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Mix contraceptivo e fatores associados ao tipo de método usado pelas mulheres brasileiras: estudo transversal de base populacional

Contraceptive mix and factors associated with the type of method used by Brazilian women: a population-based cross-sectional study

Combinación anticonceptiva y factores asociados al tipo de método utilizado por las mujeres brasileñas: un estudio transversal de base poblacional

Resumos

O objetivo deste estudo é descrever o mix contraceptivo e analisar os fatores associados ao tipo de contraceptivo usado pelas mulheres brasileiras em idade reprodutiva. Trata-se de estudo transversal, de base populacional, com dados de 19.962 mulheres de 15 a 49 anos. Os desfechos foram uso e tipo de contraceptivo, classificados em: contraceptivos reversíveis de curta duração (SARC), longa duração (LARC) e permanentes. As variáveis explicativas foram: características da história reprodutiva, sociodemográficas e de acesso aos serviços de saúde. Utilizou-se a regressão logística multinomial para estimativas da odds ratio (OR), tendo os SARC como categoria de referência. As análises foram realizadas no módulo survey do software Stata, que considerou o efeito do plano amostral complexo da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. A prevalência do uso de contraceptivos foi de 83,7%. Do total de usuárias, 72% usavam SARC, 23,2% métodos permanentes e 4,8%, LARC. Mulheres com maior escolaridade, plano de saúde, que tiveram partos e participaram de grupos de planejamento reprodutivo tiveram maior chance de usar LARC na comparação com o uso de SARC, enquanto o cadastro na unidade básica de saúde se associou a menor chance de uso. Ainda, quanto maior a idade e paridade, além de viver com o companheiro, maior a chance de usar métodos permanentes em relação ao uso de SARC. Apesar da elevada cobertura de contracepção, o mix contraceptivo permanece obsoleto, com predomínio do uso de SARC. Além disso, observou-se importante desigualdade de acesso, sendo os LARC acessíveis apenas por mulheres com melhores condições socioeconômicas, enquanto os métodos permanentes foram associados a um perfil de maior vulnerabilidade social.

Palavras-chave:
Anticoncepção; Saúde Reprodutiva; Saúde da Mulher; Iniquidades em Saúde; Estudos Epidemiológicos


This study aims to describe the contraceptive mix and analyze the factors associated with the type of contraceptive used by Brazilian women of reproductive age. This is a cross-sectional, population-based study with data from 19,962 women aged 15 to 49 years. The outcomes were use and type of contraceptive, classified as: short-acting reversible contraceptives (SARC), long-acting (LARC), and permanent. The explanatory variables were characteristics of reproductive history, sociodemographic history, and access to health services. Multinomial logistic regression was used for odds ratio (OR) estimates, with SARC being the reference category. The analyses were performed in the Survey module of the Stata software, which considered the effect of the complex sampling plan of the 2019 Brazilian National Health Survey. The prevalence of contraceptive use was 83.7%. Of the total number of users, 72% used SARC, 23.2% permanent methods, and 4.8% LARC. Women with higher education, health insurance, who had deliveries, and who participated in reproductive planning groups had a higher chance of using LARC when compared with the use of SARC, while registration at the basic health unit was associated with a lower chance of use. Still, the higher the age and parity, in addition to living with the partner, the greater the chance of using permanent methods in relation to the use of SARC. Despite the high coverage of contraception, the contraceptive mix remains obsolete, with a predominance of the use of SARC. In addition, important inequalities in access were observed, with LARC being accessible only to women with better socioeconomic conditions, while permanent methods were associated with a profile of greater social vulnerability.

Keywords:
Contraception; Reproductive Health; Women’s Health; Health Inequities; Epidemiologic Studies


El objetivo fue describir la combinación anticonceptiva y analizar los factores asociados al tipo de anticonceptivo usado por las mujeres brasileñas en edad reproductiva. Estudio transversal, de base poblacional, con datos de 19.962 mujeres de 15 a 49 años. Los resultados fueron el uso y el tipo de anticonceptivo, clasificados en: anticonceptivos reversibles de corta duración (SARC), de larga duración (LARC) y permanentes. Las variables explicativas fueron características de la historia reproductiva, sociodemográficas y de acceso a los servicios de salud. Se utilizó la regresión logística multinomial para las estimaciones de la odds ratio (OR), siendo los SARC la categoría de referencia. Los análisis fueron realizados en el módulo survey, del software Stata, que consideró el efecto del sistema de muestreo complejo de la Encuesta Nacional de Salud de 2019. La prevalencia del uso de anticonceptivos fue del 83,7%. Del total de usuarias, 72% usaban SARC, el 23,2% métodos permanentes y el 4,8% LARC. Las mujeres con mayor educación, plan de salud, que tuvieron partos y participaron de grupos de planificación reproductiva tuvieron mayor posibilidad de usar LARC cuando comparados al uso de SARC, mientras que el registro en la unidad básica de salud se asoció con una menor posibilidad de uso. Además, cuanto mayor sea la edad y la paridad, además de vivir con el compañero, mayor será la posibilidad de utilizar métodos permanentes en relación con el uso de SARC. A pesar de la alta cobertura de anticoncepción, la combinación anticonceptiva sigue siendo obsoleta, con un uso predominante de SARC. Además, se observaron importantes desigualdades en el acceso, siendo los LARC accesibles solo para mujeres con mejores condiciones socioeconómicas, mientras que los métodos permanentes se asociaron con un perfil de mayor vulnerabilidad social.

