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Impacto de múltiplas biópsias em dois pontos distintos da superfície pleural no diagnóstico de tuberculose

Impact of multiple biopsies in two different sites of the pleural surface for the diagnosis of tuberculosis

Resumos

Com o objetivo de avaliar se a retirada de maior número de fragmentos pleurais em um único sítio (A), bem como se a biópsia em um segundo sítio (B) da sua superfície, através do mesmo orifício cutâneo, acrescenta em rendimento diagnóstico aos três fragmentos habitualmente retirados, conduzimos um estudo prospectivo no Hospital Octávio Mangabeira, envolvendo 115 pacientes com indicação de biópsia pleural. Os fragmentos pleurais foram colocados em três frascos distintos: FRA1-3 = 3 primeiros fragmentos, FRA4-8 = 5 fragmentos subseqüentes e FRB1-5 = 5 fragmentos em segundo sítio da superfície pleural. Era retirada a agulha até o subcutâneo, feitas inclinação lateral e reintrodução no espaço pleural. A análise dos fragmentos provindos do FRA1-3 evidenciou granuloma em 72/92 casos de tuberculose (78,3%) e no FRA4-8 e FRB1-5, em 74/92 casos (80,5%). Em 6/92 pacientes foram encontrados pleurite inespecífica no FRA1-3 e granuloma no FRA4-8, resultando em acréscimo diagnóstico de 8,3% (6 aos 72 pacientes). Em 7/92 pacientes (7,6%) a HP foi inespecífica no sítio A e mostrou granuloma no sítio B, resultando em acréscimo diagnóstico de 9,0% (7 aos 78 pacientes). A concordância histológica intra-observador teve um índice kappa de 0,62 (0,54 a 0,70) e interobservador de 0,64 (0,56 a 0,72). Concluímos que a realização de múltiplas biópsias em dois sítios diferentes da superfície pleural diagnosticou 13 pacientes que não obteriam diagnóstico definitivo se fossem retirados apenas três fragmentos pleurais, resultando em incremento diagnóstico de 18,0% (13 aos 72 diagnosticados no FRA1-3), sendo considerado significativo do ponto de vista médico e social.

Tuberculose; Tuberculose; Tuberculose


For diagnostic purposes of pleural tuberculosis, three pleural fragments are routinely obtained from a single site by needle biopsy. The objective of this study is to compare the diagnostic yield of the routine procedure with two different approaches: harvesting five fragments on a single site (A), and collection of fragments at an additional site (B); from the same cutaneous orifice, the needle was partially removed up to the subcutaneous tissue and redirected at a 45º angle. The authors performed a prospective study in 115 patients submitted to pleural biopsy. The first three pleural fragments were placed in a vial (VA1-3), the 5 subsequent fragments obtained at the same site were placed in a second vial (VA4-8), and the five fragments from the second site were placed in a third vial (VB1-5). Analysis of fragments from VA1-3 revealed granuloma in 72/92 tuberculosis cases (78.3%), whereas in fragments VA5-8 and VB1-5, granuloma was observed in 74/92 cases (80.5%). In 6/92 patients the diagnosis at VA1-3 was non-specific pleuritis, but granuloma was found in VA4-8, resulting in a diagnosis increment of 8.3% (adding six to the 72 patients). In 7/92 patients (7.6%) the histopathological examination at site A led to a non-specific result but granuloma was found at site B, leading to a diagnostic increment of 9.0% (7 to 78 patients). Histological concordance of two examinations by the same pathologist had a kappa index of 0.62 (0.54 to 0.7) whereas concordance between two different pathologists had a kappa index of 0.64 (0.56 to 0.72). The performance of multiple biopsies at two different sites at the pleural surface led to an additional diagnosis of 13 patients, i.e., an increase of 18% (13 to 72) relative to the routine procedure. Considering the low cost increase of obtaining the fragments, adoption of this method is recommended in routine pleural tuberculosis diagnosis.

Tuberculosis; Tuberculosis; Tuberculosis


ARTIGO ORIGINAL

Impacto de múltiplas biópsias em dois pontos distintos da superfície pleural no diagnóstico de tuberculose* * Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz.

MARCELO CHALHOUB1 * Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz. , RONALD FIDELIS2 * Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz. , ANA PAULA BARRETO2 * Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz. , EDUARDO RAMOS3 * Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz. , MANOEL BARRAL-NETTO3 * Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz. , ARYON ALMEIDA BARBOSA JR.3 * Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz.

