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Atresia brônquica congênita: relato de dois casos. Contribuição da tomografia computadorizada ao diagnóstico

Congenital bronchial atresia: report of two cases. Contribution of CT scan to diagnosis

Resumos

Atresia brônquica congênita é uma anomalia rara, caracterizada pela presença de broncocele com hiperinsuflação distal. Relatam-se dois casos dessa anomalia e descrevem-se os achados clínicos e radiológicos que suportam o seu diagnóstico sem a necessidade de uso de métodos invasivos ou cirúrgicos.

atresia pulmonar; brônquios; tomografia computadorizada por raios X


Bronchial atresia is a rare, congenital anomaly characterized by the presence of bronchocele with distal hyperinflation. The authors report two cases of segmental bronchial atresia and describe the clinical and roentgenographic findings supporting the diagnosis in the absence of other invasive diagnostic modalities or surgical exploration.

pulmonary atresia; bronchi; X-ray computed tomography


RELATO DE CASO

Atresia brônquica congênita: relato de dois casos. Contribuição da tomografia computadorizada ao diagnóstico* * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina ¾ Universidade Federal de São Paulo.

ALECSANDRA CALIL MOYSES FAURE1 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina ¾ Universidade Federal de São Paulo. , ANA PAULA ANDRADE BARRETO2 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina ¾ Universidade Federal de São Paulo. , CARLOS ALBERTO DE CASTRO PEREIRA3 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina ¾ Universidade Federal de São Paulo. , CLYSTENES ODYR SOARES SILVA4 * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina ¾ Universidade Federal de São Paulo.

Atresia brônquica congênita é uma anomalia rara, caracterizada pela presença de broncocele com hiperinsuflação distal. Relatam-se dois casos dessa anomalia e descrevem-se os achados clínicos e radiológicos que suportam o seu diagnóstico sem a necessidade de uso de métodos invasivos ou cirúrgicos.

Congenital bronchial atresia: report of two cases. Contribution of CT scan to diagnosis

Bronchial atresia is a rare, congenital anomaly characterized by the presence of bronchocele with distal hyperinflation. The authors report two cases of segmental bronchial atresia and describe the clinical and roentgenographic findings supporting the diagnosis in the absence of other invasive diagnostic modalities or surgical exploration.

Descritores ¾ atresia pulmonar; brônquios; tomografia computadorizada por raios X

Key words ¾ pulmonary atresia; bronchi; X-ray computed tomography

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
TC ¾ Tomografia computadorizada
LSD ¾ Lobo superior direito
LSE ¾ Lobo superior esquerdo
LID ¾ Lobo inferior direito
LIE ¾ Lobo inferior esquerdo
LM ¾ Lobo médio

INTRODUÇÃO

Atresia brônquica congênita é uma anomalia rara, caracterizada pela presença de broncocele com hiperinsuflação distal. É a segunda malformação traqueobrônquica mais freqüente, sendo que sua real incidência é desconhecida, porque muitos pacientes são assintomáticos. No passado, o diagnóstico de atresia brônquica congênita requeria toracotomia, mas atualmente os achados clínicos e radiológicos suportam o seu diagnóstico.

CASOS CLÍNICOS

Caso 1 ¾ Paciente masculino de 24 anos de idade, encaminhado ao nosso serviço para avaliar nódulo pulmonar em LIE, descoberto em radiografia de tórax realizada para fins admissionais. Negava queixas respiratórias e referia antecedente de asma na infância. O exame físico era normal. A radiografia do tórax mostrava uma opacidade arredondada medindo cerca de 0,7mm, de limites pouco nítidos, localizada em terço inferior do hemitórax esquerdo (Figura 1). Foi solicitada uma tomografia computadorizada de tórax com o objetivo de esclarecer a imagem radiológica. O exame mostrou uma opacidade nodular associada à hiperinsuflação distal (Figura 2). O paciente recebeu esclarecimento sobre a sua doença e foi orientado a retornar ao serviço médico caso iniciasse qualquer sintoma respiratório.