Palabras-clave:
Anticoncepción; Salud Reproductiva; Salud de la Mujer; Inequidades en Salud; Estudios Epidemiológicos


Introdução

A contracepção constitui aspecto fundamental do desenvolvimento sustentável, uma vez que permite que as pessoas concretizem seus desejos reprodutivos 11. Petruney T, Wilson LC, Stanback J, Cates Jr. W. Family planning and the post-2015 development agenda. Bull World Health Organ 2014; 92:548-548A.,22. United Nations. Goal 5: achieve gender equality and empower all women and girls. http://www.un.org/sustainabledevelopment/gender-equality/ (acessado em 11/Set/2022).
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, o que contribui para a redução da ocorrência de gestações não planejadas, de abortos inseguros e da morbimortalidade materna e infantil 33. Sully E, Biddlecom A, Darroch J. Adding it up: investing in sexual and reproductive health. https://www.guttmacher.org/report/adding-it-up-investing-in-sexual-reproductive-health-2019 (acessado em 29/Nov/2022).
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. Também favorece a promoção do crescimento econômico e o empoderamento das mulheres 11. Petruney T, Wilson LC, Stanback J, Cates Jr. W. Family planning and the post-2015 development agenda. Bull World Health Organ 2014; 92:548-548A.. Tendo em vista esses, dentre outros benefícios, as Nações Unidas definiram como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) assegurar, até 2030, o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva, incluindo o acesso a contracepção moderna 22. United Nations. Goal 5: achieve gender equality and empower all women and girls. http://www.un.org/sustainabledevelopment/gender-equality/ (acessado em 11/Set/2022).
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, evidenciando a relevância do monitoramento contínuo dos indicadores relacionados a essa meta.

O uso de contraceptivos aumentou significativamente em todo o mundo, na medida em que os casais optam cada vez mais por ter menos filhos e que os contraceptivos se tornaram amplamente disponíveis 33. Sully E, Biddlecom A, Darroch J. Adding it up: investing in sexual and reproductive health. https://www.guttmacher.org/report/adding-it-up-investing-in-sexual-reproductive-health-2019 (acessado em 29/Nov/2022).
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. Apesar desse aumento, existe muita desigualdade entre e dentro dos países no acesso à contracepção 33. Sully E, Biddlecom A, Darroch J. Adding it up: investing in sexual and reproductive health. https://www.guttmacher.org/report/adding-it-up-investing-in-sexual-reproductive-health-2019 (acessado em 29/Nov/2022).
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,‍44. Schivone GB, Blumenthal PD. Contraception in the developing world: special considerations. Semin Reprod Med 2016; 34:168-74.,‍55. Ewerling F, Victora CG, Raj A, Coll CVN, Hellwig F, Barros AJD. Demand for family planning satisfied with modern methods among sexually active women in low and middle-income countries: who is lagging behind? Reprod Health 2018; 15:42.. Disparidades em relação a faixa etária, status socioeconômico, área de residência, região geográfica, nível de escolaridade 33. Sully E, Biddlecom A, Darroch J. Adding it up: investing in sexual and reproductive health. https://www.guttmacher.org/report/adding-it-up-investing-in-sexual-reproductive-health-2019 (acessado em 29/Nov/2022).
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,‍44. Schivone GB, Blumenthal PD. Contraception in the developing world: special considerations. Semin Reprod Med 2016; 34:168-74.,‍55. Ewerling F, Victora CG, Raj A, Coll CVN, Hellwig F, Barros AJD. Demand for family planning satisfied with modern methods among sexually active women in low and middle-income countries: who is lagging behind? Reprod Health 2018; 15:42. e de empoderamento das mulheres 55. Ewerling F, Victora CG, Raj A, Coll CVN, Hellwig F, Barros AJD. Demand for family planning satisfied with modern methods among sexually active women in low and middle-income countries: who is lagging behind? Reprod Health 2018; 15:42. foram evidenciados em estudos prévios.

No Brasil, houve um importante aumento na prevalência do uso de contraceptivos, seguida de manutenção da cobertura superior a 80% desde 2006 66. Perpétuo IHO, Wong LLR. Desigualdade socioeconômica na utilização de métodos anticoncepcionais no Brasil: uma análise comparativa com base nas PNDS 1996 e 2006. In: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Ministério da Saúde, organizadores. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série G. Estatística e Informação em Saúde). p. 87-101.,‍77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504.. Apesar disso, o acesso à contracepção no país é marcado por fortes desigualdades 66. Perpétuo IHO, Wong LLR. Desigualdade socioeconômica na utilização de métodos anticoncepcionais no Brasil: uma análise comparativa com base nas PNDS 1996 e 2006. In: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Ministério da Saúde, organizadores. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série G. Estatística e Informação em Saúde). p. 87-101.,‍77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.. Estudos realizados na última década revelam que as mulheres jovens, menos escolarizadas, de classe econômica mais baixa, pretas e pardas e que vivem nas regiões Norte e Nordeste do país são as que apresentam menor prevalência no uso de contraceptivos 88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504.,‍99. Farias MR, Leite SN, Tavares NUL, Oliveira MA, Arrais PSD, Bertoldi AD, et al. Utilização e acesso a contraceptivos orais e injetáveis no Brasil. Rev Saúde Pública 2016; 50 Suppl 2:14s.,‍1010. Gonçalves TR, Leite HM, Bairros FS, Olinto MTA, Barcellos NT, Costa JSD. Desigualdades sociais no uso contraceptivos em mulheres adultas no Sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2019; 53:28., e também são as mais submetidas à laqueadura 88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504.. Já as mulheres brancas, mais escolarizadas e residentes das regiões Sul e Sudeste são as que mais utilizam contraceptivo oral e dupla proteção 88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504.. Isso mostra que, para além do acesso, observam-se desigualdades também em relação ao tipo de contraceptivo usado pelas brasileiras 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504..

Destaca-se ainda a manutenção de um mix contraceptivo obsoleto no país, desde a década de 1990, caracterizado pela maior prevalência do uso da pílula e da laqueadura em detrimento dos métodos de longa duração, tais como os dispositivos intrauterinos (DIU) e os implantes, usados por menos de 2% das mulheres em 2013 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504., conforme dados dos inquéritos nacionais, com destaque para a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013. Além disso, mulheres mais jovens e com maior vulnerabilidade social têm menor acesso ao uso de contraceptivos reversíveis de longa duração (LARC) 1111. Ponce de Leon RG, Ewerling F, Serruya SJ, Silveira MF, Sanhueza A, Moazzam A, et al. Contraceptive use in Latin America and the Caribbean with a focus on long-acting reversible contraceptives: prevalence and inequalities in 23 countries. Lancet Glob Health 2019, 7:e227-35., o que reforça as iniquidades em relação ao tipo de contraceptivo usado pelas brasileiras e pode sinalizar limitações na escolha dos métodos, principalmente para essas mulheres.

