
	10mL (Frasco Teste 3)	Ausência de E. coli
Fervura	1mL (Frasco Teste 1)	Ausência de E. coli
	5mL (Frasco Teste 2)	Ausência de E. coli
	10mL (Frasco Teste 3)	Ausência de E. coli
Filtragem	1mL (Frasco Teste 1)	Ausência de E. coli
	5mL (Frasco Teste 2)	Presença de E. coli
	10mL (Frasco Teste 3)	Presença de E. coli
Exposição solar	1mL (Frasco Teste 1)	Ausência de E. coli
	5mL (Frasco Teste 2)	Ausência de E. coli
	10mL (Frasco Teste 3)	Ausência de E. coli

• E. coli: Escherichia coli.

Discussão

O uso de hipoclorito de sódio na desinfecção da água para consumo humano é uma estratégia antiga, datada de 1948, por utilizar um forte agente oxidante, capaz de eliminar diversos microrganismos ²⁰. Por volta de 2014, o Ministério da Saúde brasileiro iniciou as produções laboratoriais de hipoclorito de sódio 2,5% por meio do LAFEPE para ser distribuído gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma nacional.

Na região de Santarém, o hipoclorito é recebido do LAFEPE por meio da Divisão de Saúde, setor responsável por sua distribuição aos serviços de atenção primária à saúde (APS). Os agentes comunitários são os profissionais que fazem a distribuição e a orientação quanto à forma correta de utilização do composto nas Estratégias Saúde da Família (ESF) urbanas, ribeirinhas e fluviais. O frasco pequeno permite que o hipoclorito de sódio seja facilmente transportado, seja de forma fluvial ou terrestre, para territórios ribeirinhos do rio Tapajós. Vale destacar que, atualmente, a embarcação denominada Abaré, integrada ao SUS e credenciada como unidade básica de saúde fluvial (UBSF), vem contribuindo de forma satisfatória na distribuição do hipoclorito de sódio em comunidades ribeirinhas do Tapajós que não dispõem de acesso a sistemas de tratamento de água. Ressalta-se que, embora a distribuição ocorra, a baixa aceitação do hipoclorito de sódio poderá estar relacionada a alterações de sabor e odor que este pode conferir à água ²¹.

Este estudo demonstrou que o hipoclorito de sódio é um desinfetante eficaz para a eliminação de E. coli em amostras de água e que poderá ser utilizado para essa finalidade tanto na área urbana de Santarém, quanto em comunidades mais remotas (periurbanas). No entanto, mesmo tendo sua eficácia experimental comprovada neste estudo, ressalva-se que seu uso doméstico poderá ter ação reduzida, uma vez que elevada turbidez e pH alcalino (> 8) nos domicílios podem dificultar a ação dos desinfetantes ^22,23,24.

A eficácia do hipoclorito de sódio como potente desinfetante é descrita na literatura. O composto vem sendo comumente utilizado em ETAs de abastecimento público no Brasil devido a seu baixo custo e ao resultado satisfatório na desinfecção da água ²⁵. Segundo Di Bernardo et al. ²⁵, a maioria das ETAs brasileiras utiliza o processo eletroquímico para a produção do hipoclorito de sódio in situ a partir de uma salmoura preparada com cloreto de sódio. Outros trabalhos também apontam para o uso eficaz do hipoclorito de sódio em hortaliças cruas, como desinfetante de aparelhos ortodônticos e para a limpeza de superfícies de serviços de saúde ^13,26,27.

A fervura da água para consumo humano é uma medida que deverá ser utilizada caso não esteja disponível para uso o hipoclorito de sódio 2,5%, segundo o Ministério da Saúde ¹². De acordo com a OMS, a fervura é um método que, apesar de ter algumas desvantagens (custos altos envolvidos) e de acarretar possíveis alterações no sabor da água, vem se mostrando eficaz na inativação de patógenos bacterianos de origem fecal ²⁸. De forma geral, as pessoas aceitam que ferver a água a torna mais segura para beber, por isso confiam nesse tratamento domiciliar ²².

