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Enfisema lobar congênito diagnosticado em paciente adulta

Congenital lobar emphysema diagnosed in an adult patient

Resumos

O enfisema lobar congênito é uma doença na qual as manifestações clínicas, quase sempre, aparecem nos primeiros seis meses de idade. Neste relato, os primeiros sintomas surgiram em uma paciente de 20 anos, quando desenvolveu um pneumotórax espontâneo, acontecimentos esses excepcionais. São revistas as possíveis etiologias dessa malformação congênita pulmonar e são justificadas as razões para a manutenção do tratamento conservador.

Enfisema pulmonar; Pneumotórax; Anormalidades; Adulto


Congenital lobar emphysema is a disease in which symptoms often begin during the first six months of age. In this report, the authors present the case of a twenty-year-old woman whose symptoms started when she had a spontaneous pneumothorax, an exceptional occurrence. The possible etiologies for that congenital lung malformation and the reasons for the performance of a conservative treatment are discussed.

Pulmonary emphysema; Pneumothorax; Abnormalities


RELATO DE CASO

Enfisema lobar congênito diagnosticado em paciente adulta* * Trabalho realizado no Hospital Universitário Alzira Velano, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Alfenas, Alfenas, MG.

ANTONIO S. PORTO1 * Trabalho realizado no Hospital Universitário Alzira Velano, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Alfenas, Alfenas, MG. , EVANDRO M.S. MAGALHÃES2 * Trabalho realizado no Hospital Universitário Alzira Velano, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Alfenas, Alfenas, MG. , MICHELE M. COPPINI3 * Trabalho realizado no Hospital Universitário Alzira Velano, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Alfenas, Alfenas, MG. , VIVIANE P. FREITAS3 * Trabalho realizado no Hospital Universitário Alzira Velano, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Alfenas, Alfenas, MG.

O enfisema lobar congênito é uma doença na qual as manifestações clínicas, quase sempre, aparecem nos primeiros seis meses de idade. Neste relato, os primeiros sintomas surgiram em uma paciente de 20 anos, quando desenvolveu um pneumotórax espontâneo, acontecimentos esses excepcionais. São revistas as possíveis etiologias dessa malformação congênita pulmonar e são justificadas as razões para a manutenção do tratamento conservador.

Congenital lobar emphysema diagnosed in an adult patient

Congenital lobar emphysema is a disease in which symptoms often begin during the first six months of age. In this report, the authors present the case of a twenty-year-old woman whose symptoms started when she had a spontaneous pneumothorax, an exceptional occurrence. The possible etiologies for that congenital lung malformation and the reasons for the performance of a conservative treatment are discussed.

Descritores — Enfisema pulmonar. Pneumotórax. Anormalidades. Adulto.

Key words — Pulmonary emphysema. Pneumothorax. Abnormalities.

INTRODUÇÃO

Os termos enfisema obstrutivo regional, enfisema localizado hipertrófico, enfisema infantil progressivo, enfisema congênito obstrutivo, enfisema de tensão, enfisema congênito hipertrófico, enfisema lobar gigante, enfisema lobar infantil e enfisema panlobular da infância são sinônimos de enfisema lobar congênito(1), palavras estas mais utilizadas atualmente, para designar uma rara doença pulmonar, na qual ocorre hiperinsuflação de um ou, excepcionalmente, dois lobos pulmonares, sendo mais freqüentemente comprometido o lobo superior esquerdo, seguido dos lobos médio e superior direito(1-8).

O quadro clínico, com dispnéia, tosse, ronco, sibilo e até cianose, é precoce. Surge em 90% dos pacientes antes dos seis meses de idade, quando é diagnosticada cerca de metade dos casos(1,2,4-6,8). Em apenas 5% dos pacientes as manifestações clínicas e os diagnósticos são estabelecidos após essa faixa etária e, em situações excepcionais, alguns doentes adultos podem permanecer assintomáticos(3,5).