Com o objetivo de avaliar se a retirada de maior número de fragmentos pleurais em um único sítio (A), bem como se a biópsia em um segundo sítio (B) da sua superfície, através do mesmo orifício cutâneo, acrescenta em rendimento diagnóstico aos três fragmentos habitualmente retirados, conduzimos um estudo prospectivo no Hospital Octávio Mangabeira, envolvendo 115 pacientes com indicação de biópsia pleural. Os fragmentos pleurais foram colocados em três frascos distintos: FRA1-3 = 3 primeiros fragmentos, FRA4-8 = 5 fragmentos subseqüentes e FRB1-5 = 5 fragmentos em segundo sítio da superfície pleural. Era retirada a agulha até o subcutâneo, feitas inclinação lateral e reintrodução no espaço pleural. A análise dos fragmentos provindos do FRA1-3 evidenciou granuloma em 72/92 casos de tuberculose (78,3%) e no FRA4-8 e FRB1-5, em 74/92 casos (80,5%). Em 6/92 pacientes foram encontrados pleurite inespecífica no FRA1-3 e granuloma no FRA4-8, resultando em acréscimo diagnóstico de 8,3% (6 aos 72 pacientes). Em 7/92 pacientes (7,6%) a HP foi inespecífica no sítio A e mostrou granuloma no sítio B, resultando em acréscimo diagnóstico de 9,0% (7 aos 78 pacientes). A concordância histológica intra-observador teve um índice kappa de 0,62 (0,54 a 0,70) e interobservador de 0,64 (0,56 a 0,72). Concluímos que a realização de múltiplas biópsias em dois sítios diferentes da superfície pleural diagnosticou 13 pacientes que não obteriam diagnóstico definitivo se fossem retirados apenas três fragmentos pleurais, resultando em incremento diagnóstico de 18,0% (13 aos 72 diagnosticados no FRA1-3), sendo considerado significativo do ponto de vista médico e social.

Impact of multiple biopsies in two different sites of the pleural surface for the diagnosis of tuberculosis

For diagnostic purposes of pleural tuberculosis, three pleural fragments are routinely obtained from a single site by needle biopsy. The objective of this study is to compare the diagnostic yield of the routine procedure with two different approaches: harvesting five fragments on a single site (A), and collection of fragments at an additional site (B); from the same cutaneous orifice, the needle was partially removed up to the subcutaneous tissue and redirected at a 45o angle. The authors performed a prospective study in 115 patients submitted to pleural biopsy. The first three pleural fragments were placed in a vial (VA1-3), the 5 subsequent fragments obtained at the same site were placed in a second vial (VA4-8), and the five fragments from the second site were placed in a third vial (VB1-5). Analysis of fragments from VA1-3 revealed granuloma in 72/92 tuberculosis cases (78.3%), whereas in fragments VA5-8 and VB1-5, granuloma was observed in 74/92 cases (80.5%). In 6/92 patients the diagnosis at VA1-3 was non-specific pleuritis, but granuloma was found in VA4-8, resulting in a diagnosis increment of 8.3% (adding six to the 72 patients). In 7/92 patients (7.6%) the histopathological examination at site A led to a non-specific result but granuloma was found at site B, leading to a diagnostic increment of 9.0% (7 to 78 patients). Histological concordance of two examinations by the same pathologist had a kappa index of 0.62 (0.54 to 0.7) whereas concordance between two different pathologists had a kappa index of 0.64 (0.56 to 0.72). The performance of multiple biopsies at two different sites at the pleural surface led to an additional diagnosis of 13 patients, i.e., an increase of 18% (13 to 72) relative to the routine procedure. Considering the low cost increase of obtaining the fragments, adoption of this method is recommended in routine pleural tuberculosis diagnosis.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

BPA ¾ Biópsia por agulha

TB ¾ Tuberculose

NEO ¾ Neoplasia

DP ¾ Derrame pleural

HP ¾ Histopatologia

PGN ¾ Pleurite granulomatosa com necrose caseosa

PG ¾ Pleurite granulomatosa sem necrose caseosa

INESP ¾ Pleurite inespecífica/fibrose

MI ¾ Material inadequado

CH ¾ Concordância histológica

CD - Concordância diagnóstica

DD ¾ Discordância diagnóstica

ADA ¾ Adenosina desaminase

Descritores ¾ Tuberculose, tuberculose pleural, biópsia, diagnóstico.
Key words ¾ Tuberculosis, pleural tuberculosis, biopsy, diagnosis.