Caso 2 ¾ Paciente masculino de 40 anos de idade, assintomático do ponto de vista respiratório, encaminhado ao nosso serviço para avaliação pré-operatória de clipagem de aneurisma da artéria oftálmica. Referia antecedente de tuberculose pulmonar tratada em duas ocasiões (1982 e 1990) e ser tabagista (45 anos/maço). À ausculta pulmonar, constatou-se diminuição do murmúrio vesicular globalmente. A radiografia do tórax mostrou uma opacidade ovalada, medindo no seu maior diâmetro cerca de 1,0cm, localizada em terço superior do hemitórax direito. Foi solicitada uma tomografia de tórax, que revelou uma opacidade arredondada em lobo superior direito, associada à hiperinsuflação distal (Figura 3). Broncoscopia foi solicitada com a finalidade de descartar lesão endobrônquica, uma vez que o paciente apresentava antecedente de tuberculose pulmonar, tendo mostrado hipogenesia do brônquio do segmento anterior do LSD (Figura 4). Como o paciente era assintomático, optou-se por acompanhá-lo clinicamente.



DISCUSSÃO

Atresia brônquica congênita foi descrita inicialmente em 1953 por Ramsay e Byron(1). É geralmente uma anomalia isolada, mas pode coexistir com seqüestro pulmonar, malformações adenomatosas(2) e pectus excavatum(3). Até 1991, 101 casos de atresia brônquica congênita tinham sido publicados na literatura americana e japonesa(4). Desde então, diferentes relatos têm sido publicados.

Essa anomalia caracteriza-se por atresia de um brônquio segmentar ou lobar, o qual se dilata ao tornar-se preenchido por muco, formando uma broncocele. Hiperinsuflação distal ao segmento comprometido ocorre por ventilação colateral, através dos poros interalveolares de Khon, dos canais broncoalveolares de Lambert ou dos canais interbronquiolares.

Achados macroscópicos de peças retiradas cirurgicamente não revelaram qualquer conexão com a árvore brônquica proximal, embora infreqüentemente um cordão ou tecido fibroso remanescente possa estar presente(3,5). O suprimento arterial e venoso regional geralmente é atenuado. Microscopicamente, o parênquima envolvido consiste de alvéolos alargados, em número diminuído por unidade de volume pulmonar. A broncocele é revestida por epitélio colunar ou cubóide ciliado e a árvore brônquica distal ao segmento envolvido é normal, o que sugere o desenvolvimento tardio da atresia, ocorrendo após o desenvolvimento brônquico estar completo. A etiologia da atresia brônquica é incerta. Investigadores têm sugerido uma agressão vascular como fator desencadeante, pela similaridade dessa doença com atresia intestinal(3).

A maioria dos pacientes com atresia brônquica constitui-se de adultos jovens, entre a primeira e a segunda décadas de vida. Entretanto, o diagnóstico pode ocorrer em qualquer faixa etária. Predomina no sexo masculino, na relação de 2:1(2). Geralmente, os pacientes são assintomáticos na época do diagnóstico, sendo esse suspeitado através de uma alteração radiológica detectada acidentalmente. Quando presente, as queixas comumente relatadas são de infecção de repetição, dispnéia e tosse. Pneumotórax espontâneo pode ser a apresentação inicial(6). Ao exame físico, diminuição do murmúrio vesicular é o achado mais comum. Sibilos localizados podem ser auscultados em alguns pacientes.

A radiografia de tórax mostra, em 75% dos casos, uma opacidade arredondada, ovalada ou ramificada, em região hilar ou peri-hilar, associada a uma hipertransparência distal(2). A localização mais freqüente da atresia brônquica é o lobo superior esquerdo, o qual é acometido em cerca de 50% dos casos, principalmente no segmento ápico-posterior(5). Seguem em freqüência o LSD, LIE, LID e o LM.