Por outro lado, muitas vezes os estudos sobre contracepção no Brasil - principalmente aqueles em nível nacional 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504. - se limitam à análise da cobertura e a uma abordagem mais descritiva. Além disso, o fato de a cobertura ser alta pode gerar o entendimento equivocado de que o acesso à contracepção no país é universal e não há necessidade de maiores investigações. No entanto, elevadas taxas de gestações não planejadas persistem 1212. Theme-Filha MM, Baldisseroto ML, Fraga ACSA, Ayers S, Gama SGN, Leal MC. Factors associated with unintended pregnancy in Brazil: cross-sectional results from the Birth in Brazil National Survey, 2011/2012. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:118., bem como de abortos inseguros 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60. e de gravidez na adolescência 1414. Borges AL, Chofakian CBN, Sato APS, Fujimori E, Duarte LS, Gomes MN. Fertility rates among very young adolescent women: temporal and spatial trends in Brazil. BMC Pregnancy Childbirth 2016; 16:57.,‍1515. Bicalho MLC, Araújo FG, Andrade GN, Martins EF, Felisbino-Mendes MS. Trends in fertility rates, proportion of antenatal consultations and caesarean sections among Brazilian adolescentes. Rev Bras Enferm 2021; 74 Suppl 4:e20200884., o que justifica a necessidade do contínuo monitoramento do acesso ao planejamento reprodutivo no país. Ademais, o mix se mostrou obsoleto 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504., e os estudos que investigaram fatores associados ao uso de contracepção em nível nacional são aqueles da última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 2006 66. Perpétuo IHO, Wong LLR. Desigualdade socioeconômica na utilização de métodos anticoncepcionais no Brasil: uma análise comparativa com base nas PNDS 1996 e 2006. In: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Ministério da Saúde, organizadores. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série G. Estatística e Informação em Saúde). p. 87-101.,‍1616. Carvalho AA. Demanda por contracepção no Brasil em 2006: contribuição para a implementação das preferências de fecundidade. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:3879-88., ou locais 1010. Gonçalves TR, Leite HM, Bairros FS, Olinto MTA, Barcellos NT, Costa JSD. Desigualdades sociais no uso contraceptivos em mulheres adultas no Sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2019; 53:28.,‍1717. Ferreira HLOC, Barbosa DFF, Aragão VM, Oliveira TMF, Castro RCMB, Aquino OS, et al. Social determinants of health and their influence on the choice of birth control methods. Rev Bras Enferm 2019; 72:1044-51..

Diante do exposto, o objetivo deste estudo é descrever o mix contraceptivo brasileiro com os dados mais recentes da PNS de 2019, além de estimar que fatores estão associados ao tipo de contraceptivo usado pelas brasileiras, considerando-se a classificação dos métodos quanto ao tempo de ação. Uma investigação dos principais grupos de métodos (a depender do tempo de ação, como de curta ou longa duração), bem como dos métodos permanentes, é mais escassa e poderia contribuir para o melhor entendimento do mix contraceptivo no país e suas repercussões. Ademais, poderia elucidar diferenças em relação aos fatores que se associam ao uso de LARC e aos métodos permanentes. A continuidade desses estudos também se faz necessária em meio aos cortes orçamentários na área da saúde 1818. Rossi P, Dweck E. Impactos do novo regime fiscal na saúde e educação. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00194316. e à perda do espaço da saúde das mulheres nas políticas públicas brasileiras 88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504.,‍1919. Family Planning 2020. The family planning summit for safer, healthier and empowered futures. Summary of commitments. https://fp2030.org/sites/default/files/FP2020_Summit_Outcome_Document_V10_Clean.pdf (acessado em 29/Nov/2022).
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e, consequentemente, do acesso à contracepção.

Métodos

Trata-se de estudo epidemiológico transversal que utilizou dados da segunda edição da PNS, de 2019. A PNS é um inquérito de base populacional, representativo da população brasileira, que tem como objetivo fornecer informações sobre os determinantes, condicionantes e necessidades de saúde da população brasileira 2020. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouveia ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2020315., incluindo o planejamento reprodutivo. O inquérito possui desenho amostral complexo, definido por conglomerados em três estágios de seleção: o primeiro, as unidades primárias de amostragem, que podem ser setores censitários ou conjunto de setores; o segundo consistiu na seleção dos domicílios cadastrados no Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE); e o terceiro correspondeu à seleção de um morador do domicílio com 15 ou mais anos de idade 2020. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouveia ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2020315.. Em cada estágio, a seleção dos participantes foi por amostragem aleatória simples 2020. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouveia ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2020315.. Para maiores detalhes do plano amostral e aspectos metodológicos, outra publicação pode ser consultada 2020. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouveia ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2020315..

A população deste estudo foi composta por mulheres de 15 a 49 anos que responderam ao módulo referente à saúde da mulher (Figura 1). Do total de 90.846 indivíduos entrevistados, 48.047 eram mulheres, das quais 27.249 estavam em idade reprodutiva. Dessas mulheres, foram excluídas as gestantes e mulheres que não sabiam se estavam grávidas (n = 866), mulheres histerectomizadas (n = 820), que não menstruavam (n = 1.062) e que não tiveram relações sexuais nos últimos 12 meses ou não quiseram responder a essa questão (n = 4.539), totalizando uma amostra de 19.962 mulheres.

Este estudo tem três desfechos de interesse: o uso de métodos contraceptivos, o tipo de método contraceptivo usado e os grupos de métodos contraceptivos modernos segundo tempo de ação no organismo. A variável uso de contraceptivos foi criada a partir das questões R34 (“A senhora usa algum método para evitar a gravidez atualmente?”), R35 (“Qual o motivo para não evitar a gravidez?”) e R36 (“Que método para evitar a gravidez a sra. usa atualmente?”). O uso de métodos contraceptivos foi categorizado em não (0) e sim (1). Mulheres que responderam que não usavam métodos contraceptivos por terem realizado laqueadura ou vasectomia pelo parceiro foram incluídas na categoria sim.

Figura 1
População de estudo.