INTRODUÇÃO

A obtenção de fragmento de tecido pleural através de biópsia por agulha (BPA) foi um grande avanço na investigação diagnóstica das doenças pleurais, pois limitou a abordagem cirúrgica aos pacientes sem diagnóstico. As duas condições principais que podem ser diagnosticadas através deste método são a tuberculose (TB) e a neoplasia (NEO), metastática ou primária, de pleura(1,2). A BPA é considerada, por muitos autores(3-8), o melhor método de investigação diagnóstica na pleurite tuberculosa, pois o achado de granuloma variou de 40% a 90% destes pacientes. Se a primeira BPA resultou no diagnóstico histopatológico inespecífico, uma segunda encontrará granulomas em 10 a 50% dos casos(5-7,9). Uma segunda BPA, no entanto, acarreta custos adicionais e nova intervenção com o paciente.

Mungall e col.(10) demonstraram que 50% dos pacientes com TB e NEO confirmadas pelo exame histopatológico dos fragmentos pleurais apresentavam granuloma ou células neoplásicas em menos da metade dos fragmentos biopsiados. Apesar da não padronização do número de fragmentos retirados (variou de 2 a 10 fragmentos), estes autores sugeriram que múltiplas biópsias deveriam ser realizadas, principalmente devido à distribuição não homogênea das lesões. Estratégias para redução de custos e para aumentar o rendimento diagnóstico são desejáveis, especialmente nos países em desenvolvimento, com alta prevalência de tuberculose e limitada assistência médica terciária.

O objetivo do atual estudo é avaliar se a retirada de maior número de fragmentos pleurais em um único sítio, bem como se a biópsia em um segundo sítio da sua superfície, através do mesmo orifício cutâneo, acrescenta em rendimento diagnóstico à recomendação da maioria dos autores de retirada de apenas dois ou três fragmentos pleurais(11,12), em uma população com alta prevalência de TB.

PACIENTES, MATERIAIS E MÉTODOS

Foram estudados prospectivamente 115 pacientes consecutivos, com evidência clínico-radiográfica de derrame pleural e com indicação de BPA, provindos do ambulatório de derrame pleural (DP) do Hospital Octávio Mangabeira (HOM), referência em doenças respiratórias no Estado da Bahia. A BPA foi realizada com a agulha de Cope, porém com pequenas alterações na técnica, descrita a seguir: Após anestesia tópica com lidocaína a 1%, o conjunto da agulha de Cope era introduzido com inclinação de 45º até a espaço pleural (sítio A). Retirados neste sítio oito fragmentos de acordo com técnica padronizada(1). A seguir a agulha era retirada até o subcutâneo e reintroduzida com a mesma inclinação para o lado oposto, até atingir de novo a pleura parietal, sendo retirados similarmente mais cinco fragmentos pleurais (sítio B). Consegue-se, assim, a biópsia em dois sítios da superfície pleural, com distância entre elas de 1 a 1,5cm, através do mesmo orifício cutâneo e sob a mesma anestesia. Os primeiros três fragmentos do 1o sítio foram colocados em um frasco e designados FRA1-3 (fragmentos 1, 2 e 3), os cinco fragmentos subseqüentes FRA4-8 (fragmentos 4, 5, 6, 7 e 8) e os cinco fragmentos retirados do 2o sítio FRB1-5 (fragmentos 1, 2, 3, 4 e 5 do sítio B). Todas as BPA foram realizadas pelo mesmo médico.

Os fragmentos dos diferentes frascos foram fixados em formol, incluídos em diferentes blocos de parafina, cortados com 5mm de espessura e corados pela hematoxilina e eosina. Foi feita uma lâmina, com três a cinco níveis de corte seqüenciais, representando os fragmentos de cada frasco, no total de três lâminas por paciente. Estas lâminas foram avaliadas por um primeiro patologista, com emissão de laudo histopatológico (HP) rotineiro. Posteriormente, o mesmo patologista revisou 257 das 345 (74,5%) lâminas disponíveis, agora codificadas. Um segundo patologista analisou 241 destas 257 (93,8%) lâminas e reviu 32 casos discordantes, também de maneira cega. Os laudos foram emitidos de acordo com os seguintes diagnósticos, previamente padronizados: a) pleurite granulomatosa com necrose caseosa (PGN); b) pleurite granulomatosa sem necrose caseosa (PG); c) pleurite crônica inespecífica com ou sem fibrose (INESP); d) neoplasia (NEO); e) material inadequado (MI).