No passado, o diagnóstico definitivo da atresia brônquica congênita requeria toracotomia em mais de 72% dos casos(4,5), mas atualmente a tomografia computadorizada é o procedimento diagnóstico de escolha, revelando um brônquio dilatado com impactação mucóide e hiperluscência distal, que são característicos(7-9). TC com contraste descarta anomalia vascular, tornando a angiografia desnecessária.

Broncografia e broncoscopia podem ser úteis no estudo do sítio da atresia. Entretanto, entre 83 pacientes com atresia brônquica que realizaram broncografia, 60 não tiveram o brônquio afetado visibilizado e em 44 pacientes pôde-se observar deslocamento do brônquio adjacente ao brônquio atrésico ou compressão lobar pelo segmento hiperinsuflado(4). Broncoscopia deve ser realizada em crianças e idosos principalmente, para demonstrar a patenticidade do brônquio proximal. Em vista das dificuldades técnicas inerentes à broncografia e do aperfeiçoamento da tomografia computadorizada, esta vem sendo utilizada com grande freqüência e sucesso no diagnóstico das patologias brônquicas.

O mapeamento ventilação-perfusão pode mostrar ventilação reduzida ou ausente no segmento afetado, com marcada redução perfusional e a ressonância magnética, que tem sido utilizada em alguns casos, mostra a natureza broncogênica da lesão(5).

Dentre os diagnósticos diferenciais destacam-se: cisto broncogênico, seqüestro pulmonar, síndrome de Swyer James e McLeod, enfisema infantil, neoplasia, doença granulomatosa, aspiração de corpo estranho, broncolitíase, embolia pulmonar e aspergilose broncopulmonar alérgica.

O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de infecção de repetição e de prejuízo funcional por compressão do parênquima adjacente ao segmento hiperinsuflado(7). O procedimento de escolha é a segmentectomia(4).

1. Médica; Pós-Graduanda em nível de Mestrado.

2. Médica Residente do 3o ano.

3. Doutor e Assistente da Disciplina; Médico Assistente do Serviço de Doenças Respiratórias do Hospital do Servidor Público Estadual.

4. Doutor e Assistente da Disciplina.

Endereço para correspondência ¾ Alecsandra Calil Moyses, Av. Dr. Cardoso de Melo, 1.060, Apto. 95 ¾ 04548-004 ¾ São Paulo, SP.

Recebido para publicação em 8/7/99. Reapresentado em 26/10/99. Aprovado, após revisão, em 10/2/00.

  • 1. Ramsay BH, Byron FX. Mucocele, congenital bronchiectasis and bronchogenic cyst. J Thorac Surg 1953;26:21-29.
  • 2. Kinsella D, Sissons G, Williams MP. The radiological imaging of bronchial atresia. Br J Radiol 1992;65:681-685.
  • 3. School III RJ, Neumann DP, Yamase HT. Case report: bronchial atresia associated with pectus excavatum. Conn Med 1997;61:263-267.
  • 4. Mori M, Kidogawa H, Moritaka T, Ueda N, Furuya K. Bronchial atresia: report of a case and review of the literature. Jpn J Surg 1993;23:449-454.
  • 5. Jederlinic PJ, Sicilian LS, Baigelman W, Gaensler EA. Congenital bronchial atresia. Medicine 1986;65:73-83.
  • 6. Berkman N, Bar-Ziv J, Breuer R. Recurrent spontaneous pneumothorax associated with bronchial atresia. Respir Med 1996;90:307-309.
  • 7. Rossoff LJ, Steinberg H. Bronchial atresia and mucocele: a report of two cases. Respir Med 1994;88:789-791.
  • 8. Logan PM. Branching parenchymal mass. Chest 1998;113:523-524.
  • 9. Rappaport DC, Herman SJ, Weisbrod GL. Congenital bronchopulmonary diseases in adults: CT findings. AJR Am J Roentgenol 1994; 162:1295-1299.
  • *
    Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina ¾ Universidade Federal de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Aceito
      10 Fev 2000
    • Recebido
      08 Jul 1999
    • Revisado
      26 Out 1999
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