Este trabalho tem a finalidade de relatar o caso de uma paciente com enfisema lobar congênito, cujos primeiros sintomas se iniciaram somente aos 20 anos de idade.

RELATO DO CASO

Mulher branca de 20 anos, estudante de nível superior, referia dor súbita no hemitórax esquerdo há seis horas, seguida de dispnéia, sem história prévia de trauma torácico, de grande esforço físico, de doença pulmonar ou de quaisquer outros sintomas respiratórios. Informou, ainda, ser portadora de má-formação da parede torácica desde o nascimento e que dois de seus irmãos, gêmeos, também apresentavam defeitos do tórax.

Após exame clínico e radiológico foi diagnosticado um pneumotórax espontâneo, com colapso de aproximadamente 40% do pulmão esquerdo, cifoescoliose dorsal e rotação parcial da parte inferior do esterno, acompanhando afundamento costal da base anterior do hemitórax esquerdo.

A paciente foi submetida a toracostomia com drenagem fechada, obtendo a reexpansão completa do pulmão após três dias, quando o tubo torácico foi retirado. A seguir, foram realizadas radiografias e tomografias computadorizadas torácicas de controle. Estes últimos exames revelaram um lobo pulmonar superior esquerdo hiperinsuflado, com infiltrado fibrótico e formações bolhosas, comprimindo o lobo pulmonar inferior esquerdo e herniado, através do mediastino, para o hemitórax direito, colabando parcialmente o lobo superior do pulmão oposto. Esses dados confirmaram o diagnóstico de enfisema lobar congênito (Figura 1).

Figura 1
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A doente recebeu alta hospitalar uma semana após e está assintomática há 3 anos.

DISCUSSÃO

As diversas nomenclaturas usadas para esta doença corroboram as dificuldades existentes para estabelecer corretamente a sua etiopatogenia(1,5). Teoricamente, a hiperinsuflação isolada de um lobo pulmonar, levando ao enfisema, pode ser considerada como conseqüência de um possível mecanismo valvular, localizado no brônquio deste lobo, que permite a entrada de ar, impede parcialmente sua saída, favorece a dilatação dos alvéolos e comprime o parênquima local. Este lobo hiperexpandido pressiona as estruturas adjacentes, produz uma hérnia através do mediastino e colapso no seguimento pulmonar contralateral(1,2,4,5).

O mecanismo valvular pode ser secundário à obstrução brônquica intrínseca intramural localizada, como a deficiência qualitativa ou quantitativa de cartilagem (bronquiomalacia); septação, estenose, acotovelamento brônquico e até pela presença de rolha de muco dentro do mesmo. Além disso, o enfisema pode ser formado por obstrução brônquica circunscrita extrínseca, como a presença de canal arterial, anel aórtico, nódulo linfático hiperplásico, cisto broncogênico ou esofágico duplicado e teratoma(1-5,7,8). Entretanto, na metade dos casos, a etiologia do enfisema lobar congênito não pode ser definida(4) ou identificada(5), o que permite teorias diversas sobre a sua origem, desde uma hiperplasia no desenvolvimento bronquíolo-alveolar regionalizada(5) até a existência de patogênese idêntica à da síndrome atelectásica(7).

Em aproximadamente 20% dos pacientes portadores de enfisema lobar congênito são encontradas malformações cardíacas; em 10% deles, existem agenesias renais, rins policísticos(4-6) e defeitos da parede torácica(3). Estes últimos foram encontrados nesta paciente, que apresentava cifoescoliose dorsal e pectus excavatum à esquerda, de modo semelhante a um caso diagnosticado em paciente do sexo masculino de 17 anos(3). Além disso, dois irmãos gêmeos da paciente apresentam pectus carinatum. Estes achados, em membros da mesma família, bem como nestes dois pacientes com enfisema lobar congênito, nos levam a indagar da possibilidade da existência de algum mecanismo genético comum relacionado tanto na formação do defeito da parede torácica quanto na formação do enfisema lobar congênito.