Foram analisados os diagnósticos nos três frascos separadamente, avaliando-se a melhor precisão diagnóstica. A seguir avaliaram-se o acréscimo diagnóstico da retirada de mais fragmentos no mesmo local, o acréscimo diagnóstico da biópsia no segundo sítio em relação aos anteriores, e a variação intra e interobservador nos laudos HP obtidos. As definições foram categorizadas como: concordância histológica (CH) = mesmo laudo histopatológico; concordância diagnóstica (CD) = acrescenta à CH os pacientes que diferiram apenas quanto à presença ou não de necrose caseosa; discordância diagnóstica (DD) = laudos diferentes com implicação clínica diferente (PG ou PGN x INESP; NEO x INESP). Os critérios diagnósticos utilizados são mostrados na Tabela 1.

A definição de incremento diagnóstico é mostrada na fórmula a seguir:

Foi feita análise descritiva dos dados e calculado o índice de correlação kappa para quantificar as variações intra e interobservador. A análise da variação interobservador foi feita entre a segunda observação do primeiro patologista (análise cega) e a 1a análise do segundo patologista.

Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética do HOM e obtido consentimento pós-informação de todos os pacientes.

RESULTADOS

Nos 115 pacientes incluídos neste estudo, a idade variou de 14 a 90 anos, com mediana de 35 anos. Destes, 68,7% eram do sexo masculino. Todos os pacientes foram biopsiados, sendo que 79,8% (91/114) apresentavam líquido à toracocentese e em 20,2% (23/114) a BPA foi realizada na ausência de líquido. Estes pacientes obtiveram os seguintes diagnósticos: a) TB ¾ n = 92, b) NEO ¾ n = 3, c) miscelânea ¾ n = 20 (15 indeterminados, 3 transudatos, 1 derrame parapneumônico e 1 derrame em pós-operatório).

A análise das lâminas provindas do FRA1-3 levou ao diagnóstico em 78,3% dos casos de TB (72/92). Na análise, em separado, do FRA4-8 e do FRB1-5, o diagnóstico de TB foi obtido em 74/92 casos (80,5%) em ambos os frascos, não havendo diferença de rendimento diagnóstico entre os três frascos. Apenas em 4,3% dos pacientes (5/115) os fragmentos foram considerados inadequados para o diagnóstico nos três frascos (três biópsias a seco, um transudato e um paciente com pleuroscopia normal). Os resultados da HP nos diferentes frascos fornecidos pelo primeiro patologista são mostrados na Tabela 2.

Em seis pacientes foi diagnosticada pleurite inespecífica no FRA1-3 e granuloma no FRA4-8, resultando em acréscimo diagnóstico de 8,3% (6 aos 72 pacientes) em relação ao FRA1-3. Sendo assim, foi diagnosticada TB em 84,8% dos casos (78/92) com a obtenção e análise de mais fragmentos pleurais a partir do mesmo sítio. De maneira semelhante, em quatro pacientes foi encontrado granuloma no FRA1-3 e pleurite inespecífica no FRA4-8, resultando em acréscimo diagnóstico de 5,4% (4 aos 74 pacientes) em relação ao FRA4-8, se fossem realizadas as BPA na seqüência inversa.

Em 9/92 pacientes (9,8%) foi encontrado granuloma nos fragmentos obtidos do sítio A, FRA1-3 ou FRA4-8, e pleurite inespecífica no sítio B. Do mesmo modo, em 7/92 pacientes (7,6%) a HP foi inespecífica no sítio A e mostrou granuloma no sítio B. Ou seja, a BPA em um segundo sítio (B) resultou em acréscimo diagnóstico de 9,0% quando comparado com o número de diagnósticos do FRA1-3 + FRA4-8 (7 aos 78 pacientes). De maneira semelhante, o sítio A acrescentou positividade para granuloma em 12,2% dos casos diagnosticados no sítio B (9 aos 74 casos do FRB1-5). Em apenas dois pacientes o diagnóstico foi obtido exclusivamente no FRA4-8.