Esta pesquisa demonstrou que a fervura é eficaz na eliminação experimental da E. coli. Entretanto, pondera-se que essa medida de desinfecção pode requerer grandes quantidades de combustível, como o gás de cozinha, e estima-se que os custos podem chegar a até USD 10,56 por pessoa por ano ²². Outros tipos de combustíveis, comuns em regiões ribeirinhas da Amazônia (pela dificuldade geográfica de acesso ao botijão de gás), poderão ser utilizados para fervura da água, como lenha e carvão. A queima destes combustíveis ocorre de forma incompleta, gerando gases e partículas como benzeno, formaldeído e benzopireno, que são potencialmente carcinogênicos ²⁹. Dessa forma, dependendo do combustível usado para ferver a água, pode-se aumentar as emissões de gases de efeito estufa, o agravamento da poluição domiciliar do ar interior e consequentemente o agravamento de doenças respiratórias ³⁰.

Outros estudos corroboram os achados da presente pesquisa. Cohen et al. ³⁰ mostraram que houve redução considerável (83%) na contaminação microbiológica da água que foi fervida em duas províncias rurais na China. Em outro trabalho, Cohen & Colford ³¹ concluíram, a partir de uma revisão integrativa, que a ebulição da água proporcionou benefícios para a saúde, uma vez que patógenos de veiculação hídrica foram inativados. Por outro lado, o estudo de Psutka et al. ³² alerta que a ebulição deteriorou a qualidade da água, fato que não esteve relacionado à técnica em si, mas sim com as formas precárias de manuseio e utilização do consumidor durante e após a fervura.

Neste estudo, a técnica de filtragem da água não se mostrou eficaz para a remoção de E. coli nos ensaios realizados com concentrações de 30 a 50 UFC/100mL (Frasco Teste 3). Os filtros de cerâmica surgiram por volta do início século XX e foram se aperfeiçoando em termos de qualidade e custos envolvidos. Ganharam muita aceitação entre os consumidores e tornaram-se o equipamento doméstico para desinfecção da água mais utilizado pela população brasileira ¹⁵.

Na literatura, trabalhos também apontaram para a ineficácia de filtros domiciliares quanto à remoção de bactérias. Em uma pesquisa realizada na cidade de Corrente (Piauí) ³³, identificou-se a contaminação por bactérias do grupo dos coliformes e E. coli em quatro de 12 amostras de água coletadas após passarem por um filtro de cerâmica. Em uma pesquisa realizada no Kuwait, Alsulaili et al. ³⁴ observaram diferenças estatisticamente significativas em amostras coletadas com e sem o tratamento por filtração para os parâmetros turbidez, sólidos suspensos totais e coliformes. A contaminação pós-filtração foi relacionada a práticas irregulares dos moradores na limpeza dos filtros, o que propiciou o acúmulo de impurezas e favoreceu a contaminação da água ³⁴. Por outro lado, microrganismos com diâmetros maiores, como o parasita Giardia duodenalis, foram 100% removidos em amostras de água acidentalmente contaminadas e filtradas em cerâmicas ³⁵.

O filtro de cerâmica deverá ser uma medida complementar de desinfecção domiciliar da água, que deverá previamente receber outros procedimentos, como a adição de substâncias químicas e/ou fervura ³⁶. Vale ressaltar a importância da manutenção periódica desses dispositivos, bem como a correta higienização e a troca das velas do recipiente de cerâmica ³⁶.

A técnica de exposição solar propiciou a eliminação da E. coli em todas as concentrações avaliadas no presente estudo. Este método é recomendado para ser aplicado em águas que apresentem baixa turbidez (< 30 unidades nefelométricas de turbidez) e matéria orgânica ^37,38. O procedimento solar é fácil de ser utilizado, uma vez que envolve apenas o enchimento de um recipiente transparente com água e a sua colocação ao sol diretamente ²².