Para a criação da variável tipo de método contraceptivo usado pelas brasileiras, considerou-se o contraceptivo mais eficaz usado pela mulher 2121. Department of Reproductive Health and Research, World Health Organization; Center for Communication Programs, Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. Knowledge for health project. Family planning: a global handbook for providers (2018 update). Baltimore: Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health/Genebra: World Health Organization; 2018., já que elas poderiam responder que usavam mais de um método. Para isso foi utilizada a variável VDR001 do inquérito; porém, a opção 7 desta variável agrupou vários métodos modernos (camisinha feminina, pílula do dia seguinte, implante, espermicida, diafragma, adesivo e anel), independentemente do seu tempo de ação e eficácia. Diante disso, fizemos a reclassificação dos métodos dessa variável a partir da variável R36 (“Que método para evitar a gravidez a sra. usa atualmente?”) e desagregamos todos os contraceptivos da opção 7. Ressalta-se que todas as análises que usaram o desfecho tipo de método contraceptivo consideraram o método contraceptivo mais eficaz usado pela mulher.

Após a definição de um método para cada mulher, os métodos contraceptivos foram classificados quanto ao tempo de ação no organismo em: (1) contraceptivos reversíveis de curta duração (SARC) (pílula, preservativo masculino e feminino, diafragma, injetável, creme/óvulo adesivo e anel); (2) LARC (DIU e implantes); e (3) permanentes (laqueadura e vasectomia). Para a análise do desfecho tipo de método contraceptivo, as mulheres que usavam apenas “tabelinha” (n = 167), outros métodos contraceptivos tradicionais (n = 39) ou relataram apenas o uso da pílula do dia seguinte como método contraceptivo (n = 20) e as mulheres que não usavam método contraceptivo (n = 3.322) foram excluídas, totalizando 16.414 usuárias de contracepção moderna (Figura 1).

As variáveis explicativas incluíram: características da história reprodutiva (número de partos: nenhum, um a dois e três ou mais); acesso aos serviços de saúde (participação em grupo de planejamento reprodutivo, ser cadastrada na unidade básica de saúde - UBS - e ter plano de saúde - categorizadas em sim e não); e características sociodemográficas (local de moradia: urbano e rural; região: Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul; faixa etária: 15 a 24 anos, 25 a 34 anos e 35 a 49 anos; escolaridade: 0 a 9 anos de estudo, 10 a 12 anos e 13 anos ou mais; raça/cor: branca, preta e parda; situação conjugal: vive com companheiro e não vive com companheiro; renda: rendimento domiciliar per capita, em salários mínimos - até 1, de 1 a 3 e mais que 3; trabalho remunerado - sim e não). Para definição do valor do salário mínimo, que corresponde à remuneração mínima do trabalhador fixada por lei, considerou-se o valor em vigor no mês de referência da pesquisa 2222. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde: Brasil, grandes regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020..

Primeiramente, a prevalência do uso e do tipo de contraceptivo usado pelas brasileiras foram estimadas com seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Em seguida, a prevalência do tipo de método classificado quanto ao tempo de ação, incluindo a categoria de não usuárias, foi estimada segundo as características da história reprodutiva, do acesso aos serviços de saúde e sociodemográficas.

Depois, foi utilizado o modelo de regressão logística multinomial para estimar a odds ratio (OR) não ajustada com os IC95% de cada variável explicativa com o tipo de método classificado quanto ao tempo de ação, desfecho principal do estudo. A categoria de referência foi: mulheres que usavam SARC. A seguir, as variáveis com valor de p < 0,20 foram inseridas no modelo multivariado. Utilizou-se o critério forward, sendo as variáveis de nível mais proximal (história reprodutiva) inseridas primeiro, seguidas pelas variáveis do nível intermediário (acesso aos serviços de saúde) e, por último, as variáveis do nível distal (características sociodemográficas). As variáveis com valor de p > 0,05 foram retiradas do modelo, utilizando-se o critério backward. Destaca-se que o modelo multinomial gerou a estimativa de dois valores de OR: o primeiro comparando os métodos de longa duração com os de curta duração, e o segundo comparando os métodos permanentes com os de curta duração. Utilizou-se o teste Wald em cada entrada de variável no modelo, e também após o modelo final, para avaliar a contribuição de cada variável na modelagem 2323. Heeringa SG, West BT, Berglund PA. Applied survey data analysis. Nova York: Taylor & Francis; 2010..

Também foi avaliada a relação entre as variáveis explicativas para inserção no modelo multivariado. Utilizou-se análise de distribuição entre os pares de variáveis explicativas e o teste qui-quadrado de Pearson nessa etapa. Observou-se que as mulheres com maior renda eram as que tinham maior escolaridade (82,8%) e acesso a plano de saúde (81,4%), com significância estatística das diferenças entre as proporções (p < 0,0001). Assim, no modelo final, optou-se pela manutenção das variáveis escolaridade e plano de saúde, considerando-se a escolaridade como proxy de renda e com alta taxa de resposta, e o plano de saúde como um determinante importante do acesso aos LARC, conforme reportado por alguns estudos 2424. Ruivo ACO, Facchini LA, Tomasi E, Wachs LS, Fassa AG. Disponibilidade de insumos para o planejamento reprodutivo nos três ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: 2012, 2014 e 2018. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00123220.,‍2525. Ponce de Leon R, Bahamondes MV, Hellwig F, Barros A, Bahamondes L, Federico T, et al. Potential of LARC to recover loss in satisfied demand for modern contraception after the COVID-19 pandemic: a case scenario analysis of Brazil and Mexico. Rev Panam Salud Pública 2022; 46:e41..

Os dados foram analisados com auxílio do software Stata (https://www.stata.com), versão 15.0, considerando-se o nível de 5% de significância. As estimativas foram realizadas no módulo survey, que considerou na análise o efeito do plano amostral da PNS (estrato, conglomerados e pesos individuais), com o objetivo de produzir estimativas populacionais para a subpopulação de mulheres em idade reprodutiva 2323. Heeringa SG, West BT, Berglund PA. Applied survey data analysis. Nova York: Taylor & Francis; 2010.,‍2626. West BT, Bergund P, Heeringa SG. A closer examination of subpopulation analysis of complex-sample survey data. Stata J 2008; 8:520-31..