Nesta paciente, além do diagnóstico fortuito, duas situações clínicas foram bem diferentes: a ausência de sintomas antes da vida adulta e o desenvolvimento de pneumotórax espontâneo. Os portadores de enfisema lobar congênito, quase sempre, são sintomáticos desde o nascimento(1,2,4-6,8), ou apresentam queixas pulmonares tardias(5), como o paciente que mais se assemelha a este caso(3). Os pneumotórax, ocasionais nestes pacientes, acontecem acidentalmente por barotrauma durante assistência ventilatória(8), ou através de drenagens torácicas iatrogênicas(2,4), quando se estabelecem falsos diagnósticos de colapsos pulmonares agudos e pneumatoceles hipertensivas.

A ausência de quaisquer sintomas até o presente momento, o controle clínico e radiográfico freqüente, a possibilidade de atendimento imediato, a não repetição do pneumotórax, a chance de evitar associar uma cicatriz cirúrgica a um defeito torácico preexistente, justificam, neste caso, a manutenção controversa do tratamento conservador(2,4-6,8), embora exista a constante expectativa de ser necessária, a qualquer momento, uma lobectomia pulmonar(3).

1. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Professor de Cirurgia Cardiovascular e Torácica, Departamento de Cirurgia.

2. Especialista em Pneumologia e Tisiologia pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Associação Médica Brasileira; Professor de Clínica Médica e Pneumologia, Departamento de Clínica Médica.

3. Acadêmica estagiária do 6a ano do Curso de Medicina.

Endereço para correspondência — Dr. Antonio S. Porto, Praça Getúlio Vargas, 163/201 — 37130-000 — Alfenas, MG. Tels. (35) 292-5518 (res.), (35) 299-6000; fax (35) 292-3405.

Recebido para publicação em 13/3/00. Reapresentado em 11/5/00. Aprovado, após revisão, em 2/6/00.

  • 1. Saim L, Mohamad AS, Ambu VK. Congenital lobar emphysema: a case with bronchial septum. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1994;28:241-246.
  • 2. Man DWK, Hamdy MH, Hendry GMA, Forfar JO. Congenital lobar emphysema: problems in diagnosis and management. Arch Dis Child 1983;58:709-712.
  • 3. McDonald CF, Pierce RJ, Barter CE, Chou ST, Daniel FJ. Congenital lobar emphysema requiring surgery in adult life. Aust N Z J Med 1986; 16:501-506.
  • 4. Ormonde JB, Gabriel E, De Yuan C, Caris JJM, Lopes JA. Enfisema lobar congênito. A propósito de três casos. J Pediatr (RJ) 1989;65: 253-258.
  • 5. Kravitz RM. Congenital malformations of the lung. Pediatr Clin North Am 1994;41:453-472.
  • 6. Riedi CA, Rosário Filho NA, Trevisan IV, Carreiro JE, Escuissato DL. Malformações pulmonares e mediastinais com repercussões respiratórias. J Pneumol 1998;24:303-310.
  • 7. Ring-Mrozik E, Hecker W Ch, Nerlich A. Lobar emphysema and atelectasis syndrome, a nosological unity. Eur J Pediatr Surg 1995;5:131-135.
  • 8. Kennedy CD, Habibi P, Matthews DJ, Gordon I. Lobar emphysema: long-term imaging follow-up. Radiology 1991;180:189-193.
  • *
    Trabalho realizado no Hospital Universitário Alzira Velano, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Alfenas, Alfenas, MG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Revisado
      11 Maio 2000
    • Recebido
      13 Mar 2000
    • Aceito
      02 Jun 2000
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de Patologia, Laboratório de Poluição Atmosférica, Av. Dr. Arnaldo, 455, 01246-903 São Paulo SP Brazil, Tel: +55 11 3060-9281 - São Paulo - SP - Brazil
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