Vale destacar que o uso da medida de exposição solar depende das condições climáticas da região. Santarém apresenta um clima tropical e úmido, marcado por dois períodos, o (i) seco (julho a novembro) e o (ii) chuvoso (dezembro a maio), sendo o mês de junho o de transição. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) ³⁹ mostraram que em 2019 a média mensal de precipitação foi de 53,8mm na estação seca e de 250,7mm (quase cinco vezes mais) na estação chuvosa. As precipitações durante o período chuvoso poderão prejudicar o sucesso da técnica de exposição solar na região, não sendo, portanto, uma medida disponível para ser utilizada durante todo o ano.

Resultados disponíveis na literatura corroboraram os achados do presente estudo. Botto et al. ¹⁷ avaliaram a inativação de E. coli em amostras de água expostas ao sol por seis horas em Fortaleza (Ceará) e obtiveram redução significativa na concentração bacteriana, demonstrando que a técnica foi eficaz. Em outro estudo, Vieira et al. ⁴⁰ deixaram expostas amostras de água ao sol e em dias nublados, em Pelotas (Rio Grande do Sul). Os resultados mostraram 100% de eficiência para inativação bacteriológica, porém em dias nublados o tempo de exposição deve ser de 32 horas, enquanto em dias ensolarados deve ser de até oito horas.

O uso da técnica de exposição solar, embora tenha tido sua eficácia comprovada experimentalmente na inativação de E. coli, tem sido associada à liberação (do plástico utilizado) de substâncias químicas nocivas à saúde. O antimônio residual vem sendo estudado, uma vez que faz parte da composição química das embalagens de garrafas PET e poderá ser transferido para a água sob condições de calor. Desse modo, pesquisas sobre os efeitos na saúde a longo prazo dessa exposição estão em desenvolvimento ⁴¹.

Conclusão

As evidências obtidas neste estudo demonstraram que as técnicas de desinfecção domiciliares da água experimentalmente avaliadas (hipoclorito de sódio 2,5%, fervura e exposição solar) são eficazes na inativação da E. coli quando presente na água, com exceção da filtragem (cerâmica). Os resultados inéditos obtidos por este trabalho proporcionam benefícios para o campo da saúde pública, uma vez que as medidas avaliadas são usualmente empregadas pela população de Santarém e regiões que não dispõem de serviços de tratamento de água - além de serem recomendadas pelo Ministério da Saúde brasileiro. O uso das medidas de desinfecção domiciliares na água tem contribuído para a diminuição da morbidade e mortalidade por doenças veiculadas por esse meio, como as doenças diarreicas.

O presente estudo foi limitado a uma investigação experimental, e sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas em águas de consumo contaminadas provenientes, por exemplo, de domicílios. As amostras de águas coletadas diretamente de moradias poderão apresentar parâmetros físico-químicos diferentes das condições ideais laboratoriais mantidas neste trabalho, favorecendo o crescimento bacteriano. Além disso, embora a técnica da exposição solar apresente um custo baixo e de fácil acesso pela população, é pertinente que estudos sobre a liberação de composto químicos como o antimônio sejam realizados. Outro ponto importante é que a fervura da água poderá provocar efeitos adversos à saúde humana, ao liberar poluentes atmosféricos durante o procedimento de desinfecção. Vale ressaltar que, para a garantia da eficácia dos processos de desinfecção, é necessária a orientação da população sobre o uso correto da técnica e da importância de se realizar o armazenamento adequado da água.

Agradecimentos

À Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) pelo apoio concedido na elaboração do trabalho e ao laboratório de análises de água LabVida pelo apoio nos procedimentos analíticos. À ONG Saúde & Alegria e à gestora ambiental Beatriz Celere pelo auxílio na elaboração do mapa.

Referências

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Fev 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  04 Nov 2022
• Revisado
  03 Jan 2023
• Aceito
  13 Jan 2023