A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde sob o parecer nº 3.529.376, em 23 de agosto de 2019. A participação na pesquisa foi voluntária, a confidencialidade das informações garantida e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento para a Entrevista 2020. Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouveia ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2020315.. Os dados da PNS estão publicamente disponíveis na página da Internet do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2727. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNS 2019: microdados. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/downloads-estatisticas.html?caminho=PNS/2019/Microdados/Dados (acessado em 29/Nov/2022).
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/dow...
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Resultados

A maior proporção das mulheres de 15 a 49 anos vivia em áreas urbanas (87,6%), nas regiões Sudeste (42,5%) e Nordeste (26,2%), tinha mais de 35 anos (45,9%), de 10 a 12 anos de estudo (46,5%), era parda (46,1%), com renda de até um salário mínimo (58%) e trabalho remunerado (73,3%), vivia com companheiro (66,4%), já teve partos (68,6%), não participou de grupos de planejamento reprodutivo (95,4%), não tinha plano de saúde (72,7%) e era cadastrada na UBS (60,7%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características das mulheres brasileiras de 15 a 49 anos. Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS 2019).

A prevalência do uso de contraceptivos foi de 83,7% (IC95%: 82,7; 84,7) (dado não mostrado). Do total de usuárias, os métodos mais utilizados pelas brasileiras eram: pílula (40,6%), preservativo masculino (20,3%), laqueadura (17,3%) e injetáveis (9,8%) (Tabela 2). Ao classificar os métodos pelo tempo de ação no organismo, observamos uma alta prevalência de uso de SARC (72%), quando comparado aos LARC (4,8%) e métodos permanentes (23,2%) (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência do tipo de contraceptivo usados pelas mulheres brasileiras em idade reprodutiva. Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS 2019).

Quanto ao tipo de método usado, observou-se maior proporção de uso de SARC pelas mulheres que viviam nas regiões Sul (66,7%) e Sudeste (61,7%), que tinham entre 15 e 24 anos (77,7%) e que não viviam com companheiro (73%) (Tabela 3). Em relação ao uso de LARC, observou-se maior proporção de uso para mulheres que viviam em áreas urbanas (4,4%) e na Região Sul (4,9%), tinham maior escolaridade (7,2%), trabalho remunerado (4,7%), maior renda (9,8%), plano de saúde (8,3%) e não eram cadastradas na UBS (5,2%) (Tabela 3). Quanto ao uso de métodos permanentes, observou-se maior prevalência entre as mulheres que viviam em áreas rurais (25,4%), nas regiões Norte (24,1%), Nordeste (23,5%) e Centro-oeste (24,5%), de maior faixa etária (32,9%), menor escolaridade (30,1%), que não trabalhavam (22,8%), que tinham renda de até 1 salário mínimo (22,3%), que viviam com companheiro (24,9%), que não tinham plano de saúde (20,5%), não participaram de grupos de planejamento reprodutivo (19,6%) e tinham cadastro na UBS (21,1%) (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência do tipo de contraceptivo usado pelas mulheres de 15 a 49 anos, segundo características sociodemográficas, reprodutivas e de acesso aos serviços de saúde, Brasil. Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS 2019).

Quanto aos fatores associados ao tipo de método usado pelas brasileiras, observamos nas análises não ajustadas que a chance de usar LARC em relação aos SARC foi maior para mulheres que viviam em áreas urbanas, nas regiões Sudeste e Centro-oeste, que tinham trabalho remunerado, viviam com companheiro, tinham plano de saúde e histórico de um a dois partos anteriores. Destaca-se que, quanto maior a faixa etária, a escolaridade e a renda, maior a chance de usar LARC quando comparados aos SARC (Tabela 4). Por outro lado, observou-se menor chance de uso desses métodos para mulheres que tinham cadastro na UBS. No modelo multivariado, as variáveis que permaneceram associadas foram escolaridade, número de partos, ter plano de saúde, cadastro na UBS e ter participado de grupos de planejamento reprodutivo (p < 0,05) (Tabela 4).

Tabela 4
Fatores associados ao tipo de contraceptivo adotado pelas mulheres brasileiras de 15 a 49 anos, Brasil. Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS 2019).

Nas análises não ajustadas para o uso de métodos permanentes observou-se que quanto maior a faixa etária e maior o número de partos, maior a chance de uso em relação aos SARC. Além disso, mulheres pardas, que tinham cadastro na UBS e viviam com companheiro também tinham maior chance de uso de métodos permanentes se comparadas às usuárias de SARC. Observou-se ainda que possuir maior escolaridade e renda, viver em áreas urbanas e nas regiões Sul e Sudeste, ter trabalho remunerado e plano de saúde e haver participado de grupos de planejamento reprodutivo foram associados a menor chance de uso de métodos permanentes quando comparados aos SARC. No modelo multivariado, as variáveis que permaneceram associadas foram faixa etária, paridade, região de moradia, escolaridade, participação em grupo de planejamento reprodutivo e viver com companheiro (p < 0,05) (Tabela 4).

Discussão

Os resultados do presente estudo evidenciam a manutenção de uma elevada prevalência de uso de contraceptivos pelas mulheres brasileiras, superior a 80%, conforme observado em estudos prévios 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504.. Porém, mantém-se um mix contraceptivo obsoleto, com mais de 60% das mulheres usando pílula ou preservativo, 17% das mulheres esterilizadas e apenas 5% usando LARC, corroborando achados de outros estudos (que incluíram somente mulheres de 18 a 49 anos), com poucas mudanças em relação a 2013 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504..

Nesse sentido, destaca-se que altas prevalências de uso de contraceptivos não se traduzem necessariamente em um mix contraceptivo diversificado, como também foi observado em países como a China e Vietnã, que têm altas prevalências de contracepção, apesar do uso concentrado em um ou dois métodos 2828. Bertrand JT, Ross J, Sullivan TM, Hardee K, Shelton JD. Contraceptive method mix: updates and implications. Glob Health Sci Pract 2020; 8:666-79.. Esses resultados podem refletir limitações na escolha do método mais adequado de acordo com a necessidade de cada mulher, como observado no Brasil. Além disso, observamos que mais de 70% das usuárias de contracepção usam SARC, sendo a pílula e o preservativo os métodos mais usados e que possuem as maiores taxas de falha - 9% e 18%, respectivamente 2929. Trussell J. Contraceptive failure in the United States. Contraception 2011; 83:397-404. -, o que pode contribuir para as elevadas taxas de gestação não planejada 1212. Theme-Filha MM, Baldisseroto ML, Fraga ACSA, Ayers S, Gama SGN, Leal MC. Factors associated with unintended pregnancy in Brazil: cross-sectional results from the Birth in Brazil National Survey, 2011/2012. Reprod Health 2016; 13 Suppl 3:118. e abortos 1313. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:653-60., conforme observado em países como Estados Unidos 3030. Winner B, Peipert JF, Zhao Q, Buckel C, Madden T, Allsworth JE, et al. Effectiveness of long-acting reversible contraception. N Engl J Med 2012; 366:1998-2007. e França 3131. Bonnet C, Blondel B, Moreau C. A rise in births following contraceptive failure in France between 2010 and 2016: results from the French national perinatal surveys. BMC Womens Health 2021; 21:115..