Analisando-se na seqüência em que as BPA foram feitas, observa-se que com múltiplas biópsias em dois sítios diferentes da superfície pleural foi possível diagnosticar 13 pacientes que não obteriam diagnóstico definitivo caso fossem retirados apenas três fragmentos pleurais. Então múltiplas biópsias acrescentaram 18,0% (13 aos 72 diagnosticados no FRA1-3) em rendimento diagnóstico na tuberculose pleural (Figura 1). O rendimento total da BPA foi de 92,5% (85/92) para presença de granuloma na pleura, quando analisadas as lâminas dos três frascos conjuntamente.


Reavaliados os laudos da histopatologia de 257 lâminas de 90 pacientes pelo primeiro patologista, houve concordância histológica (CH) intra-observador em 191 destas lâminas (99 PGN, 35 PG, 41 INESP e 2 MI). O índice kappa foi de 0,62 (0,54 a 0,70). Em 29 casos adicionais de pleurite granulomatosa houve discordância apenas na presença ou não de necrose caseosa, resultando em concordância diagnóstica (CD) de 85,6% (191 + 29 = 220/257). Desta análise se concluiu que houve discordância diagnóstica (DD) em 28 das 257 lâminas (10,9%) analisadas pelo mesmo patologista em momentos diferentes.

Quando a análise foi feita por dois patologistas diferentes, os diagnósticos foram concordantes em 188/241 destas lâminas (118 PGN, 20 PG, 43 INESP e 7 MI). O índice kappa foi de 0,64 (0,56 a 0,72). A CD foi de 90% (217/241 lâminas) e a DD foi de 6,6% (16/241 lâminas). O segundo patologista reviu 32 lâminas que foram discordantes entre os dois patologistas. A CH intra-observador foi de 14/32 lâminas, a CD foi de 21/32 lâminas e a DD foi de 11/32 lâminas. O índice kappa foi de 0,22 (0,04 a 0,47). Apenas em um paciente foi diagnosticada neoplasia nessa série.

Nenhum paciente necessitou de cuidados adicionais devido a complicações do procedimento, mesmo nos pacientes em que as biópsias foram realizadas na ausência de líquido.

DISCUSSÃO

Apesar da BPA ter sido descrita em 1955(13), o número ideal de fragmentos pleurais necessários para o diagnóstico e o número de sítios a serem biopsiados têm sido pouco estudados de maneira controlada. No presente estudo, foram retirados oito fragmentos do 1o sítio designado como A, divididos em dois frascos ¾ FRA1-3 e FRA4-8¾ com três e cinco fragmentos, respectivamente. Quando mais fragmentos foram retirados de um só local, houve acréscimo de 8,3% no diagnóstico de TB. Todos os procedimentos foram realizados por um único médico, com técnica padronizada, ou seja, a retirada de fragmentos era feita de maneira sistemática com o lado cortante da agulha nas posições de oito horas, seis horas e quatro horas para o FRA1-3 e também nesta faixa (oito a quatro horas) para o FRA4-8. Considerando que o exame se prolonga apenas em aproximadamente cinco minutos, sem riscos adicionais para o paciente, a retirada de maior número de fragmentos é recomendável.

Kirsch e col.(14), em um estudo retrospectivo, estudando espécimes de BPA de 30 pacientes com TB, sugeriram que maior rendimento poderia ser obtido quando se retiravam mais que seis fragmentos. Neste mesmo estudo foi evidenciado também que a obtenção de mais de dois fragmentos contendo tecido pleural era necessária para este melhor rendimento.

Em nosso estudo, com a realização da BPA em um segundo sítio pleural, obtivemos um aumento do rendimento diagnóstico de 8,9% a 12,2% na TB pleural, dependendo da ordem da realização da BPA. Isto significou que de sete a nove pacientes não obteriam um diagnóstico definitivo se esta técnica não fosse alterada, e necessitariam retornar para outro procedimento, com gastos adicionais de tempo e recursos, tanto para a instituição quanto para o próprio paciente, além de retardar o início do tratamento.