Nosso estudo também mostrou que mulheres mais jovens, nulíparas e sem cadastro nas UBS apresentaram menor prevalência de uso de contraceptivos, o que pode contribuir para a elevada ocorrência de gestações na adolescência no país 14,‍15. Sabe-se que, no Brasil e em vários países de baixa e média renda, a maioria das gestações ocorre antes de qualquer uso de contraceptivo, o que repercute em uma proporção grande de mulheres com menos de 30 anos atingindo o número de filhos desejado e com um período longo para evitar um filho extra 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.. Isso ocorre por falta de acesso a contracepção eficaz e informações em tempo oportuno, principalmente na adolescência 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103., fato corroborado pelos achados deste estudo.

Nossos resultados também apontam para um possível problema de disponibilidade de métodos contraceptivos, visto que os métodos mais usados, como a pílula e o preservativo, também são os mais disponíveis nas UBS, enquanto o DIU é o método menos disponível 2424. Ruivo ACO, Facchini LA, Tomasi E, Wachs LS, Fassa AG. Disponibilidade de insumos para o planejamento reprodutivo nos três ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: 2012, 2014 e 2018. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00123220. e menos utilizado pelas brasileiras, o que também foi demonstrado em estudo prévio 2424. Ruivo ACO, Facchini LA, Tomasi E, Wachs LS, Fassa AG. Disponibilidade de insumos para o planejamento reprodutivo nos três ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: 2012, 2014 e 2018. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00123220.: ou seja, o uso de método contraceptivo depende mais da oferta do que da procura. Assim, caso o método contraceptivo não esteja disponível ou não seja oferecido, isso determinará a sua não utilização. Além disso, mulheres sem cadastro na UBS também apresentam menor prevalência de uso de métodos contraceptivos, ressaltando a importância desse provedor para o acesso a contracepção no país.

Por outro lado, uma avaliação com provedores de contracepção moderna em países da América Latina, Ásia e África mostrou que entre 40% e 49% das usuárias de métodos contraceptivos modernos obtiveram seus métodos por meio do setor privado, sendo que o aumento do uso de contraceptivos observado entre 1992 e 2012 foi impulsionado pelo aumento do uso de SARC 3232. Ugaz JI, Chatterji M, Gribble JN, Mitchell S. Regional trends in the use of short-acting and long-acting contraception accessed through the private and public sectors. Int J Gynaecol Obstet 2015; 130 Suppl 3:E3-7.. Ainda, estudo que avaliou aspectos relacionados ao acesso a contraceptivos orais e injetáveis no Brasil mostrou que a maioria das mulheres obtinham esses medicamentos com recursos próprios nas farmácias 99. Farias MR, Leite SN, Tavares NUL, Oliveira MA, Arrais PSD, Bertoldi AD, et al. Utilização e acesso a contraceptivos orais e injetáveis no Brasil. Rev Saúde Pública 2016; 50 Suppl 2:14s.. Esses resultados corroboram nossos achados ao mostrar que os SARC são mais acessíveis que os LARC, que, apesar de ter seu uso duplicado em relação a 2013 88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504., ainda apresentam número muito incipiente de usuárias.

O aumento do uso de LARC, mais especificamente do DIU, provavelmente está relacionado à regulamentação da inserção do DIU após o parto e abortamento nas maternidades 3333. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.265, de 1º de dezembro de 2017. Altera o Anexo XXVIII da Portaria de Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, que dispõe sobre a ampliação do acesso ao Dispositivo Intrauterino Tcu 380 (DIU de cobre) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2017; 7 dez.. Nossos resultados mostraram que mulheres que tiveram um ou mais partos tinham maior chance de usar LARC em relação a SARC quando comparadas com as mulheres que nunca tiveram partos, corroborando essa hipótese. Em alguns estados brasileiros - como São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará - foi instituída legislação para promover o uso de LARC entre as mulheres mais vulneráveis, incluindo usuárias de drogas, mulheres em situação de rua e adolescentes, o que pode favorecer a provisão seletiva de LARC em um contexto de coerção contraceptiva 3434. Brandão ER. Contracepção reversível de longa duração (Larc): solução ideal para tempos pandêmicos? Saúde Debate 2022; 46:237-47..

O presente estudo também evidenciou iniquidades em relação ao acesso aos LARC, uma vez que as mulheres com maior vulnerabilidade social (residentes em áreas rurais, com menor renda e escolaridade, sem acesso a plano de saúde e trabalho remunerado) apresentaram menor prevalência de uso desses métodos. Esses achados foram confirmados no modelo final, com maior chance de uso desses métodos contraceptivos por aquelas com melhores condições socioeconômicas, tais como maior escolaridade e acesso ao plano de saúde, corroborando achados de outros estudos 3535. Bhandari R, Pokhrel KN, Gabrielle N, Amatya A. Long acting reversible contraception use and associated factors among married women of reproductive age in Nepal. PLoS One 2019; 14:e0214590.,3636. Ontiri S, Ndirangu G, Kabue M, Biesma R, Stekelenburg J, Ouma C. Long-acting reversible contraception uptake and associated factors among women of reproductive age in rural Kenya. Int J Environ Res Public Health 2019; 16:1543.. Sabe-se que a relação entre maior escolaridade e fecundidade tem um impacto duradouro na vida das mulheres, pois constitui-se em recurso de maior acesso à informação e conhecimento, além de ser veículo de mobilidade socioeconômica (e, consequentemente, autonomia) e modificador de atitudes que influenciam o comportamento contraceptivo, incluindo a escolha do método mais adequado à sua necessidade 3737. Frejka T. The fertility transition revisited: a cohort perspective. Comparative Population Studies 2017; 42:89-116.,3838. Rios Neto E, Miranda-Ribeiro A, Miranda-Ribeiro P. Fertility differentials by education in Brazil: from the conclusion of fertility to the onset of postponement transition. Popul Dev Rev 2018; 44:489-517.. Resultados semelhantes foram observados na América Latina e Caribe, onde os LARC são usados por menos de 10% das mulheres 1111. Ponce de Leon RG, Ewerling F, Serruya SJ, Silveira MF, Sanhueza A, Moazzam A, et al. Contraceptive use in Latin America and the Caribbean with a focus on long-acting reversible contraceptives: prevalence and inequalities in 23 countries. Lancet Glob Health 2019, 7:e227-35..