Tomlinson e col.(15) estudaram prospectivamente oito pacientes com TB em que foram retirados mais de quatro fragmentos em dois sítios distintos da superfície pleural, com distância superior a 5cm entre eles. A HP foi positiva em 7/8 pacientes (87,5%) com TB no 1o sítio e em 6/8 (75%) pacientes no 2o sítio. Os autores concluíram que a realização da BPA em sítios diferentes seria de pouco valor diagnóstico. No entanto, como a escolha do sítio é ao acaso, se a BPA fosse feita primeiramente no designado "2o sítio", que obteve rendimento diagnóstico de 75%, haveria um ganho no diagnóstico de 16,7% (1 aos 6 pacientes) da BPA na TB pleural. O pequeno número de pacientes avaliados neste estudo dificulta uma melhor análise e comparação com os nossos resultados. Acrescenta-se a isso o fato da BPA ter sido realizada em dois locais distantes, necessitando duas anestesias diferentes, causando maior incômodo aos pacientes.

No nosso estudo, ao realizar a anestesia na pele e subcutâneo, a agulha era direcionada a 45º primeiramente em direção à coluna (sítio A), pois, além da anestesia local, obtinha-se um bloqueio pelo menos parcial do nervo intercostal, tornando a anestesia do 2o sítio (B) menos incômoda. O fato de geralmente o acometimento pleural na TB ser difuso, com granulomas e áreas de inflamação crônica e/ou fibrose por toda a pleura, mesmo com os dois sítios mais próximos, é suficiente para detectarmos uma lesão com maior especificidade.

Chamamos a atenção para o fato de que dos seis pacientes com granulomas nas amostras do FRA4-8 e pleurite inespecífica nos fragmentos do FRA1-3, quatro foram diagnosticados também no FRB1-5. Então, mais importante do que retirar mais fragmentos de um mesmo local, é realizar as biópsias em um segundo local. Com essa conduta obtivemos um ganho diagnóstico de 18,0%, quando comparada com a retirada habitual de apenas três fragmentos pleurais. Disso sugerimos que a retirada de cinco fragmentos em cada sítio é o melhor procedimento para o diagnóstico de tuberculose.

Um possível viés do atual trabalho é a diferença de empenho do médico que realizou as biópsias em conseguir fragmentos pleurais semelhantes para os três frascos, pois obviamente não pode ser feito de maneira cega. Como o rendimento diagnóstico individual nos três frascos foi semelhante e, visto que o incremento diagnóstico do FRA4-8 em relação ao FRA1-3 foi semelhante ao FRA1-3 em relação ao FRA4-8, bem como a relação entre os dois diferentes sítios, é pouco provável que tenha havido uma tendenciosidade na realização da BPA.

A dosagem da ADA no líquido pleural tem mostrado grande utilidade no diagnóstico diferencial entre derrames tuberculosos e não tuberculosos(16-19). Apesar de pequenas variações no limiar que distingue estes grupos de patologias, é aceito que valores superiores a 60U/l são fortemente sugestivos de pleurite tuberculosa, e valores inferiores a 40U/l tornam este diagnóstico pouco provável. Como existem pelo menos 6 a 8% de falsos-positivos e falsos-negativos com este exame, foi sugerido que este teste fosse analisado conjuntamente com a HP e não como seu substituto(20), particularmente em pacientes acima de 40 anos (aumento do risco para neoplasias), presença de doenças hematológicas, artrite reumatóide, ou em imunossuprimidos. Na série atual, os 18 pacientes com TB, nos quais foi realizada a dosagem de ADA no líquido pleural, tinham idade superior a 40 anos. Destes, 14 apresentaram dosagem de ADA superior a 60U/l e quatro (22,2%) tiveram dosagem de ADA entre 40 e 60U/l, situando-se nesta faixa de transição em que o diagnóstico de tuberculose pode ser questionado.

Não foi possível rever todas as lâminas neste estudo, pois houve extravio do material. No entanto, não acreditamos que esse fato tenha interferido nos resultados, pois não houve seleção prévia das lâminas. A discordância diagnóstica (presença x ausência de granuloma) intra-observador foi de 10,9% (28/257 lâminas) e interobservador foi de 6,6% (16/241 lâminas). Isso pode ser explicado, em parte, devido à 1a análise do patologista ser em ritmo rotineiro, de maneira não cega, com influência da análise das outras lâminas do mesmo paciente, e também pela não definição prévia dos achados mínimos para o diagnóstico de granuloma. Embora a definição de granuloma bem formado seja precisa, seu arranjo estrutural e composição celular podem sofrer variações. Também o nível de corte no tecido pode ser na periferia do granuloma, dificultando por vezes sua identificação. Embora estas dificuldades sejam mais conhecidas nas doenças neoplásicas, mostramos que este problema pode ser extensivo à tuberculose. Um estudo desenhado, com o objetivo específico de esclarecer qual o principal responsável por estas variações na identificação de granulomas, já está sendo iniciado.

A presença de granuloma alerta o patologista para a especificidade do processo inflamatório crônico, devendo todos os esforços serem feitos no sentido da evidenciação de patógenos, usando métodos de coloração especiais e imuno-histoquímica. Barbosa e col.(21) realizaram coloração para fungos (Grocott) em 237 lâminas com granulomas, provindas de pacientes imunocompetentes do mesmo hospital em que este trabalho foi realizado. Em 81 (34,2%) não havia necrose caseosa. Em todos, a pesquisa de fungos foi negativa. O comprometimento pleural é observado em 1 a 2% dos casos de sarcoidose(22), geralmente está associado a doença pulmonar extensa e freqüentemente doença extrapulmonar, o que facilita o seu diagnóstico. No nosso estudo não foi observado nenhum caso de doença fúngica ou sarcoidose.

Do ponto de vista prático, apesar de opiniões discordantes, aceitamos o achado de granuloma na pleura como diagnóstico de TB, na ausência de imunossupressão ou doença pulmonar sugestiva de sarcoidose, principalmente em áreas com alta prevalência de TB. Sendo assim, a presença de necrose caseosa nos granulomas pleurais torna-se destituída de maior valor clínico, ao contrário do que ocorre no pulmão, em gânglios ou outros órgãos, onde várias doenças têm que necessariamente ser consideradas e investigadas.

Embora o Hospital Octávio Mangabeira seja referência em doenças respiratórias, particularmente tuberculose, no Estado da Bahia, a prevalência do derrame pleural tuberculoso é maior do que a esperada. Em estudo prévio de 221 pacientes consecutivos, a prevalência de tuberculose foi de aproximadamente 70%(19). Isso pode ser explicado pela inclusão de apenas pacientes ambulatoriais no atual estudo, ao contrário do primeiro, em que pacientes internados foram incluídos. Os pacientes com suspeita de derrame pleural neoplásico geralmente têm quadro clínico mais grave e não são encaminhados ao ambulatório de doenças pleurais. Eles são encaminhados para internamento, não fazendo parte deste estudo. Também a otimização da biópsia pleural, reduzindo o número de pacientes com procedimentos não conclusivos, certamente contribuiu para a elevação da prevalência da tuberculose.

Capelozzi e col.(23), estudando pleurites inespecíficas por morfometria, demonstraram que a presença de fibrina incorporada no tecido de granulação do compartimento submesotelial pleural tem uma especificidade de 100% para o diagnóstico de tuberculose. Esse estudo é interessante, pois otimiza o rendimento da HP, não se restringindo ao achado de granuloma para o diagnóstico de TB. Aspectos sobre sua reprodutibilidade em outros centros, com diferentes populações, e se esta técnica dispensará a obtenção de um número maior de fragmentos pleurais, permanecem ainda sem resposta.

Concluímos que múltiplas biópsias realizadas em dois sítios diferentes da superfície pleural, através de um mesmo orifício cutâneo, aumentaram o diagnóstico de pleurite tuberculosa em 18,0%, se comparada com a retirada de apenas três fragmentos, sendo considerado significativo do ponto de vista médico e social, principalmente em países com grande prevalência de TB.

1. Médico do Hospital Octávio Mangabeira; Doutorando de Medicina Interna ¾ UFBA.

2. Estudante de Medicina ¾ UFBA.

3. Pesquisador Titular do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz ¾ Fiocruz-BA.

Endereço para correspondência ¾ Dr. Marcelo Chalhoub, Rua Carlos Maron, 185/204 ¾ Candeal ¾ 40280-650 ¾ Salvador, BA. Tel. (71) 358-1213; E-mail: marceloc@e-net.com.br

Recebido para publicação em 9/7/99. Reapresentado em 27/12/99. Aprovado, após revisão, em 4/2/00.

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    Trabalho realizado no Hospital Octávio Mangabeira da UFBA com apoio financeiro da Capes e Fiocruz.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2000

    Histórico

    • Revisado
      27 Dez 1999
    • Recebido
      09 Jul 1999
    • Aceito
      04 Fev 2000
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