Acrescenta-se a esse cenário a menor disponibilidade do DIU no setor público nesses países, onde as mulheres com maior vulnerabilidade social usualmente acessam os contraceptivos 2424. Ruivo ACO, Facchini LA, Tomasi E, Wachs LS, Fassa AG. Disponibilidade de insumos para o planejamento reprodutivo nos três ciclos do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: 2012, 2014 e 2018. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00123220. - o que também foi observado em nosso estudo, visto que mulheres sem cadastro na UBS apresentaram menor prevalência e menor chance de usar LARC. Também foi observada menor prevalência desses métodos entre mulheres mais jovens e nulíparas, corroborando estudos prévios que mostraram que essas mulheres enfrentam maiores barreiras de acesso aos LARC 3939. Kavanaugh ML, Jerman J, Hubacher D, Kost K, Finerl LB. Characteristics of women in the United States who use long-acting reversible contraceptive methods. Obstet Gynecol 2011; 117:1349-57.,4040. Gibbs SE, Rocca CH, Bednarek P, Thompson KMJ, Darney PD, Harper CC. Long-acting reversible contraception counseling and use for older adolescents and nulliparous women. J Adolesc Health 2016; 59:703-9.. Assim, reforça-se a hipótese de acesso limitado a uma ampla gama de contraceptivos, principalmente nos serviços públicos de saúde e para essas mulheres.

Outro fator associado a maior chance de usar LARC foi a participação em grupos de planejamento reprodutivo, o que reflete a importância de conhecer as opções de métodos contraceptivos disponíveis para uma decisão livre e informada a respeito da melhor opção contraceptiva para cada mulher. A baixa prevalência de acesso a esses grupos reforça a baixa disponibilidade de aconselhamento - importante prática para garantia desses direitos, para além do acesso ao método contraceptivo.

Por conseguinte, destaca-se que a educação em saúde sexual e reprodutiva constitui-se como um dos pilares para a promoção do uso de contraceptivos, especialmente dos LARC e para o grupo de mulheres mais jovens, incluindo adolescentes 4141. Apter D. Contraception options: aspects unique to adolescent and young adult. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 2018; 48:115-27.. Também pode promover a autonomia para a escolha livre e informada do contraceptivo mais adequado à necessidade de cada mulher 4242. Secura GM, Madden T, McNicholas C, Mullersman J, Buckel CM, Zhao Q, et al. Provision of no-cost, long-acting contraception and teenage pregnancy. N Engl J Med 2014; 371:1316-23.. Nos Estados Unidos, por exemplo, algumas intervenções em larga escala foram eficazes na promoção do uso de LARC entre adolescentes e mulheres jovens, tal como reportado pelo Projeto CHOICE 4242. Secura GM, Madden T, McNicholas C, Mullersman J, Buckel CM, Zhao Q, et al. Provision of no-cost, long-acting contraception and teenage pregnancy. N Engl J Med 2014; 371:1316-23.. Também foram feitas intervenções em parcerias com escolas, como os centros de saúde de base escolar, onde são ofertados métodos contraceptivos, incluindo LARC 4343. Stein TB, Summit AK, St. Louis M, Gold M. Patient satisfaction with iud services in a school-based health center: a pilot study. J Pediatr Adolesc Gynecol 2020; 33:388-92..

Por fim, houve uma redução da prevalência de realização da laqueadura e um discreto aumento da vasectomia em relação a 2013, considerando-se mulheres de 18 a 49 anos. Ademais, observamos um perfil de maior vulnerabilidade social para mulheres que usaram esses métodos contraceptivos, o que pode estar relacionado à fecundidade alta em idades mais jovens, bem como a dificuldades de acessar outros contraceptivos mais eficazes 66. Perpétuo IHO, Wong LLR. Desigualdade socioeconômica na utilização de métodos anticoncepcionais no Brasil: uma análise comparativa com base nas PNDS 1996 e 2006. In: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Ministério da Saúde, organizadores. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série G. Estatística e Informação em Saúde). p. 87-101.,‍77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103. e com menos efeitos colaterais 4444. Cremer ML, Holland E, Monterroza M, Duran S, Singh R, Terbell H, et al. Exploring factors in the decision to choose sterilization vs alternatives in rural El Salvador. Medscape J Med 2008; 10:183.. Observamos ainda que, quanto maior a idade e paridade, associadas ao fato de viver com o companheiro, maior foi a chance desse tipo de contracepção quando comparado ao uso de SARC, o que pode ser explicado pelo atingimento da fecundidade desejada e pela necessidade de um método eficaz para evitar nova gestação 4444. Cremer ML, Holland E, Monterroza M, Duran S, Singh R, Terbell H, et al. Exploring factors in the decision to choose sterilization vs alternatives in rural El Salvador. Medscape J Med 2008; 10:183.. Estudo que avaliou o papel dos métodos permanentes em países de baixa e média renda mostrou que eles são responsáveis por uma alta proporção de demanda por planejamento familiar satisfeita, sendo observada maior prevalência em alguns subgrupos de mulheres mais vulneráveis 4545. Hellwig F, Ewerling F, Coll CVN, Barros AJD. The role of female permanent contraception in meeting the demand for family planning in low- and middle-income countries. Contraception 2022; 114:41-8., o que corrobora nossos achados.

Uma preocupação em relação às altas prevalências de métodos permanentes em mulheres com maior vulnerabilidade social refere-se ao quão bem informadas essas mulheres estão sobre a natureza permanente do método e sobre a disponibilidade de outros contraceptivos modernos, como os LARC, que têm eficácia semelhante a esses métodos 2929. Trussell J. Contraceptive failure in the United States. Contraception 2011; 83:397-404., evidenciando-se a necessidade de aconselhamento contraceptivo qualificado 4545. Hellwig F, Ewerling F, Coll CVN, Barros AJD. The role of female permanent contraception in meeting the demand for family planning in low- and middle-income countries. Contraception 2022; 114:41-8.. Nesse sentido, nossos resultados também mostraram que as mulheres mais escolarizadas, residentes nas regiões Sul e Sudeste, bem como as mulheres que participaram de grupos de planejamento reprodutivo, tiveram menor chance de usar métodos permanentes quando comparados aos SARC, o que pode indicar que essas mulheres têm mais acesso a e conhecimento sobre outras opções de contracepção.

Finalmente, destaca-se, como um dos nossos principais resultados sobre a associação de fatores sociodemográficos ao uso de LARC e métodos permanentes, que mulheres com melhores condições socioeconômicas têm maior chance de usar LARC e menor chance de usar métodos permanentes, o que evidencia a manutenção de importante desigualdade social no acesso a contracepção no país, conforme observado em estudos prévios, de caráter descritivo 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103.,‍88. Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualdades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 2:3493-504.,‍1111. Ponce de Leon RG, Ewerling F, Serruya SJ, Silveira MF, Sanhueza A, Moazzam A, et al. Contraceptive use in Latin America and the Caribbean with a focus on long-acting reversible contraceptives: prevalence and inequalities in 23 countries. Lancet Glob Health 2019, 7:e227-35.. Um dos principais fatores que pode ter contribuído para essa desigualdade foi a rapidez com que a transição da fecundidade ocorreu no país na ausência de programas de planejamento reprodutivo bem estruturados, em um contexto de ilegalidade na provisão da laqueadura e de uso indiscriminado da pílula 77. Cavenaghi S, Alves JED. The everlasting outmoded contraceptive method mix in Brazil and its legacy. Rev Bras Estud Popul 2019; 36:e0103..

Apesar dos avanços das políticas nesse âmbito a partir da década de 1980, nos últimos anos temos observado cortes no orçamento da saúde 1818. Rossi P, Dweck E. Impactos do novo regime fiscal na saúde e educação. Cad Saúde Pública 2016; 32:e00194316., bem como a extinção de algumas políticas públicas de saúde da mulher 4646. Gonçalves R, Abreu S. Do plano nacional de políticas para as mulheres ao "machistério" de Temer. Revista de Políticas Públicas 2019; 22:753-71. - além da pandemia de COVID-19, que tanto piorou a desigualdade social como limitou o acesso aos serviços de planejamento reprodutivo no país 2525. Ponce de Leon R, Bahamondes MV, Hellwig F, Barros A, Bahamondes L, Federico T, et al. Potential of LARC to recover loss in satisfied demand for modern contraception after the COVID-19 pandemic: a case scenario analysis of Brazil and Mexico. Rev Panam Salud Pública 2022; 46:e41., o que pode comprometer os avanços alcançados até o momento. Soma-se a isso a onda de conservadorismo no país 4747. Lionco T, Alves ACO, Mattiello F, Freire AM. Ideologia de gênero: estratégia argumentativa que forja cientificidade para o fundamentalismo religioso. Rev Psicol Polít 2018; 18:599-621., que tem contribuído para retrocessos como a não assinatura do documento da Organização Mundial da Saúde (OMS) que firma compromissos acerca da saúde sexual e reprodutiva das populações junto aos demais países 1919. Family Planning 2020. The family planning summit for safer, healthier and empowered futures. Summary of commitments. https://fp2030.org/sites/default/files/FP2020_Summit_Outcome_Document_V10_Clean.pdf (acessado em 29/Nov/2022).
https://fp2030.org/sites/default/files/F...
, e a campanha sobre prevenção da gravidez na adolescência, que prioriza a abstinência sexual em detrimento da promoção do uso de contraceptivos 4848. The Lancet. Preventing teenage pregnancies in Brazil. Lancet 2020; 395:468..

Limitações

Algumas questões relacionadas ao questionário da PNS precisam ser corrigidas para permitir melhor monitoramento desses indicadores no país. O uso atual de contraceptivos não está bem definido na pergunta correspondente, que vem depois de outra sobre atividade sexual nos últimos 12 meses; pode-se inferir que este seja o período de referência. A laqueadura e a vasectomia não foram incluídas como métodos contraceptivos, e sim como motivos para não se evitar uma gestação, o que pode levar a uma subestimação do uso desses métodos. Além disso, o inquérito excluiu questões sobre aborto e idade da primeira gestação e não incluiu questões sobre o desejo de engravidar, um dos determinantes do uso de contraceptivos. Por outro lado, o inquérito de 2019 avança em relação ao de 2013 ao incluir mulheres a partir de 15 anos e ao considerar o método mais eficaz usado pela mulher - apesar de agrupar o implante em uma categoria de métodos de curta duração, o que foi corrigido neste estudo.

Conclusão

Nossos achados mostraram que o mix contraceptivo no país se mantém obsoleto, com alta prevalência de SARC, principalmente entre mulheres mais jovens e nulíparas. Também evidenciou os fatores associados ao tipo de contraceptivo usado pelas mulheres brasileiras, demonstrando que estes se associam de forma diferente em relação ao uso de LARC e métodos permanentes.

Ressalta-se a importância do monitoramento dos indicadores de contracepção no país, visto que constituem ferramenta de avaliação e implementação de políticas públicas de planejamento reprodutivo. Mesmo com uma alta cobertura de uso de contracepção, a desigualdade persiste evidenciando a necessidade de ampliação do acesso a métodos mais eficazes, principalmente nos serviços públicos de saúde e para mulheres mais jovens e com maior vulnerabilidade social, de maneira a tornar possível a meta da Agenda 2030 de “não deixar ninguém para trás”.

Por fim, nossos achados apontam para a necessidade de um aconselhamento contraceptivo qualificado para que as mulheres possam fazer uma escolha livre e informada do contraceptivo mais adequado a sua necessidade, respeitando-se, assim, os direitos sexuais e reprodutivos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2022
  • Revisado
    16 Maio 2023
  • Aceito
    02 Jun 2023
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